Você está na rota da lama? Veja locais que seriam soterrados por rompimento de barragens

Barragens de mineração deixam 700 áreas vulneráveis em 178 cidades; bairros residenciais, escolas, rios e terras indígenas correm risco de destruição; Repórter Brasil disponibiliza os dados para consulta pública

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Por Hélen Freitas, Marina Rossi e Hugo Nicolau 

“Apreensão eu sinto o ano todo, mas piora nessa época de chuvas mais intensas”, afirma a professora Maria Augusta Pereira, que mora em Congonhas (MG). Sua casa fica a 200 metros da barragem Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), uma das maiores estruturas de rejeitos de mineração do mundo em área urbana e uma das 24 desse tipo ao redor da cidade histórica. Se romper, a casa de Maria Augusta será uma das centenas a serem soterradas em menos 30 minutos pelo colosso de lama.

Inquietude parecida é vivida por milhares de brasileiros pelo país, boa parte sem orientações em caso de emergência. Muitos outros submetidos a situações semelhantes ignoram a proximidade de barragens e sequer imaginam os riscos que estão correndo.

Oito anos após o rompimento da barragem da Samarco em Mariana (MG), que deixou 18 mortos, e quatro anos após o desastre na da Vale em Brumadinho (MG), cuja avalanche de rejeitos matou 270 pessoas, dados obtidos com exclusividade pela Repórter Brasil mostram todas as áreas do país com risco de ficarem submersas no caso de rompimentos semelhantes. Clique aqui para ver o “Mapa da Lama”, ferramenta inédita de consulta.

São quase 700 áreas suscetíveis de norte a sul: vilas, distritos, rodovias, rios e florestas de 178 municípios em 15 estados. As chamadas manchas de inundação – áreas sujeitas a destruição – somam 2.050 km², o suficiente para cobrir as superfícies dos municípios de São Paulo e Curitiba. Enfileirados, os terrenos inundáveis formariam um rio de lama com cerca de 7.000 km de comprimento, a distância de Porto Alegre ao México em linha reta.

As informações são da Agência Nacional de Mineração (ANM), que recebe os mapas delineados pelas empresas, mas não faz a divulgação (confira a resposta da agência). Os dados foram repassados à reportagem pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que os reuniu após meses de reivindicação via Lei de Acesso à Informação.

Aplicadas ao Mapbox pela Repórter Brasil para consulta pública, as manchas de inundação são classificadas em dois tipos. As Zonas de Autosalvamento (ZAS): áreas que, em caso de acidente, podem ser atingidas por rejeitos em até 30 minutos. E as Zonas de Segurança Secundária (ZSS): terrenos onde a inundação ocorreria após 30 minutos – o que, em tese, permitiria salvamento por serviços e agentes de proteção civil.

Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG), após ser atingido pelo rompimento da Barragem do Fundão, da Vale (Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil/05.11.2015)

 926 barragens de mineração cadastradas, mas o mapa mostra a localização de 920. A diferença é devido a erros de coordenadas em seis delas nas informações fornecidas pela agência. Do total, a ANM monitora apenas 463, que possuem patamares mínimos de altura, capacidade do reservatório ou resíduos perigosos, o que as tornam elegíveis para a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Conforme resolução da ANM, as empresas devem fornecer os mapas de suas estruturas, sejam elas monitoradas ou não pela agência, com identificação das duas zonas. Mas nem todas enviam os dados completos. E 113 sequer apresentaram informações.

Considerando a média de 4,5 km² de inundação pelas barragens que forneceram seus mapas, é possível estimar mais 509 km² de área suscetível a alagamento nas estruturas que omitiram os dados. Seria o suficiente para encobrir toda a cidade de Belo Horizonte e mais 80% do Recife.

A partir de relatórios de auditorias contratadas pelas próprias empresas, cada estrutura é classificada quanto ao dano potencial e sua categoria de risco. O primeiro mede o estrago estimável, graduado de acordo com perdas de vidas humanas, impactos sociais, econômicos e ambientais. O segundo lista aspectos técnicos, como a idade do empreendimento e estado de conservação.

Objeto da preocupação de Maria Augusta, a barragem Casa de Pedra, da CSN, está hoje sob risco baixo de rompimento. Mas seu dano potencial é alto, ou seja, tem elevado poder de destruição em caso de falha.

A alguns quilômetros, as barragens Barnabé e Barnabé 1 têm as mesmas classificações. No mapa de inundação, porém, a mancha de inundação de uma quarta barragem, a Alto Jacutinga, se sobrepõe à de Barnabé, o que poderia rompê-la. As três são da Vale, porém a Alto Jacutinga não está no PNSB, portanto não é fiscalizada pela ANM e não tem seu dano potencial e categoria de risco divulgados, o que impede que as pessoas ao redor saibam se estão seguras.

As três estruturas estão próximas ao Parque Ecológico da Cachoeira, em Congonhas, que recebe visitantes de terça a domingo. “Quem usa o parque nem fica sabendo que tem barragem em cima”, diz Sandoval de Souza, da União de Associações Comunitárias da cidade. Na porta do parque não há aviso sobre barragens, cita. “E a rota de fuga tem três quilômetros correndo a pé.”

Recentemente a Prefeitura de Congonhas elaborou, junto com as mineradoras, um Plano Municipal de Segurança de Barragens. No site é possível verificar os mapas das 17 barragens que inundariam a cidade, entre outras informações.

Em nota, a CSN informou que a Casa de Pedra não é usada desde 2020 e continua sendo monitorada. “Em caso de emergência, a companhia possui um sistema de sirenes que é acionado para evacuação da população até os pontos de encontro, com a disponibilidade de recursos necessários, conforme consta no Plano de Ações de Emergência de Barragens”. Confira a resposta.

Medo que nunca acaba

Minas é o estado com maior número de barragens do país. São 354 estruturas, mais do que o dobro de Mato Grosso, segundo colocado. A maioria está na região metropolitana de Belo Horizonte, que sofre até hoje com as consequências do desastre de Brumadinho.

Quatro anos depois, bombeiros ainda procuram três vítimas no mar de lama que destruiu a região. Enquanto isso, a ação que apura responsabilidades patina na Justiça. Em dezembro, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Justiça Federal – e não mais a estadual – será a responsável pelo julgamento dos 16 executivos da Vale e da consultoria Tüv Süd.

“Tem efeito paralisante”, diz Fernanda Perdigão, sobre as crises de pânico ocorridas após ouvir as sirenes de alerta, durante os simulados mensais (Foto: Arquivo Pessoal)

Para o procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva, do Ministério Público Federal, faz falta uma norma que priorize o julgamento de casos com danos ambientais e sociais.

Ser visto como prioridade é o que pais e alunos da Escola Municipal Padre Xisto almejam. A instituição de Brumadinho fica a 1,5 km da barragem Santa Bárbara, da francesa Vallourec, que tem risco baixo de rompimento e dano potencial alto. No mapa de inundação, a água com sedimentos alcançaria a quadra da escola. Os mais de 130 alunos e funcionários teriam que, sozinhos, sair por um portão estreito e buscar a rota de fuga em menos de 30 minutos.

“Na hora que escutarem o barulho da sirene, vão ter essa capacidade?”, questiona Alice Fonseca, mãe de um ex-aluno. “Essa é a responsabilidade que a Vallourec está colocando sobre nós e os nossos filhos, de eles salvarem a si mesmos.”

Segundo a Vallourec, a Santa Bárbara está “em condições adequadas de segurança” e possui risco baixo de rompimento. A empresa diz que a monitora 24 horas por dia (confira aqui).

Os pais não confiam. Alice Fonseca deixou de levar o filho à escola até conseguir transferência para outra instituição. A criança ficou cinco meses sem aula. No período recente, outros 29 estudantes fizeram o mesmo.

A preocupação não parece descabida. Em janeiro de 2022, uma estrutura da Vallourec transbordou após desabamento de parte de uma pilha de material e gerou soterramento e interdição da rodovia BR-040, em Nova Lima. Em março, a empresa começou a subir novas pilhas.

A Prefeitura de Brumadinho não vê razão para receios: “Ainda que ocorresse um rompimento, de acordo com os estudos, a água não chegaria na parte das salas de aula, somente até a quadra da escola, que fica na parte baixa onde não tem alunos”. Segundo o município, há testes anuais para garantir evacuação em caso de emergência (leia a nota).

“Se as mineradoras não estão conseguindo fazer com que a população confie nelas, estão operando de forma errada. E não adianta fazer programa de educação ambiental, distribuir cestas básicas ou ficar pagando propagandas na internet para fazer as pessoas confiarem”, diz Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração. Para ele, é preciso envolver os trabalhadores e comunidades diretamente afetados no monitoramento “para criar uma situação de confiança”.

Alice Fonseca deixou seu filho Leonardo sem ir para a escola com medo da barragem da Vallourec se romper (Foto: Arquivo Pessoal)

Mineradora na Amazônia

A floresta Amazônica e aldeias indígenas não estão imunes à ameaça. Em Presidente Figueiredo (AM), a 126 km de Manaus, um conjunto de barragens assombra a etnia Waimiri Atroari. O município é sede da única mineradora do estado, a Mineração Taboca, na região desde 1981.

