A pergunta que ninguém fez: afinal, o que fazia Jair Bolsonaro em São Sebastião?

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Jair Bolsonaro em sua peculiar visita ao interior de uma residência na comunidade de São Sebastião na periferia de Brasília

Desde que eclodiu a crise envolvendo a declaração questionável (para dizer o mínimo) do presidente Jair Bolsonaro sobre o encontro com duas adolescentes venezuelanas na comunidade periférica de São Sebastião, a mídia corporativa vem fazendo um tipo de cobertura que não vai a nenhum lugar. 

Como geógrafo, me pus a pensar sobre algumas questões nunca perguntadas (e por isso não respondidas) envolvendo essa peculiar visita de um presidente em exercício a uma comunidade que fica a 30 Km (ou cerca de 24 minutos de carro) do Palácio do Planalto (ver figura abaixo).

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A coisa começa esquisita por um fato básico: São Sebastião é uma comunidade cuja feição mais notória é a vizinhança com o Presídio da Papuda, além de ser fruto de um processo de expansão que fugiu do padrão idealizado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa no momento da criação do Distrito Federal.

Segundo um colega que trabalha na Universidade de Brasília (UnB), São Sebastião é mais um daqueles locais em que as camadas mais pobres vão ocupar quando outras áreas se tornam valorizadas demais, e empurram para regiões distantes os que não podem pagar nelas. Isso explica a distância entre São Sebastião e o chamado Plano Piloto, como é mostrado na figura acima.

Pois bem, o que teria levado a que o presidente da república decidisse “dar um passeio” matinal em uma área periférica de Brasília? Afora as excentricidades que são atribuídas a Jair Bolsonaro, não me parece acidental que ele tenha encontrado acidentalmente justamente crianças venezuelanas em São Sebastião. Toda essa situação aparenta ter algum nível de intencionalidade, sem que fica claro qual.

O que não me parece factível é que Jair Bolsonaro tenha acordado em um sábado de manhã, e incontinente, tenha convocado parte de sua segurança palaciana para dar um rolé despretensioso em comunidade periférica que fica a pelo menos 30 km das comodidades oferecidas pela residência oficial da presidência da república, onde então acabaria encontrando as adolescentes venezuelanas.

A mídia está agora noticiando que a ex-ministra e senadora eleita Damares Alves e a esposa de Jair Bolsonaro, Michelle, tiveram um encontro com as duas adolescentes com o qual o presidente da república disse “ter pintado um clima”.  Neste caso, a intenção parece óbvia, qual seja, livrar a cara de Jair Bolsonaro que está perdendo votos por causa de uma declaração que até os mais aguerridos dos bolsonaristas sabe que foi muito estranha.

Mas será que, finalmente, algum jornalista vai se ocupar de fazer a pergunta que realmente importa, qual seja, o que foi Jair Bolsonaro fazer em São Sebastião em um sábado de manhã?

A enrascada de Jair Bolsonaro: pedófilo ou mentiroso?

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Há um velho ditado/conselho ´popular que diz que “o peixe morre pela boca” e que repetidamente é desconsiderado pelo atual ocupante da cadeira de presidente do Brasil, o senhor Jair Bolsonaro. Provavelmente movido pela certeza de que pode sempre falar o que bem entende, Bolsonaro soltou uma daquelas declarações de efeito em um podcast realizado na última 6a. feira na qual ele narrou uma estranha história envolvendo o encontro com meninas de 14 ou 15 anos, supostamente venezuelanas, em uma comunidade pobre de Brasília, reconhecendo ainda que teria “pintado um clima” forte o suficiente para levá-lo para o interior da residência das meninas (ver vídeo abaixo).

O que o presidente do Brasil não contava é que suas palavras (emitidas de livre e espontânea vontade) seriam tomadas ao pé da letra, levando a uma onda de condenações pelo evidente tom descabido que a narrativa dele ensejou. Na prática, Bolsonaro armou uma tsunami midiática contra ele mesmo, e que veio em uma péssima hora para quem corre atrás do prejuízo.

