‘Deserto verde’: agricultores vencem a batalha contra a gigante brasileira-sueca da celulose na Bahia

A produção de eucalipto é dominada por grandes multinacionais que convertem terras agrícolas e florestas em plantações de monocultura de árvores

Plantação de eucalipto na Baixa Verde de propriedade da Veracel Celulose.

Plantação de eucalipto na Baixa Verde, pertencente à Veracel Celulose. O Brasil é o maior produtor mundial dessa planta de rápido crescimento e alta demanda hídrica. Fotografia: Sara Van Horn

Por Sara Van Horn em Eunápolis (BA) para o “The Guardian” 

Fileiras retas de clones de eucalipto ladeiam o assentamento da Baixa Verde, no nordeste do Brasil. As árvores geneticamente idênticas contrastam fortemente com os trechos de Mata Atlântica – um dos ecossistemas com maior biodiversidade do planeta – que ainda permanecem dispersos pela região.

Cercada por quase 100.000 hectares de plantações de eucalipto, Baixa Verde é um raro exemplo de vitória local sobre uma multinacional no Brasil. O assentamento rural deve sua existência a quase duas décadas de batalhas judiciais por direitos de propriedade da terra – mas a luta ainda não acabou.

Após lutarem para manter suas terras, as famílias agora enfrentam uma crise de segurança sem precedentes, marcada por confrontos armados, incêndios criminosos e ameaças de morte, parte de uma onda de violência impulsionada por uma disputa de terras que se intensificou desde 2024.

Vista aérea de uma extensão de árvores em fileiras organizadas.

Um terreno de eucaliptos pertencente à Veracel Celulose. A produção normalmente envolve a conversão de terras agrícolas e florestas em plantações de monocultura. Fotografia: Jhedys Kann

Os conflitos sobre direitos de propriedade da terra são um problema antigo na região. A obtenção de títulos de propriedade é geralmente vista como uma legitimação da apropriação de terras de comunidades tradicionais, e a população local suspeitava que a Veracel Celulose – uma empresa de produção de celulose pertencente em conjunto à empresa sueco-finlandesa Stora Enso e à gigante brasileira de celulose Suzano – estivesse plantando eucaliptos em terras públicas.

Em 2008, Ercilio Souza, um dos fundadores do assentamento da Baixa Verde, e Juenildo Oliveira Farias visitaram os arquivos do governo para consultar documentos públicos. Encontraram a página que comprovava que os 1.300 hectares em disputa pertenciam ao governo. “Sempre soubemos que era terra pública”, afirma Souza.

Com o documento em mãos, reuniram 91 famílias da região e se uniram ao Movimento Luta pela Terra (MLT), uma organização política e social que luta pela reforma agrária. Sua primeira ação foi ocupar uma área de uma plantação de eucaliptos utilizada pela Veracel, acusando a empresa de usar terras públicas.

Dois anos após a ocupação inicial, o MLT obteve o reconhecimento estatal de que a empresa não era proprietária legal do terreno plantado pela Veracel. “Este documento foi uma vitória não apenas para o movimento local pelos direitos à terra, mas para todos os movimentos sociais do Brasil ”, afirma Jhedys Lemos Farias, que cresceu no acampamento e hoje é uma das líderes do MLT.

Um homem está em um quintal com roupas estendidas no varal. Ao fundo, vê-se uma plantação de eucaliptos.

Ercilio Souza em suas novas terras, anteriormente uma plantação de eucaliptos. Souza sempre suspeitou que essas terras fossem de propriedade pública. Fotografia: Sara Van Horn

Após anos de entraves e batalhas judiciais, o estado da Bahia firmou um acordo com a Veracel e o MLT em 2016, restituindo 1.300 hectares de terras da Veracel ao governo e concedendo a cada família um lote grande o suficiente para cultivar seus próprios alimentos. Das 61 famílias restantes, 53 já se mudaram para seus novos lotes.

“Conquistar o direito à terra significa que agora temos um lugar para cuidar dos nossos mais jovens”, diz Lemos Farias.

Apesar da perda do terreno, um representante da Veracel afirma que a empresa sempre operou com “transparência, responsabilidade social e ambiental” e respeito pela população local. “A empresa nunca foi condenada por grilagem de terras e reafirma que suas áreas de produção são legalmente regulamentadas e operam com as licenças ambientais necessárias.”

No entanto, nos anos que se seguiram ao acordo, as famílias afirmam ter sofrido ameaças de morte, tiroteios, casas incendiadas, produtos agrícolas roubados e plantações destruídas.

Um homem está de pé ao lado de um rio vermelho com margens gramadas.

Jhedys Lemos Farias junto a um rio perto do bairro da Baixa Verde. Os moradores locais dizem que o rio secou desde o início da produção de eucalipto. Fotografia: Sara Van Horn

Segundo o MLT, o conflito agora se concentra em parcelas de terra que permanecem ocupadas por agricultores filiados ao sindicato local, a Federação dos Trabalhadores Rurais e da Agricultura Familiar (Fetag). Quando estava prestes a perder a posse da terra em disputa, a Veracel doou 300 hectares vizinhos ao sindicato – doação confirmada pela direção da Fetag, de acordo com a gravação de uma audiência pública realizada com a Defensoria Pública Nacional da Agricultura da Bahia.

Nos últimos quatro anos, seis líderes do MLT foram colocados sob vigilância protetiva pelo programa brasileiro de proteção a defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas. O governo recomendou que alguns desses líderes se mudassem, mas, por lealdade ao movimento e por sua ligação com a terra que conquistaram com tanto esforço, eles se recusaram.

Devido às ameaças de morte que tem recebido, Souza diz que tem dificuldade para dormir à noite. “Estou com muito medo de que algo aconteça à minha família”, afirma. “Há muita perseguição por aqui. Nossas tendas foram incendiadas, assim como nossos canaviais.”

Uma mulher sentada num banco em frente a uma casa de madeira.

Marli dos Santos em frente a uma casa temporária enquanto aguarda a desocupação de seu terreno. Ela encontrou cápsulas de balas na grama a poucos metros de distância. Fotografia: Sara Van Horn

A MLT afirma que oito famílias não se sentem suficientemente seguras para cultivar seus terrenos, que permanecem ocupados por agricultores supostamente associados à Veracel.

A Veracel afirma que, nos últimos 15 anos, destinou “mais de 20.000 hectares a iniciativas de reforma agrária, seja por meio de acordos judiciais, doações ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), doações diretas ou vendas, para resolver conflitos em curso no território”.

A empresa também afirma que “a criação dos assentamentos – desde o projeto até o parcelamento e a definição dos lotes – foi conduzida inteiramente pelo governo estadual, sem interferência da empresa” e “não comenta conflitos entre movimentos sociais”.

Marli dos Santos é uma das duas pessoas que ainda vivem no antigo acampamento. Ela conta que tem sido assediada por homens armados que cercaram sua casa e atiraram no chão em frente à sua residência. Como não há ninguém por perto, Santos – que mora sozinha – acredita que os tiros foram uma tentativa de intimidá-la e impedi-la de retomar o terreno que lhe foi designado.

Em agosto, o estado da Bahia autorizou a remoção dos agricultores Fetag que ainda permanecem em lotes da Baixa Verde – mas a decisão ainda não foi cumprida.

A Fetag não respondeu ao pedido de comentário.

BAlém de se defenderem de ameaças e violência, a conversão de terras antes utilizadas para a monocultura de eucalipto em áreas de produção alimentar é agora o principal desafio para as comunidades da Baixa Verde. A produção de eucalipto é dominada por grandes multinacionais quedesde a década de 1960 , vêm convertendo terras agrícolas e florestas em plantações de monocultura, impulsionadas pela demanda global.

O Brasil é o maior produtor mundial de eucalipto, uma planta de rápido crescimento e que consome muita água , cuja polpa é exportada para a fabricação de papelão e produtos de papel. A maior parte da polpa de eucalipto do país é exportada para a Europa, onde é utilizada na fabricação de produtos de papel frequentemente comercializados como uma alternativa renovável aos plásticos – apesar dos danos ambientais causados ​​pela monocultura.