A chegada da mineradora influenciou na demarcação da Terra Indígena (TI) Waimiri Atroari, reduzida em 526 mil hectares para dar espaço à exploração. Sarampo, malária, verminose e leishmaniose atingiam toda a população, que caiu de cerca de 1.500 indígenas em 1974 para 374 em 1987, de acordo com informações do Programa Waimiri Atroari. Mas nada parou a produção. Hoje com 15 barragens e área de 726 hectares, a empresa consolidou-se como a maior mineradora de estanho refinado do Brasil.

Os mapas de inundação mostram que, caso haja rompimento das barragens 81-1, 0-1, Índio e Cruz, rejeitos invadiriam a TI e contaminariam o rio Alalaú. As estruturas 0-1, Índio e Cruz estão classificadas com risco médio, sinal de problemas em aspectos técnicos.

Em 2021, indígenas denunciaram a contaminação de rios associada a vazamentos em seis estruturas locais. Conforme relatos, a água tinha aspecto turvo e cheiro desagradável. Peixes e tartarugas apareceram mortos. O Ministério Público do Amazonas pediu a suspensão das atividades e abriu um inquérito pela possível contaminação do igarapé Jacutinga e dos rios Tiaraju e Alalaú. O problema teria impactado 22 aldeias que vivem da pesca, caça, coleta e pequena agricultura.

Por telefone, o diretor de Sustentabilidade e Jurídico da mineradora, Newton Viguetti, afirmou que não foi constatado vazamento. A água turva tinha relação com chuva forte, disse. Ainda assim, completou, foram instalados novos dispositivos para barrar a chegada de sedimentos na água usada por indígenas.

Repórter Brasil buscou informações sobre a segurança dos indígenas e das barragens com a Prefeitura de Presidente Figueiredo por telefone, e-mail e mensagem, mas não obteve retorno.

Segundo Mariazinha Baré, da Articulação dos Povos Indígenas do Amazonas, ainda há risco de rompimento no depósito de rejeito. “Não sabemos quantificar a escala de perigo, grau ou tamanho que ela atingiria se rompesse”. Para evitar futuros desastres, foi solicitada uma vistoria com especialistas.

Sem informação

Apesar do evidente interesse público, mapas de inundação de barragens são de difícil acesso. Ficam guardados em sua forma física nas prefeituras e departamentos de defesa civil e precisam ser solicitados via lei de acesso à ANM.

Desde 2022 as empresas são obrigadas a enviá-los à agência, mas nem todas cumpriram a regra. Das 926 barragens cadastradas, 264 não enviaram seus mapas até 30 de setembro. Segundo a ANM, os responsáveis foram multados em R$ 4.023,41 por cada estrutura sem mapa.

Milanez acha pouco: “Se uma empresa não é capaz de apresentar o mapa de inundação em seis meses, não deveria ter o direito de minerar”.

A ArcelorMittal foi uma delas. Líder no Brasil na produção de aço e um dos maiores grupos do mundo no setor, enviou só um mapa das dez barragens que tem em Bela Vista de Minas e Itatiaiuçu, em Minas Gerais. Segundo a empresa, as estruturas não estão enquadradas na PNSB e não são classificadas como barragens.

Contudo, conforme resolução e nota divulgada pela ANM, a ArcelorMittal deveria divulgar dados sobre as estruturas. Confrontada pela Repórter Brasil, a companhia afirmou que “essa exigência não foi feita” e insistiu que não era necessário mostrar mapas.

Inquérito

Outra gigante que não apresentou mapas foi a Mineração Caraíba, atual Ero Brasil, uma das maiores produtoras de cobre do país. Segundo a ANM, a empresa sonegou dados de 52 das 54 barragens que possui em Jaguarari (BA).

Um inquérito aberto pelo Ministério Público da Bahia apura diversos problemas potencialmente associados à empresa, como desmatamento, assoreamento de rios e mortandade de peixes. A investigação menciona vazamentos de substâncias tóxicas e barragens sem fundo impermeabilizado, o que permite infiltração de rejeitos no aquífero subterrâneo. Para piorar, o empreendimento fica em uma região de sítios arqueológicos e com animais ameaçados de extinção.

Para o órgão, os problemas ambientais são “decorrência do não planejamento adequado da implantação do empreendimento, da não realização de estudos ambientais exigíveis e obrigatórios, e, portanto, da não identificação completa dos impactos ambientais que seriam causados”.

Assim, prossegue, não há como saber se moradores do distrito de Pilar, a 9 km, estariam seguros. Ante a solicitação do plano de ação emergencial, o órgão recebeu de volta só fotos de sirenes instaladas e datas de simulados, sem a confirmação se foram realizados ou não.

A Prefeitura diz não ter informações sobre a segurança do empreendimento. “Não sabemos sobre a capacidade, formação geográfica do local e outros fatores que podem impactar”, disse Marcel Araújo, secretário adjunto de Meio Ambiente de Jaguarari.

O que mais incomoda é a falta de transparência e a não divulgação dos dados, segundo Milanez, da UFJF. “A gente está falando de risco de vida das pessoas, à saúde mental, ao patrimônio.”

Em nota, a mineradora informou que todas as suas estruturas são monitoradas, estão na categoria de risco baixo e não têm o poder de destruir áreas povoadas. Disse ainda que as informações obrigatórias são enviadas à ANM nos termos e prazos legais. “O rejeito decorrente das operações é inerte, sendo tratado, drenado e empilhado, tendo, portanto, baixo risco de liquefação e não representando risco ao meio ambiente” (leia a resposta).

Porém, segundo a norma, o distrito de Pilar estaria dentro da Zona de Autossalvamento, já que está a menos de 10 km das estruturas. Milanez também questiona a segurança desse tipo de barragem que faz o empilhamento a seco, já que há casos de desabamento, como o da Vallourec, em Nova Lima.

Ter uma mineradora grande em município pobre faz com que as pessoas deem pouca atenção aos impactos das barragens, afirma Juracy Marques, professor de Ecologia Humana e Gestão Socioambiental na Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Na visão dele, os poucos recursos que entram causam um descabido entusiasmo na comunidade. “A gente não vê a expressão dessa riqueza produzida pela mineração na qualidade de vida dessas pessoas.”


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Este texto foi originalmente publicado pela Repórter Brasil [Aqui!].

Tragédia de Brumadinho: ofensiva contra o esquecimento e a invisibilidade social

BELO HORIZONTE MG 24 02 2019 PROTEST AGAINST VALE IN BH Protestors petitioned for justice duri

BELO HORIZONTE, MG – 24.02.2019: PROTESTO CONTRA VALE EM BH – Manifestantes pediram justiça durante protesto contra a Vale e ato em memória da vítima de Brumadinho, realizado em frente ao Memorial do Vale, na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, MG 

Por Armando Medeiros, Coordenador técnico do Projeto Legado de Brumadinho

A tragédia de Brumadinho, considerada o maior desastre humanitário e trabalhista do Brasil, acaba de completar 4 anos. Um total de 272 vidas foram perdidas no dia 25 de janeiro de 2019, incluindo duas mulheres grávidas, Eliana e Fernanda. Além da luta por Justiça, a ofensiva pelo direito social ao não esquecimento das consequências do rompimento da barragem B1 Mina Córrego do Feijão coloca em evidência três dimensões: celeridade da Justiça; aperfeiçoamentos na fiscalização e na legislação; e direito à memória.

O primeiro ponto é estabelecer e exigir providências para que não ocorram mais tragédias, como a de Brumadinho. Não há tempo a perder, pois amanhã pode ser tarde. É preciso evitar erros criminosos — negligência, omissão, indiferença — para que não se repitam. Vale lembrar que o grito de Mariana (20 vidas, incluindo um nascituro, em consequência do rompimento da barragem da Samarco), em novembro de 2015, não foi ouvido, infelizmente.

Esta dimensão inclui punir a irresponsabilidade, deixando, para toda a sociedade, a lição de que o ambiente de trabalho e o cotidiano das comunidades em áreas de risco tem valor absoluto. A perda de vidas é irreparável.

Neste sentido, a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM) enviou, para as autoridades eleitas e que iniciaram mandato em janeiro passado, um apelo para que assumam o compromisso com leis que possam assegurar justiça eficiente e rápida para o povo brasileiro.

Nesta carta compromisso, a entidade ressalta que “processos extremamente demorados e sem responsabilização eficaz estimulam o descrédito na Justiça e agravam ainda mais o sofrimento dos familiares dos entes queridos vitimados. Tragédias-crimes, como o desabamento do Pavilhão da Gameleira em Belo Horizonte, incêndio da Boate Kiss em Santa Maria, ruptura da barragem da Samarco em Mariana, rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, infelizmente, entre tantos outros, devem servir de alerta para os riscos de um sistema de Justiça que alimenta a impunidade e compromete os direitos da sociedade nestes litígios excessivamente longos e arrastados”.

Justiça eficiente é um clamor particularmente sensível para os que foram atingidos, sobretudo quando recursos artificiais e desnecessários são utilizados para protelar as decisões judiciais, em vez das empresas encararem, sem subterfúgios, a má conduta de seus executivos envolvidos nas circunstâncias que geraram a tragédia.

