Flávio Serafini quer instalação de CPI para investigar perdas do RioPrevidência no Banco Master

O investimento bilionário do RioPrevidência, fundo estadual de aposentadorias e pensões dos servidores públicos do estado do Rio de Janeiro, no Banco Master pode virar objeto de uma CPI na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).  É que o deputado estadual Flavio Serafini (PSOL), presidente da Comissão de Servidores da Alerj, protocolou projeto de resolução para instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar esses aportes e também os realizados por outras instituições públicas, a começar pela Cedae. 

Os dirigentes do RioPrevidência falam em cerca de um bilhão de reais investidos, mas o valor segundo técnicos do Tribunal de Contas do Estado (TCE) pode ter chegado a R$ 2,6 bilhões no Master e em fundos associados.

Flávio Serafini, deputado de oposição ao governo de Cláudio Castro (PL)  tem dito que os cofres estaduais do Rio de Janeiro tiveram um prejuízo bilionário e culpa o governador por essa situação escabrosa.  Para Serafini está evidente que houve um direcionamento para favorecer o Banco Master, o que agora  se mostra uma ação completamente irresponsável e que coloca em risco a saúde financeira do RioPrevidência.

É importante lembrar que Flávio Serafini presdiu a CPI do RioPrevidência entre 2019 e 2021, e sabe muito da situação financeira do fundo de previdência dos servidores estaduais fluminenses.

O escândalo do açúcar em alimentos infantis da Nestlé na África

A Nestlé está explorando o amor e as preocupações dos pais em todo o mundo para transformar a alimentação infantil em um negócio altamente lucrativo. Mas a que preço? Um ano e meio após nossas primeiras revelações, uma nova investigação da Public Eye sobre os cereais infantis Cerelac mostra que a multinacional continua a alimentar bebês à força com açúcar no continente africano

How Nestlé gets children hooked on sugar in lower-income countries

Por Laurent Gaberell para “Public Eye”

No ano passado, destacamos o duplo padrão da Nestlé em relação ao açúcar em alimentos infantis, o que gerou uma onda de indignação em todo o mundo. Na Índia, onde esse escândalo causou uma queda no preço de suas ações, a Nestlé anunciou o lançamento de 14 novas variantes do Cerelac sem adição de açúcar. Uma excelente notícia para milhões de bebês. 

Mas será que esse desejo de agir é seletivo? Que sistema os clientes mais jovens da Nestlé enfrentam hoje em outras regiões do mundo? Esta investigação recente da Public Eye centra-se em África, um mercado fundamental para a multinacional suíça, onde a obesidade se tornou uma grande preocupação de saúde pública.

Promovidos como “especialmente desenvolvidos para atender às necessidades nutricionais” dos bebês, os cereais infantis Cerelac são os mais populares no continente africano. As vendas anuais ultrapassam os 250 milhões de dólares e a Nestlé detém uma participação de mercado superior a 50%, segundo dados exclusivos obtidos da Euromonitor, empresa especializada no setor alimentício.

Na trilha do açúcar

Com a ajuda de diversas organizações da sociedade civil na África, coletamos quase uma centena de produtos Cerelac vendidos em 20 países do continente e os enviamos para análise no Inovalys, um laboratório de referência especializado no setor agroalimentar. O resultado: mais de 90% contêm açúcar adicionado, em quantidades elevadas. 

Na Suíça, onde a empresa tem sua sede, a principal marca de cereais infantis da Nestlé não contém açúcar adicionado . E em mercados europeus importantes, como Alemanha e Reino Unido, onde a Nestlé também vende os cereais infantis Cerelac, todos os produtos destinados a bebês a partir dos seis meses de idade também não contêm açúcar adicionado.

©Laurent Gaberell

Os produtos Cerelac foram analisados ​​pela Inovalys, um laboratório líder especializado no setor agroalimentar.

Diante desse inaceitável duplo padrão, organizações da sociedade civil africana apelam à Nestlé para que cumpra as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e pare imediatamente de adicionar açúcar aos seus alimentos infantis, em todo o mundo. 

Em uma carta aberta , 20 organizações da sociedade civil do Benim, Burundi, Camarões, Costa do Marfim, Marrocos, Moçambique, Namíbia, Nigéria, Senegal, África do Sul, Togo, Tunísia e Zimbábue estão pedindo à gigante alimentícia que pare imediatamente de adicionar açúcar aos seus alimentos infantis. 

“Todos os bebês têm o mesmo direito a uma alimentação saudável, independentemente de sua nacionalidade ou cor da pele. Todos os bebês são iguais. Portanto, faça a coisa certa. O mundo está observando”, alertam.

Em 2024, uma petição assinada por 105 mil pessoas foi entregue à empresa. Mas, até hoje, a Nestlé ignora o apelo.

Até quase dois cubos de açúcar

Em média, cada porção analisada de Cerelac contém quase seis gramas de açúcar adicionado, o equivalente a cerca de um cubo e meio de açúcar. Isso representa 50% a mais do que a média encontrada em nossa primeira investigação , que se concentrou principalmente em produtos vendidos na Ásia e na América Latina. E é o dobro da quantidade detectada na Índia, o principal mercado mundial do Cerelac.

A maior quantidade detectada na África – 7,5 gramas por porção, o equivalente a quase dois cubos de açúcar – foi encontrada em um produto Cerelac vendido no Quênia e destinado a bebês de seis meses de idade. No geral, cereais infantis da marca Cerelac contendo pelo menos sete gramas de açúcar adicionado por porção foram encontrados em sete países africanos.

Açúcar adicionado nos produtos Cerelac vendidos na África

Fonte: análise laboratorial realizada em produtos Cerelac comercializados pela Nestlé em 20 países africanos. Produtos importados da Europa e não destinados ao mercado africano não foram incluídos. Os valores representam as quantidades de açúcar adicionadas pela Nestlé na forma de açúcar de mesa (sacarose) e mel, e excluem os açúcares naturalmente presentes no leite e nas frutas. As porções correspondem às recomendadas pela Nestlé na embalagem.

Outro fato revelador: com exceção de duas variantes lançadas recentemente na África do Sul, todos os produtos sem adição de açúcar que encontramos não foram concebidos pela Nestlé para o mercado africano, mas sim importados da Europa por outras empresas.

“Essas práticas refletem uma longa história de colonialismo, exploração e racismo”, disse Lori Lake, da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, onde a Public Eye conversou com mães que usam Cerelac em áreas rurais pobres. “Parece que a Nestlé está alimentando conscientemente o problema da obesidade e das doenças relacionadas à alimentação na África.”

Consequências graves para a saúde pública

A OMS alerta há décadas que a exposição precoce ao açúcar pode criar uma preferência duradoura por produtos açucarados e é um importante fator de risco para o sobrepeso e a obesidade. A obesidade está aumentando a um ritmo alarmante no continente africano, causando uma explosão de casos de diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. 

A obesidade infantil na África também é uma preocupação crescente , com o número de crianças com sobrepeso menores de cinco anos quase dobrando desde 1990. A maioria dos países africanos enfrenta agora uma “dupla carga” de má nutrição, onde o baixo peso e a obesidade coexistem.

A obesidade já impõe custos significativos aos sistemas públicos de saúde da África. Se as tendências atuais continuarem, a obesidade poderá aumentar em mais de 250% neste continente até 2050, com a projeção de que um em cada dois adultos será afetado por sobrepeso ou obesidade.