Na Bahia, a proliferação dessas fazendas rendeu ao povoamento o apelido de “deserto verde”, devido à perda da vida selvagem e à grave escassez de água e terra enfrentada pelas famílias que vivem perto das plantações de eucalipto.

Vista aérea de terrenos agrícolas rodeados por plantações verdes.

Os terrenos agrícolas do povoado da Baixa Verde, perto de Veracel. Fotografia: Arquivo MLT

Souza cresceu na região e se lembra do rio antes da área ser transformada pela monocultura de eucalipto, promovida pela Veracel. “Costumávamos atravessá-lo de canoa. Era cheio”, diz ele. “Depois que a Veracel chegou, secou.” Ele atribui a escassez de água à chegada da empresa em 1991.

A Veracel afirma que “adota um sistema de gestão em mosaico, no qual o eucalipto é cultivado em áreas de planalto, enquanto vales, nascentes e vegetação nativa são preservados. Este modelo garante a proteção do solo, a conservação da vida selvagem e a manutenção dos recursos hídricos”. A empresa também afirma que “realiza monitoramento contínuo de microbacias em sua área de atuação” e “desenvolve projetos de reflorestamento e restauração florestal em áreas próximas a comunidades”.

No estado vizinho de Minas Gerais, a região de eucaliptos de Turmalina viu seu nível de água subterrânea cair 4,5 metros nos últimos 45 anos, de acordo com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais.

A vegetação em monoculturas de eucalipto absorve 26% da água da chuva , restaurando os níveis do lençol freático – em comparação com os 50% de absorção associados à floresta nativa. Três quartos das famílias de agricultores entrevistadas em Minas Gerais relataram que suas plantações foram afetadas pela escassez de água.

O cultivo de eucalipto também acarreta um risco elevado de incêndios florestais. As plantações são tão inflamáveis ​​que o Chile descartou o eucalipto como uma solução climática viável após uma série de grandes incêndios em suas plantações.

Apesar dos riscos ambientais, as plantações de eucalipto continuam a desempenhar um papel significativo no mercado de carbono, com as árvores sendo vendidas como créditos de carbono para empresas poluidoras de combustíveis fósseis, a fim de compensar suas emissões. Apesar da oposição de ativistas, em maio do ano passado, o governo brasileiro aprovou uma lei que exclui o eucalipto da lista de indústrias que necessitam de licença ambiental.


Fonte: The Guardian

Greenwashing à vista: o lobby do agronegócio vai à luta em Belém

Como os representantes  do agronegócio brasileiro pretendem influenciar a COP de Belém

Uma manada de gado durante um incêndio florestal na região amazônica.

Uma manada de gado durante um incêndio florestal na região amazônica brasileira. Foto: dpa/AP/Leo Correa
Lisa Kuner e Cecilia do Lago para o “Neues Deustchland” 

As emissões do setor agrícola representam um grande problema climático, mas muitos atores no Brasil querem convencer o mundo do contrário na próxima COP 30, conferência climática em Belém: “A agricultura brasileira opera de forma social e ecologicamente responsável”, afirma Pedro Lupión, presidente da Frente Agrícola Parlamentar (FPA). O agronegócio também contribui para a conservação da natureza no país, diz o político do partido Progressistas, de centro-direita. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, expressa visão semelhante: “O Brasil está mostrando ao mundo que é possível produzir, conservar e integrar. A agricultura brasileira será um componente essencial da solução global para os problemas climáticos.”

Os visitantes poderão vivenciar em primeira mão como isso poderá se concretizar na “Agrizone”, localizada a dois quilômetros da conferência climática em Belém, a partir de 10 de novembro. Organizada pela Embrapa, empresa brasileira de pesquisa agropecuária, a “Agrizone” contará com mais de 400 eventos. O financiamento provém de corporações como Bayer e Nestlé, bem como de diversos grupos de interesse. A “Agrizone” visa apresentar as melhores práticas — soluções para a agricultura de baixo carbono. Os organizadores também enfatizam seu compromisso em enfrentar simultaneamente a crise climática e a insegurança alimentar, por exemplo, por meio de abordagens agroflorestais, em que o gado pasta em florestas em vez de campos abertos. Agricultura tropical em harmonia com a floresta tropical — certamente parece promissor.

Na realidade, porém, a agricultura é um dos maiores impulsionadores da crise climática. No Brasil, diferentemente de muitas outras regiões do mundo, a maior parte das emissões provém de mudanças no uso da terra – devido ao desmatamento da floresta tropical, por exemplo, para o cultivo de soja ou a pecuária. Ao longo do “arco do desmatamento”, que se estende por todo o vasto país, muitas florestas já tiveram que dar lugar a enormes plantações de soja.

A situação global não é muito melhor: cerca de um terço de todas as emissões provém dos sistemas alimentares. E cerca de dois terços dessas emissões decorrem da produção de alimentos de origem animal, embora estes representem apenas 19% de todas as calorias produzidas mundialmente e 41% das proteínas. Isso se deve principalmente ao fato de o gado ser responsável por uma grande parcela das emissões de metano. A abordagem mais simples para reduzir as emissões desse setor é, portanto, clara: dietas com mais alimentos de origem vegetal e menos carne e laticínios. Esses fatos não são novidade – contudo, a agricultura raramente é mencionada nas discussões sobre a crise climática.

Isso pode ser explicado pelo fato de a produção de carne e laticínios ser um negócio gigantesco. Só no Brasil, o consumo de carne bovina é superior a 38 quilos por pessoa por ano, e cerca de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) está ligado a esse setor. O agronegócio também desempenha um papel político importante: 303 deputados federais e 50 senadores são filiados à FPA.

Se o consumo de carne diminuir, isso também significa perdas significativas para o setor agropecuário. É por isso que o lobby do setor tem participado ativamente de conferências sobre o clima há algum tempo – nos últimos anos, centenas de representantes têm comparecido anualmente. Isso faz parte de uma campanha em larga escala com o objetivo de desviar a atenção da dimensão de sua contribuição para a crise climática. Essa abordagem é semelhante às campanhas de décadas da indústria de combustíveis fósseis.

Meias-verdades e até mesmo desinformação são frequentemente utilizadas. No Brasil, por exemplo, o agronegócio está promovendo um novo padrão para a contabilização de gases de efeito estufa que supostamente refletiria melhor as propriedades do metano. Críticos, no entanto, alertam para um “truque de cálculo” que minimiza o papel da pecuária nas mudanças climáticas. O IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) também não utiliza esse padrão. Alguns lobistas vão ainda mais longe: Gilberto Tomazoni, CEO da JBS, a maior empresa de carnes do mundo, afirma que os métodos de contabilização de gases de efeito estufa estão “errados” porque não levam em consideração que gases também são capturados durante a produção de carne.

Tudo isso deverá ser apresentado na conferência climática: o lobby do agronegócio também está representado nas salas de negociação oficiais da “Zona Azul”, em Belém. Inicialmente, o agronegócio brasileiro chegou a cogitar organizar uma espécie de contracúpula, uma “Cop do Agro”. No entanto, o governo estadual se opôs, e o evento acabou sendo cancelado.


Fonte: Neues Deutschland

Créditos de carbono são ‘um passe livre para poluidores’

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, participa do painel de discussão “Implementando o Balanço Global: Transições Energéticas” no segundo dia da PRÉ-COP30. Rogério Cassimiro / MMA / Creative Commons 4.0. @Rogério Cassimiro 

Por Monica Piccinini para “The Ecologist”

Os mercados de carbono estão de volta aos holofotes enquanto os líderes mundiais se reúnem em Belém, Brasil, para a COP30 este mês. Os críticos estão questionando se eles fornecem benefícios climáticos genuínos ou simplesmente dão aos poluidores um passe livre.