A segunda dimensão é o aperfeiçoamento do arcabouço institucional-legal que regulamenta atividades cujos riscos podem provocar grande impacto. No caso da atividade mineradora, é fundamental a reformulação da legislação e de normas no que tange à construção de barragens, renovação das licenças de operação e fiscalização.

Este alerta envolve o Poder Legislativo, a iniciativa privada e demais esferas do Poder Público que atuam na avaliação de riscos de barragens, minas e instalações das mineradoras com vistas a proteger trabalhadores, comunidades e a natureza. Providências devem ser tomadas para ampliar e fortalecer o poder fiscalizatório, garantindo a segurança daqueles que são vulneráveis diante do atual processo de fragilidade e sucateamento dos órgãos reguladores.

Ainda nesta agenda institucional, é de interesse direto das populações atingidas a sanção, pelo Presidente da República, da lei sobre a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que aguarda aprovação pelo Senado Federal. Outra providência urgente é a inclusão do Brasil no Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe (Escazú).

O acordo é um tratado internacional assinado por 24 nações latino-americanas e caribenhas relativo aos direitos de acesso à informação sobre o meio ambiente, participação pública na tomada de decisões ambientais, justiça ambiental e por um planeta Terra saudável e sustentável para as gerações atuais e futuras. O acordo está aberto a 33 países da América Latina e Caribe.

O terceiro aspecto é o direito à memória. Catástrofes, como o do rompimento da barragem da Vale, não podem ser esquecidas. Para combater a invisibilidade e o esquecimento, a AVABRUM, que reúne familiares das vítimas e atingidos, idealizou o Projeto Legado de Brumadinho* que trilha o caminho de uma luta onde a comunicação, a memória e a história se entrelaçam.

Um dos temas mais sensíveis para os atingidos pela dor — aqueles que perderam entes queridos, sobretudo — é a comunicação hipócrita e a prática discursiva das corporações que, de forma recorrente, inundam redes sociais e mídia tradicional, apregoando virtudes que faltaram na hora mais necessária.

É uma tentativa de contrapor a rejeição social diante de tragédias onde as empresas falharam. Esta operação de esquecimento e de invisiblidade dos atores sociais mais atingidos se dá por meio de uma tentativa de se apropriar da narrativa sobre os riscos (que foram ignorados) e dos impactos (incalculáveis), em vez de as empresas assumirem que “não fizeram o bastante” e que “não foram adotadas as medidas suficientes” que evitariam tantas mortes. Em resumo, a ofensiva da comunicação corporativa, insistente ao longo do tempo, busca dar aos fatos contornos e elementos inexistentes na realidade que ocasionou o colapso das estruturas — por exemplo, enaltecer o espírito de responsabildiade social.

Para quem deseja se aprofundar no tema, a pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fiorenza Zandonade Carnielli produziu, em 2012, um alentado estudo com o título “Comunicação Pública e Comunicação Cínica na trama acontecimental das Tragédias de Mariana e Brumadinho”.

O autoelogio das corporações aliado à prática de pouca transparência junto aos investidores e acionistas compõem o que especialistas têm chamado de greenwashing (green, verde, e whitewash, branquear, encobrir ou banho verde). Entidades de direitos humanos, justiça social e de defesa do meio ambiente, bem como instituições de investidores, têm repudiado veementemente esta prática comunicativa que se apropria de virtudes, como respeito à vida e à proteção ambiental, apenas do ponto de vista de técnicas de marketing e relações públicas.

Em vez da narrativa cínica, é preciso um choque de realidade e de verdadeira empatia. A voz esquecida e invisível das vítimas, a indignação apoiada em investigações e denúncias de procuradores e defensores públicos, destroem as mensagens vazias das corporações e recoloca a realidade nos trilhos. Conforme apontou o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), ao descrever os impacos da tragédia de Brumadinho, o peso da onda de rejeitos de minério chegou a aproximadamente 30 milhões de toneladas, o que equivale a mais de 37.500 veículos Fusca (Volkswagen).

Além da lama de rejeitos, foram incorporadas ao tsunami máquinas da mina da Vale, caminhões, carros, pedaços de edificações e árvores que se movimentaram como se estivessem em um grande liquidificador. O tsunami, a uma velocidade média de 80 km/hora, formado por cerca de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração estraçalhou pessoas e o que encontrou pela frente. O volume de rejeitos que jorrou da barragem era equivalente ao de 400.000 caminhões-pipa, segundo o que consta na denúncia do MPMG.

As marcas do dia 25 de janeiro de 2019, data da ruptura da barragem, ainda estão espalhadas pela região. A vida nunca mais será igual. O sofrimento – causado pela dor, saudade, sentimento de injustiça e depressão — está presente no cotidiano de familiares de vítimas e atingidos. Como consequência, o adoecimento é constante e registram-se mais mortes. É comum ouvir histórias nas quais o pai ou a mãe, logo depois da perda de filhos na tragédia, contraíram enfermidades graves que os levaram à morte.

Seja para os familiares e atingidos, seja para a população em geral, seja para os acionistas e investidores, a comunicação não pode ser um instrumento de apagamento social. Ao contrário, a negligência na gestão da segurança do trabalho (que produz resultados fatais) precisa ficar na memória (um refeitório estava instalado na rota da barragem).

O legado da perda irreparável de 272 vidas humanas — e em memória delas — é a não repetição de tragédias e, ao mesmo tempo, a luta por Justiça. Afinal, vidas humanas e a natureza importam, não só na propaganda.

Tragédia-crime de Brumadinho é tema de debates na Bolsa de Valores de Londres, na Inglaterra

O evento em Londres conta com a participação de integrante da AVABRUM. Para marcar os quatro anos da tragédia-crime, amanhã (quarta-feira, 25/01), também será realizado um ato em frente à sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas (Bélgica), exigindo justiça e não repetição de crimes, como o de Brumadinho

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Painéis e debates sobre os impactos da tragédia-crime em Brumadinho fazem parte do Global Summit, organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) – Comissão Global de Investidores em Mineração e do Conselho de Pensões da Igreja da Inglaterra, hoje (terça-feira, 24/01) e amanhã (quarta-feira, 25/01), na Bolsa de Valores de Londres, na Inglaterra. O seminário vai tratar da Agenda do Investidor em Mineração e da Gestão Global de Rejeitos.

Está prevista uma cerimônia religiosa que vai lembrar todas as vidas perdidas e comunidades impactas pela tragédia-crime de Brumadinho, ocorrida no dia 25 de janeiro de 2019. No evento, serão discutidos os impactos da gestão de rejeitos e outros processos de exploração econômica das empresas mineradoras.

O Global Summit conta com a presença da integrante da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM) Angélica Amanda Andrade, que terá participação especial na discussão do tema “Comunidades impactadas por desastres de rejeitos”. Angélica participa do Painel Consultivo Internacional do Global Tailings Institute.

Nesta terça-feira, o evento se concentra no debate sobre lições que o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, deixou para os investidores. Existe e continua a ser uma grande ameaça a comunidades e o meio ambiente um grande número de barragens em situação de risco de rompimento. Vale a pena investir recursos em empresas que não colocam o valor da vida em primeiro lugar?

Nesta quarta-feira, será lançado, dentro do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, uma Comissão Global de Investidores em Mineração que será responsável por estudos e ações para implementar medidas de segurança até 2030.

Ato em Bruxelas

Um grupo de cerca de 50 pessoas vai se reunir em frente à sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas (Bélgica), na quarta-feira (11h no horário de Brasília e 15h no horário de Bruxelas), para uma manifestação por justiça e a não repetição de crimes, como o de Brumadinho. O ato acontece na data que marca os quatro anos da tragédia, com o objetivo de reverberar o clamor dos familiares das vítimas e atingidos pelo rompimento da barragem.

A reivindicação vai de encontro às discussões no Parlamento Europeu a respeito das Diretrizes Corporativas de Due Diligence Ambiental – procedimento que visa verificar a conformidade de uma empresa com as boas práticas ambientais. Parlamentares europeus defendem que tais diretrizes deveriam impor obrigações às empresas para a implementação da devida diligência para identificar, prevenir, abordar os riscos e impactos sobre os direitos humanos e o meio ambiente ao longo de suas cadeias de valor, o que melhoraria as regras legais de responsabilização para que vítimas de tragédias possam ter acesso à justiça nos tribunais europeus.

Com a participação de alguns membros do Parlamento Europeu, o ato contará com ações de representação das cenas de horror e a lama que tirou a vida e arrastou os corpos das 272 “joias” (como as vítimas são chamadas pela AVABRUM), entre elas duas gestantes. Os manifestantes também vão reproduzir um áudio gravado com a chamada dos 272 nomes, além de expor os retratos de todas as pessoas mortas na tragédia-crime.

unnamedManifestantes em frente à sede da Tüv Süd, em outubro de 2019

Este ato será semelhante ao que foi realizado em frente à sede da Tüv Süd em Munique, na Alemanha, em outubro de 2019, pela Organização dos Bispos Católicos Alemães para a Cooperação e o Desenvolvimento (Misereor) e pelo Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR). A manifestação de 2019, ano da tragédia-crime, contou com as presenças de duas familiares de vítimas, Marcela Rodrigues (que perdeu o pai Denilson Rodrigues) e Angélica Amanda Andrade (que perdeu a irmã Natália Andrade).