A Nestlé está bem ciente desses riscos. “As crianças podem se acostumar com alimentos doces”, escreve a Nestlé em um site voltado para pais sul-africanos. “A alta ingestão de açúcar acarreta riscos a curto e longo prazo para as crianças”, acrescenta a empresa. “O ideal é limitar o consumo de todos os açúcares adicionados para evitar esses riscos.” 

“Não enganamos os consumidores”

Em cerca de dois terços dos produtos que analisamos, a quantidade de açúcar adicionado sequer constava nas informações nutricionais da embalagem. Essa falta de transparência “prejudica os direitos do consumidor e a saúde pública”, afirmou Chiso Ndujkwe-Okafor, Diretora Executiva da Fundação Nigeriana de Defesa e Empoderamento do Consumidor (CADEF). “Os pais precisam ter acesso a informações claras e honestas para que possam fazer escolhas seguras para seus filhos.”

Com vendas anuais superiores a 50 milhões de dólares, a Nigéria é o maior mercado para o Cerelac no continente africano. A CADEF apela à Nestlé para que “se alinhe com as diretrizes da OMS” e remova os açúcares adicionados de todos os seus produtos alimentares para bebés.

©James Oatway / Panos

Cerelac é a marca de cereal infantil mais popular no continente africano. As vendas anuais ultrapassam os 250 milhões de dólares e a Nestlé controla mais de 50% do mercado.

Contactada pela Public Eye, a Nestlé enfatizou sua “abordagem consistente em relação à nutrição para todos os bebês, em todos os lugares”. A empresa explicou que acelerou o lançamento do Cerelac sem adição de açúcar em todo o mundo, inclusive na África. “Até o final de 2025, pretendemos ter introduzido variantes sem adição de açúcar em todos os mercados em que atuamos.”

A Nestlé afirmou que cumpre integralmente as legislações nacionais e que suas diretrizes internas estabelecem um limite para açúcares adicionados bem abaixo do estipulado pela norma internacional da Comissão do Codex Alimentarius da ONU. A Nestlé acrescentou que declara o teor de açúcar de forma transparente, em conformidade com as exigências regulamentares locais. “Não enganamos os consumidores.”

“Marketing disfarçado de compaixão”

No entanto, a Nestlé promove agressivamente o Cerelac como “especialmente desenvolvido” para atender às necessidades nutricionais dos bebês, oferecendo “um nível ideal” de vitaminas e minerais para seu crescimento e desenvolvimento adequados. E a empresa direciona suas ações aos pais nas redes sociais e em outros canais online de maneiras que muitas vezes não são reconhecidas como publicidade.

A Nestlé também tem como alvo profissionais de saúde, por exemplo, por meio do Instituto de Nutrição Nestlé. Ela utiliza essa plataforma , cujo objetivo declarado é “compartilhar informações e educação de ponta baseadas na ciência com profissionais de saúde, cientistas e comunidades de nutrição”, para aprimorar sua imagem e ampliar sua influência.

“Observamos taxas incrivelmente altas de marketing da Nestlé, muitas vezes disfarçado de compaixão”, disse Petronell Kruger, da Healthy Living Alliance (HEALA), uma coalizão de organizações da sociedade civil na África do Sul. “Como resultado, para a maioria das pessoas, o Cerelac é um produto saudável e quase farmacêutico.” 

Kruger está indignada com a “decisão flagrantemente racista da Nestlé de alimentar países de baixa renda com alimentos de qualidade inferior”. Sua mensagem para a multinacional suíça é: “Tratem os bebês africanos como vocês tratariam os filhos da sua própria família”.

“Combater a desnutrição”

A Nestlé não hesita em afirmar que seus produtos Cerelac, enriquecidos com vitaminas e minerais, são essenciais para “ajudar a combater a desnutrição”, especialmente na África, onde “milhões de crianças são afetadas por deficiências de micronutrientes”.

Na Costa do Marfim, a associação de consumidores (AIC) condena essa “marketing enganosa” da Nestlé, que “coloca em risco a saúde das crianças mais novas”. A associação se diz “indignada” com o fato de os produtos Cerelac vendidos na Costa do Marfim conterem mais de 6 gramas de açúcar adicionado por porção, enquanto produtos similares na Europa não contêm açúcar adicionado.

©James Oatway / Panos

“Essas descobertas refletem a continuidade do longo histórico da Nestlé de descaso corporativo com a saúde de bebês na África em busca de lucro”, afirmou Sara Jewett, professora da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul.

Sara Jewett, professora da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, também não está convencida pelos argumentos de marketing da Nestlé: “Embora a fortificação deva continuar fazendo parte da resposta de saúde pública à desnutrição, precisamos analisar os produtos como um todo para determinar seu valor social.” 

“Quando o enriquecimento é combinado com açúcares viciantes e prejudiciais, o equilíbrio parece estar errado.” Para ela, as descobertas destacadas pela Public Eye “refletem uma continuidade do longo histórico da Nestlé de descaso corporativo com a saúde de bebês na África em busca do lucro”.

Estudo sugere que microplásticos impulsionam o acúmulo de placas nas artérias de camundongos machos

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Por Shanon Kelleher para “The New Lede” 

De acordo com um novo estudo, a exposição a minúsculas partículas de plástico presentes no meio ambiente pode acelerar o acúmulo de placas nas artérias de ratos machos, uma condição que leva a doenças cardíacas.

O estudo , publicado em 17 de novembro na revista Environment International , constatou aumentos significativos na formação de placas nas artérias de ratos machos expostos a fragmentos de plástico com menos de 5 milímetros de comprimento, chamados microplásticos, em doses semelhantes às que encontrariam no meio ambiente.

Os pesquisadores afirmaram ter encontrado também alterações em tipos de células relacionados e genes ativados ligados ao acúmulo de placas, embora os ratos não tenham desenvolvido obesidade ou colesterol alto, condições associadas à doença.

As ratas não foram afetadas da mesma forma. Os autores sugeriram que o estrogênio pode ter tido um efeito protetor nas ratas do estudo, poupando suas artérias do acúmulo de placas induzido por microplásticos.

“Este estudo enfatiza a importância de limitar a exposição humana às fontes de microplásticos e de implementar abordagens para limitar sua produção”, disse Timothy O’Toole, professor associado de medicina da Universidade de Louisville, que não participou do estudo.

Microplásticos são liberados por inúmeros produtos do dia a dia, incluindo roupas, embalagens e itens plásticos, contaminando alimentos, água e ar em todo o mundo, no que especialistas chamam de crise da poluição plástica. Representantes de países de todo o mundo se reuniram em Genebra, na Suíça, em agosto, para discutir pela sexta vez um tratado para combater a crise, mas não conseguiram chegar a um acordo .

O novo estudo soma-se a um crescente conjunto de pesquisas alarmantes que mostram que os microplásticos estão se acumulando no cérebro , pulmões, rins, articulações, vasos sanguíneos e outras partes do corpo humano. As descobertas vêm na sequência de um relatório de 6 de novembro que constatou que os impactos na saúde humana associados ao uso de plásticos nos EUA podem totalizar US$ 930 bilhões, e de um relatório separado de agosto que alerta que os plásticos são responsáveis ​​por cerca de US$ 1,5 trilhão em custos anuais relacionados à saúde em todo o mundo.