Durante anos, fomos informados de que a compra de créditos de carbono poderia cancelar nossa poluição e ajudar a proteger o planeta. Pague um pouco mais pelo seu voo, compense as emissões do seu negócio e, em algum lugar, uma floresta tropical permaneceria de pé. Parece uma solução simples para um problema complicado, uma maneira de continuar como de costume enquanto outra pessoa plantava ou protegia árvores para nós.

Mas uma nova pesquisa, liderada pelo Dr. Thales AP West, professor assistente titular do Instituto de Estudos Ambientais (IVM) da Vrije Universiteit Amsterdam, destruiu essa ideia.

Desvio

O documento afirma que muitos esquemas voluntários de compensação de carbono de REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) são construídos “com base na esperança, não na prova”.

Publicada na revista Global Change Biology e escrita por cientistas líderes de toda a Europa, Américas e Ásia, a pesquisa descobriu que a maioria das compensações de carbono não funciona.

Na verdade, muitos são baseados em suposições instáveis, dados exagerados e um tipo conveniente de pensamento positivo.

Outro artigo publicado recentemente na Nature afirma que “as compensações prejudicam a descarbonização, permitindo que empresas e países afirmem que as emissões foram reduzidas quando não foram.

Isso resulta em mais emissões, atrasa a eliminação gradual dos combustíveis fósseis e desvia recursos escassos para falsas soluções.”

Benefício

O mercado voluntário de carbono (VCM) foi projetado para ajudar pessoas e empresas a compensar suas emissões pagando por projetos que evitem o desmatamento e a degradação florestal. Cada crédito, no valor de uma tonelada de dióxido de carbono evitado, poderia ser negociado, comprado e vendido como uma ação.

No cerne do problema está a linha de base“, o cenário imaginado do que teria acontecido sem o projeto, quanta floresta teria sido destruída. Quanto pior o futuro imaginado, mais créditos um projeto pode vender.

E é aí que começa o problema. Alguns projetos exageraram essas ameaças, alegando que estavam salvando florestas que nunca estiveram realmente em perigo.

Alguns construíram modelos de computador tão fracos que “não eram melhores do que adivinhar”, revela a pesquisa. Outros foram colocados em áreas remotas onde ninguém planejava cortar árvores em primeiro lugar.

Portanto, embora as empresas se gabem de serem “neutras em carbono”, alguns desses créditos podem não representar nenhum benefício climático real.

A verdade incômoda é que a precisão pode não ser lucrativa.

Certificação

O Dr. West diz que, embora alguns desenvolvedores ajam de boa fé, o próprio sistema está configurado para falhar: “Nem todo desenvolvedor de projeto está inflando as linhas de base.

“Alguns realmente querem fazer a coisa certa, mas são forçados a seguir as metodologias aprovadas pela Verra. Mesmo com as melhores intenções, se você seguir a “receita errada”, provavelmente não obterá o resultado certo.

“Essas estruturas simplesmente não são adequadas para medir o desempenho ou o impacto do projeto. As ferramentas existem para fazer isso corretamente, mas adicionam incerteza e risco, e isso é ruim para os negócios. A verdade incômoda é que a precisão pode não ser lucrativa.”

De companhias aéreas a gigantes da tecnologia e marcas de luxo, as compensações se tornaram uma licença moral para continuar poluindo, com uma auréola verde anexada.

As pessoas que certificam e vendem os créditos geralmente têm um interesse financeiro em manter o sistema vivo. Todos se beneficiam de grandes números, exceto o planeta.

Incentivos

O artigo expõe como esse sistema, que deveria canalizar dinheiro para a conservação, está repleto de conflitos de interesse.

Os organismos de certificação, pagos pelos próprios projetos que auditam, têm todos os incentivos para manter os créditos fluindo. As agências de notação competem pelos negócios oferecendo avaliações favoráveis.

Os desenvolvedores geralmente retêm dados cruciais escondidos atrás do sigilo comercial. Mesmo alguns auditores, revela a pesquisa, “confiaram no auto-relato da equipe do projeto” em vez de verificação independente.

O Dr. West argumenta que, sem independência estrutural, a integridade é impossível: “Algumas pessoas acreditam que a supervisão do governo poderia ajudar, mas olhe para o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) sob o Protocolo de Kyoto – há muitos casos bem conhecidos em que a corrupção era desenfreada.

“Trazer mais organizações não resolverá se os incentivos permanecerem os mesmos. Um passo simples seria os desenvolvedores pagarem ao órgão certificador, que então designa aleatoriamente um auditor. Também deve haver padrões firmes para a competência do auditor e o tamanho da equipe.

Consultoria

“No momento, uma pessoa pode inspecionar um projeto em dois dias, enquanto outra equipe passa uma semana. Esse tipo de inconsistência pode comprometer a qualidade da certificação.”

Os pesquisadores revisitam o projeto Suruí no Brasil, outrora celebrado como um modelo de conservação liderada por indígenas. Foi construído com base em ciência sólida, usou conhecimento local e até ganhou reconhecimento internacional.

Apesar de sua promessa, o projeto entrou em colapso sob pressão de mineradores ilegais e criadores de gado. A lição, revela o artigo, é clara: mesmo a compensação mais bem projetada não pode impedir o desmatamento se o sistema mais amplo – política, aplicação da lei e direitos à terra – for quebrado.

Este mês, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação pedindo a interrupção imediata de um projeto de crédito de carbono em áreas protegidas do Amazonas onde vivem comunidades indígenas e tradicionais.

O MPF diz que o projeto, lançado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema), está avançando sem consultar as comunidades locais, violando as regras da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Negociar

Estas não são histórias isoladas. Do Camboja ao Quênia, os projetos foram prejudicados pela corrupção, disputas de terras ou decisões do governo de construir barragens e estradas em zonas “protegidas”. Outros restringiram o acesso da população local às florestas, cortando os meios de subsistência.

Muitas vezes, as comunidades veem pouco do dinheiro que flui por meio desses esquemas. Por exemplo, no Zimbábue, o governo decretou que metade de toda a receita de carbono deve ir para o Estado, com apenas uma fração chegando às aldeias locais. Os “benefícios” são geralmente capturados pelas “elites” da comunidade.

O Dr. West diz que o sistema recompensa consultorias com fins lucrativos, em vez de grupos de base com laços genuínos com a terra.

“Algumas ONGs trabalham com comunidades locais há décadas, muito antes de existirem créditos de carbono, mas muitos desenvolvedores são empresas de consultoria internacionais em busca de lucro. Se eles puderem fechar um acordo para manter 90% da receita e entregar 10% à comunidade, provavelmente o farão.

“Os governos devem intervir com regras claras para garantir ações justas. Sem isso, as comunidades são deixadas para negociar a partir de uma posição de fraqueza, sem o conhecimento ou representação para proteger seus interesses.

Salvaguardas

Os pesquisadores também destacam o que chamam de “vazamento”. Proteger uma floresta simplesmente empurra o desmatamento para outro lugar. Uma proibição de extração de madeira em uma área, por exemplo, pode simplesmente transferir a extração de madeira para o próximo vale.

A maioria dos projetos assume que o vazamento é pequeno, geralmente apenas um por cento, mas estudos sugerem que pode ser dez vezes maior.

Depois, há o problema da “não permanência”, quando as florestas queimam, apodrecem ou são cortadas após o término de um projeto. Incêndios na Califórnia e na Amazônia já destruíram vastas extensões de terra cujos créditos de carbono ainda circulam nos mercados globais.

De acordo com as regras atuais, muitos compradores estão essencialmente “alugando” reduções temporárias que podem desaparecer amanhã. Depois que um projeto termina, muitas vezes não há responsabilidade legal para ninguém substituir esses créditos perdidos.

O Dr. West diz que as salvaguardas do mercado são muito fracas: “Se as empresas compram créditos de projetos florestais, a floresta deve estar lá.

Escorregadio

“Se desaparecer, os créditos também desaparecem. O problema é que mesmo os cálculos certificados e auditados ainda podem não ter credibilidade – a certificação por si só não garante necessariamente nada.

