Queimadas em outubro atingiram área 66% maior do que em 2021

Área de florestas queimada de janeiro a outubro de 2022 foi 80% superior ao total registrado nos 12 meses de 2021

queimadas

O mês de outubro não foi quente apenas por causa do primeiro e do segundo turno das eleições, que aconteceram no começo e no final do mês. Entre o dia 1 e o dia 30 do mês passado, as queimadas no Brasil aumentaram 66%, segundo dados do Monitor do Fogo, do MapBiomas. Em apenas 30 dias, 3,4 milhões de hectares foram queimados — 1,3 milhão de hectares a mais do que no mesmo mês de 2021.

Nenhum bioma queimou tanto em outubro como o Cerrado, onde a área afetada quase triplicou em relação ao mesmo mês do ano passado. 1,8 milhão de hectares foram atingidos pelo fogo no bioma — um crescimento de 196% em relação a outubro de 2021. O aumento das queimadas na Amazônia também foi superior à média nacional: 74% a mais que no mesmo mês de 2021. A área queimada em outubro deste ano nesse bioma totalizou 1,3 milhão de hectares.

Os números entre janeiro e outubro deste ano, por sua vez, mostram que 15,2 milhões de hectares foram atingidos pelo fogo no Brasil — uma área maior que o estado do Ceará. O crescimento em relação aos 10 primeiros meses de 2021 foi de 11%, ou 1,5 milhão de hectares a mais. A maior parte da área consumida pelo fogo (72%) foi de vegetação nativa — em sua maioria, formações savânicas e campestres. As pastagens responderam por 24,5% da área queimada nos dez primeiros meses de 2022. Porém um crescimento expressivo foi observado em florestas: cerca de 2,4 milhões de hectares de florestas foram queimados no Brasil de janeiro a outubro de 2022 — um aumento de 80% em relação ao total registrado nos 12 meses de 2021.

A Amazônia concentrou 85% dos incêndios florestais nos 10 primeiros meses deste ano. Nesse período, as florestas da Amazônia queimaram quase o dobro do que foi queimado em florestas na região em todo o ano de 2021. Quase um terço (29%, ou dois milhões de hectares) do que foi queimado nesse bioma afetou florestas, sendo incêndios ou desmatamento seguido de fogo. Esse número foi mais que o dobro, 111% maior do que a área de floresta afetada por fogo no bioma no mesmo período em 2021 (976 mil ha). Considerando a área total queimada na Amazônia, e não só a de florestas, o crescimento em relação ao ano passado foi de 34%.

Mas o bioma mais afetado pelo fogo no Brasil nos dez primeiros meses de 2021 é o Cerrado. Metade da área queimada no país entre janeiro e outubro (48%, ou 7,2 milhões de hectares) fica no Cerrado. Embora este bioma tenha metade da extensão da Amazônia, ele praticamente empata com ela em área queimada: a Amazônia respondeu por 47% da extensão queimada nos 10 primeiros meses do ano (7,1 milhões de hectares). O aumento na área queimada no Cerrado nesse período foi de 17%.

Sozinho, o Mato Grosso respondeu por um em cada quatro hectares queimados no Brasil entre janeiro e outubro deste, ou 3,4 milhões de hectares. Pará e Tocantins ocupam o segundo e o terceiro lugar no ranking, com 2,5 milhões de hectares e 2,2 milhões de hectares, respectivamente. Juntos, esses três estados respondem por mais da metade (54%) de toda a área queimada no Brasil este ano até outubro.

Os três municípios que mais queimaram este ano ficam na Amazônia: São Félix do Xingu (PA), Altamira (PA) e Porto Velho (RO). Juntos, eles respondem por 1,1 milhão de hectares queimados, ou 8% do total nacional). Trata-se de um crescimento de 131% em relação aos 495 mil hectares queimados no mesmo período de 2021. Esse aumento reflete o avanço do desmatamento no oeste do Pará e em Rondônia.

Boas notícias vieram da Mata Atlântica e do Pantanal. Este último apresentou a menor área queimada nos últimos quatro anos no período entre janeiro e outubro deste ano. O Monitor do Fogo contabilizou uma queda de 87% em relação aos dez primeiros meses de 2021. O mês de outubro, no entanto, trouxe uma área queimada equivalente ao dobro do total queimado nos meses anteriores. A Mata Atlântica, por sua vez, teve a menor área queimada desde 2019, com exceção dos primeiros meses do ano (janeiro e fevereiro), devido a uma queimada na região próxima ao Parque Nacional Ilha Grande.