As novas descobertas também ajudam a esclarecer o papel dos microplásticos nas doenças cardíacas, sugerindo que eles estão diretamente envolvidos no início ou na progressão da formação de placas, disse O’Toole. “Embora a presença de microplásticos de vários tipos tenha sido identificada em vasos sanguíneos e corações doentes, e os níveis desses microplásticos tenham sido associados à gravidade da doença e à probabilidade de futuros desfechos adversos, seu envolvimento direto em doenças cardiovasculares era incerto”, afirmou.

Um estudo realizado por O’Toole e sua equipe, publicado em abril de 2024 na revista Circulation Research , descobriu que camundongos machos que receberam água contaminada com poliestireno, um plástico amplamente utilizado, apresentaram maior acúmulo de gordura nas válvulas cardíacas após 20 semanas do que camundongos machos que receberam água normal para beber (o estudo não avaliou camundongos fêmeas).

As conclusões de ambos os estudos abordam “questões justificáveis” levantadas em um artigo de março de 2024 do New England Journal of Medicine (NEJM) “sobre se os microplásticos causam a doença ou são apenas espectadores”, disse Matthew Campen, pesquisador de ciências da saúde da Universidade do Novo México e um dos autores do estudo publicado na Environment International .

O estudo publicado no NEJM comparou os resultados de saúde em mais de 250 pacientes com ou sem microplásticos e partículas ainda menores, chamadas nanoplásticos, em suas artérias. Os pesquisadores descobriram que pacientes com placas na artéria carótida contendo partículas de plástico apresentavam maior risco de ataque cardíaco, acidente vascular cerebral ou morte por qualquer causa após um acompanhamento de quase três anos, em comparação com aqueles em que as partículas não foram detectadas.

“É importante ressaltar que nossos resultados não comprovam causalidade”, escreveram os autores do estudo publicado no NEJM , observando que as descobertas podem ser influenciadas por riscos de outros tipos de exposição ao longo da vida do paciente, bem como por seu estado de saúde e comportamentos.

Imagem em destaque: Zyanya Citlalli via Unsplash .


Fonte: The New Lede

COP30: a COP das “não-decisões”

Quase duas semanas de negociações em Belém não conseguiram produzir um avanço em questões-chave

A presidente da conferência, Corrêa do Lago, durante um intervalo em uma sessão plenária.

O presidente da conferência, Corrêa do Lago, durante um intervalo em uma sessão plenária. Foto: dpa/AP/Andre Penner 
Por Lisa Kuner e Christian Mihatsch, de Belém, para “Neues Deutschland”

Com quase um dia de atraso, o martelo do presidente da COP 30, André Corrêa do Lago, bateu na tarde de sábado na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Belém, Brasil: representantes de quase 200 países adotaram uma declaração final que delineia como a comunidade internacional pretende proceder com a política climática no futuro. Entre outras coisas, a declaração pede mais financiamento para adaptação ao aquecimento global, um mecanismo para uma transição energética justa e o fortalecimento dos direitos territoriais indígenas. Segundo observadores, isso não é suficiente para tornar a meta de 1,5 grau novamente alcançável.

Mais impressionante do que esses pequenos sucessos é o que não foi decidido: os culpados pela crise climática, os combustíveis fósseis carvão, petróleo e gás, sequer foram mencionados na principal decisão da COP 30. Um roteiro para a eliminação gradual desses combustíveis, proposto pela ministra do Meio Ambiente do Brasil, Marina Silva, e prometido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não obteve maioria. “As empresas petrolíferas e países exportadores como Arábia Saudita e Rússia impediram a conferência de adotar uma eliminação acelerada do petróleo, gás e carvão”, afirma Martin Kaiser, do Greenpeace. Mais de 80 países, principalmente da Europa, América Latina e pequenos estados insulares, defenderam esse roteiro até o fim, mas encontraram forte resistência de um grupo igualmente grande de países, incluindo Arábia Saudita, Índia, Rússia e China. Mesmo alguns dos países mais pobres do mundo acabaram não apoiando o plano. O ministro do Meio Ambiente da Alemanha, Carsten Schneider (SPD), disse estar “um pouco decepcionado” com a falta de decisões mais ambiciosas.

Contudo, formou-se resistência contra as potências dos combustíveis fósseis: vários países latino-americanos – em particular a Colômbia, com sua dedicada delegada Daniela Durán – continuaram a defender a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, mesmo na sessão plenária de encerramento. O mundo precisa finalmente ouvir a ciência e agir, afirmou ela. A Colômbia planeja sediar uma conferência no próximo ano para discutir a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. Resta saber se os maiores poluidores estarão presentes.

Em última análise, não houve uma decisão vinculativa para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, mas uma iniciativa voluntária para acelerar os esforços dos países em matéria de proteção climática foi acordada como o mínimo denominador comum. Isso reafirmou a decisão já tomada dois anos antes na COP 28 em Dubai (Emirados Árabes Unidos): no chamado Consenso dos Emirados Árabes Unidos, os países foram convocados a iniciar a transição para longe dos combustíveis fósseis. Lá, os países também se comprometeram a triplicar a capacidade de energia renovável até 2030, dobrar a taxa anual de melhoria da eficiência energética e reduzir as emissões de metano em 30%.

“Infelizmente, a COP 30 dá continuidade à tendência dos últimos anos e, mais uma vez, alimenta falsas esperanças.”

Instituto Johan Rockström  Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático

Após a aprovação na sessão plenária de encerramento, o presidente da conferência, Corrêa do Lago, tirou o equivalente a um coelho da cartola das profundezas do regimento interno da ONU: como presidente da COP até a COP 31, ele lançou a meta de desenvolver dois roteiros: um sobre combustíveis fósseis e outro sobre desmatamento. Com essa manobra, ele pode garantir que os roteiros façam parte do processo da COP e, ao mesmo tempo, aproveitar os recursos do Secretariado do Clima da ONU em Bonn. A continuidade dessas iniciativas, no entanto, dependerá dos futuros presidentes da COP. Aqui também houve um compromisso um tanto peculiar: Turquia e Austrália discutiram sobre quem deveria sediar a conferência climática do ano seguinte e finalmente concordaram que a conferência climática de 2026 aconteceria na cidade turística turca de Antalya, mas sob a presidência australiana. A COP 32 será então realizada em Addis Abeba, sob a presidência etíope.

O mundo está atualmente lutando para chegar a um acordo e precisa agir muito mais rápido. Eventos climáticos extremos estão se tornando cada vez mais frequentes – no início da conferência climática, fortes chuvas causaram inundações no sul do Brasil, e um tufão provocou muitas mortes no Vietnã e nas Filipinas. Um incêndio no local da conferência climática na quinta-feira teve um desfecho menos grave, felizmente resultando apenas em ferimentos leves em algumas pessoas.

Nos preparativos para a conferência, questionamentos foram levantados repetidamente sobre se a infraestrutura de Belém seria suficiente para um evento dessa magnitude. Devido à escassez de quartos de hotel, alguns participantes tiveram que se hospedar em navios de cruzeiro. O presidente brasileiro Lula escolheu deliberadamente a cidade amazônica para sediar a conferência, a fim de destacar a importância da conservação florestal. No início da conferência, foi lançado um novo fundo, com o objetivo de destinar bilhões de dólares anualmente a países tropicais para a proteção das florestas tropicais. No entanto, resta saber se a quantia arrecadada será suficiente. Os países participantes não conseguiram chegar a um acordo sobre um “roteiro para acabar com o desmatamento”, conforme prometido pelo presidente brasileiro.

