Construir novas barragens seria uma decisão inconsequente para a gestão sustentável da bacia do Rio Paraíba do Sul

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Por Carlos Eduardo de Rezende (LCA – CBB – UENF)*

A bacia do Rio Paraíba do Sul não pode ser vista como no período inicial da sua ocupação, mas também não pode ser considerada como um sistema hidráulico composto por um reservatório, canos, registros e saída controlada de água. Esta me parece a forma mais fácil para olhar um intrincado sistema hídrico que possui inúmeras relações na natureza.

Inicialmente, considero relevante recordar que o desmatamento realizado na bacia do rio Paraíba do Sul teve início no Século XVI com a chegada dos Europeus. No entanto, no Século XIX o desmatamento se intensificou e no Século XX este importante bioma foi reduzido a aproximadamente 15% da sua área original (ex.: 1,3 milhões de km2) e no Século XXI temos cerca de 10% na forma de pequenos fragmentos florestais. Assim, a ocupação das margens do rio, o uso dos solos (ex.: ~70% coberto com pastagens), processo de urbanização e industrialização tem alterado o padrão de qualidade e quantidade das águas que fluem por este importante recurso hídrico que cobre 3 importantes estados do país (São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro).

Em seguida, é importante lembrar que suas áreas de inundação, que representam parte integrante da saúde ambiental de uma bacia de drenagem foram literalmente devastadas em quase todo o seu longo percurso nos três estados. Como consequência temos a perda dos benefícios que estas áreas proporcionam para as pessoas tais como o suprimento da água, habitat para peixes entre outros animais, áreas para recreação e zonas naturais de amortecimento das enchentes, foram drasticamente comprometidas. Desta forma, percebo que os gestores de bacias de drenagem precisam estabelecer as bases para restauração das áreas de inundação de forma a recuperar em parte o funcionamento do ecossistema, mas não somente do rio Paraíba do Sul. Aqui fica uma observação que deve ser considerada para inúmeras bacias.

As planícies de inundação foram desconectadas, as matas substituídas por pastagens, a consequência desta destruição é o resultado da falta de manejo adequado que tem como consequência a redução do tempo de residências das águas nos solos, erosão dos solos e encostas e na recarga das águas subterrâneas. Portanto, este evento, de grande intensidade, que ocorreu recentemente em várias cidades, assim como em Campos dos Goytacazes, tende a aumentar sua frequência devido ao Aquecimento do Planeta e as Mudanças Globais. Desta forma, temos que preparar nossas cidades e nossas bacias de drenagem restaurando as áreas de floresta e planícies de inundação. Muitos estudos precisarão ser realizados pelos gestores das bacias de drenagem para restauração das planícies aluviais, calculando a quantidade de água e duração das inundações de forma a sustentar os habitat naturais e restaurar o funcionamento adequado do ecossistema hídrico.

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Cheia do Rio Paraíba do Sul no centro de Campos dos Goytacazes, janeiro de 2022

Na bacia do rio Paraíba do Sul, existem cerca de 148 Usinas Hidrelétricas sendo 39 em operação, e a demais distribuídas em categorias como inventariadas, projeto básico, viabilidade e remanescente. Assim, resolver o problema das enchentes ou inundações dos polos urbanos deve seguir outra lógica e não simplesmente a construção de mais barragens para o controle do fluxo e amortecimento das águas dentro da bacia. Ao longo de décadas milhares de barragens foram removidas nos Estados Unidos da América e apenas no ano de 2020 um total de 69 em 23 estados deixaram de existir nos estados da Califórnia, Connecticut, Illinois, Indiana, Iowa, Massachusetts, Michigan, Minnesota, Montana, New Hampshire, New Jersey, New York, North Carolina, Ohio, Oklahoma, Oregon, Pensilvânia, Carolina do Sul, Texas, Vermont, Virgínia, Washington e Wisconsin.