Em um reconhecimento óbvio de que propiciou armamento contra si mesmo, Jair Bolsonaro realizou uma “live” na madrugada deste domingo para atacar o Partido dos Trabalhadores (PT) por supostamente usar contra ele, algo que lembremos foi dito por ele mesmo de forma pública.  A coisa tomou um tom bizarro, na medida em que um dos que saiu para prestar solidariedade a Bolsonaro foi o ex-vereador da cidade do Rio de Janeiro que teve seu mandato cassado por filmar e distribuir cenas de sexo, pasmem, com uma menor de idade (ver imagem abaixo).

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A essas alturas do campeonato em que mais de 30 milhões de brasileiros passam fome é realmente difícil entender o que realmente Jair Bolsonaro pretendia com essa confissão bizarra. Acontece que a narrativa dele já se provou mentirosa em várias outras vezes, mas neste caso ganha ares grotescos. É que o site UOL publica uma reportagem neste domingo indicando que, na verdade, no local citado como possível prostíbulo de menores venezuelanas ocorria uma ação social promovida por uma estudante brasileira de estética que fora ali simplesmente para treinar suas habilidades com voluntárias. 

Disto resulta que o presidente Jair Bolsonaro se utilizou de uma situação para mais uma vez atacar o governo de Nicolas Maduro (as meninas segundo ele seriam todas venezuelanas, lembram?), mas acabou enveredando por um caminho muito estranho em que a ele pode ser sim atribuída a pecha de pedófilo ou de mentiroso (aliás, escolher um caminho que mistura as duas coisas não é impossível).

Como não tenho a expectativa de que Jair Bolsonaro vá reverter suas práticas, o mais provável é que venha emitir outras “pérolas” até o dia do segundo turno. A ver!

Esqueçam a Venezuela, o que se busca no Brasil é a saída “a la Bolívia”

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A presidente de facto da Bolívia, Jeanine Añez, levanta um exemplar da Bíblia em sua “posse” após o golpe de estado promovido contra Evo Morales

Vejo com alguma irritação as manifestações de analistas televisivos (incluindo aí alguns intelectuais chancelados) sobre a situação política brasileira, onde invariavelmente as comparações feitas remontam aos passos tomados por Hugo Chavez na Venezuela. A comparação entre a situação venezuelana peca por alguns fatos básicos que comecem pelo caráter nacionalista de Chavez e o viés latinoamericanista de suas políticas. Além disso, diferente do Brasil, Hugo Chavez, foi um crítico contumaz do neoliberalismo, e operou uma série de mudanças no sentido de ampliar a distribuição de renda na Venezuela, um dos países com maior concentração de riquezas do planeta.  Além disso, Chavez operou uma modernização das forças armadas venezuelanas, dotando-as de diversos equipamentos militares de ponta, incluindo o sistema de defesa aérea S-300 que é fabricado pela Rússia.

Nesse sentido, não há como comparar o presidente Jair Bolsonaro com Hugo Chavez, pois as receitas de um são diametralmente opostas ao do outro. Mas, mesmo assim, é rotineiro o uso da comparação da situação política criada por Jair Bolsonaro com o que ocorreu com a Venezuela sob o comando de um líder político que operou transformações, ainda que parciais e de forma precária, que visavam ampliar a cobertura social do Estado em relação aos segmentos mais pobres da população.

Além disso há um elemento de farsa, pois os analistas e intelectuais chancelados sempre omitem um fato básico: Chavez era um líder que falava e conectava com as amplas camadas mais pobres da população venezuelana. Com isso, ele venceu todas as eleições a que concorreu, sem que jamais tenha sido provado qualquer tipo de fraude.

O caso boliviano é mais próximo do que os analistas e intelectuais chancelados querem mostrar

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Se os analistas da mídia corporativa e os intelectuais chancelados que prefere ouvir fizessem uma análise mais séria, o país a ser comparado seria o Bolívia, especificamente o golpe de estado promovido contra o presidente Evo Morales. Foi na Bolívia que ocorreu uma conjunção de forças que, aparentemente, se procura repetir no Brasil, a começar pela participação de lideranças da extrema-direita, leigos ou ligados a grupos religiosos, membros da forças policiais, bem como líderes do latifúndio agro-exportador.  Foi essa combinação de forças que invadiu o presidencial com bíblia na mão, e rapidamente colocou no poder a dublê de apresentadora de TV e senadora Jeanine Añez, que se tornou a presidente “de facto” por um período relativamente curto de tempo.

