Science publica artigo sobre os impactos da indicação de um criacionista para presidir a CAPES

DI EVOLUTION

A escolha do presidente Jair Bolsonaro de um defensor do Criacionismo para presidir uma das principais agências de fomento da ciência na América Latina, a CAPES, é motivo de grande preocupação não apenas no interior de grande parte da comunidade científica brasileira, mas também da comunidade científica mundial.

O principal problema é o choque inevitável que é ter defensor de uma não teoria (já que o Criacionismo nada mais é do que uma postulação religiosa que propõe uma versão não científica do surgimento da vida na Terra) para dirigir uma agência cuja finalidade primária é exatamente apoiar o desenvolvimento da ciência brasileira.

Que ninguém se engane com o propósito da indicação de Benedito Guimarães Aguiar Neto para dirigir a CAPES. A colocação de Aguiar Neto na presidência da CAPES visa apenas ampliar o caos que já está criado na ciência brasileira, o qual já está causando um massivo processo de migração de pesquisadores brasileiros para outras partes do mundo.

Abaixo posto um artigo assinado pelo jornalista Herton Escobar para a revista Science, uma das mais importantes revistas científicas do mundo.

A escolha de um Criacionista para liderar agência de ensino superior preocupa cientistas brasileiros

Por Herton Escobar para a Science

A nomeação de um defensor do Criacionismo para liderar a agência que supervisiona os programas de pós-graduação no Brasil preocupa os cientistas – mais uma vez – com a invasão da religião nas políticas públicas de ciência e  educação.

No sábado, o governo do presidente Jair Bolsonaro nomeou Benedito Guimarães Aguiar Neto para chefiar a agência, conhecida como CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Aguiar Neto, um engenheiro elétrico, atuou anteriormente como reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (MPU), uma escola particular de orientação religiosa. Aguiar Neto defende o ensino e o estudo do Design Inteligente (DI), uma conseqüência do Criacionismo bíblico que argumenta que a vida é complexa demais para ter evoluído pela evolução darwiniana e, portanto, exige a existência de um designer inteligente.

Pesquisadores estão lamentando a indicação. “É completamente ilógico colocar alguém que tem promovido ações contrárias ao consenso científico em posição de gerenciar programas que são essencialmente de treinamento científico”, disse o biólogo evolucionista Antonio Carlos Marques, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

A nomeação cria “insegurança” sobre como a CAPES moldará os programas educacionais, diz Carlos Joly, pesquisador de biodiversidade da Universidade de Campinas (Unicamp).

A CAPES é uma agência federal importante do Ministério da Educação do Brasil. É responsável por regular, supervisionar e avaliar todos os programas de pós-graduação nas universidades brasileiras e financia milhares de bolsas de estudos para mestrandos e doutorandos.  A CAPES também emite apelos de financiamento para pesquisa e fornece treinamento para professores no ensino fundamental e médio.

Aguiar Neto foi recentemente citado em um comunicado de imprensa da Universidade Mackenzie onde afirmava que o DI deveria ser introduzido nos currículos da educação básica do Brasil como “um contraponto à Teoria da Evolução” , e para que o Criacionismo pudesse ser apoiado por “argumentos científicos”.  Aguiar Neto fez os comentários antes do 2º Congresso sobre Design Inteligente, realizado na Universidade Mackenzie em outubro de 2019. O evento foi organizado pelo Discovery Mackenzie, um centro de pesquisa criado pela Universidade Mackenzie em 2017 para espelhar o Discovery Institute em Seattle, que também promove os postulados do Desenho Inteligente

Aguiar Neto é reitor da Mackenzie desde 2011. Na CAPES, ele substitui Anderson Correia, que agora é reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), uma escola de elite de engenharia ligada à Força Aérea Brasileira.

Esta é a segunda vez em Bolsonaro que as visões de um candidato sobre o Criacionismo se tornam um problema. Em janeiro de 2019, Damares Alves, recém-nomeada ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos de Bolsonaro, recebeu críticas por dizer, em um vídeo de 2013, que as igrejas evangélicas do Brasil haviam perdido influência na sociedade, permitindo que os cientistas “controlassem” o ensino da evolução nas escolas. Os cristãos evangélicos do Brasil estão entre os mais fortes apoiadores de Bolsonaro.

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Este artigo foi publicado originalmente em inglês pela revista Science [Aqui!].

 

Ao atacar Marcos Pontes, Silas Malafaia dá testemunho de porque ciência e religião devem ficar sob os cuidados de quem entende

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A imagem acima mostra a Xilogravura de Flammarion, que é assim chamada porque a sua primeira aparição foi documentada em 1888 no livro L’atmosfera: météorologie populaire (“A Atmosfera: Meteorologia Popular”), de autoria de Camille Flammarion. Ela mostra um homem medieval com seu bastão, vestido como um peregrino, que olha para o céu como se estivesse encoberto por uma cortina, ele olha como se quisesse conhecer o outro lado da Terra, o que está oculto, o que há além do próprio planeta Terra.