“O buffer de seguro da Verra foi feito para cobrir perdas, mas a pesquisa mostra que é muito pequeno e baseado em modelos de risco instáveis.

“A maioria dos projetos dura apenas algumas décadas; Uma vez que eles expiram, seus créditos podem eventualmente expirar também. No entanto, ninguém quer falar sobre isso porque é inconveniente. O mercado voluntário simplesmente optou por não levar a sério a questão da permanência.

O mercado de carbono anterior da ONU sob o Protocolo de Kyoto rejeitou os créditos de proteção florestal precisamente porque eram muito difíceis de medir e muito fáceis de manipular.

Duas décadas depois, o mercado voluntário os reviveu, mas desta vez com uma marca melhor e um marketing habilidoso.

Floresta

Agora, enquanto os governos consideram incluir esses projetos no Acordo de Paris, os pesquisadores alertam contra a repetição dos mesmos erros.

As empresas querem respostas fáceis, os consumidores gostam do conforto de produtos “neutros em carbono” e os créditos de carbono tornam a história possível, mesmo que não seja verdade.

Os cientistas por trás da pesquisa não são contra a proteção das florestas, eles só querem honestidade sobre o que esses projetos podem e não podem fazer. A conservação real é vital para a biodiversidade, a estabilidade climática e os meios de subsistência de milhões.

Mas fingir que a venda de créditos de carbono para esses esforços pode “cancelar” as emissões de combustíveis fósseis é perigoso e delirante. A verdadeira ação climática significa reduzir as emissões na fonte, não terceirizar a culpa para uma floresta a milhares de quilômetros de distância.

Queimando

Alguns projetos podem fazer uma diferença genuína, como manejo florestal, extração de madeira de impacto reduzido ou restauração de ecossistemas nativos em vez de plantar fazendas de monoculturas de árvores. Mas estes são mais lentos e menos lucrativos, o que significa que o mercado os ignora em sua maioria.

Os autores pedem verdadeira transparência, dados públicos e auditorias independentes que não sejam pagas pelas próprias pessoas que estão sendo auditadas. Eles alertam que, sem uma grande reforma, o REDD+ corre o risco de repetir as injustiças que afirma resolver.

Até então, cada dólar gasto em créditos ruins é dinheiro não gasto em soluções reais.

À medida que as promessas climáticas aumentam e a pressão aumenta, as empresas estão correndo para comprar compensações, mas alguns tribunais agora estão decidindo que chamar um produto de “carbono neutro” com base em tais créditos é enganoso.

Durante anos, os créditos de carbono ofereceram uma história fácil, que poderíamos continuar queimando, voando e gastando como se não houvesse amanhã, enquanto as florestas limpavam silenciosamente nossa bagunça, mas essa história está terminando.

Priorização

À medida que a COP30 se prepara para colocar os mercados de carbono no centro do palco, o debate sobre seu futuro está se intensificando.

O Dr. West diz que é hora de um acerto de contas honesto, consertar o sistema ou enfrentar a verdade sobre seus limites: “Alguns dos meus co-autores acham que o mercado está além do reparo; outros acreditam que pode ser corrigido se finalmente enfrentarmos suas falhas.

“Nós nunca tentamos fazer isso funcionar corretamente. Somente admitindo o que está errado e aplicando ciência rigorosa podemos descobrir se é recuperável.

“Mas o sistema atual funciona com conflitos de interesse. As pessoas que o defendem não o entendem ou lucram em mantê-lo quebrado. A menos que haja uma mudança de atitude entre empresas, governos e organizações como a ONU, é provável que o mercado continue priorizando a conveniência em detrimento da integridade.”

Esta autora

Monica Piccinini é colaboradora regular do The Ecologist e escritora freelancer focada em questões ambientais, de saúde e direitos humanos.


Fonte: The Ecologist

Querosene para a proteção climática

COP 30 no Brasil: Via expressa, terminal de cruzeiros e duplicação da capacidade do aeroporto de Belém

As negociações sobre a proteção do clima global estão programadas para começar na segunda-feira, com vista para a floresta amazônica. Foto: Anderson Coelho/REUTERS 

Por Norbert Suchanek para o “JungeWelt”

Em poucos dias, na próxima segunda-feira, começa em Belém do Pará, no Brasil, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – conhecida como COP 30. O governo brasileiro escapou por pouco de uma crise causada pela falta de quartos de hotel e pelos preços exorbitantes na capital, o Pará, localizada na Foz do Amazonas. De 10 a 21 de novembro, pelo menos 143 delegações governamentais dos 198 estados signatários se reunirão na cidade do norte do Brasil para debater medidas futuras para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e conter o aquecimento global.

Dois beneficiários da COP 30 já estão claros: a indústria da construção civil brasileira e o turismo de massa. O país investiu cerca de 800 milhões de euros em obras para “deixar a cidade apta” para a cúpula climática, como diz o discurso oficial. O aeroporto internacional de Belém foi modernizado, quase dobrando sua capacidade de aproximadamente 7,7 milhões para cerca de 13 milhões de passageiros por ano. Além disso, uma nova rodovia de quatro faixas com 13,4 quilômetros de extensão, construída em meio à floresta tropical e com a participação de comunidades locais, e com ciclovias iluminadas por energia solar, garante o transporte conveniente dos cerca de 50 mil participantes da COP 30. Mais de 71 hectares de floresta tropical, o equivalente a 100 campos de futebol, foram sacrificados para a construção da “Avenida Liberdade”. O governo também ampliou o porto de Outeiro com um novo terminal projetado especificamente para navios de cruzeiro gigantes.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de inaugurar pessoalmente, no último sábado, as obras de grande porte, concluídas em cima da hora. “O Aeroporto Internacional de Belém e o novo terminal portuário de Outeiro são símbolos de uma Amazônia moderna, pronta para receber o mundo. Esses projetos impulsionarão o turismo, criarão empregos e renda, e deixarão um legado de infraestrutura que vai muito além da COP 30 e traz benefícios tangíveis para o povo do Pará”, afirmou o ministro do Turismo, Celso Sabino, na cerimônia de inauguração.

A insistência do governo brasileiro em expandir a produção de petróleo, particularmente na região do estuário do Amazonas, é motivo de preocupação para as negociações climáticas em Belém. Há poucos dias, a Petrobras recebeu autorização para realizar perfurações exploratórias nessa região ecologicamente rica, porém frágil. Tribos indígenas locais, portanto, estão soando o alarme, temendo por seus meios de subsistência, principalmente a pesca.

“Embora se fale muito que a COP 30 esteja fadada ao fracasso em termos de um acordo para conter o aquecimento global, ainda não temos outra escolha senão chegar a um acordo”, disse ao jW o pesquisador de clima e floresta tropical Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus . “O tempo está se esgotando e as consequências de novos atrasos seriam simplesmente muito graves.” Ele espera, portanto, “que os países, incluindo o Brasil, concordem em interromper rapidamente o uso de combustíveis fósseis e restringir sua extração, inclusive abstendo-se de desenvolver novos campos de petróleo e gás”.

No entanto, Fearnside argumentou que os esforços dos países para reduzir as emissões de CO2 devem ir além. Esse trabalho exige “não apenas o combate aos sintomas, como o Brasil está fazendo atualmente com controles e multas, mas também, e mais importante, o enfrentamento das causas subjacentes do desmatamento, o que o Brasil claramente ainda não está fazendo”.


Fonte: JungeWelt

Lula apresenta nova visão para a proteção da floresta amazônica, defende exploração de petróleo, e nega querer ser líder ambiental

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fala durante uma entrevista com a imprensa estrangeira antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU, em Belém, estado do Pará, na terça-feira, 4 de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fala durante uma entrevista com a imprensa estrangeira antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU, em Belém, estado do Pará, na terça-feira, 4 de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres) 

Por Maurício Savarese para a Associated Press 

BELÉM, Brasil (AP) — O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva apresentou na terça-feira sua visão de como a floresta amazônica deve ser protegida, um futuro que não depende de doações de nações ricas e grandes organizações filantrópicas, mas inclui um grande fundo que paga aos países para manterem as florestas em pé.