É preciso que se diga que apesar das forças armadas bolivianas não terem tido participação direta no golpe palaciano que exilou Evo Morales, seus membros se envolveram na dura repressão realizada contra os segmentos da população que se insurgiu contra o golpe perpetrado contra Evo Morales. Aliás, foi a ineficácia da repressão e a forte resistência popular que garantiram as eleições presidenciais vencidas pelo atual presidente da Bolívia,  o professor universitário e economista Luis Arce, do mesmo partido de Morales.

Aliás, há que se ressaltar que no caso do golpe contra Morales, a rápida reação dos sindicatos, movimentos sociais e da juventude boliviana foi quem impôs a realização de eleições presidenciais. Caso contrário até hoje Añes estaria presidindo a Bolívia em vez de estar presa.

Um último aspecto que penso merecer atenção é o incômodo que já parece grassar em parte considerável das elites brasileiras em relação ao comportamento do presidente Bolsonaro.  É que esse incômodo não se dá pelos arroubos retóricos nem pela ameaça de se colocar em marcha um golpe de estado que a maioria sabe tem pouca chance de prosperar.  A questão que parece realmente criar ansiedade é que aqui haja o mesmo tipo de reação popular que ocorreu na Bolívia onde os pobres tomaram o leme da situação política e impuserem a sua vontade. É que se isso acontecer no Brasil, a queda de Jair Bolsonaro seria a menor das consequências políticas. É que razões para uma revolta ir além muito além da remoção de um presidente visivelmente incapaz não faltam.  Basta passar no supermercado ou no posto de gasolina para constatar isso.

Assim, esqueçam a Venezuela por algum tempo, e mirem-se na Bolívia, onde guardadas as devidas proporções, parecem haver as reais semelhanças. Mas mais do que nunca é importante lembrar o destino que foi reservado aos golpes em função da ampla resistência popular que ocorreu por lá. 

Ironia da pandemia: sufocada pela COVID-19, Manaus usará oxigênio trazido da Venezuela

Uma das formas mais corriqueiras que a extrema-direita utilizou nos últimos anos para criar pânico na população brasileira foi acenar com a possibilidade do nosso país ser transformado em uma nova Venezuela. Eis que agora, em meio ao agravamento da pandemia da COVID-19, que vem acossando de forma particularmente inclemente a cidade de Manaus, a empresa White Martins, principal fornecedora de oxigênio para o governo do Amazonas, informou que está atuando no sentido de importar o produto da Venezuela para suprir a alta demanda.

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É preciso dizer que a proximidade geográfica entre o estado do Amazonas e a Venezuela é um dos elementos que justificam essa importação, mas não deixa de ser irônico que agora é o antigo exemplo de balbúrdia social e econômica que irá impedir que mais brasileiros morram sufocados em UTIs superlotadas na cidade de Manaus.

Aliás, há que se enfatizar que a situação em Manaus só chegou a esse ponto porque os apoiadores do governo Bolsonaro sabotaram de forma continuada os esforços para conter o crescimento da pandemia. Um exemplo disso foi a mobilização realizada em Dezembro para forçar a revogação do Decreto nº 43.234/2020 que impunha medidas para o enfretamento à COVID-19 no estado do Amazonas. 

Por último, o mais irônico de tudo isso é que o governo venezuelano, em um gesto geopolítico de grande significância, acaba de informar que irá disponibilizar o oxigênio necessário para socorrer Manaus (ver imagem abaixo com tweet do chanceler venezuelano Jorge Arreaza informando a realização de uma conversa com o governo do Amazonas, Wilson Lima (PSC)).wp-1610674296781.jpg

Coronavírus: Brasil lidera em infecções e mortes, mas Venezuela lidera testagem

Drive Through COVID-19 Testing Facility Expands In South FloridaBrasil lidera em infecções e mortes, mas quem lidera na testagem é a Venezuela.

Para quem ainda não conhece, eu recomendo o site “Worldmeters.info” que possui uma página atualizada em tempo quase real para várias estatísticas relacionadas à pandemia causada pelo coronavírus.  Eu visitei este  na tarde de hoje para verificar as estatísticas relacionadas aos 12 países e uma unidade ultramarina que formam a América do Sul, e os resultados são muito reveladores acerca do desempenho do Brasil no controle desta pandemia.