Outros destaques de outubro de 2022

  • 76% da área queimada em outubro de 2022 foi em vegetação nativa, a maioria em formações savânicas e campestres.
  • Dentre os tipos de formações naturais, as formações savânicas foram as mais afetadas pelo fogo, 37% da área queimada em outubro de 2022.
  • Dentro os tipos de uso agropecuário, as pastagens se destacaram, representando 21% da área queimada em outubro de 2022.
  • Em outubro de 2022, os estados que mais queimaram foram Mato Grosso, Maranhão e Piauí.
  • Os municípios de Cocalinho (MT) e Novo Santo Antônio (MT) foram os que tiveram maior área queimada.

Outros destaques da Amazônia — janeiro a outubro de 2022

  • A formação florestal foi o tipo de vegetação nativa que mais queimou na Amazônia: 29% da área queimada entre janeiro e outubro de 2022.
  • A pastagem foi a classe de uso da terra que mais queimou, com 48% da área total queimada na Amazônia em outubro de 2022.

Outros destaques do Cerrado — janeiro a outubro de 2022

  • Quase metade da área queimada no Cerrado entre janeiro e outubro de 2022 ocorreu em formação savânica (3,5 Mha, 49%).
  • Os estados da região do MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) são os que tiveram maior ocorrência de fogo no mês de Outubro no bioma Cerrado.

Destaques do Pampa — janeiro a outubro de 2022

  • No verão de 2022 foi registrada uma área recorde de queimadas no Pampa, com 28.039 ha.
  • Por outro lado, no período entre março e outubro a área queimada total foi de 1.117 ha, bem abaixo do que foi registrado para esse mesmo período nos três anos anteriores.

Destaques da Caatinga — outubro de 2022

  • Na Caatinga, o mês de outubro foi o que apresentou maior área queimada para todo o ano de 2022, com 300 mil ha queimados e com aumento de 134% em relação ao mês de setembro

Sobre o Monitor do Fogo:

O Monitor do Fogo é o mapeamento mensal de cicatrizes de fogo para o Brasil, abrangendo o período a partir de 2019, e atualizados mensalmente. Baseado em mosaicos mensais de imagens multiespectrais do Sentinel 2 com resolução espacial de 10 metros e temporal de 5 dias. O Monitor de Fogo revela em tempo quase real a localização e extensão das áreas queimadas, facilitando assim a contabilidade da destruição decorrente do fogo. Acesse o Monitor do Fogo e o Boletim Mensal de Outubro 

Sobre MapBiomas

Iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, métodos e códigos do MapBiomas são disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa.

Vegetação das montanhas de granito carece de proteção ambiental; flora da Caatinga é a mais vulnerável

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Foto: Luísa Azevedo

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Montanhas de granito, como o Pão de Açúcar no Rio de Janeiro, apresentam vegetações bastante distintas de acordo com cada bioma. A flora dessas montanhas da Amazônia, Mata Atlântica e Caatinga foi o tema de um novo estudo publicado na sexta (29) no periódico “Frontiers in Plant Science” por pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável e de outras instituições parceiras. Das 50 áreas analisadas, apenas 16 estão em áreas de proteção: 9 na Amazônia e 7 na Mata Atlântica. O estudo chama atenção para um dado preocupante: todas as 25 áreas estudadas na Caatinga estão em locais sem proteção ambiental.

Esse é o primeiro estudo até o momento com o objetivo de compreender as vegetações que crescem nas rochas e compará-las em diferentes biomas da América do Sul. A pesquisa liderada pelo biólogo Rafael Gomes Barbosa-Silva durou quatro anos realizando expedições de campo para coletar amostras de plantas e consultando o acervo de diversos herbários. Além disso, houve a compilação de informações da flora de outros biomas por meio da análise de dados já publicados. Para a análise, foram considerados 50 inselbergs – nome técnico para as montanhas de granito: 11 na Amazônia, 14 na Mata Atlântica e 25 na Caatinga. Ao todo, 2193 espécies foram identificadas em 4397 ocorrências nos três biomas.

“O resultado mostra o quão única e fascinante é a flora de cada um desses afloramentos graníticos. Assim, o entendimento de que as montanhas de granito possuem floras distintas conforme o bioma onde ocorrem nos mostra direções para conservação”, explica Barbosa-Silva, primeiro autor do artigo. Ele também afirma que os biomas influenciam a paisagem única das rochas – o que gera a beleza destes cenários: “São áreas que atraem muitas vezes o interesse para o lazer e o turismo, como o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, a Serra Grande, próximo de Boa Vista ou a Pedra da Harpia, na Floresta Nacional de Carajás”.