Uma das poucas declarações lúcidas pronunciadas por um membro do governo Bolsonaro foi dada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que rebateu as declarações da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, de que “que a igreja evangélica perdeu espaço na História ao “deixar” a Teoria da Evolução entrar nas escolas sem ser questionada.” [1]. Fontes, enquanto o responsável pelas questões relacionadas à ciência e tecnologia do governo Bolsonaro, rebateu de forma educada dizendo algo que deveria ser senso comum entre qualquer cidadão do Século XXI ao afirmar que “… do ponto de vista da ciência, são muitas décadas de estudo para formar a Teoria da Evolução desde o início. Ou seja, não se deve misturar ciência com religião.”

Essa declaração do ministro da Ciência e Tecnologia que nada tem de extraordinária causou um posicionamento do Pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo   e apoiador de primeira hora da candidatura de Jair Bolsonaro, que usou sua página oficial na rede social Twitter para tentar ensinar a Marcos Fontes a diferença entre “lei” e “teoria” para, em seguida, questionar a validade da Teoria da Evolução de Charles Darwin (ver imagem abaixo) [2].

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Uma nota inicial é que por cerca de 17 anos fui o encarregado de ministrar a disciplina “Fundamentos da Metodologia da Pesquisa” no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense.  E a enunciação das principais diferenças entre “leis”, “teorias”, “hipóteses”, “conceitos” e variáveis” era uma dos primeiros conteúdos que apresentava aos participantes da referida disciplina. A razão para isso era e é bem simples: a maioria dos leigos em ciência não sabem diferenciar uma coisa da outra, o que contribui para a criação de graves distorções na produção de conhecimento científico. É que quem não sabe o básico do básico em termos de formação do conhecimento científico, não terá como produzir ciência.

Por isso ao ler o tweet do Pastor Silas Malafaia me dividi entre um momento de pasmo e outro de dúvida. O pasmo ficou por conta da ação de um pastor tentando ensinar ciência ao ministro da Ciência e Tecnologia. Já a dúvida ficou por conta do quão certo ou errado o Pastor Silas Malafaia em questionar a “verdade” da Teoria da Evolução ao colocá-la num plano inferior ao ocupado pelas leis da ciência.  E, pior, se o Pastor Silas Malafaia estivesse certo, eu teria que procurar todos os participantes das 17 edições que participaram da disciplina “Fundamentos da Metodologia da Pesquisa” que ofereci na Uenf.

Felizmente hoje existem as chamadas ferramentas de busca na internet, e fiz o que toda pessoa deveria fazer antes de escrever sobre algo que não entende, no caso do Pastor Silas Malafaia, ciência.  

Uma busca rápida com os termos “leis”, “teoria” e “ciência” no Google ofereceu “apenas” 26 milhões de links para serem acessados. Se o Pastor Silas Malafaia tivesse tido a curiosidade de acessar pelo menos um desses 26 milhões de links, ele provavelmente não teria tentando desacreditar a Teoria da Evolução da forma tão tosca quanto tentou.

É que, colocando em miúdos, teorias e leis não estão em condições hierárquicas disparatadas como Malafaia tentou dar a entender.  É que leis e teorias científicas apenas tratam de elementos distintos de construção do conhecimento dito científico, sendo o principal deles o fato de que “enquanto as teorias científicas explicam fenômenos da natureza, as leis são descrições generalistas desses fenômenos.” [3].  

E mais importante: teorias científicas são construídas inicialmente como um modelo ideal da realidade, mas só “sobrevivem” se resistirem a seguidos testes relativos à sua validade e replicabilidade.  Além disso, dado que a ciência assume a possibilidade de aperfeiçoamento mediante à eliminação de erros, teorias podem ser aperfeiçoadas ao longo do tempo ou, simplesmente, serem abandonadas por serem refutadas por outras teorias com maior capacidade de explicação sobre um dado fenômeno.

E quando se fala da Teoria da Evolução, pode-se até não gostar da explicação que ela oferece sobre o processo que origina e afeta a dinâmica evolutiva das espécies que vivem na Terra. Entretanto, a Teoria da Evolução já sobreviveu a basicamente todos os testes concernentes à sua validade e sua aplicação universal. Isso não quer dizer que outra teoria não possa competir por uma explicação melhor. Entretanto, não há como disputar boa parte dos seus postulados teóricos, pois os mesmos já foram extensamente demonstrados empiricamente.  E aí é que mora o maior perigo para leigos que tentem adentrar o domínio da ciência. É que a boa ciência deve resistir tanto à testes teóricos como empíricos, não havendo espaço para o sobrenatural nesse tipo de verficação.

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Charles Darwin (1809-1882), naturalista britânico que convenceu a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual.

Assim, o que parece ficar demonstrado neste ataque de Silas Malafaia a  Marcos Pontes é que parece ser mais prudente que o pastor se atenha à religião e o ministro à questão da ciência. Se ambos fizerem isso, é possível que o produto final seja melhor para ambos. E, principalmente, ninguém passará vergonha por falar do que não entende.

Por fim, aos que se interessarem em conhecer mais sobre o processo de formação e evolução da ciência moderna, sugiro a leitura do livro “A Ciência e a Filosofia dos Modernos” do filósofo italiano Paolo Rossi (atenção para o fato de que não é o mesmo Paolo Rossi, o centroavante que destroçou as esperanças brasileiras no Estádio de Sarriá na Copa do Mundo de 1982!) [4]. Considero esse livro excelente para que se entenda os fundamentos da ciência moderna e sempre recorro a ele quando tenha dúvidas sobre o assunto.