A questão central da COP 30, no entanto, foi o financiamento da adaptação às mudanças climáticas. Durante a sessão plenária de encerramento, quase houve uma revolta quando Corrêa do Lago tentou aprovar a decisão sem considerar os comentários da plateia. Isso é permitido se apenas um ou dois países desejarem expressar sua oposição, mas inúmeros países europeus e africanos, bem como, surpreendentemente, quase todos os estados vizinhos do Brasil, se opuseram. A sessão plenária de encerramento foi, portanto, suspensa por um período prolongado, e as regras de procedimento da ONU foram consultadas: estas estipulam que uma resolução é válida assim que o martelo cerimonial do Presidente da COP for utilizado.

Isso significa que os países decidiram triplicar o financiamento para a adaptação às mudanças climáticas sem especificar o ponto de partida. No entanto, permanece incerto quanto financiamento estará realmente disponível em 2025, criticou Sabine Minninger, da organização Bread for the World. Devido à retirada dos EUA de seus compromissos e aos cortes no financiamento para o clima e o desenvolvimento, inclusive por parte da Alemanha, Minninger teme que o financiamento deste ano seja significativamente insuficiente. A especialista em clima da organização de desenvolvimento ligada à Igreja acredita que as decisões relativas à meta global de adaptação estão longe de ser adequadas para proteger efetivamente as populações mais pobres e vulneráveis.

Johan Rockström também se mostra bastante crítico em relação aos resultados. Dez anos após Paris, a COP 30 foi proclamada uma cúpula da “verdade” e da “implementação”, recorda o diretor do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático. No entanto, ele argumenta que os chefes de Estado e de governo não cumpriram essa promessa. A única chance de manter o aquecimento global abaixo de 1,5 grau Celsius, calcula o cientista do sistema terrestre, reside em quebrar a curva de emissões globais até 2026 e, em seguida, reduzir as emissões em pelo menos cinco por cento a cada ano. Isso teria exigido roteiros concretos em Belém para uma eliminação acelerada dos combustíveis fósseis e para a proteção da natureza. Ambos estiveram ausentes, afirma Rockström: “Infelizmente, a COP 30 continua a tendência dos últimos anos e, mais uma vez, alimenta falsas esperanças.”

O que deu a Belém alguma esperança foi, principalmente, o povo: depois de anos de conferências climáticas realizadas em estados autoritários que reprimiam protestos, no Brasil a situação era diferente. Seja em manifestações em barcos, ocupações ou cúpulas paralelas, os ativistas se mostraram ativos, visíveis e criativos. Além disso, a participação de indígenas na conferência climática foi maior do que nunca. Esses esforços se refletem, ao menos em parte, nos resultados: os países conseguiram chegar a um acordo sobre um mecanismo para uma transição energética justa. Segundo a ONG Rede de Ação Climática, isso fortalece significativamente a vinculação dos direitos humanos à proteção climática.


Fonte: Neues Deutschland

Potencial de volatilização do paraquat força EPA a pedir mais informações à Syngenta

PIC_Grupo Syngenta - Sede - Basileia - Suíça

Por Carey Gillam para “The New Lede” 

Novos dados estão aumentando as preocupações regulatórias sobre os potenciais riscos à saúde humana decorrentes do herbicida paraquat, levando a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) a solicitar mais informações aos fabricantes do agrotóxico.

Na semana passada, a EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) divulgou publicamente uma revisão atualizada  do paraquat, que incorpora um novo estudo referente às potenciais “exposições por inalação pós-aplicação” que podem resultar da volatilização do paraquat em campos agrícolas tratados.

A Divisão de Efeitos na Saúde (HED, na sigla em inglês) da EPA afirmou no novo relatório que, após analisar os novos dados, determinou que “há maior incerteza em relação ao potencial de volatilização do paraquat do que se considerava anteriormente”.

O paraquat é um herbicida altamente tóxico, comumente usado por agricultores para eliminar ervas daninhas em plantações antes do plantio, para secar as culturas antes da colheita e para matar ervas daninhas em pastagens e áreas não agrícolas. Mesmo uma quantidade ínfima, se ingerida, pode matar uma pessoa rapidamente , por isso o agrotóxico é de uso restrito a aplicadores licenciados.

No entanto, crescem as preocupações com os efeitos crônicos da exposição ao paraquat, e muitos estudos científicos têm associado a exposição prolongada – por inalação ou outras vias – à doença de Parkinson. Muitos países proibiram o paraquat, e houve apelos por proibições por parte de diversos grupos nos EUA, incluindo vários membros do Congresso.

As preocupações mencionadas em relação à volatilização podem ser significativas, uma vez que a volatilização ocorre quando um agrotóxico se transforma em vapor e é liberado na atmosfera, dispersando-se para além do local de aplicação.

Assim, pessoas que moravam fora da área onde o agrotóxico foi pulverizado poderiam ser afetadas, inalando o vapor do produto.

A agência afirmou que, embora os novos dados mostrem uma pressão de vapor muito maior do que se pensava anteriormente, existem alguns “indicadores contraditórios” que podem atenuar os motivos de preocupação.

Para ajudar a esclarecer a questão, a EPA está solicitando aos fabricantes de paraquat que forneçam dados adicionais sobre a volatilização. Assim que esses novos dados forem recebidos e analisados ​​pela agência, a EPA planeja divulgar uma análise atualizada, informou a agência.

A EPA levantou a questão da volatilização no início deste ano, quando anunciou que estava retirando sua decisão regulatória provisória sobre o paraquat e prorrogando o prazo para a decisão final sobre o novo registro do pesticida. A medida ocorreu após diversas organizações de defesa da saúde contestarem a decisão da EPA de 2021 sobre a revisão provisória do registro, na qual a agência concluiu que havia evidências “insuficientes” que ligassem a exposição ao paraquat à doença de Parkinson.

Os novos dados que causaram preocupação à EPA foram entregues à agência pela Syngenta, fabricante de paraquat de longa data e empresa de propriedade chinesa que atua na fabricação e venda de paraquat em todo o mundo há décadas.

Milhares de pessoas nos Estados Unidos estão processando a Syngenta, alegando que a empresa sabia há muito tempo que o paraquat poderia causar a doença de Parkinson, mas trabalhou para esconder as evidências do risco em vez de alertar os usuários.

A Syngenta sempre sustentou que as evidências que ligam o paraquat à doença de Parkinson são  “fragmentárias” e “inconclusivas ”. No entanto, inúmeros estudos científicos constataram que o paraquat danifica as células cerebrais de maneiras que podem levar ao desenvolvimento da doença de Parkinson.

E muitos dos documentos internos da empresa mostram que ela tinha conhecimento de pesquisas que relacionavam o paraquat à doença de Parkinson décadas atrás.

O The New Lede, em conjunto com  o The Guardian ,  obteve e revelou  muitos desses arquivos internos e mantém  uma biblioteca com alguns dos documentos. Os registros internos da empresa mostram que a Syngenta não só tinha conhecimento das pesquisas que ligavam o paraquat à doença de Parkinson, como também procurou  influenciar secretamente informações científicas  e a opinião pública a respeito dessas ligações.

Imagem em destaque: Material de divulgação da Syngenta


Fonte: The New Lede

90% das gestantes brasileiras consomem ultraprocessados; obesidade afeta três em cada dez adultas

obesidade em gestantesApesar da esperada alta participação de ultraprocessados, houve queda da participação de bebidas adoçadas na dieta das gestantes 

Agência BORI

Uma pesquisa conduzida pela Universidade de Fortaleza (Unifor) e Universidade Federal do Ceará (UFC) observou o aumento da obesidade entre gestantes brasileiras de 2008 a 2022. Entre gestantes adultas, a prevalência passou de 13,3% para 29,9%. Entre adolescentes grávidas, evoluiu de 4,5% para 10,4%. O crescimento médio anual da obesidade nesses dois grupos foi de 5,2% e 5,9%, respectivamente.