É que segundo os números disponíveis no “Worldmeters”, o Brasil possui o maior número de infectados e mortos pelo coronavírus, mas só possui índices melhores de testagem do que Bolívia e Guiana (ver figura abaixo).

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Na questão da testagem, em termos de proporção por milhão de habitantes testados e no número de testes efetivamente realizados, a Venezuela é de longe a líder disparada com 203.208 testes realizados, com uma proporção de 7.143 testes por milhão de habitantes.  Enquanto isso o Brasil aplicou até agora míseros 62.985 testes, com uma taxa de 296 testes por milhão de habitantes. 

Mas a Argentina, um país que se encontra em dificuldades ainda maiores do que o Brasil, no mesmo período aplicou 22.805 testes, em uma taxa de 505 testes por milhão de habitantes.  O interessante é que possuindo uma população de 43.590.368 habitantes, a Argentina tem até agora 2.277 casos oficiais e um total de 102 óbitos por causa da COVID-19. Já o Brasil, com uma população de 211.291.881,00 habitantes, já alcançou 24.232 casos oficiais e 1.378 óbitos.  

A verdade é que toda as alegações de que o Brasil não seguiria as recomendações para aplicar testes para além dos infectados e suas famílias, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), está nos colocando em uma posição vergonhosa até na América do Sul, onde a maioria dos países não possui a mesma força econômica ou a estrutura hospitalar.

Com base nessas estatísticas, fico com a impressão ainda mais forte de que é falacioso o suposto embate entre o presidente Jair Bolsonaro e o ainda ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM/MS). É que por caminhos aparentemente diferentes, ambos estão deixando a população brasileira (especialmente os segmentos mais pobres) em um voo cego contra um vírus altamente letal. Em outras palavras, Bolsonaro e Mandetta são duas faces de uma mesma moeda.

Finalmente, é fundamental que haja um movimento amplo para se pressionar o governo federal para que disponibilize urgentemente uma grande quantidade de testes para que os estados e municípios possam ter algum controle sobre os polos de dispersão do coronavírus em todo o território nacional.

Uma pergunta aos donos da Folha de São Paulo: por que, na Venezuela, a dita é dura e não branda?

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Se me perguntarem se apoio o governo Maduro, a minha resposta é um simples não. Outra coisa diferente seria desconhecer a intrincada conjuntura que o governo bolivariano está posto por causa da intolerância de governos de direita da América ue decidiram apoiar os EUA em uma mudança de regime para a qual faltou consultar o maior interessado que é a maioria pobre da população da Venezuela. Aliás, olhando para a situação de países como Brasil, Argentina, Colômbia, Peru e Equador, fica difícil saber em qual deles a situação objetiva dos pobres é melhor do que aquela experimentada pelos venezuelanos.

Entretanto, mais descarada do que a falsa preocupação democrática de governos que dentro de seus territórios não toleram nem um décimo do que o governo Maduro tolera de seus opositores é o tratamento parcial dado pela mídia corporativa brasileira ao que está acontecendo na Venezuela. Cito explicitamente o jornal Folha de São Paulo que, indo além do que diz até a mídia estadunidense, resolveu classificar Nicolás Maduro como sendo um ditador. 

Ainda que essa seja uma decisão editorial, vindo da Folha de São Paulo, essa classificação deveria ser acompanhada de uma explicação aos seus leitores do porquê dessa definição. É que a Folha de São Paulo é o mesmo veículo da mídia corporativa brasileira que relativizou o regime militar de 1964 e seu alcance autoritária sobre o Brasil quando o classificou como sendo uma “dita branda”.  

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Por isso é que me ocorreu a pergunta aos proprietários da Folha de São Paulo sobre a situação venezuelano: por que lá é dita (dura) e não dita (branda)?

Chegada de armas e tropas russas mostra que invadir a Venezuela não será um piquenique

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Ainda que mal disfarçada, a retórica que emana do Palácio do Planalto indica um embarque na invasão da Venezuela supostamente para dar fim ao que seria uma ditadura impiedosa.  A realidade dos fatos tem, entretanto, dificultado a passagem da retórica para as ações concretas, já que as forças armadas venezuelanas são talvez as melhores preparadas e armadas da América do Sul.

Pois bem, essa realidade acaba de ganhar tons ainda mais agudos com a chegada de dois aviões da força aérea da Federação Russa transportando tropas e equipamentos em Caracas no último sábado (23/03).