Diante da inexistência de proteção às áreas estudadas na Caatinga, os pesquisadores entendem que é urgente discutir a preservação das vegetações rochosas do bioma. “Inselbergs são vistos com frequência como fontes de rochas comerciais e podem se degradar por meio da destruição do ambiente ao redor”, alertam os especialistas no artigo. 

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Coleta no inselberg amazônico da Pedra da Harpia, na Floresta Nacional de Carajás. Foto: Rafael Gomes Barbosa-Silva Tereza Giannini, também autora do estudo, comenta a importância de entender a flora que ocorre nas áreas estudada: “Muitas áreas naturais, especialmente na Amazônia, foram pouco inventariadas e, portanto, são ainda pouco conhecidas. Programas efetivos de proteção e conservação precisam ser embasados em conhecimento científico, e por isso esse tipo de pesquisa tem um papel tão importante”, avalia a pesquisadora.

A partir da publicação, surgem novas perguntas e possibilidades de próximas pesquisas: Barbosa-Silva questiona como a flora dessas rochas está ameaçada pelas mudanças climáticas, visto que as plantas crescem diretamente nas rochas, com pouco ou nenhum solo, com retenção de água quase nula. Além disso, os pesquisadores sugerem o uso de tecnologias, como drones, para entender a relação entre geomorfologia e condições climáticas no surgimento da flora nas montanhas de granito.


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Este texto foi originalmente produzido e publicado pela Agência Bori [Aqui!].

Sacrifício para o agronegócio: Caatinga, floresta rica em biodiversidade, está em chamas por causa da expansão da soja

soja bahiaMonocultivo de soja na Bahia deve enriquecer ainda mais as empresas

Por Norbert Suchanek, Rio de Janeiro, para Junge Welt

Quando se trata de destruição natural no Brasil, geralmente é a Amazônia. Outro desastre está ocorrendo atualmente no país, mas desta vez no Nordeste. Afetada é a Caatinga, a floresta seca rica em espécies do Brasil, que pode resistir a longas secas, mas não provocou incêndios intencionalmente. Está em chamas desde o início de 2021. O Instituto Brasileiro de Pesquisas Espaciais (INPE) contabilizou 3.040 focos de fogo em meados de agosto, mais de 160 por cento a mais do que no mesmo período do ano anterior.

Com uma área de cerca de 850 mil quilômetros quadrados, a Caatinga é o quarto maior bioma do Brasil, mas quase não é protegida. Como ecossistema de floresta natural no semi-árido nordestino, se estende por dez estados. Seu nome significa “floresta branca” como realmente aparece durante os meses de seca. Assim que chove, porém, a caatinga fica verde. Mais da metade desse ecossistema endêmico que só ocorre no Brasil já foi devastado ou convertido em monoculturas. Apenas 2% da caatinga está sob proteção da natureza.

Neste ano, as operações legais e ilegais de corte e queima se concentram no oeste do bioma – no Piauí e na Bahia, onde o cerrado, cada vez mais destruído para o cultivo da soja em grande escala, se transforma em caatinga. Os dois estados fazem parte da frente do agronegócio Matopiba, que também inclui os estados do Maranhão e Tocantins. Desde o início de 2000, com o apoio do Estado brasileiro e de investidores internacionais, as áreas de cultivo de monoculturas de soja vêm se expandindo às custas do cerrado.

De acordo com os últimos dados da Mapbiomas, rede de cientistas, instituições de pesquisa e organização de proteção ambiental que monitora os biomas brasileiros, um total de 61.373 hectares de floresta seca no Nordeste foram destruídos em 2020. A maior área, 32.956 hectares, foi perdida na Bahia.

Além do Matopiba, outra frente agrícola ameaça o Nordeste desde 2015. A Embrapa, agência estadual de desenvolvimento agrícola do Brasil, deu o nome de “Sealba” em homenagem aos estados afetados de Sergipe, Alagoas e Bahia. A região com área superior a cinco milhões de hectares possui condições edafoclimáticas favoráveis ​​e grande potencial para se tornar uma área de grande importância agrícola, principalmente para o cultivo industrial de soja e milho, segundo os engenheiros agrônomos da Embrapa . O agronegócio aqui está de olho sobretudo nos Tabuleiros Costeiros, planaltos litorâneos do Nordeste. Devido às monoculturas, os preços da terra na região aumentaram dramaticamente. Segundo o canal Canal Rural , eles aumentaram vinte vezes desde 2010.