“Não quero mais usar a palavra doação”, disse Lula a jornalistas antes da cúpula climática das Nações Unidas , conhecida como COP30, que começa esta semana em Belém , cidade brasileira na orla da Amazônia.

“Se alguém nos desse 50 milhões de dólares, seria ótimo, mas não é nada”, disse ele. “Precisamos de bilhões para lidar com nossos problemas, os problemas das pessoas que vivem lá.”

Em Belém, Lula deverá lançar uma iniciativa chamada Fundo Florestas Tropicais para Sempre, com o objetivo de apoiar mais de 70 países em desenvolvimento comprometidos com a preservação. Até o momento, Colômbia, Gana, República Democrática do Congo, Indonésia e Malásia aderiram.Vista aérea de barcos de pesca da comunidade Caju Una pescando no riacho Porto, Ilha de Marajó, estado do Pará, Brasil, sábado, 1º de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)

Vista aérea de barcos de pesca da comunidade Caju Una pescando no riacho Porto, Ilha de Marajó, estado do Pará, Brasil, sábado, 1º de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)

Alemanha, Emirados Árabes Unidos, França, Noruega e Reino Unido estão ajudando a moldar o mecanismo e provavelmente serão seus primeiros investidores, o que Lula espera que ajude a impulsionar o interesse do setor privado. O presidente do Brasil não forneceu mais detalhes sobre como o plano será implementado.

site oficial da COP30 descreve a iniciativa como um “fundo fiduciário permanente” que geraria cerca de US$ 4 do setor privado para cada US$ 1 investido. Não ficou imediatamente claro como isso aconteceria. No entanto, as florestas podem gerar renda de diversas maneiras além da extração de recursos, como o turismo e a compensação de carbono, que pode envolver empresas pagando para neutralizar sua poluição plantando árvores e protegendo florestas. 

Se a iniciativa funcionar, recursos serão enviados para países que preservam suas florestas tropicais.

“O Brasil já investiu US$ 1 bilhão, e isso trará retorno para os investidores”, acrescentou Lula. “É um fundo em que todos saem ganhando. Esperamos que, ao final da apresentação do TFFF, muitos outros países se juntem a nós.”


O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva colhe açaí durante um encontro com descendentes de escravos em um assentamento em Itacoa Miri, ilha de Combu, Belém, estado do Pará, Brasil, na segunda-feira, 3 de novembro de 2025, antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU. (Foto AP/Eraldo Peres)
 

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva colhe açaí durante um encontro com descendentes de escravos em um assentamento em Itacoa Miri, ilha de Combu, Belém, estado do Pará, Brasil, na segunda-feira, 3 de novembro de 2025, antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU. (Foto AP/Eraldo Peres)

Lula também defendeu a recente decisão de seu governo de aprovar a perfuração exploratória pela gigante petrolífera estatal Petrobras perto da foz do rio Amazonas.

Acredita-se que a jazida da Margem Equatorial, localizada ao largo da costa do Brasil, que se estende da fronteira brasileira com o Suriname até uma parte da região Nordeste do país, seja rica em petróleo e gás.

O bloco de perfuração exploratória fica a 175 quilômetros (108 milhas) da costa do estado do Amapá, no norte do Brasil, que faz fronteira com o Suriname. A área, rica em biodiversidade, abriga manguezais pouco estudados e um recife de coral. Ativistas e especialistas afirmam que o projeto apresenta riscos de vazamentos que podem ser amplamente disseminados pelas marés e colocar em perigo o sensível ecossistema. A Petrobras alega há tempos que nunca causou vazamentos em suas perfurações.

“Se eu fosse um líder falso e mentiroso, esperaria a COP terminar (para dar a aprovação)”, disse Lula. “Mas se eu fizesse isso, seria um homem pequeno diante da importância disso.”

Um barco navega pela Baía de Guajara e pela cidade histórica de Belém, no estado do Pará, Brasil, na sexta-feira, 31 de outubro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)
Um barco navega pela Baía de Guajara e pela cidade histórica de Belém, no estado do Pará, Brasil, na sexta-feira, 31 de outubro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)
 

Lula, presidente do Brasil por dois mandatos no início dos anos 2000, antes de retornar para um terceiro mandato em 2023, sempre se apresentou como um defensor do meio ambiente e um político pragmático. O Brasil é um grande exportador de petróleo, e as receitas da Petrobras ajudam a financiar a agenda de qualquer governo. Ao mesmo tempo, o governo Lula tem trabalhado para conter o desmatamento e assumir um papel de liderança nas negociações climáticas, sediando a cúpula.

“Não quero ser um líder ambiental. Nunca afirmei ser”, acrescentou Lula. “Quero fazer o que é certo, o que os especialistas, a minha administração e a minha consciência dizem que temos de fazer. Seria incoerente, uma ação irresponsável, se eu dissesse que deixaremos de usar petróleo.”


Fonte: Associated Press

10 anos do desastre em Mariana: a busca por justiça continua

Liminar pode suspender a licença do Projeto Longo Prazo da Samarco, que prevê a ampliação da mineração no mesmo local do rompimento da barragem de Fundão

Acidente em Mariana é o maior da História com barragens de rejeitos -  Jornal O Globo

Direitos: Moradores de Bento Rodrigues pedem suspensão da licença concedida pelo COPAM

Impunidade: Familiares de vítimas interpuseram recurso de apelação contra a sentença absolutória do processo criminal sobre o rompimento da barragem de Fundão

Membros do Coletivo Loucos por Bento e advogados da equipe de Litígio em Direitos Humanos do Instituto Cordilheira aguardam para os próximos dias decisão judicial sobre pedido liminar em vista da suspensão imediata da licença ambiental concedida pelo COPAM à Samarco Mineração S.A. para o Projeto Longo Prazo (PLP).

O pedido foi feito apresentado à justiça federal em 26 de junho de 2025, por meio de uma Ação Popular com Pedido Liminar em face de Samarco Mineração S.A., Agência Nacional de Mineração (ANM) e Estado de Minas Gerais. O objetivo é evitar a consumação de danos ao meio ambiente e, especialmente, às comunidades de Bento Rodrigues e Camargos.

O PLP prevê a ampliação da mineração no Complexo Germano, situado em Mariana e Ouro Preto: duas novas pilhas de estéril e rejeito, ampliação da pilha já existente, depósito de rejeito em cava confinada e instalação de estruturas para transportadores de correia de longa distância. Ele teve sua licença aprovada pelo Conselho de Política Ambiental (COPAM) em junho de 2025.

Como demonstram estudos independentes desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos – CONTERRA, vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), pelo Fórum Permanente São Francisco e pelo Environmental Law Alliance Worldwide (ELAW), o tamanho das novas pilhas, conjugadas às estruturas já existentes no território, podem agravar os danos em caso de deslizamentos, sendo difícil prever o real impacto sobre as comunidades e o ambiente. As comunidades do entorno do projeto – Camargos, Santa Rita Durão, Bento Rodrigues (território de origem) e Novo Bento Rodrigues (reassentamento) no município de Mariana; Antônio Pereira, em Ouro Preto; e Morro d’Água Quente, em Catas Altas – não foram devidamente informadas sobre o processo e correm o risco de terem novamente suas vidas impactadas.

Essas estruturas impactam comunidades anteriormente atingidas pelo desastre da barragem de Fundão, violando a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que prevê o direito às garantias de não-repetição de danos às comunidades e territórios atingidos.

A Ação Popular parte da premissa de que o Estudo de Impacto Ambiental foi negligente em não considerar os impactos das mudanças climáticas e dos eventos extremos – especialmente a alteração no regime de chuvas – sobre as barragens (durante os 11 primeiros anos de funcionamento do empreendimento) e as pilhas de estéril e rejeito para o armazenamento de materiais provenientes do processo de extração mineral.

