Por Douglas Barreto da Mata
A despeito das disputas de narrativas sobre o tamanho da audiência na manifestação dos partidários do ex-presidente Jair Bolsonaro, algumas considerações merecem ser feitas. Primeiro, nem o Supremo Tribunal Federal (STF), nem qualquer outra pessoa que defenda a Lei de Anistia, promulgada em pleno regime militar, em 1979, que depois teve sua constitucionalidade confirmada pelo STF, já em tempos “democráticos”, poderá subtrair a legitimidade do pedido dos manifestantes pró Anistia dos criminosos do 8 de janeiro de 2024.
Ora, qual o argumento para impedir esse debate político e legislativo, se a sociedade brasileira aceitou a aberração jurídica da (auto) anistia dos militares, sendo que uma parte de seus crimes ainda está em andamento, já que os sequestros sem a recuperação dos corpos mantêm a consumação em estado de permanência, além de que outros, como a tortura, são imprescritíveis e não suscetíveis de anistia, fiança, graça ou indulto, conforme todos os tratados que somos signatários?
Mais ainda, qual será a tese jurídica esposada pelo STF, uma vez provocado a declarar a inconstitucionalidade da lei, como já anteciparam os que são contrários à anistia, já que foi essa corte a deitar jurisprudência para tornar constitucional a anistia a criminosos que sequer foram investigados, já que militares não foram indiciados, investigados, processados, e sentenciados pelos crimes bárbaros e, mesmo assim, perdoados?
Me parece, mas posso estar enganado, que estamos diante da figura do direito penal do inimigo. Bem, dito isso, vamos ao evento deste dia 16/03/2025. Jair Bolsonaro não reuniu essas pessoas na orla carioca de Copacabana para pressionar o Congresso ou o STF. Penso que não. Jair Bolsonaro sabe que não vão converter ninguém, nem fazer com que mudem de posição pelo volume de apoio que recrutar a sua causa. Sua demonstração de força, ou tentativa, a depender de quem olhar a manifestação, não foi dirigida aos adversários da ideia.
Jair Bolsonaro sabe que seu impedimento, isto é, a impossibilidade da anistia é o encurtamento de sua carreira, mas é um atalho para muita gente que sonha em herdar seu capital político, e adiantar etapas na corrida para concorrer ao Planalto. Muita gente que esteve em seu palanque, hoje, e em outros eventos, já faz as contas para jogar o ex-presidente para fora do páreo. Possivelmente, a presença ao lado do ex-presidente é um gesto calculado para mantê-lo como cabo eleitoral.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é um interessado direto na interdição de seu líder político. Há outros, mas talvez ele seja o principal. Contra ele, a história. É muito raro, principalmente nesses últimos 40 anos, que um governador chegue ao Planalto. Só um teve sucesso, Fernando Collor. Itamar Franco governou Minas Gerais, mas depois foi senador, e mesmo assim, chegou por impeachment como vice do presidente alagoano. Mesmo antes, dentre os demais, antes de 64, só Juscelino Kubitschek (JK) conseguiu a façanha. A eleição presidencial requer uma capilaridade que o exercício do cargo de governador é um grande obstáculo, sejam pelas atribuições e desgastes do cargo, sejam pelas enormes arestas regionalistas que acumulam, durante esses mandatos. Lula foi deputado federal, Jair Bolsonaro idem. Dilma não ocupou cargo eletivo, foi ministra. Michel Temer golpeou Dilma. FHC foi senador, mas se elegeu presidente a partir do cargo de ministro da Fazenda. Collor governador e Sarney eleito indiretamente. Jango era vice de Jânio. JK, governador. Getúlio Vargas, bem, Vargas foi Vargas. Antes de 1930, o jogo era definido entre as oligarquias de Minas Gerais e São Paulo. Nesse inventário de presidentes, apenas dois governadores.
Se Tarcisio de Freitas vai ter sucesso ou não, uma coisa é certa, a anistia é um obstáculo às suas pretensões e de outros pré-candidatos. Na política, como se vê, o inimigo está bem mais próximo do que se imagina. Eu arriscaria a dizer que no caso de Jair Bolsonaro, talvez ele durma com o inimigo(a), ou compartilhe com ele mais que uma herança genética, além da política.
