Trilha do trabalho escravo segue os dos votos em Jair Bolsonaro nos estados controlados pelo agronegócio

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Uma nova leva de libertação de escravos modernos ocorreu nesta semana em Goiás e Minas Gerais, o que foi a maior operação deste gênero em 2023 envolvendo 212 trabalhadores que foram arrastados com falsas promessas para a dura labuta na monocultura da cana de açúcar.  Essa libertação recorde se segue a outras que ocorreram no estado do Rio Grande do Sul envolvendo setores diferentes, como a da vinicultura e da rizicultura.

Apesar de serem estados diferentes, um traço em comum é que nesses estados temos tipo a vigência de governos ultraneoliberais que sempre se alinharam com as formas de precarização do trabalho e das normas ambientais. Além disso, há que se lembrar que nesses estados o ex-presidente Jair Bolsonaro teve votações expressivas, tendo vencido por ampla margem em Goiás e Rio Grande do Sul.

Justiça determina retirada de outdoor pró-Bolsonaro instalado no Acesso  Dona Leopoldina, em Venâncio

Liberdade seletiva que não vale para os trabalhadores escravizados na vinicultura e na rizicultura no Rio Grande do Sul

Então se havia alguma dúvida sobre as razões da votação expressiva de Jair Bolsonaro em estados controlados políticamente pelo latúndio agro-exportador (também conhecido pela alcunha de “agronegócio”), agora com a libertação de centenas de escravos está ficando muito óbvio. É que não interessava aos segmentos escravocratas terem um mínimo de controle sobre as condições em que milhares de brasileiros estão garantindo o funcionamento de um setor que só vende imagem de moderno, mas que, na prática, continua fortemente dependente das formas mais extremas de exploração do trabalho humano. 

Não è à toa que neste momento no congresso nacional, os segmentos mais radicalizados do Bolsonarismo, liberados pelo deputado federal (e príncipe nas horas vagas)  Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL/SP) estão impulsionando uma PEC, pasme-se quem quiser, o fim da Justiça do Trabalho, coisa que garantiria a prática livre do trabalho escravo. Eu costumava brincar que do Bolsonarismo só faltava vir uma PEC para anular a Lei Áurea, mas vejo agora que o risco é muito real. Mas, de toda forma, ninguém melhor do que o deputado Orleans e Bragança para apresentar essa PEC.

A questão é que se não forem adotadas medidas urgentes para não apenas encontrar trabalhadores que estão vivendo em condições de escravidão, mas também para punir severamente os barões do agronegócio que estão se aproveitando da flexibilização da legislação trabalhista para fazer eclodir o trabalho escravo em todas as regiões brasileiras. E que ninguém se engane, a seguida libertação de escravos são parte de um padrão mais ampla de violação dos direitos trabalhistas no Brasil.

Marcos do Val e sua verdade inconveniente: a trama de Jair Bolsonaro e seu entorno para impedir a posse de Lula

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Língua afiada de Marcos do Val se mostra mais perigosa do que a “arminha” do dedo em riste e coloca Jair Bolsonaro em mãos lençóis

De ontem para hoje o senador Marcos do Val (Podemos-ES) adiantou uma bomba que agora aparece na capa da revista Veja: uma suposta trama para a realização de um golpe de estado envolvendo diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro e hoje retornado ao cárcere, o ex-deputado Daniel Silveira (PL/RJ) (ver imagem abaixo).

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Eis que lendo os detalhes presente na matéria produzida pela Veja a partir das denúncias feitas por Marcos do Val (que frisemos sempre foi da base legislativa do governo Bolsonaro), fica ainda mais confirmado que existiram ações para anular o resultado das eleições presidenciais, impedir a posse do presidente Lula, e manter Jair Bolsonaro no cargo (e, sim, realizar a prisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) presidente do Tribunal Superior Eleitoral).

Em qualquer país com instituições funcionando minimamente, me parece óbvio que Jair Bolsonaro e os demais participantes  (os quais precisam ser identificados e nomeados) dessa trama rocambolesca já estariam sendo presos para impedir qualquer intenção similar no futuro. É que mais essa indiscrição feita por alguém do entorno de Jair Bolsonaro mostra o que já era mais ou menos sabido, qual seja, que havia efetivamente não apenas o desejo, mas também tratativas para a realização de um golpe de estado no Brasil.

E, pior, que esse golpe de estado visava permitir, entre outras coisas, que fosse continuado o genocídio que estava sendo cometido contra os povos indígenas, a começar pelo mais caso mais notório que é o do povo Yanomami. 

Agora vamos como se comportam os chefes dos três poderes em relação a essa situação. Se passar pano ou vão tomar o tipo de atitude que este caso requer.

Artigo sobre liberação de agrotóxicos no governo Bolsonaro agora é de acesso gratuito

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Nesta segunda-feira recebi a informação da editora Taylor & Francis que o artigo que co-escrevi com os meus colegas Ossi Ollinaho e Markus Kroger sobre a economia política dos agrotóxicos liberados pelo governo Bolsonro, que foi intitulado de “Toxic turn in Brazilian agriculture? The political economy of pesticide legalisation in post-2016 Brazil” agora é de acesso livre, ou seja, pode ser baixado gratuitamente por qualquer que queira lê-lo.

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Essa é uma informação interessante, pois além de permitir que o acesso ao artigo seja gratuito, a decisão de fazer isso implica em um desejo dos editores da revista Third World Quarterly de aumentar o número de leitores, na medida em que haverá uma natural perda de receita ao não se cobrar nada pelo direito de possuir uma cópia.