Passados quatro anos da ruptura da barragem, a tragédia-crime continua impune, pois ninguém foi julgado até o momento. Para saber mais informações sobre o andamento da ação criminal do caso, acesse aqui.

Impunidade em Brumadinho: após 4 anos desde a tragédia criminosa da Vale que tirou 272 vidas, a justiça ainda não foi feita

O rompimento da barragem de rejeitos de minério de ferro em Brumadinho aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019, ninguém foi responsabilizado até o momento. A ação penal está em um impasse jurídico criado por dois dos réus, incluindo o ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman

Dam Collapses in Brazil

Familiares de vítimas e afetados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG) ficam mais revoltados, doentes e ansiosos por justiça, a cada ano que ela não é realizada pela tragédia que parece ter condenado a cidade a uma dor sem fim. No entanto, a associação que os representa, a ONG AVABRUM, continua sua luta incansável por justiça, memória e pela descoberta de todas as 272 vítimas fatais (sendo duas crianças ainda não nascidas) enterradas vivas sob a lama. Há ainda três vítimas cujos corpos ainda não foram encontrados pelos bombeiros que trabalham no local desde o primeiro dia do desastroso acontecimento.

Todo dia 25 de cada mês, desde a tragédia, os associados da AVABRUM se reúnem para fazer uma manifestação em homenagem às vítimas e protestar contra a falta de justiça. No evento do quarto aniversário do desastre, eles prepararam uma série de ações para chamar a atenção da sociedade para sua luta. Haverá passeio de bicicleta de Brumadinho ao Córrego do Feijão (atual local onde ficava a mina de ferro), cortejo de carro pelas principais ruas da cidade, seminário sobre cidades impactadas pela mineração e missa seguida de manifestação com a exibição de vídeos contando histórias dos últimos 4 anos.

O caminho da injustiça

O ano de 2022 foi especial no andamento das ações criminais movidas contra a mineradora brasileira Vale e a certificadora alemã Tüv Süd. No Brasil, foram 16 executivos denunciados na Justiça por homicídio qualificado, sendo 13 da Vale e 3 da Tüv Süd.

Em janeiro de 2020, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), com base em investigações realizadas em conjunto com a polícia, fez a denúncia das duas empresas e de seus executivos, incluindo o ex-presidente da Vale, Fabio Schvartsman, ex-diretores da da mineradora e executivos da Tüv Süd. Eles foram indiciados por 270 homicídios dolosos e duplos (a justiça nega a inclusão dos dois filhos que morreram no ventre de suas mães), além de crimes ambientais contra a fauna, a flora e a poluição. O MPMG concluiu que os réus sabiam que havia risco de transtorno e não tomaram providências, configurando o crime. A denúncia foi julgada procedente pelo Tribunal de Justiça de Brumadinho em fevereiro de 2020. Em outubro de 2021, porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu os recursos de Fabio Schvartsman e encaminhou o processo à Justiça Federal.

Essa manobra realizada pelos advogados do réu para retardar ainda mais os julgamentos foi recentemente ratificada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STF). Mais uma derrota para as famílias, que agora têm que lidar com o fato de a ação penal estar de volta à estaca zero.

“Essa decisão do STF invalida todo o andamento que fizemos nas investigações na Justiça de Minas Gerais até agora. Serve apenas para adiar a justiça e proteger as poderosas empresas Vale e Tuv Süd. É uma verdadeira afronta às famílias daqueles que morreram pela ganância e negligência dessas corporações”, declara a diretoria da AVABRUMS.

Enquanto isso, na Alemanha, há duas ações contra a Tüv Süd movidas em Munique – cidade-sede da empresa – por escritórios brasileiros, representando famílias de vítimas e afetados pelo rompimento da barragem. Ambos os processos estão em fase de avaliação da corte alemã, após pronunciamentos da acusação e da defesa.

O legado de Brumadinho

Além do que aconteceu em Brumadinho ser totalmente inaceitável, ainda mais tendo ocorrido alguns anos após o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (outra cidade mineira), agora, o pior cenário seria sofrer o mesmo descaso na parte da justiça brasileira, como já ocorre há sete anos desde o desastre de Mariana.

Antes do tsunami de lama de rejeitos que invadiu Brumadinho, ativistas tentaram impedir que a Vale obtivesse a licença ambiental. Posteriormente, formaram-se mais grupos locais, como o AVABRUM. Em março de 2022, a ONG idealizou o Projeto Legado Brumadinho*, uma iniciativa em memória das 272 vítimas da maior tragédia humanitária do Brasil, na tentativa de estabelecer uma nova mentalidade na sociedade sobre a importância das políticas de saúde e segurança no trabalho . O projeto lança um amplo programa de ações que inclui capacitação, comunicação, divulgação e divulgação de notícias para que tragédias como essa não se percam na confusão da agenda global. Seu lema é: Hoje, você pode salvar vidas. Amanhã, pode ser tarde demais.

* Projeto realizado com recursos alocados pelo Comitê Gestor do Dano Moral Coletivo pago a título de compensação social pelo rompimento da barragem de Brumadinho em 25/01/2019, que ceifou 272 vidas.

Quatro anos: tragédia-crime de Brumadinho é um exemplo de impunidade

Para AVABRUM, a tragédia-crime foi “anunciada”, pois a Vale e a empresa de certificação alemã Tüv Süd sabiam que a barragem iria romper a qualquer momento

Dam Collapses in Brazil

Nos quatro anos da tragédia-crime de Brumadinho, a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM) denuncia, mais uma vez, a cultura de impunidade que beneficia os responsáveis pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério que resultou em 272 vítimas fatais, em 25 de janeiro de 2019 na cidade de Brumadinho (MG).

A ruptura da barragem Mina Córrego do Feijão, de propriedade da Vale, provocou um cenário de devastação socioambiental em Brumadinho e região. Além das vítimas fatais, a tragédia-crime deixou centenas de atingidos, famílias em luto e, para muitas pessoas, o triste 25 de janeiro de 2019 é revivido diariamente. Como parte deste contexto, 119 crianças ficaram órfãs de mãe e/ou de pai (que morreram na tragédia), e ainda falta a identificação de três “joias”, como as vítimas são chamadas pela AVABRUM: Maria de Lurdes da Costa Bueno, Nathalia de Oliveira Porto Araújo e Tiago Tadeu Mendes da Silva.
 

Manobras protelam Justiça

Já se passaram cerca de três anos de tramitação da ação criminal na Justiça do Estado de Minas Gerais e nenhum responsável pelo crime foi julgado. Seguindo o ambiente de impunidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em dezembro do ano passado, que o processo deverá ser transferido para a Justiça Federal graças a manobras jurídicas de réus da ação judicial.
Na tentativa de reverter a decisão, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) encaminhou requerimento ao ministro do STF Edson Fachin, solicitando que o caso seja levado ao plenário do Supremo. Até o momento, a situação segue indefinida em meio à revolta de familiares de vítimas e atingidos que lutam por Justiça. Se a decisão da Segunda Turma do STF se mantiver, o caso volta à estaca zero, já que serão anulados os atos da ação da Justiça do Estado de MG, tendo de ser aberto um novo processo na Justiça Federal.
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 Diretoras da AVABRUM espalham fotos das vítimas do rompimento, durante uma visita ao Superior Tribunal Federal (STF). (Foto: Flávia Dias / Legado de Brumadinho)

Prioridade: Encontro de todas as vítimas

Além de mobilizar-se para que os corpos das três “joias” sejam encontrados, a AVABRUM prioriza ações de memória do rompimento da barragem e de alertas para que outra tragédia como a de Brumadinho não aconteça. O trabalho de localização das vítimas do rompimento da barragem é a maior operação de buscas e salvamento da história do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (CBMG).

É importante lembrar que há no País 58 barragens, de um total de 463 enquadradas no Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), que estão listadas na categoria de alto risco de rompimento, segundo o boletim de dezembro do ano passado da Agência Nacional de Mineração (ANM). Das 58 barragens, 35 localizam-se em Minas Gerais.

Tragédia anunciada

Não se pode esquecer que, cerca de três anos antes da tragédia-crime de Brumadinho, houve o rompimento da barragem de rejeitos da Samarco – uma empresa da Vale e BHP Billiton –, localizada em Mariana (MG), resultando em 20 vítimas fatais, dentre elas um nascituro. Até hoje, segue impune o caso da ruptura da barragem de Mariana na 12ª Vara Federal de Minas Gerais.

Para a AVABRUM, a tragédia-crime de Brumadinho foi “anunciada”, pois a Vale e a empresa de certificação alemã Tüv Süd sabiam que a barragem iria romper a qualquer momento, acusação fundamentada nas investigações que constam do processo criminal. Mesmo sabendo do risco iminente de rompimento, a Vale manteve as suas oficinas, escritórios administrativos, posto médico e refeitório a jusante da barragem, ou seja, no caminho do tsunami de lama que chegou a atingir uma velocidade de 80 km/hora.
 

