Seminário na Câmara vai discutir os perigos do uso do mercúrio na Odontologia

Os impactos das restaurações com o metal altamente tóxico à saúde e ao meio ambiente serão abordados nesta terça (24). Projeto que visa proibi-las está parado no legislativo federal. No estado de SP, veto a lei semelhante pode ser derrubado

Por Cida de Oliveira

A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados vai realizar nesta terça-feira (24), às 10 horas, seminário para debater os impactos à saúde e ao meio ambiente causados pelo uso do mercúrio em procedimentos odontológicos. A iniciativa é do deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), vice-presidente do colegiado. Em seu requerimento, o parlamentar convida profissionais da saúde, autoridades sanitárias, estudantes e representantes da sociedade civil. E faz um alerta: “O mercúrio, substância altamente tóxica, tem sido amplamente utilizado na composição de amálgamas dentárias, o que levanta preocupações crescentes quanto à exposição de profissionais da odontologia, pacientes e da população em geral”. O parlamentar foi relator do Projeto de Lei (PL) 3.098/2021 na Comissão de Meio Ambiente da Câmara.

De autoria do deputado Carlos Henrique Gaguim (União-TO), o PL traz regras para a eliminação gradativa do uso de amálgamas de mercúrio, com proibição total após três anos da entrada em vigor da lei. Além disso, também prevê a destinação ambientalmente adequada do mercúrio, que é danoso aos seres vivos de forma geral. Em sua essência, a proposta atende imediatamente à recomendação mais restritiva da Convenção de Minamata quanto ao amálgama de mercúrio na população mais sensível.

Em seu parecer favorável que levou à aprovação na comissão em 2023, Nilto Tatto chama atenção também para a invisibilidade do perigo. “Embora a contaminação ambiental por mercúrio estampe as matérias dos jornais com frequência em função do crescimento vertiginoso dos garimpos ilegais na Amazônia, há outros impactos causados pela substância e que vem passando despercebidos pela sociedade: é o caso do uso de amálgamas de mercúrio em procedimentos odontológicos”, destacou. Atualmente o projeto está parado na Comissão de Saúde, onde aguarda parecer da relatoria. Com tramitação terminativa em comissões, sem votação em plenário, precisa ainda ser aprovado nesta comissão e também na de Constituição, Justiça e Cidadania.

A realização do seminário é coerente com compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção de Minamata, tratado internacional que visa reduzir a exposição ao mercúrio e proteger a saúde humana e o meio ambiente. E contribui para a agenda de pesquisadores, professores, médicos, dentistas e outros especialistas no tema aglutinados na Aliança Mundial para a Odontologia Livre de Mercúrio. O grupo, que conta também com a adesão de ex-trabalhadores expostos ao metal tóxico e parlamentares, atuou diretamente no esforço que levou à criação e aprovação de uma lei estadual nesse sentido em São Paulo. De autoria do deputado estadual Maurici (PT), a proposta foi aprovada na assembleia paulista com amplo apoio. No entanto foi integralmente vetada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) em outubro de 2023. Até agora a apreciação do veto pelos parlamentares estaduais não foi colocada em pauta.

Assim, o seminário deve repercutir favoravelmente para o avanço e aprovação do projeto federal e também para a rejeição do veto de Tarcísio, de modo que o PL 1475/2023 seja finalmente convertido em Lei Estadual. No caso paulista, há um precedente que justifica a expectativa positiva nesse sentido. Em 2014, o plenário da Casa aprovou o PL 769/2011, apresentado pelo então deputado estadual Marcos Martins (PT), falecido recentemente, que previa o banimento do mercúrio na fabricação, comercialização, uso, armazenamento e reparo de instrumentos de medição como esfigmomanômetros e termômetros. O então governador Geraldo Alckmin vetou, mas devido a ações de sensibilização sobre os deputados, a proposta acabou promulgada na forma da Lei 15.313/2014.

Um dos convidados para o evento na Câmara, o integrante da Aliança Jeffer Castelo Branco conta que os argumentos que serão apresentados têm como base estudos nacionais e internacionais que apontam para os riscos à saúde associados à liberação de vapores de mercúrio, com potenciais impactos neurológicos, imunológicos e reprodutivos, além de danos ambientais decorrentes do descarte inadequado do material.