Desta forma, quem desejar acessar gratuitamente este trabalho que aborda as diferentes facetas e implicações por trás da aprovação recorde de agrotóxicos pelo governo Bolsonaro, basta clicar [Aqui!].

A criminalização de Junho de 2013 como um sintoma

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Por Aline Moreira Magalhães para o “Le Monde Diplomatique”

Tornou-se corrente em meios de esquerda localizar o início do bolsonarismo nas manifestações que começaram a ocorrer em junho de 2013 no Brasil. Em suma, nesse período teria se forjado o “ovo da serpente” – para usar uma expressão amplamente adotada – do poder bolsonarista e do alastramento da violência fascista no país. Esse discurso é cada vez mais intensificado conforme os eventos se desenrolam, como o impeachment de Dilma em 2016, a ascensão de Bolsonaro ao poder, o transcorrer excruciante de seu governo, e a ameaça de golpe que ora se abate sobre o governo Lula 3. Essa narrativa, mais do que tentar invisibilizar um evento histórico e sua real composição social, encobre os pressupostos centrais da atuação de um vasto e complexo campo de esquerda no Brasil. Se junho de 2013 demarcou, de fato, um antes e depois, que antes e depois seria esse? Um antes “sem bolsonarismo” e um depois “com fascismo” e tendo Bolsonaro como porta voz? É necessário ir além da conveniência e seletividade argumentativa para apontar com alguma justeza o que efetivamente ocorreu.

O que se chama de Jornadas de Junho de 2013 se trata, em verdade, de uma eclosão de um longo período de mobilizações nacionais – porém concentrados em número e intensidade no Rio de Janeiro e em São Paulo – que durou pelo menos dois anos, se arrastando de maneira mais errática até 2016.1 Mas mesmo se nos ativermos às manifestações de Junho de 2013, sua composição, que chegou a milhões de pessoas participando de atos, era heterogênea a ponto de haver conflitos entre manifestantes com posições ideológicas opostas em sua primeira semana. Como foi o caso do conflito entre os que já vestiam camisa da seleção brasileira e os que vestiam camisas vermelhas e empunhavam bandeiras de partidos da esquerda parlamentar, rasgadas em episódios que deflagraram brigas durante os atos. As manifestações já nesse junho eram majoritariamente compostas por setores populares: professores e estudantes da rede pública de ensino, trabalhadores precarizados, moradores de rua e de comunidades pobres urbanas. Provas disso não faltam a quem se disponha a procurar por imagens na internet. Em uma delas, emblemática desse Junho especificamente, é o dia 20 na Avenida Presidente Vargas, Rio de Janeiro, em que manifestantes, dentre os quais homens negros periféricos, enfrentam um caveirão2 que tentava reprimir e conter a manifestação. 

Manifestantes enfrentam o Caveirão no Rio de Janeiro, em 20 de junho de 2013. (Foto: Daniel Marenco)

Essa cena não foi isolada: enfrentamentos semelhantes e protagonizados pelo mesmo setor social ocorreram em diversos outros atos nos dois anos que se seguiram. Não tardou, assim, para o setor que vestia verde e amarelo se destacasse como divergente a essas bandeiras e táticas e passasse a convocar atos próprios. Ambos os setores, os que empunhavam bandeiras de esquerda, e os que falavam apenas em corrupção vestindo camisa da seleção, passaram a convocar atos separados, em dias e locais diferentes. Isso apenas algumas semanas depois dos meados de junho. 

No entanto, suas dimensões em termos de frequência, intensidade e quantidade de pessoas agregadas se distanciavam abissalmente. Durante dois anos de maneira quase ininterrupta, os atos da esquerda ocorriam duas vezes por semana no mínimo, agregavam de 500 a 20 mil pessoas, eram impreterivelmente reprimidos pela PM, assim como entravam em rota de colisão com ela. Nesse mesmo período, os que hoje são identificados como germe do bolsonarismo, por sua vez, realizavam atos quinzenais ou mensais e suas aglomerações variavam de 100 a 2 mil pessoas. Como ocorre até hoje, esses atos não só não eram reprimidos nem contidos como eram quase aplaudidos pelas PMs, caso pudessem fazê-lo. Tratavam-se de colegas marchando lado a lado, praticamente.

Os atos organizados e convocados pela esquerda procuravam promover pautas de esquerda: de defesa de direitos sociais básicos prescritos pela Constituição, como o acesso à mobilidade e moradia urbana, à educação e saúde de qualidades e públicas. Os atos também rechaçavam duramente a violência policial, reivindicando o fim da PM, e denunciavam o extermínio da população negra, a ponto de ter invertido a narrativa midiática: “vândalo é o Estado”. Defendia, sobretudo, a participação e consulta populares em torno de todas as pautas que afetavam diretamente a sociedade, indo contra a resolução a portas fechadas, que é o procedimento rotineiro estatal quando se trata de assuntos de grande impacto social no Brasil, como a venda de bens e serviços públicos. Por isso alguns dos atos mais duramente reprimidos ocorriam quando o objetivo era interceder uma reunião parlamentar ou votações em assembleias legislativas específicas que definiriam a vida de grande parte dos moradores e trabalhadores das cidades. Os manifestantes e as manifestações de rua adensaram e/ou impulsionaram também as próprias mobilizações de sindicatos, como dos professores, de garis, de motoristas de ônibus, metroviários, de entregadores de aplicativos. 