Se você não consegue acompanhar, você tem que ceder. Criadores de gado deslocados e famílias de pequenos agricultores se deparam com a opção de abrir novas áreas na Caatinga ou ingressar no exército de desempregados das cidades.

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Este texto foi escrito inicialmente em alemão e publicado pelo jornal “Junge Welt” [Aqui!].

Bioma da Caatinga está cronicamente degradado mesmo em áreas não desmatadas

Um novo estudo publicado no Journal of Applied Ecology mostra que a Caatinga, um bioma de matagais e matas secas no Nordeste do Brasil, é severamente ameaçada pela atividade humana mesmo em áreas não desmatadas

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Por Meghie Rodrigues para a série Série Mongabay: Florestas Globais

  • Os autores chamam o efeito de distúrbio antropogênico crônico e o modelaram para áreas com assentamentos humanos, construção de infraestrutura, pastagem, extração de madeira e fogo em 47.100 fragmentos remanescentes do bioma.
  • A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, e abriga mais de 900 espécies de animais e plantas.
  • Mas, com mais de 27 milhões de habitantes, é também um dos biomas mais degradados do país, embora o estudo destaque áreas que ainda podem ser conservadas, incluindo corredores de vida selvagem.

Localizada no Nordeste do Brasil, a Caatinga, com seus matos e matas secas, é vista por muitos como pobre em biodiversidade. Como consequência, a região recebe poucos investimentos para ações de conservação. Especialistas dizem, porém, que com mais de 900 espécies de plantas e animais, o bioma é o maior e mais diverso entre as florestas tropicais sazonalmente secas do mundo. É também o único bioma totalmente brasileiro e uma das regiões menos estudadas do globo.

Distribuídos em 47,1 mil fragmentos, cerca de metade da vegetação da Caatinga permanece – e o constante estresse hídrico a torna profundamente vulnerável às mudanças climáticas. Agora, um estudo recente aponta que mesmo essas áreas remanescentes não desmatadas estão severamente ameaçadas pela ação humana acumulada ao longo de décadas e séculos. Os autores chamam o efeito de distúrbio antrópico crônico, e observam que é altamente dependente da localização: manchas de floresta ao norte e oeste são mais perturbadas do que aquelas no leste e sul da Caatinga.

Na imagem, os vetores de perturbação estão distribuídos geograficamente na Caatinga. (A) representa a população humana (CDI de 0,64), (B) mostra a infraestrutura (CDI de 0,86), (C) mapeia a pastagem (CDI de 0,49), (D) mostra a extração de madeira (CDI de 0,50) e (E) representa fogo (CDI de 0,04). Créditos: Journal of Applied Ecology, publicado pela primeira vez: 05 de julho de 2020, DOI: (10.1111 / 1365-2664.13686)

Os pesquisadores, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do World Resources Institute Brasil, queriam entender como a intensidade dessa perturbação varia entre as diferentes regiões geográficas, tamanhos de fragmentos florestais e em função da distância às bordas dos áreas florestadas. Eles então contabilizaram os níveis de degradação que encontraram usando um índice, o índice de perturbação antropogênica crônica (CDI).

Cinco elementos, ou vetores, compõem o CDI: população humana, infraestrutura, pastagem, exploração madeireira e fogo. Cada um tem um impacto diferente em várias regiões da Caatinga e, juntos, eles respondem pelos índices de perturbação encontrados pela equipe. O CDI vai de 0 a 1, e quanto maior o índice em uma determinada área, mais degradada ela fica. As áreas menos perturbadas foram encontradas nas regiões leste e centro do bioma (com manchas de floresta onde o CDI foi de 0,12) e as áreas mais degradadas no norte da Caatinga (com CDI de 0,80).

Localizada no município de Lajes, no estado do Rio Grande do Norte, a Serra do Feiticeiro possui forte potencial de conservação. Imagem cortesia de Juan Carlos Vargas Mena.