“Nesse contexto, a realização de um seminário contribui para a disseminação de informações atualizadas, baseadas em evidências científicas, e para o fortalecimento do debate público em torno da substituição progressiva do mercúrio por alternativas mais seguras. Neste ano, as células de mercúrio usadas nas fábricas de cloro e soda ao redor do mundo devem cessar suas operações, apenas aquelas sem mercúrio poderão continuar. Agora, sem mais atrasos, é a vez do amálgama dentário odontológico”, disse Castelo Branco, que é doutor em ciência e pesquisador do Núcleo de Estudos, Pesquisas e Extensão em Saúde Socioambiental (Nepssa) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A Aliança tem trabalhado também na disseminação de conhecimento e na sensibilização de profissionais da odontologia, da sociedade e dos governos para que adotem a recomendação mais restritiva da Emenda das Crianças da Convenção de Minamata. Ou seja, vedar de maneira imediata e definitiva o uso do amálgama dentário em crianças e adolescentes até 15 anos, lactantes e gestantes. Essa medida, no entanto, não foi contemplada adequadamente na Resolução Anvisa RDC 879/2024.

“A resolução não observou com profundidade que o dispositivo do tratado internacional visa justamente a proteção de grupos populacionais mais sensíveis e proteger a reprodução e o desenvolvimento humano, livrando-os da exposição e dos efeitos deletérios do mercúrio desta fonte”, afirma Castelo Branco. Segundo ele, a Anvisa incluiu no texto da resolução somente os dentes decíduos (dentes de leite) de adolescentes até 15 anos. E não se atenta à necessidade de avaliar a presença de doenças ou agravos relacionados à exposição ao mercúrio, e nem ao aumento da carga corporal do metal tóxico devido a restaurações odontológicas contendo o metal tóxico mercúrio. “Além disso, a resolução da Anvisa informa sobre a notificação das cápsulas contendo mercúrio, quando na verdade, é necessário exigir o registro, por se tratar uma substância perigosa”.

A Aliança Mundial para a Odontologia Livre de Mercúrio defende ainda que o Brasil apoie de maneira irrestrita a proposta da África que será defendida na COP-6 da Convenção de Minamata, entre os dias 3 e 7 de novembro próximo, em Genebra. Os africanos defendem que o mercúrio seja eliminado gradativamente (phase-out) até 2030. O Brasil, por sua vez, já concluiu o processo de redução gradativa (phase-dow). “O objetivo agora é a definição de uma data, a mais breve possível, para a eliminação total do uso do mercúrio em consultórios dentários. E com isso eliminar a exposição humana e a poluição e contaminação ambiental do ar, solo, rios e oceanos por esse metal tóxico”, diz o integrante da coalizão.

Segundo ele, o prazo para acabar com as fontes de exposição ambiental ao mercúrio está passando. “Infelizmente, estamos deixando acumular passivos para as futuras gerações resolverem, pois, em vez de administrar esses passivos, estamos aumentando. E o que temos feito, arduamente, é atuar para cessar as fontes, principalmente onde já existem alternativas que substituem as práticas e produtos obsoletos e poluidores. 

Por isso, a Aliança considera que reuniões no âmbito da Convenção de Minamata, a exemplo do seminário que será realizado na Câmara, devem ser um espaço para ampliar o apoio ao uso das novas técnicas e tecnologias, livres de mercúrio, nos produtos e processos. E que, nesse sentido, o governo brasileiro não deve buscar atrasar as negociações e adiar decisões importantes para saúde e o meio ambiente. Mas sim ter proatividade para contribuir com o objetivo central do tratado, que é proteger o meio ambiente e a saúde humana das fontes de mercúrio lançadas pelos homens. “E para que essa meta se torne cada vez mais uma realidade, é necessário eliminar todas as fontes de mercúrio, dentre elas o amálgama dentário. É preciso resistir a interesses específicos que, por meio do lobby negativo, insistem em manter o uso do metal tóxico, em detrimento da saúde global”, defende Jeffer Castelo Branco.

Serviço:

Seminário para debater os perigos do uso do mercúrio em procedimentos odontológicos e os impactos sobre a saúde humana e meio ambiente

Data: 24 de junho, às 10h.

Local: Plenário 2 do Anexo II da Câmara dos Deputados – DF

Acompanhe transmissão ao vivo pelo site Câmara dos Deputados.

Mais informações: Cida de Oliveira 11-97580-6945

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