O processo ainda não teve seu pedido liminar julgado: a Justiça Federal inicialmente declinou da competência, a Justiça Estadual de Mariana fez o mesmo, e o Superior Tribunal de Justiça determinou que o processo retornasse à Justiça Federal, onde aguarda decisão da magistrada de Ponte Nova, que pode sair a qualquer momento.

“Passados três meses, em um caso simples e evidente, o Judiciário ainda não reconheceu o óbvio: é proibido construir pilhas de estéril e rejeito ao lado de comunidades e em áreas tombadas”, afirma o advogado Guilherme de Souza. “Estamos passando por dificuldades dentro do sistema de Justiça. Mesmo assim, reafirmamos nosso compromisso de defesa das comunidades de Bento Rodrigues e Camargos, exigindo que a licença ambiental concedida à Samarco seja declarada nula”, completa.

No texto da Ação Popular, os autores pedem a suspensão da licença até a completa realização de um novo estudo técnico criterioso, que leve em conta os riscos reais ao meio ambiente e às comunidades, e comprovam que os custos desse novo estudo seriam irrisórios frente ao lucro do projeto.

Mônica Santos, integrante do coletivo, moradora de Bento Rodrigues, afirma: “a Samarco ceifou vidas, destruiu nosso lugar, nossos sonhos e ninguém pagou por isso. Agora querem terminar de destruir o pouco que nos sobrou? Cadê os órgãos ambientais para fazer o que precisa ser feito? Cadê a Justiça para impedir esse projeto? O Bento mesmo destruído continua sendo o melhor lugar do mundo. Não ao Projeto Longo Prazo da forma que está sendo proposto”.

Contra a impunidade penal da mineração

 Quatro mulheres, sendo três familiares de vítimas fatais do rompimento da barragem de Fundão e uma moradora de Bento Rodrigues, indignadas com a sentença absolutória proferida em novembro de 2024, nos autos do processo n. 0002725-15.2016.4.01.3822, da Vara Federal de Ponte Nova, Tribunal Regional Federal da 6a Região, requereram sua habilitação como assistentes de acusação e interpuseram recurso de apelação. No documento, as vítimas, entre outras ponderações, manifestaram sua discordância com o prólogo da sentença, que desloca o foco da responsabilidade penal, servindo assim à impunidade estrutural típica de crimes corporativos e ambientais. Poucos dias antes da sentença, havia sido firmado o Acordo da Repactuação. A apelação, protocolada no fim do ano passado, até o momento não foi julgada.

O agronegócio terá a sua vez para tentar se apropriar da COP30

As expectativas para a COP no Brasil são altas após duas cúpulas sediadas por empresas petrolíferas, mas o agronegócio pode novamente comprometer o progresso climático

Aumento da inadimplência no agronegócio levou o Banco do Brasil a perder R$ 7,7 bilhões em valor de mercado no fim de julho

O agronegócio exerce forte influência sobre o Estado brasileiro, seja ele governado pela esquerda ou pela direita, por Lula ou por Bolsonaro. – Yasuyoshi Chiba / AFP

Por Larissa Parker 

O agronegócio abriu caminho a passos largos nas últimas décadas, tornando o Brasil o maior exportador de carnes e rações para animais. Todas as maiores corporações agroalimentares do mundo colheram lucros enormes com esse boom, incluindo algumas empresas nacionais, como a gigante da carne JBS, com uma pegada climática que rivaliza com a de Bangladesh ou Espanha. A combinação de desmatamento, grilagem de terras, pecuária intensiva e campos encharcados de agrotóxicos e fertilizantes tornou o Brasil notório pela destruição climática. No entanto, embora o setor seja responsável por três quartos das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, ele está excluído da lei nacional de carbono do país.

O agronegócio exerce forte influência sobre o Estado brasileiro, seja ele governado pela esquerda ou pela direita, por Lula ou Bolsonaro. Portanto, não é surpresa que a COP deste ano esteja se configurando como um exercício monumental de greenwashing do agronegócio.

O destaque principal é uma “Zona Agrícola” próxima às sessões oficiais da COP. Enquanto todos os outros disputam espaço na superlotada “Zona Verde”, gigantes do setor de alimentos ultraprocessados ​​como Nestlé e PepsiCo, e as grandes empresas agroquímicas Bayer e Yara, ganham um espaço exclusivo para impressionar os delegados da COP. Os principais grupos de lobby do setor, como a CropLife e o Conselho de Exportação de Lácteos dos EUA, realizarão sessões, assim como Bill Gates, cuja fundação, como uma das principais patrocinadoras da Zona Agrícola, apresentará a África como a próxima fronteira do agronegócio. A Netafim, empresa israelense de irrigação apontada pelo Relator Especial da ONU por seu envolvimento na ocupação ilegal de terras palestinas, também realizará uma sessão.

O povo brasileiro talvez não saiba, mas está arcando com a maior parte dos custos desse espetáculo corporativo. O evento está sendo organizado pela Embrapa, a agência nacional de pesquisa agropecuária do Brasil, que já está em parceria com grandes empresas para reformular a imagem do agronegócio brasileiro por meio de programas como “pecuária leiteira com emissão zero” com a Nestlé e “soja de baixo carbono” com a Bayer. Até mesmo o Ministério da Agricultura e Pecuária, que não implementa a reforma agrária devido a uma suposta falta de verbas, é um dos patrocinadores. Outros governos também participarão, como os da Austrália, Canadá, França, Alemanha, Japão, Holanda e Reino Unido.

O objetivo aqui não é apenas promover o agronegócio como empresa verde. As COPs do clima se tornaram palcos de negociações, comparáveis ​​a Davos, e este ano o gigante brasileiro do agronegócio tem um grande acordo em jogo.

Na COP28 em Dubai, com o Brasil já escolhido para sediar a COP30, o governo brasileiro anunciou seus planos para uma parceria público-privada de US$ 100 bilhões para converter 40 milhões de hectares de pastagens degradadas em monoculturas de soja e outras culturas de exportação. Alega-se que o cultivo dessas culturas irá repor o carbono no solo e que as empresas podem investir como forma de compensar suas emissões de combustíveis fósseis.

Desde então, o governo brasileiro e o lobby do agronegócio têm enviado missões ao redor do mundo – incluindo Riad, Pequim e Nova York – para atrair investidores estrangeiros para o projeto, agora chamado Caminho Verde Brasil. O fundo soberano da Arábia Saudita, que detém participação majoritária na gigante brasileira de carnes Minerva, manifestou interesse e já está adquirindo créditos de carbono. O mesmo ocorre com o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, Mubadala, por meio de uma subsidiária brasileira que está plantando 180 mil hectares do Cerrado com macaúba para produzir biocombustíveis para aviões a jato, como parte do programa. Grandes instituições financeiras do agronegócio também aderiram – como o Rabobank, da Holanda, e o BTG, do Brasil, ambos comprando terras para plantações de árvores e, assim, gerar créditos de carbono para a Microsoft.

O governo está agora tentando atrair investidores estrangeiros com participações acionárias em fazendas, utilizando um novo instrumento financeiro, chamado Fiagros, que lhes permitiria contornar as restrições à propriedade estrangeira de terras. Acordos de fornecimento também estão sendo elaborados com empresas chinesas, nos quais investimentos iniciais em dinheiro seriam pagos com soja, açúcar e carne.

Essa nova “forma verde” nada mais é do que uma expansão da antiga forma de fazer agronegócio no Brasil. A venda de pastagens desmatadas para conversão em fazendas intensivas de soja, cana-de-açúcar, eucalipto ou gado incentivará ainda mais o desmatamento e a grilagem de terras com o deslocamento do gado, além de aumentar o uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos, com impactos drásticos na saúde pública, especialmente em comunidades camponesas e indígenas . Toda a produção será destinada à exportação, e todos os lucros continuarão sendo embolsados ​​por banqueiros, latifundiários e acionistas de multinacionais. As emissões reais aumentarão mais rápido, mais longe e por mais tempo do que qualquer carbono que o programa consiga sequestrar temporariamente no solo.

