Povos exigem revogação do Decreto 12.600/2025, cancelamento da Ferrogrão e proteção contra grandes empreendimentos dentro do território

Membros do movimento indígena Munduruku Ipereg Ayu aguardam do lado de fora do local da COP30 durante um protesto em Belém, Brasil, em 14 de novembro de 2025 (AFP/AFP)
Belém (PA), 14 de novembro de 2025 — Na manhã desta sexta-feira (14), indígenas do povo Munduruku, articulados pelo Movimento Ipereg Ayu, realizaram um ato em frente à entrada da Blue Zone da COP30 para cobrar uma reunião emergencial com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O grupo denuncia que o governo federal está avançando com projetos de infraestrutura que ameaçam diretamente o território Munduruku, bem como todos os povos da bacia do Tapajós e Xingu — sem consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT.
Além dos megaempreendimentos, os Munduruku também protestam contra projetos de crédito de carbono e mecanismos de REDD+ jurisdicional que vêm sendo discutidos no âmbito da COP30 e em negociações governamentais. Para o movimento, tais iniciativas representam formas de “venda da floresta” que retiram autonomia dos povos, permitem a entrada de empresas e intermediários nos territórios e não enfrentam a raiz dos problemas climáticos: o desmatamento industrial, o garimpo, as hidrovias e a expansão da soja.
O principal alvo da manifestação é o Decreto nº 12.600/2025, que instituiu o Plano Nacional de Hidrovias e incluiu o Tapajós, o Madeira e o Tocantins como eixos prioritários para navegação de cargas. Para os Munduruku, o decreto “abre a porteira” para novas dragagens, derrocamento de pedrais sagrados e expansão acelerada de portos privados. “Esse decreto ameaça exterminar nosso modo de vida, porque transforma o rio em estrada de soja. Presidente Lula, o senhor precisa ouvir o nosso povo antes de decidir sobre nosso futuro”, afirma liderança do Movimento Ipereg Ayu.
Dados dos estudos do Inesc mostram que o corredor Tapajós–Arco Norte é hoje um dos principais vetores de avanço do agronegócio sobre a Amazônia. Entre 2010 e 2022, 68% de todo investimento federal em infraestrutura na região foi destinado a corredores de exportação, incluindo BR-163, Terminais de Itaituba/Miritituba e projetos de hidrovias no Tapajós. Em 2023, 47% das exportações de soja do Brasil já saíam pelos portos do Arco Norte — antes, eram 16% em 2010.
Na prática, isso tem efeito direto no território Munduruku. O Inesc e organizações parceiras apontam que:
• A movimentação de cargas e adubos nas hidrovias do Tapajós explodiu: 167 mil toneladas em 2022, contra apenas 4 mil toneladas em 2019, um salto de mais de 4.000%.
• O crescimento dos portos e barcaças reduz pesca, contamina água e restringe circulação de comunidades ribeirinhas — impactos já denunciados por aldeias Munduruku ao longo dos rios Tapajós e Teles Pires.
• Dragagens emergenciais recentes no Tapajós, feitas sem consulta, mobilizaram sedimentos contaminados e afetaram igarapés usados por aldeias para pesca e navegação.
“Tudo isso acontece sem o Estado nos ouvir. Querem destruir o fundo do rio, querem explodir nossos pedrais sagrados, querem lotar o Tapajós de barcaças para levar soja para fora do Brasil. Quem mora aqui somos nós, não as empresas”, disse uma liderança Munduruku.
O movimento também cobra o cancelamento definitivo da Ferrogrão (EF-170) — projeto planejado para transportar soja desde Sinop (MT) até Miritituba (PA), onde as barcaças seguem pelo Tapajós. Segundo estudos do Ministério dos Transportes, a ferrovia pode multiplicar por seis o volume de grãos enviados pelo rio até 2049. Para os Munduruku, isso significará:
• Mais portos próximos às aldeias (Miritituba, Itaituba e Trairão já concentram projetos em série);
• Mais dragagens e risco de explosão de pedrais sagrados;
• Expansão da soja sobre a borda das terras indígenas e aumento de conflitos fundiários;
• Contaminação da água e dos peixes por agrotóxicos.
Os Munduruku também cobram do governo federal a aceleração da demarcação das terras indígenas, dos processos parados no Ministério da Justiça e na Casa Civil, e responsabilizam o Estado por conflitos que aumentaram com o avanço da soja.
“Presidente Lula, estamos aqui na frente da COP porque queremos que o senhor nos escute. Não aceitamos ser sacrificados para o agronegócio. Revogue o Decreto 12.600. Cancele a Ferrogrão. Demarque nossas terras. Fora crédito de carbono — nossa floresta não está à venda. Quem protege o clima somos nós, e a Amazônia não pode continuar sendo destruída para enriquecer grandes empresas”, finaliza.