Publicado na Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde na sexta (21), o estudo também mostra o elevado consumo de ultraprocessados – como biscoitos recheados, salgadinhos e bebidas açucaradas: embora a variação anual tenha sido estável, 90% das gestantes relataram ingerir ao menos um desses produtos no dia anterior ao levantamento de dados, prevalência bem acima da média de 18% verificada entre a população brasileira.

Os pesquisadores realizaram uma análise de série temporal utilizando mais de 6,5 milhões de dados de peso e altura e mais de 319 mil registros de consumo alimentar de gestantes adultas e adolescentes cadastradas do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan). Por limitações metodológicas, não é possível relacionar diretamente o alto consumo de ultraprocessados e o aumento da prevalência da obesidade entre as gestantes. Entretanto, os autores consideram que a tendência pode ser um reflexo do consumo contínuo de ultraprocessados, que são alimentos com excesso de calorias e baixa qualidade nutricional.

O Nordeste foi a região brasileira com maior frequência no consumo de ultraprocessados por gestantes, especialmente adultas. Entre 2015 e 2022, o consumo anual de macarrão instantâneo, salgadinho ou biscoito salgado cresceu 1,8%, enquanto o de biscoito recheado, doces ou guloseimas aumentou 1,6% na região. Entre as gestantes adolescentes, o Nordeste também registrou um crescimento significativo no consumo de hambúrgueres e/ou embutidos, com um aumento de 4,6% ao ano.

Embora a alta participação de ultraprocessados na alimentação de gestantes fosse esperada, o grupo de pesquisa identificou que a variação percentual do consumo de bebidas adoçadas por gestantes adolescentes diminuiu 1% no Brasil entre 2015 e 2022, e 1,6% na região Norte. “A redução deste consumo entre gestantes é um achado inédito em nosso estudo. Tendências semelhantes já vinham sendo observadas na população adulta brasileira, especialmente pela diminuição da presença de refrigerantes nos domicílios”, conta a pesquisadora da UFC Sthefani da Costa Penha, uma das autoras do estudo.

Segundo a autora, essa mudança pode refletir os efeitos de políticas públicas e ações de educação alimentar e nutricional implementadas nos últimos anos, como a publicação da segunda edição do Guia Alimentar para a População Brasileira, em 2014, e os seus fascículos complementares.

Para a equipe, a identificação da elevada e estável prevalência de ultraprocessados na dieta e o aumento da obesidade ressaltam a necessidade de ações de vigilância alimentar e nutricional, estratégias de prevenção e programas de educação alimentar e nutricional. “Investir na qualificação e ampliação da cobertura desses registros é essencial para que se possa avançar na promoção da alimentação adequada e no cuidado nutricional das gestantes”, conclui Sthefani Costa.


Fonte: Agência Bori

Decisões meia-boca mostram fracasso da COP30 e aumentam a demanda por novos mecanismos de combate contra o colapso climático

Mais da metade da COP30 já passou, e o sábado foi marcado por avanços  diplomáticos, mobilizações populares e uma expectativa crescente por  resultados concretos - TV Pampa

Em março deste ano, escrevi um texto em que anunciei que a COP30 seria um fracasso.  O texto escrito para o jornal Nova Democracia. Afora meus apontamentos das muitas contradições entre discurso e prática no âmbito do governo Lula, eu indicava as limitações óbvias do próprio mecanismo das COPs que têm sido dominadas pelos lobbistas que representam os interesses dos grandes poluidores que estão na raiz da crise climática que nos envolve e ameaça colapsar partes inteiras do planeta.

A divulgação dos termos gerais do que foi acordado em Belém não só confirmam minhas análises, como jogam as soluções necessárias para um futuro que parece próximo, mas que é completamente distante do que precisamos para impedir o agravamento da crise climática.

Essa distância aparece nos principais compromissos que foram conseguidos após o risco de que nada poderia ser acordado por causa das resistência dos petroestados arábes e do seu patrono ausente, o governo Trump.

Pelo que pude ler, os representantes dos 194 estados presentes na COP30 concordaram em triplicar o financiamento para adaptação – um dinheiro que deverá ser fornecido pelas nações ricas e que é mais do que necessário para que os países vulneráveis ​​protejam suas populações . No entanto,  a meta de aproximadamente US$ 120 bilhões anuais foi adiada para 2035, restando saber quanto efetivamente será entregue até que se chegue a 2035.

Por outro lado, a questão fundamental da diminuição no uso dos combustíveis fósseis foi eliminada da declaração final da COP30, muito em função da resistência dos petroestados, a começar pela Arábia Saudita;  Desta forma, qualquer compromisso com um roteiro para a transição para longe dos combustíveis fósseis não fez parte do acordo formal em Belém, o que objetivamente abrirá mais espaço ainda para que se acelere a exploração e consumo dos derivados do petróleo.

Além disso, a COP30 termina sem qualquer mecanismo para acabar como  desmatamento nas florestas tropciais. A medida anunciada pelo Brasi, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (FFTS), foi mantido fora da declaração final, o que enfraquece a sua implementação já que os países ricos ficarão dispensados de entegarem as somas pretendidas pelo Brasil. De quebra, o uso de mecanismos de mercado para angariar recursos para o FFTS, o que sabemos implicar em práticas que inibirão as medidas que são efetivamente necessárias para combater o processo desmatamento.

Por último, a COP30 termina sem que haja qualquer acordo concreto para garantir a diminuição das emissões de gases estufa, algo imprescindível para manter o objetivo de aumento  da temperatura global no limite máximo de 1,5°C. A promessa de um programa para diminuir as emissões na COP31 equivale a mais uma promessa vaga que não possui qualquer garantia de que será adotada.

Como eu escrevi em março, é chegada a hora de se superar as soluções “meia boca” e de aceitar o limiar de praticar política no limite do que é possível. E os resultados de mais esta COP, mostra que precisamos de mecanismos de mobilização social que extrapolem o limiar dessas conferências controladas pelos que causam a crise climática para começo de conversa. O que se viu mesmo em Belém, especialmente nos enfrentamentos realizados para que os povos originários tivessem pelo menos acesso aos espaços de decisão, mostra que toda a energia social existente em relação à luta por uma adaptação climática justa precisa ser canalizada para espaços em que possam florescer em vez de serem domesticadas.

A prisão preventiva de Jair Bolsonaro e as celebrações não nos livrarão da extrema-direita

Advogados alegaram saúde fragilizada do ex-presidente para pedir, ao Supremo, a prisão humanitária -  (crédito: Sergio Lima/AFP)

Prisão preventiva para coibir risco de fuga pode ser temporária

Hoje é inevitável falar da prisão preventiva do ex-presidente Jair Bolsonaro, mas eu não vou cair na tendência de muita gente que, pela esquerda, celebra o encarceramento (tardio, convenhamos) daquele que nos liderou em meio a uma pandemia mortífera e contribui para que o Brasil fosse um dos países mais duramente atingidos pelo vírus SARS-COV-2.

