Um breve relato pessoal sobre meu tour em uma sociedade pandêmica

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Em visita às Cataratas do Iguaçu, uma multidão aglomerada mas, felizmente, portando máscaras faciais

Após viver praticamente dois anos em um alto grau de isolamento por causa da pandemia da COVID-19, estou, por assim dizer, na estrada desde 21 de dezembro, tendo dirigido cerca de 4.000 km por três estados brasileiros, com direito uma breve visita ao Paraguai. Durante todo esse tempo, usei duas máscaras faciais (uma cirúrgica e outra de pano) e frequentei todo tipo de lugar superlotado. O detalhe é que sai de Campos dos Goytacazes tendo recebido 3 doses de vacinas contra a COVID-19.

Ao longo desse tempo, em que logrei não contrair o vírus visitei locais super lotados, incluindo hotéis, restaurantes e pontos turísticos. Antes, durante e depois de entrar em contato com um alto número de pessoas, higienizei as mãos e tomei banho após ir a locais especialmente lotados de pessoas, incluindo uma ida a Ciudad del Leste, onde inexistia qualquer controle na entrada e saída da fronteira brasileira. Afora isso, usei estratégias de distanciamento naqueles locais em que tive que retirar as máscaras que utilizava. Aliás, neste viagem trouxe um número alto de máscaras de pano e caixas de máscara cirúrgicas para poder trocar sempre a proteção, evitando que tenha de portar unidades que estejam “cansadas”.

Agora que apontei meus cuidados pessoais, quero compartilhar um pouco do que vi em relação às pessoas com quem interagi e os locais em que estive. A primeira coisa que me pareceu importante é que nos três estados que passei (Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná), há uma alta disposição das pessoas sobre portar máscaras faciais e utilizar produtos de higienização. Além disso, os trabalhadores com quem tive contato mostraram alto grau de disciplina sobre a necessidade de adotar padrões de segurança pessoal, tendo sido orientado sobre as medidas de higienização na maioria dos locais onde passei.  Nesse sentido, há que se reconhecer que a batalha da comunicação não foi tão perdida como é relatado pela mídia corporativa por “especialistas” convocados pelas grandes emissoras. Para mim, a coisa não está e não foi pior porque a maioria das pessoas já entendeu o risco de se estar contaminado com o coronavírus. Em um país com diferenças sociais colossais como é o caso do Brasil, isto não me parece pouca coisa.

Nomeando os que resistem contra as medidas de prevenção

wp-1642255524972Em um ônibus turístico lotado com pessoas portando máscaras houve quem preferisse ignorar os protocolos de segurança apresentados no início do trajeto

Um detalhe que me parece ser revelador acerca de onde está a resistência para enfrentarmos a pandemia é o comportamento de parte das pessoas, as quais não são em sua maioria os mais pobres. Nos locais que frequentei os que se recusavam a adotar a máscara facial eram sempre aqueles que portavam roupas de grife, com aquele jeitão inconfundível que os membros da classe média possuem.  A resistência ao cuidado coletivo não vem dos mais pobres como se parece acreditar, mas de pessoas que têm toda a condição de entender o impacto de suas ações individualistas, mas optam por não considerar o risco que causam para si e para os outros.

Por outro lado, a partir do que vi, considero que a falta de controle sobre grandes estabelecimentos e os operadores privados de locais públicos é um dos facilitadores da disseminação do coronavírus. É que quanto maior era o tamanho do empreendimento maior era o descontrole, incluindo pontos turísticos que continuavam aglomerando milhares de pessoas em meio ao início da disseminação da variante “ômicron”.  Nesse tipo de empreendimento a ausência quase completa da vigilância sanitária era óbvia, ficando os cuidados por conta “do cliente”.  Com isso, cai por terra qualquer argumento no sentido de que os capitalistas vão cuidar dos seus clientes, pois o que conta mesmo é a garantia do lucro instantâneo.

Duas rápidas observações sobre vacinas e testes

Notei que a maioria das pessoas com quem propositalmente interagi acerca das vacinas apoia a vacinação e estava vacinada.  Isso me mostra que todo o esforço do governo federal, principalmente do presidente Jair Bolsonaro, não logrou convencer uma parcela significativa da população.  Isso também explica porque em um estado que votou maciçamente em Jair Bolsonaro em 2018, o Paraná, não notei qualquer apoio público às manifestações anti vacina do presidente da república. 