A Caatinga sozinha tem uma área total de 844.453 quilômetros quadrados (524.700 milhas quadradas), estendendo-se aproximadamente por 11% do território brasileiro. “Medir a degradação por meio de observação de campo em uma área tão vasta é extremamente difícil de fazer”, disse Carlos Roberto Fonseca, coautor e pesquisador do departamento de ecologia da UFRN, ao Mongabay em entrevista por telefone. “Queríamos extrapolar os resultados para a Caatinga como um todo, não apenas observar alguns pontos selecionados”, acrescentou.

Fonseca e seus colegas usaram dados existentes em diversos bancos de dados – como o censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o censo bovino brasileiro e mapas oficiais de rodovias, ferrovias, barragens e linhas de transmissão – para estimar os impactos. Em seguida, cruzaram esses dados com o mapa censitário do IBGE, que possui uma grade de pixels. O objetivo era medir o impacto da degradação de cada pixel do mapa da Caatinga medindo os diferentes pesos de cada vetor calculado.

A degradação está distribuída de forma desigual pela Caatinga, uma vez que diferentes regiões estão sob diferentes tipos de pressão.

“A urbanização e a pecuária degradaram profundamente o litoral leste ao longo dos anos, enquanto na parte norte há muita extração de madeira e assentamentos humanos, e nem todos são sustentáveis ​​por causa da caça furtiva. Algumas outras regiões ainda estão preservadas e podem vir a ser áreas de conservação ”, disse Fonseca.

Cactos, arbustos espinhosos e plantas de caule grosso constituem a maior parte da vegetação da Caatinga, que significa “floresta branca” na língua tupi (caa = vegetação, tinga = branca). Imagem cortesia de Juan Carlos Vargas Mena.

O estudo, publicado em julho de 2020 no Journal of Applied Ecology , mostra que fragmentos menores da Caatinga eram muito heterogêneos, variando de pouco a altamente degradados. Manchas maiores de vegetação apresentam níveis médios de perturbação. Infraestrutura foi o vetor encontrado para causar a maior perturbação (com um CDI de 0,86) e o fogo para causar a menor (com um CDI de 0,04). O impacto de todos os vetores – população humana, infraestrutura, pastagem, extração de madeira e fogo – foi maior nas bordas dos fragmentos de floresta.

Grandes obras de infraestrutura causam impactos imediatos e grandes ao meio ambiente. Por outro lado, o pastoreio, a extração de madeira e o fogo estão diretamente ligados à presença humana nos remanescentes de vegetação e são responsáveis ​​por uma parte significativa de sua degradação crônica.

Em entrevista por telefone ao Mongabay, Marcelo Tabarelli, professor do Departamento de Botânica do Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco, disse que muitas famílias que vivem na região são altamente dependentes dos recursos naturais da Caatinga – e isso tem foi um longo processo histórico que se estende até o presente. “Eles extraem madeira para cozinhar, por exemplo, e também vendem para pequenas empresas vizinhas que dependem do carvão para combustível. Seus caprinos e bovinos se alimentam de pequenas porções de vegetação, e essa extração de biomassa é pequena, mas contínua ”, disse Tabarelli, que não participou do estudo.

Tabarelli disse que esses padrões em tal cultura de extração doméstica foram amplamente negligenciados pela pesquisa ecológica. Ele disse que o estudo é importante porque lança luz sobre um aspecto esquecido de um bioma amplamente não estudado. “Mostra que os remanescentes florestais da Caatinga estão expostos à extração de madeira e frutas e à agricultura de corte e queima. Este tipo de extração de nutrientes e biomassa faz parte da cultura sertanejo local de comunidades tradicionais aqui no Brasil e em muitas partes do mundo. ”

Cactos, arbustos espinhosos e plantas de caule grosso constituem a maior parte da vegetação da Caatinga, que significa “floresta branca” na língua tupi (caa = vegetação, tinga = branca). Imagem cortesia de Juan Carlos Vargas Mena.

Esses efeitos crônicos de distúrbios também ocorrem em outras regiões onde grupos menores dependem exclusivamente da extração de recursos naturais para viver, como as florestas secas em partes da África e nas regiões rurais da Índia, acrescentou Tabarelli. “À medida que as comunidades humanas se reorganizam nesses espaços e outras espécies proliferam e se adaptam a essas áreas degradadas, ocorre um processo de homogeneização biológica. Na Índia, por exemplo, esse processo é mais radical e está relacionado a processos de invasões biológicas e colapso de estruturas florestais sobre a vegetação remanescente ”.