E desse aspecto que eu quero falar. Como muitos já notaram, não é por isso que Bolsonaro está sendo encarcerado preventivamente, o que se revela um desses absurdos óbvios que cercam a existência de instituições democráticas mal formadas. Fosse este um país onde as instituições funcionassem, não apenas o ex-presidente estaria preso, mas seus ministros e até seu vice-presidente. 

É que o que aconteceu durante o período da pandemia foi o somatório não apenas do que pensava e ordenava Bolsonaro, mas teve a participação de muitas outras figuras que hoje estão ocupando cargos públicos, no congresso nacional e até no próprio governo Lula.

Assim, pensar que a prisão de Jair Bolsonaro representa algum ponto de viragem nas relações de classe no Brasil é um grande desserviço não apenas para os esforços em torno da defesa da classe trabalhadora e da juventude, mas, sobretudo, na necessária reparação que merecem as centenas de milhares de famílias que perderam membros por causa das ações negacionistas que contribuíram para a tragédia nacional durante a pandemia da COVID-19.

Tenho que notar ainda que sendo essa uma prisão preventiva e não uma em que a pena definida para que Jair Bolsonaro cumpra por causa da tentativa de um golpe de estado sangrento, eu não me surpreenderia que ele volte para casa em breve. Bons advogados e dinheiro para contratar tantos outros não faltam para Jair Bolsonaro e família.  Mas mais ainda, a base política sobre a qual ele chegou ao poder e ainda controla parte significativa do congresso nacional se mantém razoavelmente intacta.

Assim, as celebrações pela prisão de Jair Bolsonaro me parecem exageradas, especialmente se continuarmos com a crença que é o Supremo Tribunal Federal que nos salvará da extrema-direita. O que nos salvará é a mobilização autônoma da classe trabalhadora e da juventude, é preciso se lembre sempre.  Em outras palavras, as celebrações por essa prisão podem até ocorrer, mas terão pouco ou nenhum impacto nas disputas políticas que realmente importam.

MPF pede suspensão da venda de agrotóxicos à base de atrazina e que o Ibama determine reavaliação de registros

Procuradoria no MS requer à Justiça a indisponibilidade de R$ 300 milhões do conjunto das 29 empresas que faturam com o herbicida, que envenenou toda a Bacia do Rio Dourados. Objetivo é garantir reparação à coletividade lesada

Por Cida de Oliveira*

Proibida desde 2004 na UE, atrazina está entre os agrotóxicos mais vendidos no Brasil. Foto: Arquivo EBC

O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul (MPF/MS) protocolou nesta terça (18), na Justiça Federal no Estado, uma Ação Civil Pública pedindo que 29 empresas sejam proibidas de vender produtos à base do ingrediente ativo atrazina. São fabricantes, importadoras e revendedoras, como a Syngenta, gigante do setor, e a Amaggi, empresa do conglomerado de Blairo Maggi, um dos maiores produtores de soja. A lista completa está no final da reportagem.

Segundo a ação, à qual a reportagem teve acesso, outra reivindicação é que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), seja obrigado a iniciar, de imediato, um processo para reavaliação do registro, visando à proibição de produtos no Brasil que contenham o ingrediente ativo.

A petição pede ainda a indisponibilidade de bens das 29 empresas no valor de R$ 300 milhões, no prazo de 30 dias, como garantia do custeio das medidas de compensação do dano causado. Ou seja, o envenenamento de toda a Bacia do Rio Dourados por esse produto perigoso, que motivou a ação do MPF. Segundo o documento, o montante corresponde a 0,3% do faturamento anual do setor de agrotóxicos no Brasil, em torno de R$ 100 bilhões. De acordo com o procurador Marco Antonio Delfino de Almeida, autor da ação, trata-se de uma fração, que não inviabiliza economicamente as empresas. Mas chama a atenção de dirigentes e acionistas para a seriedade do problema.  Uma mensagem “de que envenenar comunidades inteiras não sairá barato e será cobrado conforme a finalidade preventiva do dano moral coletivo ambiental.

Conforme o documento, não se trata de uma indenização material para reembolsar despesas específicas, mas os danos morais coletivos decorrentes, como gastos médicos, perdas econômicas nas aldeias indígenas, descontaminação ambiental. E o valor proposto, defende o procurador, poderia alimentar um fundo gerido pelo Poder Público, revertido em melhorias, como instalação de sistemas de filtragem de água nas aldeias, construção de unidades de saúde ou laboratórios de monitoramento. E até mesmo indenizações individuais complementares em casos de doença comprovadamente ligada à atrazina, por exemplo.

“Considerando que o SUS gasta R$ 4 bilhões/ano no tratamento do câncer, dos quais uma parcela possivelmente ligada à exposição química, uma indenização de R$ 300 milhões corresponde a menos de um mês de gastos oncológicos do país – valor plausível para ser investido preventivamente na região foco, evitando futuros gastos bem maiores (princípio da precaução)”, pondera o autor. Em outras palavras, “o montante estaria em sintonia com a magnitude do problema de saúde pública em jogo e poderia servir para mitigar esse problema, sem configurar enriquecimento sem causa de ninguém, mas sim fortalecimento da coletividade lesada”.

Essas 29 empresas, segundo reivindica o MPF, deverão apresentar, de forma solidária, em até 60 dias, um plano de trabalho detalhado para o diagnóstico completo da contaminação por atrazina e seus principais produtos de degradação no solo, nas águas superficiais e subterrâneas da Bacia Hidrográfica do Rio Dourados. Esse diagnóstico deverá ser executado por entidade técnica independente e de notória especialização, com cronograma de execução não superior a 12 meses, sob pena de multa diária no valor de R$ 1 milhão.

Omissão do Ibama

Na petição são destacados dispositivos legais que sustentam a responsabilidade do Ibama no controle e fiscalização da produção, comercialização, uso e homologação de análise de risco ambiental de todos os agrotóxicos. E a competência para reavaliar os já registrados quando surgirem evidências de danos graves ao meio ambiente e à saúde relacionados. “Portanto, legalmente, o Ibama não pode se eximir de agir em face de contaminações difusas por agrotóxicos de alto risco”, sustenta.

Assim, o órgão federal vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima “é réu em face da sua omissão em promover o adequado monitoramento ambiental dos resíduos de atrazina em flagrante descumprimento dos princípios constitucionais da legalidade e da eficiência”.

“Há informações científicas e regulatórias robustas sobre os riscos ambientais da atrazina, tornando imperativa a atuação vigilante do órgão ambiental. Apesar disso, o Ibama não adotou as medidas proporcionais à gravidade do caso. Diferentemente da União Europeia – que proibiu completamente a atrazina há duas décadas – no Brasil esse agrotóxico segue amplamente comercializado e aplicado”. Dados do próprio instituto mostram que a atrazina aparece com frequência entre os agrotóxicos mais vendidos no país. Em 2017, foi o 6º ingrediente ativo mais comercializado no Brasil, com cerca de 29 mil toneladas vendidas naquele ano. “Mesmo com tamanha difusão e potencial de dano, não consta que o Ibama tenha instaurado tempestivamente um processo de reavaliação ambiental da atrazina ou proposto restrições severas de seu uso”, argumenta.

O princípio ativo e seus produtos usados como herbicidas foram banidos na União Europeia em 2004, após surgirem evidências da contaminação generalizada e persistente de águas superficiais e aquíferos e dos riscos à saúde humana. Estudos associam a substância a distúrbios do sistema endocrinológico, sistema nervoso central, fígado e interferências nos hormônios reprodutivos.

