Governo Bolsonaro se pretendia caçador, mas pode ter virado caça depois da eleição argentina

albertoAlberto Fernández foi eleito em primeiro turno na Argentina e no palanque da vitória defendeu a libertação do ex-presidente Lula cuja prisão ele considera injusta

Ao longo de 2019, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu alguns feitos inéditos em termos do isolamento diplomático do Brasil ao abandonar a postura pragmática que caracterizava historicamente a ação da diplomacia brasileira ao se alinhar umbilicalmente ao governo dos EUA. Além disso, a postura anti-ambiental que ficou explícita na celebração do negacionismo climático pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, piorou ainda mais a péssima imagem que o nosso país passou a ostentar após a eleição de um político que propaga visões que fora do Brasil são consideradas como sendo de extrema-direita.

Agora, o isolamento que se configurava no plano internacional mais distante ganha contornos mais paroquiais com a vitória do candidato de oposição na Argentina que derrotou em primeiro turno a um parceiro ideológico, o neoliberal Maurício Macri. Entre as primeiras declarações dadas ainda no palanque da vitória, Alberto Fernández mandou uma mensagem explícita ao governo brasileira ao indicar que irá se envolver na campanha pela libertação do ex-presidente Lula (ver vídeo abaixo).

A declaração do novo presidente argentino em defesa de Lula tem um forte valor simbólico (e talvez apenas isso), pois indica que Fernández não parece disposto a esquecer as ofensas e provocações que fora proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro logo após a sua vitória eleitoral nas primárias argentinas.

A coisa fica ainda mais complicada para o governo Bolsonaro se considerarmos a vitória eleitoral de Evo Morales que obteve novo mandato na Bolívia e a passagem para o segundo turno nas eleições presidenciais uruguaias do candidato da Frente Ampla, Daniel Martinez. 

Associado às vitórias de Fernández e Evo,  Jair Bolsonaro ainda tem que assistir o Chile, principal sustentáculo de suas políticas ultraneoliberais, solapado por um forte revolta popular justamente por causa da aplicação continuada de fórmulas que precarizaram direitos sociais e criaram uma das sociedades mais desiguais do planeta. O governo do presidente Sebastian Piñera que era como se fosse uma espécie de realização suprema da ordem agora se encontra sob forte pressão para rever três décadas de políticas neoliberais em meio a protestos gigantescos.

chile pinera

O grande medo que deve estar atravessando o governo Bolsonaro de cima até abaixo é o da contaminação da revolta popular. Como não há meio termo possível para Jair Bolsonaro e seus ministros ultraneoliberais o medo da contaminação não é infundado, mas depende ainda da disposição de sair da inércia de partidos ditos de esquerda (a começar pelo PT) e movimentos sociais a eles afiliados.

Agora uma coisa é certa: a fase dos encontros de presidentes ultraneoliberais para celebrar vitórias eleitorais está encerrada, e isto deverá criar graves dificuldades para a governabilidade brasileira.  E não possamos esquecer que um dos maiores vencedores das eleições argentinas é o presidente Nicolás Maduro que agora terá uma bota a menos no seu pescoço já que Fernández anunciou durante a campanha eleitoral que irá retirar a Argentina do chamado “Grupo de Lima”. 

Como se vê, os resultados das eleições argentinas terão efeitos de amplo espectro na situação política da América do Sul. E têm tudo para ampliar o clima de paranoia que já existe dentro do governo Bolsonaro. E, convenhamos, com justa razão. É que até bem pouco o sonho propalado pelo presidente Jair Bolsonaro e seus ministros era firmar uma hegemonia de direita no nosso continente. E agora o que se vê é uma espécie de cerco político do Brasil, onde os poucos governos amigos que sobraram estão enfrentando dificuldades enormes para se manterem em pé.

É a consumação da famosa máxima do “um dia da caça, outro do caçador”.  O problema para Jair Bolsonaro é que seu governo que se pretendia caçador pode estar passando rapidamente à condição de caça. A ver!

Favorito a ser presidente da Argentina, Alberto Fernández desfere duro ataque a Jair Bolsonaro

cristina alberto 1

Um dos segredos básicos da diplomacia é que se pretende interferir politicamente em um dado país, o pior caminho é atacar frontalmente o adversário que se escolheu para brigar. Essa máxima foi esquecida recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro que não só se envolveu na campanha presidencial da Argentina, como também resolveu atacar o resultado da rodada de primárias que ocorreu no final de semana passada. Em palanque no Rio Grande do Sul, o presidente brasileiro previu que se a chapa formada por Alberto Fernández e Cristina Kirchner vencer as eleições presidenciais argentinas que ocorrerão em outubro, o Rio Grande do Sul viraria uma espécie de região de refúgio de refugiados argentinos. De quebra, ainda caracterizou a dupla Fernández-Kirchner de “esquerdalha”.

A resposta de Alberto Fernández não demorou muito a vir e em entrevista quando o candidato presidencial argentina disse celebrar as críticas e a oposição de Jair Bolsonaro, não sem antes aplicar os adjetivos de “racista”, “misógino” e “violento, e ainda provocou o presidente brasileiro a libertar o ex-presidente Lula para que concorram em eleições presidenciais. Fernández disse ainda que, apesar de desejar manter relações comerciais com o Brasil, ele não tem problema em ter problemas com o presidente do Brasil (ver vídeo abaixo).