Tabarelli disse que vê um vazio no planejamento do desenvolvimento sustentável da Caatinga. “A degradação ambiental não é um subproduto da mudança climática, mas aumentará à medida que a seca aumentar. Há uma carência histórica de medidas legais para enfrentar com eficácia os problemas da Caatinga e os dados sobre a desertificação são uma prova disso ”, afirmou.

A pressão sobre biomas como a Caatinga aumentará com as mudanças climáticas, à medida que secas e outros eventos extremos se tornam mais frequentes e fazem com que as florestas percam produtividade, disse Tabarelli.

Nesse sentido, tanto ele quanto Fonseca destacam a necessidade de criação de áreas de conservação entre os remanescentes florestais. “Apesar de metade da Caatinga [estar] perdida, a conectividade entre as manchas de vegetação remanescentes ainda é alta, e isso é fundamental para que os animais se desloquem de um lugar para outro”, disse Fonseca. Ele acrescentou que na primeira década dos anos 2000, “o Brasil caminhava em uma espiral ascendente – foi quando o país criou cerca de 80% das áreas de conservação do mundo. O cenário desacelerou nos anos Dilma Rousseff [2011-2016] e agora vivemos com uma perspectiva de retrocesso, arriscando sérios retrocessos em termos ambientais ”.

Imagem do banner: Algumas áreas da Caatinga, como este fragmento florestal nas Lajes, no Rio Grande do Norte, estão bem preservadas e têm potencial para se tornarem áreas protegidas. Imagem cortesia de Juan Carlos Vargas Mena.

Citações:

Antongiovanni, M., Venticinque EM, Matsumoto, M., & Fonseca, CR (2020). Perturbação antrópica crônica em fragmentos de floresta seca da Caatinga. Journal of Applied Ecology, 57 (10), 2064-2074. doi: 10.1111 / 1365-2664.13686

Silva, J. M., Leal, I. R., & Tabarelli, M. (2017). O futuro da Caatinga. Na  Caatinga: A maior região de floresta tropical seca da América do Sul  (pp. 461-474). Springer. doi: 10.1007 / 978-3-319-68339-3_19

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela Mangabay [Aqui!].

Caatinga sofre degradação crônica mesmo em áreas sem desmatamento

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Apesar do desmatamento ser uma das maiores ameaças aos ecossistemas brasileiros, a ação humana em áreas não desmatadas também pode trazer impactos ambientais significativos para os diferentes biomas. É o que alertam pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em estudo publicado no dia 6/07 na revista inglesa Journal of Applied Ecology. O estudo revela que a maioria das áreas não desmatadas da Caatinga está potencialmente degradada por causa de ações humanas acumuladas ao longo de décadas ou séculos, o que os estudiosos nomeiam de perturbação antrópica crônica.

Segundo a pesquisadora Marina Antongiovanni, a perturbação antrópica crônica pode ser facilmente observada em campo. “Quando entramos em algumas áreas de caatinga, vemos trilhas e pegadas humanas, estradas de terra, troncos cortados à motosserra, pilhas de madeiras, gado, lixo e muitas outras coisas. Notamos também a ausência de árvores de grande porte e uma fauna depauperada. Em compensação, outras áreas de Caatinga parecem bem conservadas”, comenta a pesquisadora, que atualmente é sub-coordenadora de Meio Ambiente da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) do estado do Rio Grande do Norte.

A pesquisa desenvolveu métodos para estimar o grau de perturbação antrópica crônica para toda a Caatinga, que ocupava originalmente mais de 800 mil km2. Como os pesquisadores não podiam visitar pessoalmente os mais de 47 mil fragmentos de Caatinga que ainda existem, eles resolveram criar um índice matemático de perturbação antrópica crônica baseado em informações disponíveis em banco de dados oficiais, pertencentes ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) e outros. Entraram nesta avaliação dados como a localização dos fragmentos de Caatinga, a densidade populacional humana, a existência de estradas asfaltadas e de terra batida, de usinas eólicas e de criação de gado bovino, cabras e ovelhas, entre outros.

Os resultados do estudo apontam que o nível e a causa de degradação dos fragmentos de Caatinga variam muito dependendo da região. Os fragmentos da região norte e leste estão mais perturbados do que os da região sul e oeste. No litoral, a Caatinga é muito afetada pelo pastejo do gado bovino, enquanto a região norte, no estado do Ceará, é afetada pelas queimadas. A menor densidade de estradas na região leste ajuda a explicar a existência de grandes áreas de Caatinga ainda intactas no Piauí e na Bahia.