Mais de 2 mil toneladas de atrazina

A Bacia do Rio Dourado, cuja contaminação motivou a Ação Civil Pública, ocupa uma faixa no sentido Oeste-Leste, desde as imediações da Serra de Maracaju até a foz do Rio Dourados no Rio Brilhante. Está situada na sub-bacia do Rio Ivinhema, que, por sua vez, insere-se na Bacia Hidrográfica do Rio Paraná. Trata-se de uma área de intensa atividade agropecuária, como a soja, o milho e a cana ocupando mais da metade do território. Mais de 2.200 toneladas de atrazina foram comercializadas ali somente em 2019, em lavouras ao redor de comunidades indígenas.

Segundo estudos realizados realizados a pedido do MPF na água das aldeias de Panambizinho, Jaguapiru e Bororó, havia resíduos de atrazina e seus metabólitos nas torneiras, poços e em córregos. Um deles, publicado em março de 2021, que monitorou resíduos de 46 agrotóxicos em três pontos do Rio Dourados entre dezembro de 2019 e dezembro de 2020, detectou o herbicida em 87% de todas as amostras coletadas. Além disso, produtos gerados em sua degradação, a deetilatrazina (DEA) e a 2- hidroxiatrazina, foram encontrados em 100% das amostras, evidenciando a contaminação crônica do corpo hídrico. As maiores concentrações de atrazina foram observadas em março de 2020, coincidindo com o período de plantio do milho safrinha e a ocorrência de chuvas, o que confirma a rota de contaminação a partir das lavouras. Um segundo monitoramento ao longo de todo o ano de 2021 mostrou o agravamento do cenário de poluição. A atrazina foi detectada em 100% das 117 amostras coletadas.

Pulverização de agrotóxicos contaminou as águas da Bacia do Rio Dourados, prejudicando comunidades

Ciclo da exposição

Ainda segundo o documento, a responsabilidade do Ibama e das 29 empresas transcende a simples contaminação ambiental, materializando-se em um ciclo contínuo e multifacetado de exposição humana ao perigo químico da atrazina. “Um ciclo que começa com a exposição aguda e severa dos trabalhadores rurais e se expande de forma crônica e silenciosa para toda a sociedade, por meio da contaminação da água e dos alimentos. Na exposição ocupacional, os trabalhadores rurais são as vítimas primárias e mais intensamente expostas aos produtos perigosos das rés”.

E mais: “A absorção ocorre simultaneamente por múltiplas vias ­– dérmica (pele), respiratória (inalação de névoas de pulverização) e oral (ingestão acidental) —, sobrecarregando os mecanismos de defesa do corpo e potencializando os efeitos tóxicos, especialmente em exposições de longo prazo. A intoxicação aguda, com sintomas como espasmos, náuseas e dificuldade respiratória é a face mais visível do dano.” No entanto, prossegue, “o dano mais profundo é a intoxicação crônica, que deteriora a saúde lentamente, atingindo órgãos e funções vitais e culminando em doenças graves que podem levar anos para se manifestar, como câncer e distúrbios reprodutivos”. “Este cenário trágico, que remete ao legado de morte e incapacitação deixado por outros venenos como o DDT no Acre, é o futuro que se desenha para as vítimas da atrazina caso nenhuma medida reparatória e preventiva seja tomada”, alerta Marco Antonio Delfino de Almeida.

O procurador vai além: “O dano causado pelos produtos das rés não se limita à área de aplicação. A atrazina, por sua alta persistência e mobilidade, é transportada pela chuva das lavouras para os rios, contaminando os recursos hídricos que abastecem a população. As análises da Embrapa no Rio Dourados são a prova cabal deste processo: com a atrazina e seus derivados presentes em praticamente 100% das amostras de água, fica evidente que a substância se tornou um componente permanente daquele ecossistema hídrico. Isso transforma um problema ocupacional em um grave problema de saúde pública. A população em geral, incluindo crianças, gestantes e idosos, passa a ser cronicamente exposta à atrazina ao beber água”.

A situação é agravada, segundo ele, pela “frouxidão da legislação brasileira, que permite na água uma concentração de atrazina vinte vezes maior que o limite de segurança estabelecido na União Europeia. Se considerarmos a mistura de todos os agrotóxicos monitorados, a água no Brasil pode conter uma carga química 2.706 vezes superior ao limite europeu, sem que isso acione mecanismos regulatórios ou sanitários específicos, o que evidencia uma discrepância relevante entre os padrões normativos aplicados.”

Ele lembra também que a exposição se completa com a contaminação dos alimentos. Relatórios do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Anvisa, demonstram que a atrazina é encontrada em diversas culturas. “Mais grave ainda é a constatação de seu uso ilegal em alimentos para os quais não há autorização, como abobrinha, alface, feijão, mamão, pimentão e uva”.

Riscos criados”

“Isso revela uma falha sistêmica de controle e, para os fins desta ação, demonstra que o risco criado pelas rés ao colocar a atrazina no mercado se dissemina de forma imprevisível e incontrolável por toda a cadeia alimentar, chegando à mesa de consumidores em todo o território nacional. Neste ciclo perverso, o trabalhador e a trabalhadora rural carregam um fardo duplo: são as vítimas da exposição ocupacional aguda no campo e, com suas famílias e toda a sociedade, são vítimas da exposição crônica e ambiental pela contaminação da água e dos alimentos. A exposição no trabalho é, portanto, agravada pela exposição geral, em um ciclo contínuo de envenenamento. Cada etapa deste ciclo — da aplicação na lavoura à presença no copo d’água e no alimento — tem como ponto de partida a decisão das rés de fabricar e comercializar um produto sabidamente perigoso e persistente. A responsabilidade por todas as formas de exposição humana recai, portanto, sobre quem gerou o risco e lucrou com ele”.

Saiba quem as empresas envolvidas na ação:

  1. Ouro Fino Quimica S.A
  2. Nortox S.A.
  3. Zhongshan Química do Brasil Ltda.
  4. Globachem Proteção de Cultivos do Brasil Ltda.
  5. Rainbow Defensivos Agrícolas Ltda.
  6. Jubailireg Brasil Ltda.
  7. Adama Brasil S.A.
  8. Agro Import do Brasil Ltda.
  9. CCAB Agro S.A.
  10. Ameribrás Indústria e Comércio Ltda.
  11. CHDS do Brasil Comércio de Insumos Agrícolas Ltda.
  12. Sharda do Brasil Comércio de Produtos Químicos e Agroquímicos Ltda.
  13. Crotect Crop Science Ltda.
  14. Lemma Agronegócios Importação e Exportação Ltda.
  15. Perterra Insumos Agropecuários S.A.
  16. Solus do Brasil Ltda.
  17. Pilarquim Br Comercial Ltda.
  18. Tudo Rural Agronegócios do Brasil Ltda.
  19. Syngenta Proteção de Cultivos Ltda.
  20. ALTA – America Latina Importação e Exportação Ltda.
  21. Oxon Brasil Defensivos Agrícolas Ltda.
  22. Iharabras S.A. Indústrias Químicas
  23. Amaggi Exportação e Importação Ltda.
  24. Cropchem Ltda.
  25. Nutrien Soluções Agrícolas Ltda.
  26. Ameribrás Indústria e Comércio Ltda.
  27. ISK Biosciences do Brasil Defensivos Agrícolas Ltda.
  28. Albaugh Agro Brasil Ltda.
  29. Willowood Agriscience Representação Comercial Ltda.