Se houver alguma esperança de que a COP deste ano seja diferente, ela estará a poucos quilômetros da Zona Agrícola, na Cúpula dos Povos, onde comunidades que há muito sofrem com o boom do agronegócio brasileiro estão organizando seu próprio espaço. Ali, organizações e movimentos sociais trabalharão juntos para construir sistemas alimentares que possam realmente responder à emergência climática e às demais crises ambientais, sanitárias e sociais alimentadas pelo agronegócio.

Larissa Packer concentra-se nas tendências do agronegócio na América Latina, especialmente em relação à digitalização, reforma agrária, greenwashing climático e grilagem de terras. Ultimamente, ela tem se envolvido em trabalhos sobre leis de sementes e lutas mais amplas pela soberania alimentar na região. Ela representa a GRAIN na Alianza Biodiversidad (Aliança para a Biodiversidade), uma coalizão de 10 organizações/movimentos que lutam pela soberania alimentar em toda a América Latina.


Fonte: Jornal Brasil de Fato

Licenciamento ambiental “fast food” terá mais um capítulo no Porto do Açu, o do “hub de ferro metálico”

A segurança dos alimentos em redes de fast food

Hoje recebi de um atento morador do V Distrito a imagem de um convite pregado em um poste para que os habitantes de São João da Barra participem de mais uma audiência pública para tratar da aprovação das licenças ambientais do chamado “hub ferro metálico” do Porto do Açu (ver imagem abaixo).

Já abordei múltiplas vezes os problemas decorrentes da forma de licenciamento ambiental aplicado pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea)  nos diversos projetos planejados para serem instalados no Porto do Açu. Esse licenciamento é o que rotulei de “licenciamento ambiental fast food“, tamanha é a velocidade com que as licenças são emitidas, e sem que se calcule de forma integrada os impactos dos diversos projetos aprovados.

Vejamos o caso em particular do “hub ferro metálico” que certamente será emissor de material particulado rico em metais. Às emissões saídas desse empreendimento deverão se somar às das duas (talvez 3 termelétricas) instaladas no Porto do Açu. Sozinhas essas termelétricas já são poderosas fontes de emissões de CO2 e outros gases que impulsionam o chamado efeito estufa.  Mas mesmo sem ler o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ou o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que serão apresentados na audiência pública que será realizada no próxima dia 12 de Novembro no Grussaí Praia Clube, eu me arrisco a dizer que esses documentos não trarão qualquer informação sobre as emissões combinadas do “hub” e das termelétricas. Com isso, os poucos populares que estiverem presentes na audiência (e as audiências são desenhadas para que pouca gente vá) não saberão que futuro cinzenta os aguarda.

Outro detalhe que deve ser lembrado é que mesmo que eu esteja errado e as emissões sejam relatadas de forma combinada, isso não vai mudar em nada o destino trágico de quem vive no entorno do Porto do Açu. É que outro aspecto comum nesses licenciamentos “fast food” é que não existe mecanismos reais de responsabilização para que o empreendedor poluidor seja obrigado a diminuir os impactos negativos de seu empreendimento.  Esse é outra característica do “licenciamento ambiental fast food”,  a coisa é toda uma encenação de baixa qualidade e para inglês ver. Já aqueles que moram no território serão obrigados a conviver com o alto impacto dos empreendimentos que foram licenciados em separado.

E as condicionalidades previstas para serem colocadas nas licenças ambientais como resultado da participação popular na audiência? Essa é outra farsa comum, pois depois das licenças emitidas e o empreendimento começar a operar, as condicionantes serão extintas e ninguém (no caso, o Porto do Açu) terá que fazer sequer os programas de monitoramento superficiais previstos nas licenças. Isso já aconteceu com licenças anteriores e acontecerá novamente.

Mas uma coisa boa pode acontecer nessa audiência. É que um dos pontos de recolhimento de participantes será na localidade da Barra do Açu que hoje sofre um acelerado processo de erosão costeira que a ameaça de destruição completa em um futuro não muito distante.  Os leitores deste blog hão de lembrar que essa erosão foi prevista no EIA/RIMA do estaleiro da OSX Depois que as licenças foram emitidas e a erosão começou a acontecer, bastou um laudo questionável para que não houvesse a responsabilização do Porto do Açu. A culpa da erosão foi jogada nas costas do sobrenatural, e a Barra do Açu virou uma espécie de Atafona vitaminada com anabolizantes.   Assim, seria muito bacana se os moradores da localidade lotassem o ônibus e fossem na audiência. Teríamos, pelo menos, momentos de uma devolutiva dos moradores para com os técnicos do Inea.  Se nada mudasse no tocante à emissão das licenças (e raras audiências conseguem essa proesa), pelo menos o pessoal do Inea e da Ceca poderiam ouvir e ver como os moradores se sentem com o iminente desaparecimento de suas casas.

Entrevista no Programa Faixa Livre sobre a possibilidade de greve dos professores da UENF em defesa do novo PCV

Concedi nesta 2a. feira uma entrevista ao jornalista Anderson  , âncora do tradicional programa “Faixa Livre” sobre o atual momento de mobilização dos professores da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) em prol da implementação do novo Plano de Cargos e Vencimentos (PCV) que foi aprovado pelo Conselho Universitário da instituição em 2021 e até não foi enviado pelo governador Cláudio Castro para apreciação pela Assembleia Legislativa do estado do Rio de Janeiro (Alerj).

É importante enfatizar a paciência demonstrada pelos servidores da Uenf em face do imenso desrespeito com quem têm sido tratados pelo governo de Cláudio Castro.  Assim, se agora se fala em uma posição greve, o grande responsável por essa possibilidade é o governador.

As próximas semanas deverão ser decisivas para o destino do novo PCV da UENF e os professores, organizados pela ADUENF, deverão deixar ainda mais clara a sua disposição de lutar pelos seus direitos, continuamente desrespeitados pelo governador de plantão.

Mobilização histórica em Belém por justiça climática global tem intensa programação paralela à COP30

Visão panorâmica da Estrutura da COP_Hangar – Foto Zé Netto

Organizada há mais de dois anos e construída coletivamente por cerca de 1.100 movimentos sociais, organizações comunitárias, entidades territoriais e redes internacionais de defesa dos direitos humanos e da justiça climática, de 62 países, a Cúpula dos Povos na COP30 se apresenta como uma resposta autônoma e popular à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30).

O evento ocorrerá de 12 a 16 de novembro próximo, em Belém/PA, e nasce do entendimento de que a crise climática não pode ser tratada apenas como um problema técnico ou diplomático, mas como uma questão profundamente social, vivida nas comunidades e diretamente relacionada às desigualdades históricas que afetam povos originários, populações tradicionais, juventudes periféricas, trabalhadores/as do campo e da cidade.

Ao contrário da Conferência oficial, estruturada em espaços de negociação dominados por governos e corporações, a Cúpula dos Povos se estabelece num território político autônomo, direcionado à construção coletiva de soluções elaboradas a partir das experiências concretas de quem enfrenta cotidianamente enchentes, secas, contaminação industrial, avanço do agronegócio, expulsões territoriais e violações ambientais. Por isso, a Cúpula é apresentada não como um evento paralelo, mas como o verdadeiro palco popular da justiça climática.

A mobilização surge em um momento de forte cobrança internacional sobre o papel do Brasil na presidência da COP 30. Depois de uma COP 29 considerada decepcionante pelos movimentos sociais, sobretudo,  pela ausência de metas vinculantes de financiamento climático e pela ampla margem dada a empréstimos que podem aumentar a dependência econômica dos países mais vulneráveis, cresce a expectativa de que o país possa exercer um protagonismo mais coerente com sua importância socioambiental.