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Reservatório da PCH de Queluz no Rio Paraíba do Sul

Não podemos nos deixar levar pela opção mais fácil que é sempre tentadora, que é criar mais reservatórios, seja para amortecimento ou geração de energia, mas deveríamos nos debruçar sobre soluções que tragam algo inovador para a adaptação das cidades. Os eventos extremos estão a cada dia mais intensos e aumentando sua frequência ao longo dos últimos anos. Assim, a realidade trazida pelas mudanças globais aponta para restaurarmos o funcionamento dos ecossistemas considerando as flutuações climáticas. As áreas de inundação desempenham um papel importante na função hidrológica e ecologia dos rios, onde a restauração bem direcionada das planícies de inundação devolverá as funções naturais. Outro aspecto que pode ser considerado pelos gestores da bacia e tomadores de decisão, é que o setor de restauração ecológica emprega, hoje em dia, milhares de profissionais qualificados, contribuindo assim para economia local e regional.

Concluindo, temos a Agenda 2030 que é um plano de ação global com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável e cidades sustentáveis (Quadro I). As cidades precisam estar adaptadas, os governos em diferentes escalas (Municipal, Estadual e Federal) precisam iniciar imediatamente ações concretas e com a transparência necessária para a população. Os gestores precisam entender a mudança de paradigma na gestão dos recursos hídricos, soluções baseadas na natureza e assim ampliar a qualidade de vida. Portanto, estou totalmente em desacordo com a Política Ambiental Atual no que diz respeito as áreas de inundação e a omissão ou esquecimento dos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.


Quadro I

Conheça os 17 objetivos da Agenda 2030

Objetivo 1.  Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;

Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável;

Objetivo. 3 Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades;

Objetivo 4  Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos;

Objetivo 5 Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas;

Objetivo 6 Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos;

Objetivo 7. Assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia para todos;

Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos;

Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação;

Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles;

Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis;

Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis;

Objetivo 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos;

Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável;

Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade;

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis;

Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.


* Carlos Eduardo de Rezende é professor titular do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) do Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf)

Campos dos Goytacazes tem plano diretor, mas que é um ilustre desconhecido nas esferas de governo

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A cheia de 2022 do Rio Paraíba do Sul ameaçou uma Campos dos Goytacazes desprovida de estruturas de governança para mitigar os efeitos das mudanças climáticas globais, o que revela paroquialismo e despreparo

A minha postagem sobre o caráter arcaico do sistema municipal de trânsito em Campos dos Goytacazes suscitou uma observação interessante nas redes sociais acerca da completa ausência de menções ao Plano Diretor Municipal (PDM) nos debates que ocorrem na Câmara de Vereadores. Esse observador notou que “precisamos urgentemente discutir Campos como cidade de médio porte, não como uma cidadezinha minúscula, sem estudos de impacto social e ambiental, planejamento e engenharia de tráfego.”  

Como já citei várias vezes neste blog a dissertação de Mestrado defendida pelo cientista social André Moraes Barcellos Martins Vasconcellos acerca dos obstáculos criados pelas formas tradicionais de governar que perduram em Campos dos Goytacazes, busquei no documento dois elementos que reforçam a necessidade de que o  PDM seja um instrumento que sirva minimamente a gestão urbana em nossa cidade. O primeiro dado é que dos cinco candidatos melhores colocados no primeiro turno das eleições municipais ocorridas em 2020, apenas dois (Wladimir Garotinho e Caio Vianna) mencionaram o PDM em seus planos de governo, ainda que com um olhar restrito sobre as chamadas “áreas verdes urbanas”. Por outro lado, nem Wladimir Garotinho ou Caio Vianna mencionaram a chamada “Agenda 2030” em suas prioridades de governo, o que demonstra um claro afastamento com quaisquer preocupações com os desafios que estão ali postos, a começar pelos objetivos 11 (desenvolvimento de cidades e comunidades sustentáveis) e 13 (ação contra as mudanças climáticas globais).

A questão é que a ausência de qualquer conexão das práticas de governo com o PDM e com a Agenda 2030 reflete o claro despreparo que temos nas esferas de poder no plano local no tocante à assumir formas mais democráticas e articuladas com os processos de governança que extrapolam os acordos paroquiais que continuam regendo a política municipal. O resultado disso é que passada a ameaça da inundação, tudo parece voltar ao normal (quando este está longe de ser o caso).