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Com isso, a Rússia está dando um recado claro aos EUA e seus aliados regionais no sentido de que parem de pensar que uma potencial invasão à Venezuela será um piquenique de fácil resolução.  

Enquanto há que se ver o que dirão agora deputados federais, a começar por Alexandre Frota (PSL/SP), que disseram que eram voluntários de primeira hora para participar da invasão de um país soberano que possui as maiores reservas conhecidas de petróleo do planeta. Será que com tropas e armamento russo em solo venezuelano, a disposição de ser voluntário continua a mesma? A ver!

The New York Times revela que aliados de Juan Guaidó queimaram caminhões de “ajuda humanitária” em possível operação de falsa bandeira

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Incêndio que destruiu caminhões com “ajuda humanitária” inicialmente atribuída ao governo Maduro foi efetivamente iniciada por aliados de Juan Guaidó, diz The New York Times.

Imediatamente após a fracassada tentativa promovida pelo governo de Donald Trump de fazer entrar à força caminhões com suposta “ajuda humanitária” na Venezuela a partir de pontos fronteiriços com o Brasil e a Colômbia no dia 23 de fevereiro, órgãos da mídia alternativa divulgaram a informação de que aliados do autoproclamado presidente da Venezuela, o deputado Juan Guaidó, haviam causado o fogo que destruir parte da frota.

Essa narrativa, entretanto, foi desprezada pela maioria da mídia corporativa no Brasil e fora daqui em prol de uma versão que jogava a culpa nas forças armadas da Venezuela que até agora se mantém fieis ao presidente Nicolás Maduro. Com isso se reforçou a ideia de que Maduro era um tirano insensível ao drama em que está imersa a maioria da população venezuelana.

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Infográfico mostrando onde se deram os conflitos que resultaram na queima de caminhões com material enviado pelo governo dos EUA.  Fonte: The New York Times

Pois bem, a versão alternativa dos fatos que culpava o governo Maduro foi abatida hoje por uma reportagem publicada pelo jornal estadunidense “The New York Times” e assinada pelos jornalistas Nicholas Casey, Christoph Koetl e Deborah Acosta onde fica indicado, a partir de vídeos produzidos no momento do incêndio, que foram os próprios aliados de Juan Guaidó que atearam fogo nos caminhões, no que se configura numa operação de “falsa bandeira”, muito usada por serviços de inteligência dos EUA para justificar ações militares contra governos controlados por desafetos (ver vídeo abaixo).

As revelações do “The New York Times”, ainda que tardias em relação à mídia alternativa, criam uma complicação a mais para os que defendiam o uso da força militar para remover Nicolás Maduro do poder para instalar Juan Guaidó como uma espécie de “garantidor” da democracia na Venezuela.

A questão que fica agora é sobre o destino do próprio Juan Guaidó que está se mostrando incapaz (pelo menos até agora) de entregar o que prometeu a seus aliados dentro e fora da Venezuela.  Essa demora de assumir o poder de fato na Venezuela certamente poderá custar caro ao jovem deputado.

Finalmente, fica a lição: em conflitos como o que está acontecendo na Venezuela, onde os interesses das potências mundiais estão em choque, as coisas nem sempre são o que parecem ser (ou que querem que nós acreditemos). 

O curioso caso venezuelano e um inquieante paralelo Brasil

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Ao contrário do esperado pelos adversários e por parte significativa da mídia corporativa, comandantes militares venezuelanos ratificam seu apoio ao regime chavista e a Nicolas Maduro.

Se uma liderança parlamentar de esquerda resolvesse repentinamente se proclamar presidente em exercício do Brasil por causa da aparente incompetência de um governo de extrema-direita, sabemos que muito provavelmente essa proclamação seria respondida com a prisão do proclamador.

Já na Venezuela, a autoproclamação de Juan Guaidó foi não só reconhecida rapidamente pelo governo de Donald Trump, mas também por um par de governos de direita na América Latina, numa velocidade que não deixa ocultar o grau de articulação que houve para que o lider da inoperante assembleia nacional resolvesse correr o risco que correu e continuará correndo, quaj seja, de ir parar na prisão.