Os movimentos sociais defendem que o Brasil só poderá liderar a agenda internacional se reconhecer e dialogar diretamente com os povos que protegem a Amazônia e demais biomas. Desde 2023, mais de 500 organizações já assinaram a carta política da Cúpula, que foi entregue ao presidente Luiz Inácio LULA da Silva, ao Itamaraty e aos órgãos operacionais ligados à COP 30. O documento destaca que “países tomadores de decisão têm se omitido ou apresentado soluções absolutamente ineficientes”, ao mesmo tempo em que “investimentos que alimentam as mudanças climáticas têm crescido”, enquanto direitos territoriais seguem ameaçados.

A experiência da Cúpula dos Povos se inspira na mobilização realizada durante a Rio+20, em 2012, quando mais de 20 mil pessoas construíram um espaço de formulação popular que tensionou a agenda oficial das Nações Unidas e consolidou uma referência histórica de resistência global. Agora, porém, a dimensão é ainda maior: a expectativa é reunir 30 mil pessoas em um encontro guiado por seis eixos centrais que estruturam as convergências políticas e territoriais do evento.

O que a Cúpula dos Povos na COP30 pauta?

Os eixos abrangem desde a defesa da soberania alimentar e dos territórios até a transição energética justa, o enfrentamento ao poder corporativo, a democratização do acesso aos bens comuns e a luta contra o racismo ambiental. Neles também está o compromisso de promover soluções climáticas baseadas nos modos de vida tradicionais, reafirmando que as respostas à crise estão nos territórios, e não nos mercados financeiros ou nos laboratórios corporativos.

Sara Pereira, da FASE Programa Amazônia, resume o sentido dessa centralidade: “Não é possível pensar numa COP 30 em que a discussão da pauta climática não seja pautada na justiça climática. Não haverá transição justa enquanto não houver direitos garantidos aos povos tradicionais”. Para ela, os territórios já produzem a solução concreta que o mundo procura: “Esses territórios manejam a floresta, manejam as águas de forma equilibrada”.

 Marcio Astrini, do Observatório do Clima, reforça que a Cúpula cumpre um papel histórico na disputa da narrativa global: “A participação dos movimentos sociais é crucial para disputar a agenda climática e garantir que os recursos sejam investidos corretamente, ajudando a diminuir as desigualdades sociais e não as aumentar”.

Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Cúpula dos Povos está focada na participação direta da sociedade civil e por isso a programação foi construída para fortalecer o protagonismo de quem enfrenta os impactos da crise climática no cotidiano, e não daqueles que apenas negociam soluções no plano institucional.

 Crianças e adolescentes também se mobilizam para discutir temas durante a COP-30

Pela primeira vez desde a realização da primeira Cúpula dos Povos, em 1992, crianças e adolescentes de organizações da sociedade civil, estarão concentrados  no campus Guamá da UFPA. Terão um espaço de protagonismo dentro da programação para opinarem sobre os temas que serão debatidos na COP-30, com cirandas, rodas de conversa, música, danças e outras atividades com metodologia adaptada para crianças desde a primeira infância até a adolescência.

Salomão Hage, professor da Universidade Federal do Pará e coordenador-geral da Cúpula das Infâncias, explica que o propósito de realizar um movimento específico com e para as crianças surgiu do consenso de que não é possível discutir temas como justiça social, mudanças climáticas, racismo e justiça ambiental e outros assuntos da agenda do clima sem garantir a voz e a participação de quem, de fato, terá seu futuro e desenvolvimentos mais afetados por qualquer decisão tomada na atualidade. “O movimento da infância precisa estar envolvido no debate autônomo feito durante a Cúpula dos Povos.  E as crianças e adolescentes devem participar de modo livre e sem intermediários.”

Programação da Cúpula dos Povos na COP30

O início das atividades acontece no dia 12 de novembro, (quarta-feira) com a abertura popular que marca simbolicamente o começo das mobilizações. Esse primeiro momento será voltado ao acolhimento das delegações, à chegada dos movimentos e à criação de um ambiente coletivo de convivência, escuta e celebração. Intervenções culturais, rituais tradicionais e atos de abertura apresentarão a proposta da Cúpula e reafirmarão sua autonomia em relação ao espaço oficial da COP 30.

Barcos vindos de diversas comunidades ribeirinhas vão chegar em Belém nesta data. Das 9h às 12h está prevista uma Barqueata no Rio Guamá, com a participação de aproximadamente 150 embarcações. Das 15h às 17h acontece o momento de acolhida das delegações no palco principal onde haverá uma grande concentração de pessoas para a abertura da Cúpula dos Povos entre 17 e 19h. O primeiro dia será encerrando com um grande show cultural no palco principal popular.

No dia 13 de novembro, (quinta-feira), começam as atividades temáticas articuladas em torno dos eixos de convergência do evento. Oficinas, rodas de diálogo, plenárias e trocas de experiências serão conduzidas com base nos saberes territoriais, fortalecendo a conexão entre luta climática e justiça social. Essa etapa inicial das discussões tem como objetivo identificar os principais desafios enfrentados pelas comunidades e mapear as soluções já existentes nos territórios. Das 8h30 às 12h haverá as plenárias mundiais sobre os eixos (1, 2 e 3) Soberania, Reparação e Transição, respectivamente. Teremos também a Cúpula das Infâncias e a Feira Popular. No período da tarde, entre 14 e 18h, atividades de Enlaces dos Eixos de Convergência e à noite, das 19h às 22h, atividades culturais, sessões informativas sobre as negociações e mobilizações.

O terceiro dia 14 de novembro (sexta-feira), será dedicado à consolidação das propostas surgidas nas atividades anteriores. Esse é o momento de síntese política, no qual os conteúdos levantados pelos movimentos começam a ser organizados em contribuições que irão compor a declaração final. Grupos de trabalho e assembleias temáticas serão responsáveis por dar corpo às reivindicações e prioridades que serão apresentadas ao mundo. Assim, das 8h30 às 12h, os trabalhos retornam com o Eixo 4 – Internacionalismo; Eixo 5 – Cidades e Eixo 6, Mulheres.  Haverá Intervenções culturais ao longo das plenárias e a Cúpula das Infâncias. No período da tarde, das 14h às 16h, atividades Enlaces dos Eixos de Convergência, Assembleia dos Movimentos Sociais, Seminário “Saúde e Clima”. E das 16h às 18h – Plenária final – apresentação das sínteses dos eixos e consolidação da declaração dos Povos.

Em 15 de novembro (sábado), acontece a grande marcha popular, ato de caráter internacional e público. Essa mobilização reunirá povos originários, quilombolas, juventudes, trabalhadores urbanos e rurais, organizações feministas, coletivos ambientais, sindicatos e redes internacionais. A marcha expressa a voz coletiva da Cúpula e marca o ponto mais visível de demonstração popular, lembrando que a justiça climática está diretamente ligada à defesa da vida e dos territórios. A Marcha Unificada acontecerá das 8h30 às 11h, com expectativa de reunir mais de 20 mil pessoas. Na sequência haverá uma coletiva de imprensa em que os porta-vozes estarão à disposição para informes e esclarecimentos sobre as principais discussões da Cúpula dos Povos.

Por fim, no dia 16 de novembro (domingo), ocorre o encerramento da programação com a leitura e apresentação da declaração final construída ao longo da Cúpula. O documento sintetizará as propostas debatidas nos eixos, reforçando compromissos e apontando caminhos para uma transição justa baseada na soberania dos povos, na proteção dos territórios e no fim das falsas soluções corporativas. Das 9h às 11h, haverá uma audiência pública com a presidência da COP para apresentação da agenda política da Cúpula dos Povos e logo após haverá o ato de encerramento. À tarde, às 14h, acontecerá um Banquetaço na Praça da República.

 Mais do que uma série de atividades, a programação da Cúpula dos Povos reflete uma forma diferente de pensar o clima: de baixo para cima, com protagonismo popular e territorialidade. Cada dia da programação é uma etapa viva de construção coletiva e demonstra que o enfrentamento à crise climática passa, necessariamente, pelo fortalecimento das comunidades que já protegem e regeneram os biomas. A Cúpula convoca a sociedade a participar não como espectadora, mas como sujeito ativo na construção de um outro modelo de futuro.