Em sequência e no bojo desses acontecimentos, outros se desenrolaram, mas para se ater às alternâncias de poder de Estado: Dilma foi deposta em um golpe articulado no Congresso Nacional, em grande medida porque não encaminhou as reformas de interesse do empresariado nacional conforme desenhadas naquele momento, em virtude da efervescência das ruas, e em meio à uma crise econômica3 pela qual não passou seu antecessor.  

O golpe parlamentar de 2016 abriu então caminho para ascensão de uma nova fração da burguesia ao poder no Brasil, encabeçada pela família Bolsonaro, e enraizada em alguns valores caros à formação nacional brasileira, como a aversão violenta e o desprezo a tudo ou quase tudo o que se desloca estética e existencialmente do que é irradiado pela elite nacional e seu padrão de consumo. Essa fração tem características específicas ainda a ser examinadas por estudos mais depurados, mas pode-se dizer que ela se caracteriza principalmente pela premissa de que mais pessoas querem ser ricas ou ter acesso a bens ostentados pelos ricos; que querem se igualar, ou ter chances de construir um lugar ao sol junto ao restrito círculo de milionários e bilionários do país. O pano de fundo, nem sempre explicitado claramente por um patriota do caminhão, por exemplo, é que um Estado justo deveria garantir os meios para isso, em vez de manter os mesmos privilégios de sempre – leia-se aos mesmos sobrenomes de sempre bem como à alta burocracia estatal. É caracterizada, ainda, pela oposição à prática e aos valores da burguesia brasileira mais tradicional, que mantém a concentração financeira, os privilégios materiais e simbólicos em círculos restritos, com perfil aristocrático dotado de um capital cultural forjado e/ou legitimado no conhecimento acadêmico/científico, em lugar de promover a acumulação de riqueza para mais pessoas, ou seja, ampliar um pouco o círculo e também o perfil dos ricos no país – o adjetivo “ressentidos” utilizado pela esquerda encobre com um verniz de superioridade moral uma hierarquia social real. Não à toa, foi Rio das Pedras a primeira favela encurralada pela aliança paramilitar dessa fração burguesa ascendente, materializada na formação das milícias com a influência dos novos ricos, residentes da Barra da Tijuca, vizinha a Rio das Pedras e onde muitos de seus moradores vendem sua força de trabalho. Barra da Tijuca é um conhecido bairro do Rio de Janeiro onde passaram a residir o que se chama, popularmente inclusive, de novos emergentes ricos. Mesmo bairro onde mantém residência a família Bolsonaro.

Ao manter essa promessa no horizonte, o discurso de Bolsonaro ecoa e se ancora fortemente nessa fração e na sua franja, que paira em ocupações e empregos instáveis insuficientes para sua ascensão, crédulas em seu marketing de prosperidade, bens e conforto para mais pessoas – não necessariamente muitas pessoas e certamente meticulosamente selecionadas, a depender de seus vínculos e perfis sociais.4 Por isso é muito caro a Bolsonaro retomar o discurso militar da exploração do que ele classifica como “terras vazias”, como as terras indígenas e de populações tradicionais, onde se encontram preservados recursos energéticos e minerais que, se sobre-explorados (portanto destruídos), seriam capazes de criar mais “novos ricos”. Pelo menos virtualmente a propaganda funciona. Objetivamente é claro que isso não se efetiva, basta ver, por exemplo, o grau de exploração e depauperação em que vivem migrantes que rumam para o norte do país para trabalhar em garimpos.5

O processo de racha do PSDB (via Doria, mas não somente), porta voz da elite mais aristocrática paulistana ao mesmo tempo que procura contemplar os interesses da alta burguesia nacional, e que ditava os rumos estruturais do país sem maiores crises até então, e a ascensão política de um capitão da reserva do Exército, adulador público de um torturador, foram dois movimentos articulados, que pavimentaram os caminhos para o aprofundamento da violência de teor fascista altamente deflagrada em que nos encontramos hoje. No final das contas, o partido apoiou em bloco a candidatura de Bolsonaro, mesmo dentre tergiversações e silêncios de uma prestigiada intelectualidade/elite brasileira que compõe o partido, durante o transcorrer da campanha eleitoral. Do alto de seu preconceito de classe, o setor tradicional-aristocrático do partido tomou por segura a manipulação de Bolsonaro, considerando que moldariam suas ações conforme os interesses representados pelo partido, e as adestrariam conforme, pelo menos, alguns dos seus princípios burgueses mais caros. Acreditaram, sobretudo, que ele realizaria as reformas necessárias à continuidade e aprofundamento de privilégios, como as vendas das estatais remanescentes – inclusive da própria gestão da água, as reformas da previdência, trabalhista e com o desmonte de serviços de educação e saúde estatais – sem maiores riscos de inversão do poder no país. 

Não tardou, entretanto, para que os antagonismos entre esses dois setores – um voltado aos novos ricos (a burguesia véio da Havan), e outro voltado à elite tradicional – se aprofundassem e culminassem com o apoio irrestrito do partido e determinante ao retorno de Lula à presidência, único candidato capaz de vencer a eleição em número de votos frente à extorsão, cabresto e compra de votos com dinheiro público que já se avizinhava a níveis inéditos na história do país. Enquanto isso o PSDB tentava expurgar do partido quadros e discursos bolsonaristas. Porém, depois de todo esse processo e rachas e do que foi o próprio governo Bolsonaro, o PSDB já não representa em sua totalidade a burguesia, nem a paulistana nem a nacional, hoje composta por setores mistos em termos de taxas de lucro e ideológicos, que oscilam entre a fachada democrático-burguesa e o fascismo puro e simples. 