‘Sinais claros de falência’

Das 272 vítimas fatais da tragédia, 250 pessoas trabalhavam para a Vale, das quais 131 eram empregadas diretas da empresa e 119 eram funcionárias terceirizadas. Todas elas estavam na mina no momento em que a barragem entrou em colapso, a poucos segundos do caminho da lama de rejeitos. Além delas, morreram outras 20 pessoas, entre moradores e turistas. A associação reivindica a contabilização, entre as vítimas fatais, de 2 nascituros que morreram com suas mães que os estavam gestando.

 AVABRUM reafirma que não faltam provas contra os responsáveis pelo crime, conforme as investigações de diferentes instâncias, dentre elas o MPMG, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), a Polícia Federal e comissões parlamentares de inquérito (CPIs) do legislativo (Câmara dos Deputados, Senado Federal e Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

Segunda a denúncia do MPMG que embasou o processo criminal, nos anos de 2017 e 2018 a barragem “já dava sinais claros de falência, com riscos de rompimento inaceitáveis (intoleráveis) e proibidos”, conforme trecho da página 11 da denúncia do MPMG. Como parte do processo criminal, 16 pessoas respondem por homicídio qualificado por 270 vezes (270 pessoas mortas). A ação também envolveu diretamente a Vale e a Tüv Süd por crimes ambientais.

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Cenas de destruição após o rompimento da barragem B1 da mina Córrego do Feijão em 2019. (Foto: Washington Alves / Legado de Brumadinho).

Quatro anos da tragédia-crime: ações de mobilização

Nos 4 anos da tragédia-crime, a AVABRUM e seus parceiros idealizaram várias ações de mobilização para homenagear as 272 vítimas. As iniciativas também têm o objetivo de cobrar por Justiça, lembrar que ainda falta encontrar 3 “joias” e para servir de alerta dos riscos de novas tragédias envolvendo a atividade de mineração.

Segundo a diretoria da AVABRUM, o objetivo é “cobrar por justiça, denunciar a morosidade dos processos judiciais que buscam responsabilizar os executivos e técnicos que fecharam os olhos para os problemas da barragem em nome do lucro, pela não repetição de crimes como os de Mariana e Brumadinho e pela valorização da vida, bem irreparável”.

A mobilização começa na manhã de domingo, 22 de janeiro, com o Pedal em Homenagem às Vítimas, que terá concentração às 7h no letreiro da entrada de Brumadinho. Na terça-feira, 24 de janeiro, será realizado o Seminário 4 Anos da Tragédia-Crime e os Impactos em Brumadinho e Municípios Mineradores, na Faculdade ASA (Rodovia MG 040, km 49), entre 8h e 17h. Confira programação completa aqui.

Ainda no dia 24 de janeiro, haverá a Carreata por Justiça, com concentração às 17h, partindo do Cemitério Parque das Rosas, com uma parada no Cemitério Municipal (Brumadinho). Em ambos, várias vítimas da tragédia-crime foram sepultadas. Depois, o comboio seguirá até o letreiro de Brumadinho, onde será realizado um clamor por Justiça, Encontro e Memória e um momento de oração pelas famílias.

No dia 25, missa, caminhada e ato

No dia 25 de janeiro, a agenda será extensa. Às 10h, vai ser celebrada uma missa no estacionamento central de Brumadinho pela equipe da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser). De lá, os presentes sairão em caminhada até o letreiro da cidade, onde se somarão aos familiares. Todo dia 25, neste local, é realizado o ato mensal em honra às 272 vítimas.

O ato terá exibição de vídeos em telão instalado no local, apresentação musical, falas que clamam por Justiça, Encontro e Memória, a tradicional chamada dos nomes das 272 pessoas que perderam a vida e a soltura dos balões que representam cada uma delas.

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Foto do Letreiro da cidade de Brumadinho, com homenagem às vítimas do rompimento em um ato mensal promovido pela AVABRUM. (Foto: Washington Alves / Legado de Brumadinho)

AVABRUM se mobiliza em Brasília para manter a competência da Justiça Estadual de Minas Gerais para julgar a tragédia-crime de Brumadinho

Segunda Turma do STF retomará, na próxima sexta-feira (09/12), a votação online de uma manobra jurídica de réus do processo penal da tragédia-crime que pede a transferência do caso para a Justiça Federal

brumadinho

Representantes da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM) realizaram várias ações públicas nesta terça-feira(6/12), em Brasília, para que o Supremo Tribunal Federal (STF) mantenha a competência da Justiça do Estado de Minas Gerais para julgar o processo criminal sobre o rompimento da barragem da Vale, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, na cidade de Brumadinho (MG), e que vitimou 272 pessoas.

Quatro diretoras da AVABRUM e o deputado federal/MG Rogério Correia estiveram no STF, onde foram recebidos de forma atenciosa pela ministra Cármen Lúcia. Na ocasião, o grupo relembrou os entes perdidos na tragédia, o desgaste emocional e a luta por justiça que tem sido travada na esfera judicial. Também foi protocolado um documento com a memória do processo até o momento.

Diretoras da AVABRUM têm encontro no STF com ministra Cármen Lúcia | Crédito fotos: Divulgação AVABRUM

A vice-diretora da AVABRUM, Andresa Rodrigues, ressaltou para a ministra a importância de manter o processo criminal na Justiça Estadual de Minas Gerais, local onde o crime ocorreu. “Não podemos permitir que esse crime volte à estaca zero, tornando nulo os quatro anos que caminhamos sobre espinhos”, argumentou. Ela perdeu o único filho na tragédia-crime, Bruno Rocha Rodrigues, que era engenheiro de produção e trabalhava na área de processamento da Vale.

Junto com Andresa, estavam três diretoras da associação: Maria Regina da Silva (mãe da Priscila Elen Silva), Jacira Francisca Costa (mãe do Thiago Matheus Costa) e Andreia Martins (esposa do Edgar Carvalho Santos). Essa foi a primeira vez que a AVABRUM esteve reunida com um ministro do STF. No final de setembro, Andresa e Jacira também estiveram no STF, acompanhadas dos advogados da assessoria jurídica da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER) Danilo Chammas e Maria Victoria Salles, quando visitaram os gabinetes dos cinco ministros da Segunda Turma, sendo atendidos pelos seus assessores.

Ministra Cármen Lúcia abraça Maria Regina, diretora da AVABRUM que perdeu filha no rompimento da Vale

Após o encontro com a ministra Cármen Lúcia, a advogada Maria Victoria acompanhou o grupo na visita aos assessores do ministro André Mendonça, quando foi reiterado mais uma vez a importância de manter a competência do julgamento em Minas Gerais. “Não estamos pedindo ‘um jeitinho’ Queremos que, dentro dos preceitos da lei, com um processo devidamente documentado e fundamentado, sejam responsabilizados aqueles que vitimaram 272 pessoas”, ressaltou Andresa.

Manobra jurídica

O processo penal está praticamente suspenso há mais de um ano, após uma manobra jurídica de dois réus da tragédia-crime de Brumadinho, que pediram a transferência do caso para a Justiça Federal. A expectativa é que, na próxima sexta-feira (09/12), a Segunda Turma do STF retome a votação online sobre de que esfera é a competência.

Em outubro deste ano, quando iniciou a votação e se esperava uma resolução do caso, o ministro do STF André Mendonça pediu vistas do processo, adiando novamente a decisão, o que causou frustração e perplexidade nos familiares de vítimas da tragédia que aguardam há tanto tempo por justiça.

A votação na Segunda Turma do STF é considerada muito importante pela AVABRUM, pela equipe jurídica da RENSER, que apoia a causa da associação, e pelo Observatório Penal, criado pela RENSER e AVABRUM para acompanhar o caso. A rejeição da manobra jurídica pela Segunda Turma garantiria agilidade e continuidade do processo, que busca punir os responsáveis pela tragédia.

Audiência na Câmara dos Deputados

A convite do deputado federal Rogério Correia (PT/MG), que coordena a Comissão Externa de Repactuação do Acordo do Rompimento da Barragem Fundão em Mariana, as diretoras da AVABRUM também participaram de uma audiência pública dentro da comissão, na Câmara do Deputados, na parte da manhã de terça-feira. A tragédia-crime de Mariana ocorreu em 5 novembro de 2015, vitimou 20 pessoas, sendo um nascituro, e impactou toda a extensão da bacia do Rio Doce em Minas Gerais e no Espírito Santo.

Na audiência, que teve como relator o deputado federal Helder Salomão (PT/MG), Andresa disse acreditar que a impunidade, no caso de Mariana, possibilitou e potencializou a tragédia-crime de Brumadinho. “Se nós não lutarmos para que a justiça aconteça, em pouco tempo poderemos estar diante de mais um cenário de mortes. Mariana matou dezenas e Brumadinho centenas. Quem serão as próximas vítimas?”, questionou.

Participaram da audiência representantes do Conselho Nacional de Justiça, do Ministério Público Federal de Minas Gerais, da Defensoria Pública de MG e do Espírito Santo, do Gabinete de Transição da área de Meio Ambiente, prefeitos das cidades atingidas pelo rompimento da barragem de Mariana e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além dos deputados federais Leonardo Monteiro, Júlio Delgado e Padre João, e o deputado estadual eleito, Leleco Pimentel, todos de Minas Gerais.