Um detalhe é que fui perguntado em incontáveis vezes sobre a eficiência das vacinas e a importância de se completar o esquema vacinal.  Em todos esses casos havia dúvidas sobre a eficiência, mas nada que refletisse a postura negacionista de Jair Bolsonaro.

Além disso, verifiquei “in loco” que as pessoas estão acorrendo aos postos de testagens quando suspeitam que podem ter sido contaminadas pelo coronavírus, fato que explicita o grave equívoco que tem sido a não disponibilização de um amplo processo de testagem no Brasil. Tivéssemos tido testagem em massa, o mais provável é que não o Brasil não haveria alcançado o macabro número de mais de 620 mil mortos pela COVID-19.

Resumo da ópera

É forçoso reconhecer que estamos em meio a mais uma forte onda de contaminações do coronavírus no Brasil, muito em parte pelo alto grau de contágio propiciado pela variante ômicron. Entretanto, considero que a situação poderia ser ainda muito pior se uma parcela significativa da população não tivesse aderido aos parcos protocolos de segurança adotados no país.  

O importante é identificar que a grande parcela de culpa sobre o quadro assumido pela pandemia no Brasil deve recair sobre o presidente da república, um negacionista científico declarado, e de toda a sua equipe de governo que permitiu que ele agisse da forma que agiu e continua agindo. 

Mas não se pode desconhecer daquelas parcelas do capital que estão fortemente associadas ao governo Bolsonaro que se comportam de forma oportunista e irresponsável em meio à essa catástrofe humana que estamos vivenciando por causa da COVID-19.  Um necessário ajuste de contas terá que ser feito com esses segmentos, pois grandes e médios empresários ajudaram conscientemente a agravar a pandemia, apenas para manter seus lucros rolando.

Finalmente, considero que é importante ressaltar que a pandemia causou sim uma forma de aprendizagem sobre a importância do conhecimento científico e do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse aprendizado poderá ser útil para a retomada dos direitos que os últimos anos de desmanche do estado brasileiro que foi o resultado mais objetivo do golpe parlamentar de 2016 contra a ex-presidente Dilma Rousseff. 

Antes que me esqueça, estou chegando em casa sem ter contraído o coronavírus. Considero isso o resultado da combinação de meus cuidados pessoais com o fato de ter completado meu esquema vacinal com a terceira dose antes de sair de Campos dos Goytacazes. Somado a isso, o fato de ter desafiado as estatísticas e não ter me contaminado nos locais onde tive de retirar as máscaras de proteção. Por isso tudo, recomendo que todos se vacinem e se mantenham disciplinados no tocante ao uso dos equipamentos de proteção.

Coronavírus: Brasil lidera em infecções e mortes, mas Venezuela lidera testagem

Drive Through COVID-19 Testing Facility Expands In South FloridaBrasil lidera em infecções e mortes, mas quem lidera na testagem é a Venezuela.

Para quem ainda não conhece, eu recomendo o site “Worldmeters.info” que possui uma página atualizada em tempo quase real para várias estatísticas relacionadas à pandemia causada pelo coronavírus.  Eu visitei este  na tarde de hoje para verificar as estatísticas relacionadas aos 12 países e uma unidade ultramarina que formam a América do Sul, e os resultados são muito reveladores acerca do desempenho do Brasil no controle desta pandemia.

É que segundo os números disponíveis no “Worldmeters”, o Brasil possui o maior número de infectados e mortos pelo coronavírus, mas só possui índices melhores de testagem do que Bolívia e Guiana (ver figura abaixo).

Covid south america

Na questão da testagem, em termos de proporção por milhão de habitantes testados e no número de testes efetivamente realizados, a Venezuela é de longe a líder disparada com 203.208 testes realizados, com uma proporção de 7.143 testes por milhão de habitantes.  Enquanto isso o Brasil aplicou até agora míseros 62.985 testes, com uma taxa de 296 testes por milhão de habitantes. 

Mas a Argentina, um país que se encontra em dificuldades ainda maiores do que o Brasil, no mesmo período aplicou 22.805 testes, em uma taxa de 505 testes por milhão de habitantes.  O interessante é que possuindo uma população de 43.590.368 habitantes, a Argentina tem até agora 2.277 casos oficiais e um total de 102 óbitos por causa da COVID-19. Já o Brasil, com uma população de 211.291.881,00 habitantes, já alcançou 24.232 casos oficiais e 1.378 óbitos.  