O grosso do que se chama de Jornadas de Junho e seus desdobramentos refere-se em grande medida a manifestações com pautas que se opunham radicalmente a esses setores e seus respectivos projetos de sociedade. E foi o evento histórico que colocou uma lupa sobre todos os problemas intensificados, mas não gerados, no governo Bolsonaro, retirando os problemas estruturais da sociedade brasileira dos escombros da invisibilidade, como é o caso tanto do racismo como do atual problema militar enfrentado pelo governo Lula 3. Pode-se atribuir muitas coisas às Jornadas de Junho de 2013 e seus desdobramentos, inclusive de ser um elemento que contribuiu para a instabilidade do governo Dilma que culminou em sua deposição. Contudo, além de estar longe de ser o único e determinante – Dilma foi deposta por não cumprir a contento o aprofundamento da agenda neoliberal que estava sendo imposta pela burguesia nacional naquele momento –, as mobilizações populares em torno de pautas de esquerda fazem parte da própria história do Partido dos Trabalhadores. Então manifestações populares e trabalhistas com reivindicações claramente de esquerda não deveriam ser uma surpresa desagradável para um partido que supostamente se identifica e surgiu desde os mesmos setores e pautas. 

Mas por que é assim? Por que o esforço reiterado para criminalizar ou jogar no lixo da história qualificando como fascista um dos eventos mais centrais do Brasil contemporâneo? Aí entramos no ponto ululantemente contraditório da questão: para a esquerda brasileira, mas não apenas brasileira, o único enquadramento viável de construção de poder popular localiza-se no Estado-nação, dele emana ou viabiliza-se.6 Não é possível legitimar acontecimentos que o opõem, com o risco de ver ao mesmo tempo estratégias políticas questionadas ou diluídas. Mesmo a retórica variando conforme a situação, na prática grande parte dos partidos de esquerda no Brasil, cujas leituras de realidade e estratégias são amplamente reverberadas e endossadas em redes sociais e canais de mídia, canaliza suas atuações para as eleições da democracia burguesa, as toma como o objetivo final e mais central de um ciclo que se inicia nas formações de organizações “da base” e suas lideranças e culmina principalmente no parlamento nacional, mas também na direção de um sindicato ou de uma central sindical. Faz parte da própria constituição da esquerda no país o foco sobre o poder estatal como um bote salva-vidas que irá livrar todos do “mal maior”, seja ele qual for.7 Não é nem a questão de validar ou não o sistema representativo liberal-burguês, mas uma questão de vetor e de prioridades. Não se cogita sequer o contrário, isto é, das formações e organizações populares serem o verdadeiro e mais importante objetivo final de qualquer atuação de esquerda, já que isso poderia gerar uma transformação da moralidade burguesa, sua desfascistizacão, e poderia construir maiorias graduais capazes de pressionar (Estado, governo ou o que valha) e promover mudanças cada vez mais significativas com vistas à promoção de igualdade social. Claro que essa tendência política que gravita em torno do poder estatal sempre entra em contradição dialética com as próprias forças e movimentos populares que dão legitimidade e força a esses partidos. Entretanto, mesmo esses últimos são, por vezes, enredados na narrativa de que o mais importante é eleger “representantes” na República liberal na qual nos encontramos atados há mais de um século. Vide a catarse coletiva em que se transformou a eleição de 2022. Nesse enquadramento, construir uma sociedade mais justa passa mais por construir e formar representantes, porta-vozes, do que realizar ações concretas e de pressão que visem a construção de uma sociedade mais justa. Não nos deixemos ludibriar com relativizações sobre o que é uma resistência política eficaz: no Brasil, votações em pautas socialmente significativas só venceram e vencem no parlamento e em assembleias legislativas mediante pressão popular intensa e quantitativa, a exemplo da própria Assembleia Constituinte de 1988 – independentemente se houverem ou se fazerem maioria “representantes” da classe trabalhadora ali ou não. E toda essa sobrevalorização da capacidade representativa parlamentar é contraditória em si porque, além de já ter sido demonstrada inoperante pela própria experiência brasileira, rasga a própria tradição teórica que esses setores dizem reivindicar. 

Os resultados de quatro anos de governo Bolsonaro estão aí para quem quiser ver, mas para mencionar apenas o quadro da gestão da violência em um Estado neoliberal, que é o principal dilema nesse início de 2023: houve um avanço territorial e de intensidade do poder paramilitar miliciano, o avanço da articulação nacional das polícias militares (umbilicalmente ligadas às milícias) e da PRF, o financiamento de tentativas de golpe ou de golpes propriamente ditos, antes, durante e depois da eleição pela burguesia média e pelos desesperados que querem ser parte dela: com a diferença que agora eles têm a convicção que conseguem destituir a alta burguesia (atualmente a financeira) do poder. Como acabaram de fazer na Fiesp.