Fotos das vítimas de Brumadinho são expostas em frente ao CCBB, sede da Transição

Ao final do dia, as diretoras da AVABRUM fizeram um ato no Centro de Convenções do Banco do Brasil (CCBB), onde está reunida a equipe de transição do presidente eleito Lula. Elas espalharam fotos das 272 vítimas de Brumadinho no chão para chamar atenção das autoridades e da imprensa para a situação em que se encontra o processo no STF. Várias autoridades que passaram pelo local se solidarizaram com a causa da AVABRUM e se colocaram à disposição para auxiliar no que for possível.

Entenda o julgamento no STF

Em junho deste ano, o ministro da Segunda Turma do STF Edson Fachin devolveu à Justiça do Estado de Minas Gerais a competência para julgar a ação penal sobre a tragédia-crime de Brumadinho. Relator do caso, Fachin derrubou uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia acolhido um recurso de dois réus do processo – o ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman e o engenheiro Felipe Figueiredo Rocha, que trabalhava na Vale -, definindo que a Justiça Federal seria competente para julgar a ação.

Com a decisão de Fachin, o processo criminal pôde voltar a tramitar no seu foro inicial, a Comarca de Brumadinho. Entretanto, a Segunda Turma do STF passou a reanalisar a decisão de Fachin em virtude de recursos que foram protocolados por Schvartsman e por Figueiredo Rocha.

O processo criminal começou a tramitar na Justiça mineira em fevereiro de 2020 com o acolhimento da denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG) contra 16 pessoas por homicídio qualificado por 270 vezes (270 pessoas mortas). A denúncia também acusou e a Vale e a subsidiária no Brasil da empresa de consultoria alemã Tüv Süd, responsável por atestar a segurança da barragem que se rompeu, por crime ambiental.
 A AVABRUM atua por justiça, encontro de 4 vítimas ainda não localizadas, memória às 272 vítimas, duas delas nascituros, e não repetição do crime. O rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão é considerado, atualmente, o maior acidente de trabalho da América Latina.

Diretoras da AVABRUM com advogados na frente ao STF

 

Brumadinho: 272 árvores serão plantadas em homenagem às 272 vidas perdidas na tragédia

Ação acontece neste sábado, 29 de outubro, promovida pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego Feijão (AVABRUM) e pelo Instituto Camila e Luis Taliberti

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No próximo sábado, 29 de outubro, uma área verde de Brumadinho vai ganhar o plantio de 272 mudas de árvores, de variadas espécies nativas da Mata Atlântica. A ação promovida pela AVABRUM e o Instituto Camila e Luiz Taliberti será aberta ao público e irá ocorrer a partir das 8h30 da manhã, na Área Verde do Salgado Filho, região que pertence ao município e fica próxima ao cemitério Parque das Rosas, onde várias vítimas da tragédia-crime da Vale foram sepultadas. O local se encontra sob cuidados da Brigada Carcará, que já promove ali uma ação de reflorestamento, e vai oferecer suporte técnico na ação de sábado.

“O simbolismo deste ato homenageará as 272 vidas ceifadas pelo crime da Vale e Tüv Süd em Brumadinho. É mais um ato para eternizar a memória das vítimas e também um ato de resistência frente ao esquecimento de um crime premeditado e tão bárbaro. Nós não vamos esquecer e não vamos deixar que esqueçam. Além disso, o plantio das mudas contribui na recuperação do meio ambiente, já que com o rompimento da barragem houve perda de vegetação do bioma Mata Atlântica em Brumadinho. A recuperação desse bioma, consequentemente, contribui na melhoria da saúde e qualidade de vida da população. Dessa forma, nossos entes queridos continuam contribuindo por um mundo melhor ”, declarou em nota a diretoria da AVABRUM.

O Instituto Camila e Luiz Taliberti, realizador do ato em parceria com a AVABRUM, foi fundado por Helena Taliberti, que perdeu seus dois filhos – Luiz e Camila – na tragédia do rompimento da barragem, além da nora, Fernanda, que estava grávida de 5 meses. Naturais de São Paulo, eles viajavam com o pai e a madrasta (que também perderam a vida no acidente), e estavam hospedados na pousada Nova Estância, que foi totalmente destruída pela lama de rejeitos. Segundo Helena, “Plantar 272 mudas é manter o legado dos meus filhos, Camila e Luiz Taliberti, e contribuir para preservação do meio-ambiente. É a construção de um memorial vivo e a certeza de que a morte de todos eles não foi em vão! Assim como o plantio que irá ocorrer em Brumadinho no próximo dia 29/10, plantamos 272 mudas em parceria com a SOS Mata Atlântica em Itu/SP e com o Projeto Plantar na cabeceira do Rio São Francisco. E o projeto do Instituto Camila e Luiz Taliberti é expandir para outros locais, porque tentaram nos enterrar, não sabiam que éramos sementes.”

Além da Brigada Carcará, a iniciativa do plantio deste sábado conta também com apoio do Projeto Legado de Brumadinho* e do Departamento de Educação Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Brumadinho.

*Projeto realizado com recursos destinados pelo Comitê Gestor do Dano Moral Coletivo pago a título de indenização social pelo rompimento da Barragem em Brumadinho, em 25/01/2019, que ceifou 272 vidas.

AVABRUM faz nota sobre outras duas barragens que ameaçam desabar em Brumadinho (MG)

Dois dias após STF adiar, novamente, decisão sobre julgamento do caso Brumadinho na justiça Estadual ou Federal, relatório da ANM aponta que duas barragens da cidade entraram em nível de emergência

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A Agência Nacional de Mineração (ANM) divulgou na quarta-feira, 19 de outubro, relatório apontando que duas barragens em Brumadinho entraram para o nível de alerta de estabilidade de suas estruturas. Os dois diques pertencem à empresa Comisa Mineração e estão a cerca de 30km do centro da cidade.

As barragens estão em nível 1 de emergência e foram categorizadas como de alto risco. Ambas somam quase 20 mil metros quadrados e apresentaram deformações e trincas. O relatório da ANM mostra ainda que, das 47 barragens embargadas no Brasil, 31 estão em Minas Gerais.

Diante desse novo dado, a presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos da Tragédia do Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum), Alexandra Andrade, declarou: “É muito importante a haja fiscalização preventiva e efetiva, sem maquiagem! Não há reparação para morte! O lucro não VALE a vida e matar não pode VALER a pena! Em Brumadinho foram 272 mortes em menos de um minuto, e até hoje ninguém foi punido”.

Dois dias antes da divulgação desse relatório, ministros da segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) se encontravam em plenário virtual para decidir se a competência para julgar o caso do rompimento da barragem da Vale em 2019 é da Justiça Federal ou Estadual. Para frustração de familiares de vítimas e atingidos pela tragédia-crime, que esperavam decisão favorável ao julgamento do caso em Minas Gerais, o ministro André Mendonça, que tinha acompanhado favoravelmente o relator da ação, ministro Edson Fachin, acabou pedindo vista, ou seja, mais tempo para julgar o processo.

“A associação lamenta que o processo sofra mais adiamento e espera que o voto de Mendonça seja mantido para que a ação não volte à estaca zero quase 4 anos depois da tragédia-crime que tirou a vida de 272 pessoas. Tudo isso vai ajudando a nos matar um pouco mais a cada dia, além de todo sofrimento pela perda dos nossos entes queridos. Muitos pais, mães, viúvas (os), irmãos e filhos nunca tinham ido ao psicólogo ou psiquiatra e hoje fazem tratamento e usam medicação antidepressiva e apresentam outros tipos de doenças que antes não tinham. O adiamento nos deixa ainda mais ansiosos, angustiados, adoecidos, tudo por causa do lucro acima da vida”, conclui Alexandra.

Enquanto os responsáveis pela maior tragédia humanitária do Brasil, que matou 272 pessoas, inundaram de lama toda região de Brumadinho, devastando o meio ambiente ao redor e poluindo com metais pesados as águas do Rio Paraopeba, segue impune, a população do município amarga a cada dia mais notícias que evidenciam a vulnerabilidade da região sob constante ameaça de mais rompimentos de barragens. Além de fatos novos que surgem a todo momento, Brumadinho vive todos os dias os impactos das obras e atividades da reparação do rompimento da barragem. Além de que, até o momento, quatro vítimas ainda não foram encontradas, enquanto suas famílias aguardam seu sepultamento digno, dentro do possível. Desde 25 de janeiro de 2019, a cidade não tem um dia de paz.

Justiça por Brumadinho: ex-jogador Raí abraça a causa dos familiares de vítimas e atingidos da tragédia-crime

Embaixador e conselheiro do Paris Saint-Germain, o ex-jogador Raí ganhou da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM) camisetas com a frase “Justiça por Brumadinho” e com os escudos dos sete times de futebol amador onde atuavam vítimas da tragédia-crime, considerada o maior acidente de trabalho da história brasileira. Ele também recebeu da AVABRUIM camisas com nomes de vítimas

bruma 1Raí com a presidente da AVABRUM, Alexandra Andrade, e com Maria Regina da Silva, integrante do Conselho Fiscal da entidade

Em solidariedade às vítimas da tragédia-crime de Brumadinho, o ex-jogador Raí, embaixador e conselheiro do Paris Saint-Germain, encontrou-se em Paris com a presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM), Alexandra Andrade, e Maria Regina da Silva, integrante do Conselho Fiscal da diretoria da entidade. O encontro aconteceu no último sábado (17/09).