Tenho acompanhado a cobertura internacional desde o ponto privilegiado em que estou no momento que é a cidade de Lisboa. Sem adentrar em muitos dos detalhes da cobertura que está sendo dada que difere de veículo para veículo, um aspecto é reforçado quase no tom de esperança. Esse aspecto seria a possibilidade dos níveis inferiores das forças armadas venezuelanos romperam a disciplina militar para apoiar Juan Guaidó. Em outras palavras, a mídia corporativa brasileira e mundial aposta na ruptura da estrutura da disciplina militar para viabilizar a derrubada de Maduro. Em outras palavras, a mídia corporativa reconhece a incapacidade política de Guaidó de acabar com o ciclo chavista na Venezuela, e aposta na anarquia militar.

Até agora essa esperança não está sendo acompanhada dos fatos como mostra o vídeo abaixo, pois os líderes militares venezuelanos parecem firmes na defesa de Nicolas Maduro e, consequentemente, contrários às pretensões de Juan Guaidó e seus apoiadores externos, a começar pelos governos de Donald Trump e Jair Bolsonaro.

 

Sem o apoio militar não há como alcançar a substituição de Maduro por Guaidó. Isso, contudo, amplifica ainda mais a dependência do presidente venezuelano de seus comandantes militares.  Esta dificuldade fica maior ainda quando se verifica que também todas as estruturas de estado da Venezuela (com exceção da assembleia nacional) apoiam a permanência de Nicolas Maduro no poder.

O curioso é que no Brasil está se vendo após meros 25 dias de governo o mesmo tipo de dependência em relação ao apoio das forças armadas por parte de Jair Bolsonaro.  Nesse sentido, para quem diz que não quer o Brasil sendo transformado em uma Venezuela, pelo menos neste aspecto estamos ficando bastante parecidos.  No que isso vai dar, ainda é difícil prognosticar. Mas certamente teremos um agravamento das tensões políticas que já não são desprezíveis.

A bravatas do futuro ministro de relações exteriores fragilizam o Brasil na dura realidade da geopolítica global

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Nos últimos dias tem-se ouvido manifestações curiosas do futuro ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, o embaixador que nega as mudanças climáticas, Ernesto Araújo, em relação ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.  A grande esperteza dos últimos dias foi o anúncio de Nicolás Maduro não seria convidado para a posse de Jair Bolsonaro em Brasília. É que já era mais do que sabido que Maduro iria, por várias razões, declinar do convite de vir ao Brasil, especialmente depois de ter feito uma viagem vitoriosa a países como Rússia e China. Assim, dizer que alguém que não viria não será convidado é perfeito para quem deseja provocar uma boa tempestade em um copo de água.

Como já bem abordou em seu blog, o jornalista Luís Nassif, não convidar países com os quais se têm divergências com governantes de plantão vai de encontro às boas regras da diplomacia internacional, além de causar embaraços desnecessários à relações políticas e comerciais que forçosamente ocorrem até entre inimigos ferrenhos como os EUA e Cuba [1]. Há que se lembrar, por exemplo, que a Venezuela não apenas compra produtos agrícolas brasileiros, mas vende a eletricidade que mantém Roraima funcionando.

Desta forma, o fato de membros da dinastia Bolsonaro (começando pelo próprio presidente eleito) estarem falando abertamente em mudança de regime em Caracas,  pode incentivar que outros venham ter a mesma tentação com o Brasil [2]. No caso da Venezuela, há que se lembrar que desde Hugo Chávez tem ocorrido um grande fortalecimento da capacidade bélica das forças armadas daquele país. Assim,  puxar briga com quem, por si próprio, não tem exatamente medo de uma briga militar com o Brasil é, no mínimo,  arriscado.  Especialmente depois da visita que bombardeiros russos com capacidade de carregar armas atômicas fizeram à Venezuela.

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Mas fazer o que se os novos governantes brasileiros preferem viver de criar crises nas redes sociais do que utilizar com responsabilidade as ferramentas diplomáticas existentes? Provavelmente sentar e esperar para ver quando a primeira grande crise diplomática vai estourar, e com grandes chances de causar enormes prejuízos à já combalida economia brasileira. A ver!


[1] https://jornalggn.com.br/noticia/xadrez-do-eduardo-bolsonaro-o-perfeito-idiota-diplomatico-latino-americano-por-luis-nassif

[2] https://www.theguardian.com/world/2018/dec/16/liberate-venezuela-from-maduro-urges-bolsonaro-ally