O problema Polícia Militar, e de modo mais abrangente a atual ameaça militar contra o governo eleito, vêm atualmente colados às considerações reacionárias e conservadoras sobre Junho de 2013, justamente o período em que se começou a colocar em evidência a violência policial no Brasil por meio de suas palavras de ordem e estratégias de enfrentamento contra esse tipo de autoritarismo. O irônico é que, pela primeira vez, antes e após a posse, o governo atual do PT tanto convoca as mesmas forças das ruas que culpou como responsável pela sua deposição em 2016, quanto é obrigado a cogitar levar a sério uma de suas principais reivindicações: a reformulação estrutural do lugar dos militares no país. Já aparenta estar mais do que entendido que sem ambos será muito difícil para esse governo seguir incólume, e, muito pior do que isso, evitar o retorno do bolsonarismo (ou algum congênere) ao poder em sua face ainda mais destruidora, como uma autocracia gângster baseada na violência e extorsão milicianas, e em uma exploração do trabalho de fazer revisitar as descrições de Engels sobre a Inglaterra do século XVIII.

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Uma análise e descrição dos antecedentes sociais e econômicos das Jornadas de Junho de 2013 são realizadas em: Ecos de Junho: Insurgências e crise política no Brasil (2013-2018) – Le Monde Diplomatique

2 Tanque militar preto com uma caveira desenhada em suas laterais, símbolo do Bope, utilizado para intimidar e coagir cotidianamente moradores de favela no Rio de Janeiro.

3 Por crise econômica refere-se aqui aos efeitos da crise econômica mundial nas taxas de lucro do empresariado nacional, que passam a demitir trabalhadores em massa, fechar indústrias e filiais, além do processo inflacionário que diminui o poder de compra da classe trabalhadora, aumentando consideravelmente o contingente de desempregados e depauperados.

4 O que é vendido como minimamente digno para pessoas que gostavam, até então, de se sentir “classe média alta” no Brasil é, para além do básico (moradia com localização privilegiada, educação e saúde privadas), ter uma Smart Tv com canais a cabo em cada cômodo, sustentar um carro para cada adulto na família e viajar ao exterior todo ano.

5 Esse discurso tampouco é novo: remonta a todo processo contínuo de formação histórica do Estado capitalista em todo o mundo, apregoando que existem fronteiras/terras a serem vigiadas, ocupadas e exploradas. No Brasil, o regime militar adotou esse discurso amplamente durante a implementação de projetos de desenvolvimento nacional, às expensas de diversos e amplos setores populacionais (ver Otávio Velho, 1976).

6 Reivindica-se de forma uníssona na esquerda a categoria “Estado democrático de direito”, apropriando-se, sem qualquer tipo de crítica, da tecnicidade ficcional da teoria jurídica clássica que justifica a atual democracia republicana liberal. 

7 Ver Revolução e subdesenvolvimento, 1969, de Ruy Mauro Marini.

Aline Moreira Magalhães é antropóloga e doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional, UFRJ.


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Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal “Le Monde Diplomatique” [Aqui!].

Ações da Polícia Federal mostram que Campos dos Goytacazes se firmou como vanguarda do atraso político

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As ações da Polícia Federal realizadas pela Polícia Federal em Campos dos Goytacazes para prender ativistas de extrema-direita e documentos que os associe eventualmente aos atos de vandalismo ocorridos em Brasília no dia 8 de janeiro não devem (ou não deveriam) surpreender ninguém que acompanhe com atenção mínima a cena política municipal desde, pelo menos, 2018. É que naquela ano, formandos da Faculdade de Medicina de Campos decidiram por uma fotografia coletiva em que homenageavam o então candidato Jair Bolsonaro tratando-o como “Mito” (ver imagem abaixo), demonstrando uma curiosa opção por um político que não deveria merecer qualquer homenagem de futuros profissionais da saúde.

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Mas a aparição da extrema-direita como um ator proeminente na cena campista não ficou restrito a estudantes entusiasmados com um político do baixo clero que sempre se notabilizou por defender, entre outras coisas, um torturador contumaz como foi o Coronel Brilhante Ustra. Aos longos dos últimos quatro anos, o que se viu foi a colocação de outdoors supostamente financiados por entidades patronais que em uma hora ameaçavam quem não apoiasse os desvarios sendo cometidos por Jair Bolsonaro na condição de presidente da república, para em outra expressar apoio à  sua campanha eleitoral de reeleição (ver imagem abaixo).

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Mas a pitada final nessa proeminência da extrema-direita em Campos dos Goytacazes foi a presença constante de um grupo de apoiadores do agora ex-presidente Jair Bolsonaro na frente da entrada do quartel da 2a. Companhia de Infantaria do Exército, que fica localizado na Avenida Deputado Bartolomeu Lizandro, para expressar a agenda extremista em prol de um intervenção federal, o que na prática significaria a instalação de uma nova ditadura militar no Brasil (ver imagem abaixo).

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Provavelmente as ações da PF no dia de hoje vão servir como uma espécie de “espalha barata” em um grupo que se tornou subitamente visível, apesar de sempre ter estado presente de uma forma mais subterrânea. Entretanto, há que se lembrar que a volta a uma condição mais discreta não vai significar uma conversão ao Estado democrático de direito.  Aliás, muito pelo contrário. O mais provável é que passado o susto das prisões e apreensões, vejamos novamente a extrema-direita em manifestações que reunirão em sua maioria idosos brancos, mas que ainda deverão congregar outros desafetos da democracia para continuarem agindo, ainda que na surdina.

A minha única dúvida é se efetivamente haverá uma busca pelos financiadores destes grupos como está sendo anunciado pelo Ministro da Justiça, Flávio Dino. Se houver, as coisas deverão ficar mais interessantes, pois até as pedras que rolam no Paraíba do Sul sabem que a extrema-direita está sendo financiada por “brasileiros de bens”.