O problema é que as chuvas de 2022 mostram que há efetivamente um padrão de agravamento climático que é marcado pela ocorrência de eventos meteorológicos extremos que claramente colocaram em xeque a capacidade de governos estaduais e municipais de responder à ação destrutiva das águas das chuvas.  E está claro que governantes que não entenderem o que está acontecendo poderão até fazer poses para postar nas suas redes sociais, mas isto não ajudará em nada o estabelecimento de políticas de enfrentamento dos efeitos adversos das mudanças climáticas.

Quem quiser ler um artigo muito interessante sobre a necessidade de inserir o tema das mudanças climáticas no interior dos PDMs, basta clicar [Aqui!].

Nota de repúdio à desistência do governo brasileiro de apresentar relatório sobre os ODS na ONU

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Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030) e a Rede ODS Brasil vêm, através desta, expressar repúdio à desistência do governo brasileiro de apresentar sua Revisão Voluntária Nacional (RVN) durante o Fórum Político de Alto Nível (High-level Political Forum – HLPF), que acontecerá de 9 a 18 de julho na sede das Nações Unidas, em Nova York.

As RVNs são relatórios que prestam contas à comunidade internacional sobre a implementação da Agenda 2030 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Sua apresentação no HLPF 2019 seria uma oportunidade para o Brasil reafirmar seus compromissos e mostrar ao mundo os avanços e/ou retrocessos na implementação da Agenda em nível nacional.

Externamos nossa preocupação com o afastamento, cada vez maior, do compromisso que o Estado brasileiro assumiu em 2015, junto com outros 192 países-membros da ONU, de implementar um modelo de desenvolvimento voltado à prosperidade, com respeito às pessoas e ao planeta, orientado pela paz e viabilizado através de parcerias multissetoriais inclusivas, que resultem em serviços acessíveis e de qualidade para tod@s.

Tal modelo, detalhado na Agenda 2030, longe de ser uma imposição global, tem caráter universal (deve ser adotado por todos os membros da ONU) e deveria ser tratado como uma responsabilidade nacional, já que princípios caros da nossa Constituição Cidadã podem ser observados ao longo dos 17 ODS e das 169 metas que o país se comprometeu a cumprir.

Num contexto onde os abismos sociais entre ricos e pobres se aprofundam, aumentando a desigualdade e as violências e intensificando a exclusão histórica da maioria da população brasileira, seja por questões de raça, etnia, gênero ou orientação sexual – o que torna políticas públicas alinhadas aos ODS cada vez mais necessárias – é grave que o governo do Brasil, além de insistir em adotar políticas sociais, econômicas e ambientais totalmente contrárias aos ODS, ainda tenha desistido de apresentar a sua RNV.

Essa decisão aponta os incômodos que o novo governo enfrenta com vários dos indicadores nas 17 áreas da Agenda 2030. É importante lembrar que os resultados de cada país são tratados pela ONU como dados ou políticas de Estado, e não de um governo específico.

Tal desistência é mais uma prova do rechaço às instituições multilaterais como a ONU e também mostra a incapacidade de apresentar ações e propostas progressistas frente à implementação da Agenda 2030 que, as evidências mostram, hoje é tratada como um empecilho para aprovação dos principais projetos do governo Bolsonaro: flexibilização do porte de armas, desmonte da política de participação social, diminuição de recursos para saúde e educação, eliminação das políticas de igualdade racial e de gênero e devastação do meio ambiente, inclusive desregulando áreas legalmente já protegidas.

Portanto, repudiamos esta decisão que, além dos prejuízos que trará ao país, irá ferir ainda mais a imagem internacional do Brasil perante aqueles países que nos tinham como um exemplo progressista no combate às desigualdades.

Brasil, 2 de julho de 2019.

GT Agenda 2030 (www.gtagenda2030.org.br)
Contato: Alessandra Nilo (81-99987.9145)

Rede ODS Brasil (www.redeodsbrasil.org)
Contato: Patrícia Menezes (91-99194.8123)

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Este artigo foi originalmente publicado pelo GT Agenda 2030 [Aqui!].