Para os pesquisadores, o estudo lança luz sobre o fato da Caatinga sofrer de um problema crônico de degradação ambiental capaz de reduzir a sua biodiversidade, o que compromete o funcionamento do seu ecossistema. O pesquisador Eduardo Martins Venticinque, da UFRN, ressalta que “os efeitos da degradação ambientam da Caatinga podem levar à extinção de espécies, a alterações de ciclos geomorfológicos e, até mesmo a alterações climáticas, acentuando os períodos de seca e de desertificação de algumas áreas”. As populações que fazem uso destas terras seriam diretamente atingidas.

A revelação de áreas intactas da Caatinga pelo estudo pode ser uma oportunidade para a conservação do bioma, alerta o pesquisador Carlos Roberto Fonseca. “Atualmente sabemos que a Caatinga possui centenas de espécies que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Cabe ao Governo Federal e aos Governos Estaduais liderarem iniciativas para proteção de nossa biodiversidade, seja através de práticas de manejo adequados à Caatinga, restauração de seus ecossistemas ou expansão da rede de Unidades de Conservação” – completa o pesquisador.

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Este artigo foi originalmente publicado pela bori [Aqui!]

Restauração ecológica com sistemas agroflorestais

Como conciliar conservação com produção: opções para Cerrado e Caatinga

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Esta publicação tem como principal objetivo orientar a adoção de sistemas agroflorestais (SAFs) para restauração de áreas degradadas (ou alteradas), de maneira a conciliar conservação ambiental com benefícios sociais e econômicos.

Fruto de uma construção coletiva que alia conhecimento técnico e científico com saberes locais e experiências inovadoras, o livro traz uma série de orientações para técnicos, agricultores e formuladores de políticas a respeito de como SAFs podem e devem ser utilizados para restaurar as diversas funções ambientais previstas para áreas de conservação ambiental (Área de Preservação Permanente – APP e Reserva Legal) na nova Lei Florestal.

Quem desejar baixar esta obra gratuitamente, basta clicar [Aqui!].

Matéria da Rolling Stone mostra caos ambiental e trabalho escravo no sertão do Piauí

De tempos em tempos, ouve-se que o Piauí está se transformando numa nova fronteira agrícola graças ao avanço da monocultura da soja. Essa fábula é replicada tanto pela mídia corporativa nacional como por parte da nossa comunidade científica. 

Eis que agora em matéria bastante precisa, o jornalista André Pessoa aparece com essa impressionante peça sobre a situação que está ocorrendo no sertão piauiense em função da exploração de uma mina de fosfato na fronteira com a Bahia. 

A partir desta matéria ficamos sabendo do avanço da degradação ambiental no importante bioma da caatinga e da ocorrência de trabalho escravo. Esses dois elementos são, aliás, a cara de uma aliança cada vez mais frequente entre capitalistas brasileiros e estrangeiros que supostamente representam o que há de mais moderno nas relações inter-capitalistas. Na prática, o que temos é exatamente o oposto, sempre em benefício de um modelo de exploração ambiental e social que ameaça nos jogar de volta ao Século XVI.

Trabalho análogo à escravidão, desmatamento insustentável e caça a animais em extinção: o caos na Caatinga do Piauí

Como duas empresas, uma paulista e outra norueguesa, estão explorando de maneira inconsequente o Corredor Ecológico que liga os parques nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões

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Divulgação PRF/PI 
Por ANDRÉ PESSOA

Se combater o desmatamento e o trabalho escravo na imensidão do território brasileiro é uma tarefa hercúlea para os órgãos ambientais e trabalhistas, imagine quando essas irregularidades são financiadas e incentivadas com o poder do capital internacional. É a sede pela cobiçada Caatinga: da Amazônia à última fronteira agrícola no Cerrado, passando pelo mais pobre povoado do sertão nordestino, nossas matas nativas e a vitalidade dos trabalhadores são exploradas, na maioria dos casos, impunemente.

Raras são as exceções, mas elas existem. No sertão do Piauí, durante uma grande operação do Ministério Público do Trabalho (MPT-PI), com apoio do Núcleo de Operações Especiais da Polícia Rodoviária Federal (NOE), 18 trabalhadores em condições análogas às de escravidão foram encontrados na fazenda Bate-Bate, zona rural do município de Anísio de Abreu, distante 575 quilômetros da capital, Teresina. Trabalhavam de forma degradante em uma área selvagem, isolada, aparentemente longe do alcance das leis criadas em Brasília.