Uma seita no filme errado, esse é o Bolsonarismo no Brasil

Durante anos, milhões de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro foram incitados com a retórica da guerra civil. Após o assalto às instituições no domingo, a radicalização deve continuar

09_BrasiliaAinda não chegou com os dois pés na realidade: muitos participantes do assalto ao distrito governamental se isolam em um mundo paralelo. Foto: André Borges, Keystone

Por Philipp Lichterbeck , Rio de Janeiro, para o Woz

Quem quiser entender a tentativa de golpe ocorrida na capital brasileira, Brasília, no domingo, deve primeiro examinar a mentalidade dos apoiadores de Jair Bolsonaro. Observadores especialmente de esquerda tendem a descartá-los como fascistas, racistas e sexistas da classe média e alta branca. O bolsonarismo penetrou em todas as classes sociais e de forma alguma pode ser atribuído a uma cor de pele ou gênero específico. É verdade que, por exemplo, quase nenhum negro esteve envolvido na invasão do distrito governamental de Brasília, mas o número de “pardos” (como são chamados aqui os descendentes de negros e brancos) foi enorme. Foi igualmente impressionante quantas mulheres participaram entusiasticamente dos motins antidemocráticos.

Outra coisa é crucial: a firme crença dos bolsonaristas de que o Brasil está em perigo por causa da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, sim, que sua vitória eleitoral em outubro só foi possível por fraude, porque o “povo” tinha esse ladrão condenado e gangsters finalmente nunca eleitos. Os bolsonaristas acreditam firmemente que defenderam a pátria, a liberdade, a verdade e, em última análise, a verdadeira democracia.

Prólogo de um mês

Lula, por outro lado, estão convencidos, planeja instaurar uma ditadura comunista, dissolver a família tradicional, restringir a prática da religião cristã e abolir a liberdade de expressão. Além disso, Lula representa para ela – não totalmente errado – a típica disputa pelo poder em Brasília, onde um grande número de partidos e personalidades podem ser providos de cargos e cargos.

Os bolsonaristas, portanto, se veem como lutadores da liberdade que tentam fazer valer a verdadeira vontade do povo, que é reprimida pelas instituições estatais em interação com a “grande mídia”. É uma crença que se confirma a cada dia no mundo paralelo em que muitos bolsonaristas se isolaram. Apenas as informações que circulam ali apóiam suas ideias. Qualquer coisa que contradiga isso é ignorado ou reinterpretado sofisticamente. O bolsonarismo é impensável sem as redes sociais.

O movimento, com sua cosmovisão hermética e retórica quase religiosa da salvação, em última análise, assemelha-se a uma seita. Isso também explica a perseverança com que milhares acamparam em frente a quartéis por todo o Brasil desde a vitória eleitoral de Lula, exigindo um golpe militar. Eles se consideram legítimos para se opor a um governo ilegítimo; os fascistas são os outros para eles.

E não se esqueça: não se trata de uma minoria perdida. 58,2 milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro, ou seja, 49,1% dos que votaram. Com 60,3 milhões de votos, Lula da Silva recebeu apenas 1,8 ponto percentual a mais.

Os acampamentos foram o prólogo de um mês para a tomada de Brasília. Após uma marcha de protesto, os bolsonaristas romperam cordões policiais inadequados e invadiram o Congresso, o Supremo Tribunal Federal e o Palácio do Planalto. Quebraram janelas e móveis, destruíram obras de arte, atearam fogo, urinaram e defecaram em móveis e jogaram aparelhos eletrônicos no chão. Obras de arte, armas e câmeras também foram aparentemente roubadas. O prejuízo pode chegar a milhões.

O que chamou a atenção em tudo isso foi que a polícia militar no Brasil, conhecida por sua brutalidade, não interveio e alguns policiais até tiraram selfies com os invasores. Não é segredo que as forças de segurança do Brasil são um reduto do bolsonarismo.

A dura resposta de Lula

Embora inicialmente se tenha dito que a polícia havia sido surpreendida pela agressividade dos manifestantes, logo surgiu a suspeita de que havia cálculo por trás da passividade. O serviço interno de inteligência do Brasil, ABIN, aparentemente alertou os responsáveis ​​​​em Brasília no início de que milhares de várias partes do país estavam a caminho para invadir a Praça dos Três Poderes. Agora o chefe de polícia da capital, ex-ministro de Bolsonaro, foi demitido e o governador de Brasília foi afastado do cargo.

O assalto às instituições não foi espontâneo. Os apelos à invasão dos centros de poder do país já circulavam nas redes bolsonaristas há dias. Instruções para ação também foram compartilhadas; dizia-se, por exemplo, que a invasão só deveria ser tentada quando uma massa crítica de pessoas se reunisse. A polícia agora está investigando quem estava por trás dessas ligações e quem financiou as viagens de ônibus que trouxeram os manifestantes a Brasília. Cerca de uma centena de empresas e firmas bolsonaristas são suspeitas, muitas das quais já haviam apoiado os acampamentos de protesto em frente ao quartel.