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*Cida de Oliveira é jornalista

O custo oculto da crise climática brasileira para os supermercados do Reino Unido

Brazil's climate crisis hits UK supermarkets

Por Monica Piccinini para “The Canary”

A maioria das pessoas no Reino Unido não faz ideia de que os alimentos em suas geladeiras estão intimamente ligados às condições climáticas extremas que assolam o Brasil.

O Reino Unido importa mais alimentos do Brasil do que de qualquer outro país não europeu.

Essas condições climáticas — como secas, inundações e ondas de calor — estão moldando cada vez mais o cenário da produção de alimentos no Reino Unido e, em última análise, o que chega às prateleiras dos supermercados.

Um relatório recente da Unidade de Inteligência Energética e Climática (ECIU) constatou que o Reino Unido importa quase dois quintos de seus alimentos. Enquanto isso, cidades no sul do Brasil estão submersas , dizimando plantações e rebanhos.

O Brasil tem sido, e continua sendo, um dos principais fornecedores de soja, carne bovina, frango, café, açúcar e frutas para os supermercados do Reino Unido. No entanto, poucas pessoas reconhecem que o Brasil está passando pelas mudanças climáticas mais rápidas do mundo.

A mão que nos alimenta

Nos últimos dois anos, a Amazônia enfrentou a pior seca em sete décadas. O sul sofreu com enchentes mortais , agravadas pelo aquecimento global, e com o calor extremo , que também causou o fechamento de escolas. Essas mudanças climáticas estão prejudicando gravemente as fazendas que nos fornecem alimentos.

Gareth Redmond-King, líder do programa internacional da ECIU, disse :

As famílias britânicas já estão sentindo o preço nas compras devido aos extremos climáticos que afetam tanto o país quanto o exterior. Este ano registrou a segunda pior colheita da história do Reino Unido.

Condições climáticas extremas são agora comuns. As estações secas são mais longas, as chuvas são imprevisíveis e as florestas estão perdendo sua capacidade de reciclar a umidade.

O impacto não se limita ao Brasil, pois os efeitos dessas mudanças podem ser sentidos no Reino Unido, afetando as cadeias de suprimentos e, inevitavelmente, as escolhas do consumidor.

Uma pesquisa da Global Witness mostra que os consumidores do Reino Unido ainda compram produtos ligados ao desmatamento, demonstrando pouca preocupação com o país de origem dos alimentos.

Redmond-King apresenta o panorama geral.

Dependemos do Brasil para café, açúcar, laranjas e frutas tropicais – além de muita soja para alimentar o gado criado no Reino Unido […] Vastos trechos de floresta tropical e outros biomas foram desmatados para o cultivo de alguns desses alimentos; esse desmatamento é, por si só, um fator crucial das mudanças climáticas que afetam a capacidade de produzir esses alimentos.

A organização constatou que as importações de carne bovina, soja e óleo de palma contribuem para a perda de florestas em uma área equivalente à das cidades de Newcastle, Liverpool ou Cardiff.

As supostas proteções, nomeadamente a Lei Ambiental do Reino Unido (2021), não foram implementadas devido a repetidos atrasos. A sua abordagem incompleta deixa as florestas vulneráveis ​​ao desmatamento e ignora as violações dos direitos humanos.

Os impactos das mudanças climáticas atingem o Reino Unido

Em 2024, as importações de soja do Brasil foram avaliadas em £ 243 milhões. A pressão sobre a produção brasileira de soja é maior do que nunca devido ao calor extremo. Cientistas afirmam que cada aumento de 1 ° C no aquecimento global pode reduzir a produção de soja em cerca de 6%.

Esse aumento atingiria o cerne da produção de soja no Brasil e ameaçaria o mercado avícola do Reino Unido. A carne bovina e o frango também são provenientes diretamente das mesmas florestas ameaçadas. O Reino Unido importa 500 mil toneladas de frango brasileiro por ano, e esses frangos precisam de ração à base de soja.

Existem também custos sociais e ambientais ocultos para a indústria da soja no Brasil. Como relata a Unearthed , o uso de sementes resistentes a herbicidas transformou a indústria da soja brasileira.

Estima-se que aproximadamente 98% da safra atual seja geneticamente modificada. Isso está levando o cultivo de soja para áreas inexploradas, dizimando florestas em regiões como a Amazônia e o Cerrado.

O Brasil também fornece até 35% dos grãos de café verde consumidos no Reino Unido. O cultivo do café é extremamente sensível à seca e ao calor.

A seca de 2023-24 no Brasil causou uma disparada nos preços globais e, quando os efeitos chegaram ao Reino Unido, os preços do café nos supermercados já haviam subido 13%.

Mangas, melões, limões, mamões e açúcar, provenientes do Brasil, também estão em risco devido à escassez de água e às temperaturas mais altas.

No centro-sul, as condições de seca prejudicaram a produção de cana-de-açúcar, e os fruticultores do nordeste são obrigados a usar muito mais água para que as plantações sobrevivam.

A indústria de suco de laranja, responsável por mais de 70% das exportações globais, também está sob pressão. O calor e as doenças atingiram os pomares de citros em todo o país.

Como resultado, os preços dos sucos de frutas no Reino Unido são 30% mais altos do que em 2022, e os preços do suco de laranja mais que dobraram desde 2020.

O que isso significa para o Reino Unido

Os impactos climáticos no Brasil já se refletem nos supermercados do Reino Unido. Os alimentos ficam mais caros quando as colheitas falham, as cadeias de abastecimento tornam-se menos confiáveis ​​e as famílias com orçamentos apertados são as mais afetadas.

As cadeias de abastecimento globais também enfrentam mais riscos devido a doenças nas plantas e colheitas ruins associadas ao clima quente. A dependência do Reino Unido em relação a alimentos provenientes de locais profundamente afetados pelas mudanças climáticas torna o país mais vulnerável do que a maioria das pessoas imagina.

“O comitê de mudanças climáticas do Reino Unido divulgou seu relatório de progresso e adaptação, e é horrível olhar para ele e ver que, em relação à segurança alimentar, nessa grade eles têm vermelho, amarelo e verde, e quando se trata de planejamento e de ações concretas de adaptação, o planejamento para segurança alimentar no Reino Unido está em vermelho, é insuficiente, os planos não são bons o suficiente.”

“Não existem métricas que nos permitam entender como a ameaça à segurança alimentar está acontecendo”, disse Laurie Laybourn-Langton, pesquisadora associada do programa de aceleração de sustentabilidade da Chatham House, durante um webinar da Innovation Zero em maio passado.

Uma responsabilidade compartilhada

Os alimentos que consumimos no Reino Unido estão agora ligados às florestas, rios e terras agrícolas do Brasil. Quando a Amazônia seca, o sul do Brasil sofre inundações ou as colheitas são perdidas devido ao calor, os impactos não ficam restritos ao Brasil. Eles se espalham. Influenciam o que encontramos nos supermercados, o que as famílias podem comprar e a confiabilidade das nossas cadeias de abastecimento.

A crise climática não é uma preocupação distante. Ela determina os alimentos que chegam aos nossos pratos e às prateleiras dos supermercados. Reconhecer essas verdades deve inspirar ações e aliviar a pressão sobre os ambientes vulneráveis ​​que nos alimentam. O Brasil é o celeiro do Reino Unido. O impacto sentido no sul do Brasil e na Amazônia também afetará o Reino Unido, o que nossos supermercados podem estocar e, principalmente, o que as famílias britânicas podem comprar.

Imagem em destaque via Unsplash/Ramses Cervantes


Fonte: The Canary