Como Alberto Fernández tem plenas chances de ser o próximo presidente da Argentina, o clima que está sendo criado durante esse período eleitoral vai tornar difícil a convivência com o principal parceiro comercial brasileiro na América Latina, o que poderá respingar não apenas sobre o Mercosul, mas também em várias outras de alto valor econômico para o Brasil. Se considerarmos a atual situação da economia brasileira, isto cheira a um completo desastre diplomático.

Um aspecto que está presente na fala de Alberto Fernández e que deverá agudizar ainda mais os ataques de Jair Bolsonaro é que o político argentino afirma que “Bolsonaro é um problema conjuntural para o Brasil, tal como Maurício Macri é um problema conjuntural para a Argentina”.  Em outras palavras, o destino eleitoral de Bolsonaro poderá ser o mesmo de Maurício Macri.

Enquanto isso, Maurício Macri já deve ter telefonado para Jair Bolsonaro para implorar para que ele se cale em relação ao processo eleitoral argentino. É que se o “apoio” dado nas eleições primárias resultou em uma derrota de 15%, imaginemos o que acontecerá em outubro quando ocorrerão as eleições presidenciais argentinas se o presidente Jair Bolsonaro continuar “apoiando” Maurício Macri.

A vitória de Alberto Fernández e Cristina Kirchner e o medo do contágio assombram Jair Bolsonaro

cristina alberto 1A vitória acachapante de Alberto Fernández e Cristina Kirchner contra Maurício Macri gera ansiedade no Brasil pelo simples medo de que haja um contágio político que tire os brasileiras da apatia e da sonolência política.

Eu realmente não me lembro quando as eleições brasileiras foram transformadas em um processo asséptico e chato sob a escusa de se controlar o uso indevido de recursos e as pressões indevidas.  Isso vem acontecendo sob a batuta de uma justiça eleitoral cada vez mais poderosa e que não hesita em se comportar como uma polícia política, enquanto as redes sociais são usadas à vontade como uma espécie de ariete contra as aspirações democráticas do povo brasileiro.

Fechemos o pano para as eleições brasileiras para reabrir em uma avenida onde acabam de ocorrer as eleições primárias para a presidência da república e os governadores das providências argentinas (ver vídeo abaixo).

Mesmo quem não entende o que está sendo cantado sabe que essa multidão de argentinos está enviando uma mensagem política clara de apoio aos candidatos de oposição ao presidente Maurício Macri, Alberto Fernández e Cristina Kirchner.  E a multidão faz não apenas com palavras de ordem claras, mas também com uma energia esfuziante que não se vê no Brasil faz tempo.

Por isso, mesmo com as graves dificuldades que a Argentina e seu povo enfrentam neste momento, me parece óbvio que lá as eleições estão servindo para liberar energias que serão fundamentais para que se encontrem soluções que beneficiem a maioria dos argentinos, e não apenas os seus ultrarricos.

Por isso, o mesmo o tom desesperado das declarações proferidas pelo presidente Jair Bolsonaro no sentido de que se houver um retorno do peronismo kirchenerista ao poder haveria a possibilidade de que o Rio Grande do Sul se transforme em uma nova Roraima (em referência à migração de venezuelanos que fogem da crise econômica em seu país). O medo real de Jair Bolsonaro não é que o Rio Grande do Sul vire Roraima, mas de que a energia dos argentinos sirva também para mobilizar os brasileiros que hoje recebem passivamente a mesma receita amarga que Maurício Macri empurrou goela abaixo do seu povo.

Alberto Fernandez e Cristina Kirchner derrotam Macri nas primárias argentinas

CRISTINA ALBERTOAlberto Fernandez e Cristina Kirchner. (Reprodução/Instagram)

O candidato Alberto Fernández, da Frente de Todos, venceu as eleições primárias realizadas neste domingo na Argentina, se impondo com ampla vantagem sobre o atual presidente Mauricio Macri. Segundo os números divulgados por volta das 22h30min, com 58,7% das urnas apuradas, Fernández tinha 47% dos votos e Macri 32%. O resultado coloca o candidato da oposição, que tem a ex-presidente Cristina Kirchner como companheira de chapa, como favorito para vencer as eleições presidenciais de outubro.

As primárias argentinas servem para definir os candidatos habilitados a participar das eleições presidenciais que ocorrerão dia 27 de outubro. Como nenhum dos partidos indicou mais de uma chapa, o pleito funcionou como uma espécie de pesquisa de intenção de voto, já que os cidadãos argentinos são obrigados a participar. Cerca de 75% dos eleitores habilitados a votar compareceram às urnas, segundo as autoridades argentinas.

massacre3

Logo após a divulgação dos primeiros números, Macri reconheceu a derrota, dizendo que o resultado não foi bom para o governo.

_____________________________________

Este artigo foi publicado originalmente foi site Sul 21 [Aqui!].