Os tumultos foram interrompidos no domingo depois que o presidente Lula da Silva, que estava em São Paulo, emitiu um decreto dando ao governo federal o comando do aparato de segurança da capital. Ele anunciou com raiva que os “vândalos e fascistas” seriam punidos. Novas unidades policiais chegaram prontamente à Praça dos Três Poderes; expulsaram os invasores e prenderam algumas centenas deles. Na segunda-feira, a polícia desmantelou os acampamentos em frente aos quartéis em todo o país. Em Brasília, cerca de 1.200 bolsonaristas foram detidos em um pavilhão esportivo para verificar a prática de atos criminosos.

Foi o início da dura resposta do Estado brasileiro. O juiz constitucional Alexandre de Moraes, que já é odiado entre os bolsonaristas por sua repressão aos produtores e divulgadores de notícias falsas, ordenou que as listas de hóspedes de hotéis e pousadas em Brasília sejam revisadas e dados de geolocalização e imagens de câmeras de vigilância sejam analisados. A conduta da polícia local também faz parte da investigação. Isso é facilitado pelo fato de os bolsonaristas filmarem sua invasão e postarem gravações de seus crimes em celulares como troféus. Em sensacional discurso na terça-feira, Moraes afirmou que não haveria “apaziguamento” contra os “terroristas”: “Se o apaziguamento tivesse funcionado, não teríamos a Segunda Guerra Mundial”,

Nos grupos de comunicação bolsonaristas, mas também na Jovem Pan (a contraparte brasileira da direitista norte-americana Fox News), fala-se agora do início da ditadura comunista que Lula sempre planejou. Os bolsonaristas presos foram tratados como prisioneiros em campos de concentração e os crimes em Brasília foram cometidos por provocadores plantados pela esquerda.

O grande perdedor

O assalto às instituições brasileiras era previsível. É o resultado da retórica incitante à guerra civil que o ex-presidente Bolsonaro, políticos aliados a ele, pastores evangélicos, influenciadores e empresários vêm promovendo há anos. Alguns denunciantes online ganharam muito dinheiro com suas postagens nas mídias sociais – e, portanto, um interesse em mais radicalização.

Mas eles podem ter ido longe demais. Políticos da esquerda à direita concordaram que os “terroristas” e os “conspiradores golpistas” deveriam ser punidos em toda a extensão da lei. Lula da Silva conseguiu se apresentar como um poderoso chefe de Estado que assume o comando e toma decisões. Já na segunda-feira convocou governadores de todos os partidos, ministros e os juízes constitucionais de Brasília para demonstrar união. A maioria dos observadores concordou: a jovem democracia brasileira, com apenas 35 anos, provou ser defensiva e forte no final.

O grande perdedor é Jair Bolsonaro. Só mais tarde ele reportou da Flórida para se manifestar no Twitter contra os atos de violência em Brasília. Suas ligações não foram atendidas. Como se o bolsonarismo não precisasse mais disso.


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Este texto escrito originalmente em alemão foi publicado pelo jornal “Woz” [Aqui!].

Agrotóxico é bom no prato alheio: recordista na liberação de venenos agrícolas, Jair Bolsonaro comprou orgânicos 158 vezes no cartão corporativo

Favorável ao uso de agrotóxicos, ex-presidente consumia alimentos saudáveis de produtores locais no Palácio da Alvorada

organicosMercado Malunga, em Brasília, produz e comercializa alimentos orgânicos e saudáveis – Reprodução/Instagram

Por Paulo Motoryn para o Brasil de Fato

O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou para a história do país como o que liberou, em média, mais de um agrotóxico por dia, considerando os três primeiros anos de mandato à frente do Palácio do Planalto. A gestão do ex-capitão do Exército autorizou, até o início de 2022, uma média de 1,4 por dia, muitos deles altamente perigosos à saúde e ao meio ambiente e, por isso, proibidos em muitos países.

Enquanto o Executivo “passava a boiada” e batia recordes na liberação de agrotóxicos, o Palácio da Alvorada servia ao então presidente um cardápio com legumes, frutas e vegetais orgânicos. A informação consta na base de dados dos gastos do cartão corporativo de Bolsonaro, que estava em sigilo durante o governo anterior, divulgada pela gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 6 de janeiro.

De acordo com os registros oficiais, os cartões de crédito da Presidência da República foram utilizados 158 vezes em CNPJ’s ligados ao Mercado Malunga, comércio de Brasília que vende uma grande variedade de hortaliças, legumes e laticínios orgânicos produzidos de forma sustentável na Fazenda Malunga, localizada à 70 km de Brasília.

“O Mercado Malunga é uma rede de pessoas, que buscam oferecer uma grande variedade e qualidade de produtos orgânicos para a sua comunidade, buscamos semear a conscientização em relação à alimentação saudável e tecer uma rede colaborativa que acredita que para sermos felizes precisamos cuidar da nossa saúde e do nosso planeta, através da nossa ferramenta mais valiosa, o alimento”, diz o site da empresa.

O valor total gasto com dinheiro público no Mercado Malunga foi de R$ 6.773,24 e, na média, as compras foram de R$ 42,87. A compra mais alta, de R$ 219,88, foi feita em 28 de outubro de 2022. A mais baixa ocorreu em 29 de abril, quando foram gastos R$ 7,99.

Os gastos dos cartões corporativos da Presidência foram publicados pelo governo federal em 6 de janeiro. Dias depois, o Executivo respondeu a uma série de pedidos feitos por organizações, veículos e cidadãos por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação). Até então, o governo Bolsonaro argumentava que deixaria os valores em sigilo até o fim do mandato, seguindo um trecho da própria lei.