As representantes da associação presentearam o ex-jogador com duas camisetas em que aparecem estampados a frase “Justiça por Brumadinho” e os escudos de sete times de futebol amador onde atuavam vítimas da tragédia-crime, considerada o maior acidente de trabalho da história brasileira. Ele também recebeu, das mãos das representantes da AVABRUM, duas outras camisetas em que estão estampados os nomes destas vítimas, além das palavras “in memorian” e “272 joias”.

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Raí e as representantes da AVABRUM com o painel em que aparecem as fotos das 272 vítimas da tragédia-crime

Na tragédia-crime, ocorrida em 25 de janeiro de 2019, 272 pessoas morreram em consequência do rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Vale. A maioria das vítimas trabalhava na mineradora e, do total, 15 deles tinham, na paixão pelo futebol, uma prática em suas vidas, atuando nos sete times representados nas camisetas especialmente produzidas para este encontro com Raí – Canto do Rio Futebol Clube, Brumadinho Futebol Clube, Itaguaense Futebol Clube, Novo Ideal Futebol Clube, Juventos Esporte Clube, Aroucas Futebol Clube e Estrela Marinhense Futebol Clube.

Quase todas as 15 pessoas homenageadas pela AVABRUM atuavam nos times amadores como jogadores. Algumas delas exerciam a função de treinador ou de dirigente de clube. No Canto do Rio Futebol Clube, atuavam como jogadores Adriano Junio Braga, Edgar Carvalho Santos, Eudes José de Souza Cardoso, Everton Lopes Ferreira e Max Elias de Medeiros. Já Marlon Rodrigues era dirigente do clube e Nilson Dilermando Pinto atuava como professor da escolinha da categoria de base; Robert Ruan Oliveira Teodoro jogava nas categorias de base do Brumadinho Futebol Clube; Ramon Junior Pinto (jogador) participava do time Itaguaense Futebol Clube; Jonis André Nunes jogava no Juventos Esporte Clube; Wesley Eduardo de Assis, Gilmar José da Silva e Reinaldo Fernandes Guimarães eram jogadores do Novo Ideal Futebol Clube; Walaci Junhior Candido da Silva jogava no Aroucas Futebol Clube; e Geraldo Medeiros Filho (jogador) atuava no Estrela Marinhense Futebol Clube.

Raí também recebeu uma revista sobre a AVABRUM e o livro “Brumadinho de Braços Abertos”. Segundo Alexandra, parte da renda obtida com a venda do livro é para ser revertida para incentivar o turismo, que, antes da tragédia-crime, era uma atividade econômica com grande potencial. “Brumadinho ainda depende muito do minério e incentivar o turismo é uma forma de encontrar alternativas”, disse a presidente da entidade.

Maria Regina considerou muito importante o encontro com Raí, que, em 2006, criou, juntamente com outros atletas, a organização Atletas pela Cidadania para a defesa das causas sociais. Na conversa com o ex-jogador, Alexandra e Maria Regina pediram apoio dele para o trabalho que vem sendo desenvolvido pela associação e lembraram que ainda faltam ser encontrados corpos de 4 vítimas da tragédia-crime.

A AVABRUM atua para dar visibilidade à luta por encontro, memória e justiça, mobilizando-se para que sejam punidas a Vale, a empresa alemã Tüv Süd, que atestou a segurança da barragem que se rompeu, e outros réus da ação criminal que tramita na Comarca de Brumadinho. Entretanto, há demora no julgamento desta ação penal que foi aberta em fevereiro de 2020 nesta comarca e que tem, entre os reús, as duas empresas, além de 16 pessoas, como o ex-presidente da Vale Fábio Schvartsman.

A Tüv Süd também é alvo de dois processos judiciais na Alemanha sob acusação de fraude do laudo de estabilidade da barragem. As ações buscam a responsabilização da Tüv Süd, cobrando indenizações pelos danos causados pelo rompimento da barragem a familiares de vítimas, atingidos e sobreviventes. Nesta segunda-feira, 19/09, Alexandra e Maria Regina participaram de uma audiência na Justiça alemã referente a um dos processos.

Esperançar Brumadinho/MG para a consolidação do dano-morte na jurisprudência brasileira: o paradoxo entre a relevância constitucional do direito à vida e o aparato da tutela jurisdicional

O verbo matar, nessa empresa, é conjugado no passado, presente e futuro. […] Vidas marcadas para morrer, porque a engrenagem tem que continuar. Não há respeito nem com o sangue que corre. Seria normal parar o trem, as máquinas, os caminhões. No entanto, eles estão mais vorazes. O lucro cresce em pleno crime.[…] Juízo final nem para os que se foram. Os mortos estão misturados na lama. (Dom Vicente Ferreira, Brumadinho 25 é todo dia, 2020)[2]

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Juliana Rocha Braga[1]

Esperançar[3], enquanto movimento que impulsiona a criação de ferramentas para o amanhã – como uma forma de romper a atual situação de escusa protecional no direito brasileiro. Esperançar como mecanismo de consolidação da jurisprudência. Entendendo a importância da tragédia ocorrida em Brumadinho/MG, em 25 de janeiro de 2019, e os multifacetários danos dela oriundos, nós, operadores do direito, devemos nos desacomodar, criar mecanismos de mudança, nos mobilizarmos, acreditar!

A proposta de reconhecimento do direito à compensação pela ofensa à vida surge ante a necessidade de tutelar aquele que sofreu o mais grave ataque ao direito da personalidade: a morte. Tendo em vista a extinção da personalidade civil em razão do evento morte, o cerne da questão reside na seguinte problemática: a vítima adquire um direito de indenização pelo dano da sua própria morte?

O modelo constitucional adotado pelo Brasil — constituição humanista, principiológica, multidisciplinar e analítica — autoriza a atuação judicial com finalidade de buscar a efetivação do direito disposto na Constituição Federal de 1988 (CF/88), o qual visa tutelar, por meio de seu aparato normativo e axiológico, o direito inerente a todas as pessoas, isto é, o direito à vida. Assim, adota-se a premissa básica de que o Estado tem o poder-dever de preservar a vida e, ainda, a vida digna com qualidade (art. 225, §1º e art. 1º, III da Constituição Federal).

À luz dessa concepção é que o presente estudo irá considerar o desastre de Brumadinho, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, e suas consequências jurídicas para fins de debate na práxis. Isto porque o rompimento da barragem B1 – Mina Córrego do Feijão – consolidou-se em um caso paradigmático em que, a mera aplicação do entendimento jurídico como se encontra hoje, a pura subsunção fato-norma – a interpretação literal, restritiva e reticente da jurisprudência atual, não é, por si só, capaz de tutelar os diversos danos advindos do ato ilícito perpetrado pela Vale S/A e o Grupo Tüv Süd.

A lama ceifou 272 vidas e gerou danos multifacetários à comunidade atingida. Quanto à culpa, restou constatada pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s), a culpa objetiva e subjetiva das empresas responsáveis. A capacidade econômica é patente, posto que o poderio financeiro das empresas é, de fato, tão considerável que sequer as reparações até hoje adimplidas foram capazes de gerar reflexos nos valores de mercado. A reincidência é notória, pois a Vale S/A também figura como uma das responsáveis por um dos maiores desastres ambientais do Brasil e deixou dezenove vítimas fatais no município de Mariana/MG. Novamente, tal dano ocorreu pelo mesmo motivo – “lucro acima da vida”[4].

Ao observar tais aspectos é que surge uma inquietação relacionada à proporcionalidade dos impactos, pondera-se acerca daqueles atribuídos às empresas responsáveis e, por outro lado, as sequelas às vítimas e atingidos da tragédia. A partir das fontes e atribuições axiológicas do Estado Constitucional e Humanista de Direito, pode-se extrair, pelo caso de Brumadinho, a manifestação expressa do paradoxo atinente à concepção do justo, proporcional e razoável, e dos bens jurídicos que carecem de tutela jurisdicional em um desastre dessa monta.

A premissa básica da Responsabilidade Civil consiste no surgimento do dever de reparar integralmente o ofendido pela ocorrência do ato lesivo danoso. Em outros termos, sobre o causador do dano, recaem as consequências jurídicas necessárias à compensação de quem teve o direito violado. A caracterização do quesito conduta, nexo de causalidade e dano são patentes no caso e, diante desse quadro, é inteligível que recaiam reflexos jurídicos proporcionais e razoáveis pela ofensa. Nesse caso, como corolário constitucional, a compensação à violação do direito à vida.

Estamos diante de uma questão urgente que precisa ser enfrentada. Diversas ações trabalhistas individuais e ações civis públicas interpeladas por entidades sindicais foram distribuídas contra a Vale S/A, em razão do rompimento da Barragem em Brumadinho.

