América Latina inundada de produtos sem açúcar, mas com adoçantes

edulcorantes-996x567A diretriz da OMS recomenda interromper o uso de adoçantes para controlar o peso ou prevenir doenças. Crédito da imagem: Open Grid Scheduler/Grid Engine, Flickr , imagem de domínio público

Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou recentemente sobre os possíveis malefícios dos adoçantes para a saúde e a falta de evidências de seu uso para emagrecer, especialistas na América Latina —onde produtos que incluem essas substâncias são comercializados.

A diretriz da OMS é contundente ao desaconselhar o uso de adoçantes para controlar o peso ou prevenir doenças e adverte que seu uso prolongado pode estar associado a um risco aumentado de diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e mortalidade em adultos.

Na América Latina, os produtos com adoçantes abrangem toda a linha alimentícia: desde sucos, leites e refrigerantes, até biscoitos, cereais ou doces. Estes e outros produtos contêm aspartame, sacarina, sucralose ou estévia, entre outros, que são precisamente os recomendados pela OMS.

“O que verificamos nos produtos é que combinam mais de quatro adoçantes. Eles colocam até nove adoçantes em um único produto para obter esse nível de doçura. Mesmo que não ultrapasse a quantidade máxima daquele adoçante, eles estão dando um mix de efeitos adversos ao consumidor”.

Alejandra Contreras, Instituto Nacional de Saúde Pública, México

Esses adoçantes, aliás, são vendidos, na maioria dos países, sem o rótulo que os adverte.

É o caso do Chile. Em 2016, após vários anos de discussões, foi o primeiro país da região a estabelecer rótulos alertando sobre o excesso de açúcar, calorias, gordura saturada e sódio em alimentos e bebidas. Mas isso levou a indústria alimentícia a modificar muitos produtos e, no lugar do açúcar, adicionar adoçantes sem o selo de advertência.

“Após a mudança feita pela indústria, no Chile, 70% das bebidas carbonatadas e 90% dos leites aromatizados já são sem açúcar, mas possuem adoçantes sem rótulo (…)”, explica Samuel Durán à SciDev.Net, PhD em nutrição e pesquisador da Universidade de San Sebastián, no Chile.

“Acontece com o iogurte e outros produtos, muitos de nossos alimentos têm adoçantes, mas não têm selos”, diz Durán.

Já no Brasil, no início deste ano, um grupo de pesquisadores relatou em artigo que , após analisar a presença de adoçantes em bebidas energéticas, pelo menos cinco das marcas mais vendidas são rotuladas como “zero açúcar”, mas contêm edulcorantes, e suas quantidades não são informadas no rótulo.

Muitos desses produtos são consumidos por crianças . Em um estudo de 2020 , das 250 crianças chilenas entre 6 e 12 anos pesquisadas, elas descobriram que todas consumiram pelo menos um produto “reduzido em açúcar, mas com adição de adoçantes” durante o mês anterior. O aspartame foi o que apresentou maior média de ingestão, sendo proveniente principalmente de bebidas.

Também na Argentina foi relatado um alto consumo desses produtos entre crianças, inclusive pré-escolares. Um estudo de 2018 que analisou 2.664 crianças em Buenos Aires revela que mais da metade consumia adoçantes diariamente, especialmente sucos em pó, refrigerantes diet e águas com sabor.

Além disso, há relatos de que o uso desses adoçantes durante a gravidez aumentou consideravelmente, com 30% das mulheres grávidas consumindo-os agora.

A OMS reconhece que as evidências sobre os impactos do consumo de adoçantes na saúde entre crianças e mulheres grávidas são limitadas e de qualidade moderada. Mas ele alerta que os danos em adultos, como o risco de diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares, podem ser extrapolados para essa população vulnerável .

Alejandra Contreras, pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde Pública, no México, diz que “não é necessário ter 100% de evidências para tomar decisões que evitem possíveis problemas de saúde”. No caso dos adoçantes, diz ele, “as evidências são suficientes para regulamentar”.

E uma das coisas que precisa ser regulamentada é a forma enganosa como os adoçantes costumam ser apresentados no mercado latino-americano.

Por exemplo, no Peru, o governo informou em 2022 que várias marcas de adoçantes não incluem tabela nutricional e que existem “adoçantes que informam ter zero açúcar em seus rótulos, apesar de declararem substâncias como maltodextrina e dextrose em seus ingredientes, o que Eles podem aumentar a glicose.

Eles também identificaram mensagens nos rótulos que incentivam seu consumo, como “permitido para crianças, gestantes e diabéticos”. “Isso pode influenciar na decisão dos consumidores, por isso é preciso ficar atento à sua veracidade”, diz o relatório.

Contreras alerta que outro problema tem a ver com as misturas de adoçantes que também não são informadas. “O que verificamos nos produtos é que combinam mais de quatro adoçantes. Eles colocam até nove adoçantes em um único produto para obter esse nível de doçura. Mesmo que não ultrapasse a quantidade máxima daquele adoçante, eles estão dando um mix de efeitos adversos ao consumidor”, explica.

Uma investigação de 2017 que analisou o consumo de estévia no México afirma que os extratos em pó vendidos nos supermercados “estão dispersos em um veículo que pode ser maltodextrina, dextrina, sucralose, adoçantes artificiais, etc., adulterando o produto.

Por todas essas incoerências na venda de adoçantes, especialistas acreditam que a diretriz da OMS ajudará a regular as falsas promessas de adoçantes criadas pela indústria.

“Isto incentivará os futuros rótulos de alimentos e bebidas, nos países da região que estão prestes a adicioná-los, a incluir o aviso de que contêm adoçantes”, diz Durán.

Contreras está confiante de que “a indústria vai parar de usar tantos adoçantes, porque quando o consumidor ler o produto e ver o aviso, vai pensar duas vezes antes de comprá-lo”.

Este artigo foi produzido pela edição América Latina e Caribe de  SciDev.Net


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Este texto escrito originalmente em espanhol foi publicado pela SciDev.Net [Aqui!].

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