Apesar de consumir orgânicos no Palácio da Alvorada, Bolsonaro deu uma série de declarações favoráveis ao uso de pesticidas na plantação de alimentos : “Se estivéssemos envenenando os nossos produtos, o mundo não os compraria. É simples!”, afirmou, em 2019. Os seus ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também acumularam falas defendendo o uso de agrotóxicos.

Outro lado

Como o agora ex-presidente Jair Bolsonaro não tem assessoria de imprensa constituída, não foi possível entrar em contato com sua equipe para buscar um posicionamento para a elaboração desta reportagem. O espaço, porém, segue aberto para manifestações, e o texto poderá ser atualizado.

Edição: Nicolau Soares


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Este texto foi originalmente publicado pelo jornal “Brasil de Fato” [Aqui!].

Golpe de estado Tabajara explicita condição de economia dependente do Brasil

Impeachment Tabajara

A essas alturas do campeonato está mais do que claro que as hordas da extrema-direita que realizaram o quebra quebra em Brasília eram parte de uma engrenagem política mais ampla que buscava realizar mais um golpe de Estado na república brasileira. A coisa só não andou como os idealizadores desse coup d´etat exageraram nos tons das Organizações Tabajara do mesmo. 

A descoberta da minuta de decreto de fechamento da Justiça Eleitoral na casa do ex-ministro Anderson Torres é apenas um detalhe na longa lista de tabajarices cometidas, ao que tudo indica, pelo grupo que cerca (cercava?) mais diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro. O simples fato de que Anderson Torres se mandou para Orlando (mesma cidade onde Jair Bolsonaro se encontra) deixando para trás a tal minuta é um daqueles momentos Tabajara que parecem até armação.

Mas deixando de lado as bizarrices de Jair Bolsonaro e seus colegas, o que me chama a atenção é que mais este golpe não se consumou porque não teve o devido suporte das potências centrais, a começar pelo governo dos EUA, que resolveram apostar na capacidade política de Lula para manter o Brasil em sua condição de economia dependente. É essa faceta que vejo pouco analistas apontando, na medida em que se o governo Biden decidisse apoiar a imposição de um governo não eleito, o mais provável é que as tropas militares já estivessem nas ruas para impondo essa realidade.

Nesse sentido, os desafios que se colocam para o governo Lula são ainda maiores, pois sem a devida organização dos amplos setores que deram o terceiro mandato para Luís Inácio Lula da Silva, uma mudança de humor nas potências centrais significará a imposição de um governo não eleito pela população.

Por outro lado, é fato que existe neste momento uma tentativa de romper as estruturas políticas e econômicas que foram criadas ao final da Segunda Guerra Mundial sob a liderança da China. Um dos aspecto mais marcantes desse processo são os esforços de “desdolarizar” a economia mundial com muitos negócios sendo fechados em outras moedas, incluindo o Rublo russo e Yuan chinês.  Se esse processo avançar como parece que irá,  é possível que as pressões sobre Lula e seu governo de frente ampla sejam ainda maiores.

No que isso tudo vai dar, ainda não é possível afirmar. Mas está claro que uma das consequências do golpe Tabajara que foi aparentemente tentado sem sucesso será explicitar a encruzilhada em que o Brasil está metido neste momento.

Bolsonarismo inova e propõe golpe de estado via manuscrito

torres bolso

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres está cada vez mais afundado em um enredo golpista

Os próximos dias deverão ser muito interessantes após a Polícia Federal ter informado que encontrou na residência do ex-ministro Anderson Torres um manuscrito que seria a base para uma espécie de golpe de estado via intervenção na justiça eleitoral. As primeiras explicações vindas dos advogados de Torres são tão pouco favoráveis a ele que dá para pensar que há agora uma grande confusão reinando nas hostes do que se convenciona rotular de “bolsonarismo”.

anderson torres golpe

Após esse manuscrito ter sido encontrado fica a dúvida sobre o retorno ao Brasil não de Torres, mas de Jair Bolsonaro. É que um dos argumentos apresentados pela defesa de Torres é que alguém levou o tal manuscrito para ser apreciado para possível transformação em ato legal. Um desdobramento natural dessa informação é que se faça uma análise caligráfica para determinar quem teria sido o autor da proposta. Se as análises determinarem que a caligrafia não é a de Torres, uma primeira pergunta a ser feito ao ex-ministro da Justiça é de quem ele teria recebido o manuscrito.

Para piorar a situação de Torres, esse tal manuscrito não foi o único documento recolhido na casa de Anderson Torres. Como sempre ocorre brevemente será vazada para a mídia corporativa a informação de quais os outros documentos recolhidos pela Polícia Federal.

Como esses documentos fazem parte das atividades oficiais de Anderson Torres, o mínimo que se pode atribuir a ele é a não transmissão dos mesmos ao novo ministro da Justiça, Flávio Dino. Mas entre outros desdobramentos podem vir as acusações de prevaricação, o que, convenhamos, não é nada bom para Torres.

Resta saber se Anderson Torres, que é delegado da Polícia Federal, vai querer segurar essa bomba toda sozinho ou vai rapidamente demandar o usufruto de uma delação premiada.  

Mas uma coisa é certa: pode-se dizer tudo sobre Jair Bolsonaro e seus operadores, mas que não sejam criativos. Afinal, não me recordo de qualquer outro exemplo de que a prova da preparação de um golpe de estado via anulação dos resultados de uma eleição seja deixada para trás como se fosse um guardanapo onde se rascunhou um poema.