A verdade é que toda as alegações de que o Brasil não seguiria as recomendações para aplicar testes para além dos infectados e suas famílias, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), está nos colocando em uma posição vergonhosa até na América do Sul, onde a maioria dos países não possui a mesma força econômica ou a estrutura hospitalar.

Com base nessas estatísticas, fico com a impressão ainda mais forte de que é falacioso o suposto embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ainda ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM/MS). É que por caminhos aparentemente diferentes, ambos estão deixando a população brasileira (especialmente os segmentos mais pobres) em um voo cego contra um vírus altamente letal. Em outras palavras, Bolsonaro e Mandetta são duas faces de uma mesma moeda.

Finalmente, é fundamental que haja um movimento amplo para se pressionar o governo federal para que disponibilize urgentemente uma grande quantidade de testes para que os estados e municípios possam ter algum controle sobre os polos de dispersão do coronavírus em todo o território nacional.

Brasil está em voo cego na pandemia por falta de testagem em massa

Virology Lab Work As Europe On Coronavirus High Alert

A realização de testes em massa associada ao uso de ferramentas de localização geográfica é a forma mais eficiente de conter a difusão da pandemia causada pelo coronavírus. Isso ficou evidente em lugares em que a testagem foi amplamente feita, tais como China, Singapura, Coréia do Sul e Alemanha.

No Brasil, a tática adotada pelo ministério da Saúde comandada por Luiz Henrique Mandetta tem sido a de aplicar o teste para a presença do coronavírus naquelas pessoas que já manifestam os sintomas da COVID-19.  Algo assemelhado a examinar um paciente que dá entrada em unidade hospitalar após receber vários tiros, apenas para saber quantos tiros foram.

A razão para isso é simplesmente econômica, pois o Brasil não tem capacidade instalada para produzir o número suficiente de testes para testar todos a população e, por isso, precisa importar. Diante dessa situação, o governo Bolsonaro resolveu economizar e reduzir propositalmente a população a ser testada aos que já manifestam os sintomas mais evidentes da COVID-19.

Ao fazer isso, o Ministério da Saúde está aumentando o nível de subnotificação dos casos de COVID-19, aumentando o grau de incerteza sobre quantas pessoas já foram infectadas. Com isso, é bem possível que estejamos adentrando o mesmo terreno em que já se encontram países como Itália, Espanha e EUA, onde a quantidade de mortes está superando a capacidade até dos serviços funerários de levar os corpos ao local de enterro ou incineração.

Um dado que explicita o nível de subnotificação que está ocorrendo é o do profissionais de saúde que já foram retirados de suas atividades apenas em dois hospitais paulistanos, o Albert Einstein e o Sírio-Libanês, que não são exatamente unidades destinadas aos pobres.  Um artigo assinado pelo jornalista Pablo Pereira para o “ESTADÃO” mostrou que só nesses dois hospitais, 450 profissionais foram afastados por terem contraído ou estarem sob suspeita de terem sido infectados pelo coronavírus (ver imagem abaixo).

sirio einstein

Outro indicador claro é o número de internações por  Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) do que a média histórica semanal registrada para este período do ano, apontou estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado na quinta-feira (26). De acordo com a pesquisa da Fiocruz, na semana entre os dias 15 e 21 de março, 2.250 pessoas foram internadas com a síndrome respiratória aguda grave.  O detalhe sinistro é que a média semanal em outros anos era de apenas 250 a 300 internações para os meses de fevereiro e março. Ainda que a  SRAG possa ser causada por outros vírus,  não há como desassociar este aumento explosivo à infecção pelo coronavírus.

O que esses dois fatos juntos indicam é que o Brasil precisa urgentemente disseminar os testes para determinar se as pessoas estão contaminadas ou não com o coronavírus, de modo a não apenas estimar a real extensão das pessoas já infectadas, mas, principalmente, para que as autoridades de saúde em estados e municípios possam orientar as melhores medidas a serem adotadas para se controlar a difusão do coronavírus. 

Sem a testagem em massa, o Brasil continuará seu voo cego e o número de mortos pela COVID-19 alcançará o previsto os piores cenários possíveis.  A hora é de se colocar a vida na frente do controle fiscal que é tão caro ao governo Bolsonaro. Testagem em massa, já!