Cabe destacar, que o Superior Tribunal de Justiça sumulou entendimento a respeito da transmissibilidade sucessória dos danos morais e, com isso, viabilizou a possibilidade do direito à reparação ser exercido pelo espólio e não padecer em prol de quem causou o dano- o que geraria benesse ao próprio causador. O direito brasileiro possui um rol aberto e prospectivo relacionado ao dano moral. Imperioso, portanto, o debate acerca da imputação de responsabilidade pela violação ao direito à vida e à existência.

Nesse sentido, mister trazer à tona o andamento da inédita ação coletiva movida pelo Sindicato Metabase Brumadinho e Região[5] em substituição dos 131 trabalhadores de sua categoria profissional falecidos em decorrência do rompimento da Barragem B1 do Complexo da Mina do Córrego do Feijão, perante o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, buscando a condenação da Vale S/A pelo dano-morte ocasionado às vítimas.

A Ação Civil Pública nº 0010165-84.2021.5.03.0027 foi distribuída por sorteio para a 5ª Vara do Trabalho de Betim/MG. No bojo da ação, a Vale ofertou contestação, suscitando inúmeras preliminares (ilegitimidade ativa, litispendência e coisa julgada, transação, etc.). No mérito, em síntese, a Vale sustenta que “a ordem jurídica brasileira nega a existência” do pleito formulado pela entidade sindical, que “não cabe indenização por dano moral ao trabalhador falecido em razão da morte”, dentre outros.

Nada obstante, em brilhantíssima decisão – imbuída de caráter vanguardista/pioneiro e humanitário – a Juíza do TRT3, proferiu sentença para julgar parcialmente procedente o pedido da entidade Sindical, condenando a Vale a pagar indenização por danos morais, no importe de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) por vítima fatal. Na decisão, destaca-se a fundamentação acerca da necessária aferição do dano moral no caso do dano-morte e ressalta-se o verdadeiro descompasso em se exigir a comprovação do dano, quando da ocorrência da violação ao maior bem jurídico a ser tutelado pelo ordenamento:

[…] Como sustentar que o dano reflexo da morte constitui violação in re ispa, mas o (mesmo) dano diretamente experimentado pelo falecido não o é?

Como poderia o morto provar seu sofrimento?

Como poderia o de cujus, humanamente, externar o que se passou na mente, no coração, se se passou tudo ou se nada se passou? Se se recordou os filhos, das preocupações específicas, dos planos de vida, da família? Se, nos segundos, minutos, poucas horas, se no tempo transcorrido entre o primeiro golpe do dano que o levaria a morte até o último suspiro, provou das repercussões decorrentes da reação pela sobrevivência até a angustia da aceitação da morte certa?

(TRT3, ACPCiv 0010165-84.2021.5.03.0027, 5ª Vara do Trabalho de Betim, Dje 07/06/2021) (Grifo nosso)

A Vale, por sua vez, interpôs recurso ordinário em face da sentença requerendo o afastamento da sua responsabilidade em indenizar os empregados substituídos. Contudo, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região negou provimento ao apelo e manteve os termos da sentença. Ao fundamentar a decisão, o Colegiado se valeu de direito comparado, transcendendo os meros aspectos formais interpretativos da norma e citou entendimento do direito Português acerca do dano-morte, vide:

[…]A doutrina portuguesa há muito já reconhece o direito ao dano-morte, bem como a transmissibilidade do montante relativo à sua indenização aos herdeiros da vítima fatal. A partir de julgamento ocorrido em 1971, o Supremo Tribunal de Justiça Português, pacificou a existência de três tipos de danos extrapatrimoniais: o dano pela perda do direito à vida, o dano sofrido pelos familiares da vítima em razão de sua morte e o dano suportado pela vítima antes de morrer. […]A partir do Acórdão deste Tribunal de 17.3.1971, proferido em revista alargada, mas com cinco votos de vencido (que se pode ver no BMJ n.o 205, 150), a jurisprudência nacional, confortada com a quase unanimidade da doutrina, tem sido unânime na atribuição da indenização especificamente pela perda do direito à vida. (TRT 3ª Região, 4ª Turma, Desembargadora Redatora PAULA OLIVEIRA CANTELLI, processo n. 0010165-84.2021.5.03.0027, DEJT 18/03/2022).

Desse modo, o Tribunal Regional da 3ª Região proferiu acórdão acolhendo a tese autoral do Sindicato Metabase Brumadinho e Região e confirmou o dano-morte como um dano autônomo específico, diferente dos Danos Reflexos percebidos pelos familiares das vítimas.

Ato contínuo ao Acórdão publicado, a Vale interpôs recurso de revista e a entidade sindical agiu da mesma forma, de maneira a pleitear a majoração do valor arbitrado a título de dano moral, bem como do valor fixado a título de honorários advocatícios sucumbenciais. Atualmente, os recursos interpostos pelas partes estão aguardando o juízo de admissibilidade pela douta Presidência do Tribunal Regional da 3ª Região.

Nesse contexto de discussão oportunizado pela ação coletiva intentada pelo sindicato, é preciso compreender que tragédias como o rompimento da barragem B1 –Mina Córrego do Feijão — em Brumadinho trazem à tona a insuficiência do ordenamento jurídico brasileiro na salvaguarda de direitos. É estarrecedor vislumbrar esse desastre, suas consequências e a ausência do aparato jurídico na tutela dos múltiplos danos ocasionados. O desintegrar da barragem em 2019 ceifou 272 vidas e violou o meio ambiente de maneira incalculável. A violência empregada é percebida em momento pretérito ao desastre e, também, após, pelo negacionismo da Vale S/A e do Grupo Tüv Süd frente à sua culpa e pela resistência na prestação de auxílio aos diversos atingidos.

Em que pese todos os danos possíveis de serem notados, o mais sensível, sem dúvida, é o dano da perda da vida humana. No Brasil, como evidenciado acima, é possível notar um rol aberto e prospectivo a respeito dos danos extrapatrimoniais, o que viabiliza a indenizabilidade do dano-morte. Assim, parte-se da compreensão, à luz do princípio da reparação integral, de que no direito brasileiro é possível aplicar outras modalidades de dano que não constem expressamente no regramento legal.

No que tange à discussão da transmissibilidade irrestrita, a Súmula 642 do STJ pacificou o entendimento no sentido de que o reconhecimento desse dano de natureza imaterial pode ser reivindicado por meio do espólio e herdeiros, sem a necessidade de condicionar tal direito a ação prévia movida pelo de cujus.

O argumento psicológico que atrela a incidência de danos morais à dor e ao sofrimento, talvez seja o ponto mais sensível da questão, haja vista que existem posicionamentos divergentes na doutrina e na jurisprudência atual. Todavia, como demonstrado no decorrer da decisão exarada pela Justiça Trabalhista, hoje, há de considerar os danos morais in re ipsa e conferir uma hermenêutica aberta e expansiva à aplicação do instituto da responsabilidade civil, no que concerne à proteção à vida e às integridades física e psíquica do trabalhador.

O caso de Brumadinho é fatalmente paradigmático e deve ser compreendido como tal. Com isso, conclui-se que o direito à vida é reconhecido como valor supremo a ser protegido pelo Estado e, por tal razão, seria inconcebível a não admissão do dano-morte como instituto autônomo a ser inserido na esfera jurídica do ofendido. Dessa forma, o direito deve evoluir para que os projetos de vida suprimidos por um ato lesivo sejam objeto de tutela, por meio da responsabilidade civil.

Em Brumadinho, o luto é sinônimo de luta. O Projeto Legado de Brumadinho, idealizado pela Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (AVABRUM), surge como um movimento de memória, um ato de resistência em favor da vida dos trabalhadores e das trabalhadoras vítimas fatais do crime da Vale e do Grupo Tüv Süd. O projeto possui a #amanhãpodesertarde para criar “um alerta pelo trabalho com o respeito à vida”. À vista da magnitude do desastre, da constante e incansável luta dos familiares das vítimas fatais e de todos os atingidos, vos convido a esperançar pela consolidação de um sistema jurídico mais justo, acessível e humanitário, nas palavras de Dom Vicente Ferreira, defensor de direitos humanos das comunidades invisibilizadas atingidas pelo rompimento da barragem, em seu livro, Brumadinho: 25 é todo dia:

Debaixo da terra, tem outras coisas além do minério.

É preciso comprar essa luta, custe o que custar.

Não serão mais os únicos donos.

O juiz não pode ter na mesa parecer unilateral.

Bem-vindos ao front da resistência.

A palavra única não será Vale.

(Dom Vicente Ferreira, Brumadinho: 25 é todo dia, 2020)

[1] Advogada. Moradora de Brumadinho. Pós-graduada em Direito Civil Aplicado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara, modalidade direito integral (2020).

[2] FERREIRA, Dom Vicente. Brumadinho: 25 é todo dia. São Paulo: Expressão Popular, 2020.

[3]É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! (FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992)
[4] Máxima utilizada pelos atingidos pela barragem em Brumadinho em discursos relacionados ao ocorrido.
[5] Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Extração de Ferro e Metais Básicos de Brumadinho e Região