A madeira nativa da Caatinga era extraída para alimentar os fornos da mineradora paulista Galvani Indústria Comércio e Serviços S/A, que explora uma mina de fosfato na divisa entre a Bahia e o Piauí, zona rural do município de Campo Alegre de Lourdes, distante mais de 800 quilômetros de Salvador. A empresa tem sociedade com a multinacional norueguesa Yara, que possui 60% de suas ações – juntas, as duas companhias representam cerca de 20% da produção de fertilizantes fosfatados no Brasil. É mais um sinal da ligação entre grandes empresas e a destruição da natureza no sertão do estado, como mostrado na reportagem “A Devastação do Piauí”, publicada na edição 19 da Rolling Stone Brasil, em abril de 2008.

Na fazenda que fornecia madeira para a Galvani, 18 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão. Como no Brasil colonial, os homens eram obrigados a pagar até pelo material que utilizavam no desmate

Em pleno século 21 e diante das mudanças climáticas, utilizar matriz energética extraída de biomassa nativa é uma opção ambientalmente reprovável, que desrespeita a natureza e sua biodiversidade em favor do lucro inconsequente, comprometendo a imagem das duas indústrias. A jazida explorada pela Galvani fica ao lado da cidade de Guaribas, símbolo das desigualdades sociais do Brasil e do combalido programa Fome Zero, que terminou virando escândalo alimentado pela má gestão e desvio de verbas no início do governo Lula.

Do latim, Homo sapiens significa “homem sábio”, na perspectiva da Roma antiga. Na atualidade, no meio de uma floresta do semiárido, esse “sábio” pode ser sinônimo de vantagem, lucro imediato e interesse irracional. Levar adiante um desmatamento em uma propriedade com 11.941 hectares – o equivalente a 12 mil campos de futebol –, dentro do Corredor Ecológico que liga os parques nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões, duas das mais importantes reservas naturais brasileiras, não poderia ficar impune.

fiscalização do ministério Público do Trabalho deixou evidente a participação da Galvani e da Yara nas irregularidades. Apesar de a retirada da mata estar sendo realizada por uma pequena empresa, a Agrosilvipastoril e Construtora Ltda., a madeira extraída do local era exclusivamente usada pela Galvani. O trabalho estava sendo feito com autorização da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí (Semar), e a ideia era explorar, por 12 anos, 8.850 hectares por meio de um Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS). Mas de sustentável o projeto não tinha nada: no local, a força-tarefa do MPT comprovou que o regime trabalhista se assemelhava ao de escravos. Apesar de aprovado pelas autoridades ambientais, o PMFS não tinha sequer um estudo e nem ao menos o relatório de impacto ambiental, conhecido como EIA-Rima, obrigatório em qualquer empreendimento desse porte.

Para o pesquisador José Alves de Siqueira Filho, autor de A Flora das Caatingas do Rio São Francisco, ganhador do prêmio Jabuti de literatura e diretor do Centro de Referência para Recuperação de Áreas Degradadas (Crad), a proliferação de planos de manejo sem entendimento científico na Caatinga, em que o único interesse é a retirada da madeira, não tem justificativa. “Todo o conhecimento que temos hoje sobre a Caatinga ainda é pífio para autorizar esse tipo de uso dos recursos naturais. Manejo florestal pressupõe conhecimento sobre a biodiversidade da região, fiscalização e restauração ecológica, principalmente em áreas do semiárido. Caso contrário, depois da retirada da mata tudo vira um deserto”, explica.

Segundo a coordenadora da Rede Ambiental do Piauí (Reapi), Tânia Martins, o prejuízo para o Brasil é imenso, pois além da perda de vegetação nativa e das condições degradantes de trabalho, as estradas da região estavam sendo danificadas pelo incessante trânsito de caminhões. “Fora os crimes ambientais, tínhamos recebido inúmeras denúncias de que, diariamente, dezenas de veículos transportavam madeira e minérios acima do peso permitido, comprometendo também a saúde dos moradores dos povoados locais, que convivem com a poeira e com os rejeitos minerais oriundos da produção industrial”, alerta.

A Reapi esclarece que, no Piauí, a empresa Galvani já tinha sido multada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por despejar esse tipo de resíduo nas estradas da região, causando doenças respiratórias na população do povoado Lagoinha, zona rural do município de Caracol. Ainda segundo a Reapi, dois outros projetos de desmatamento que se destinavam a fornecer madeira para a indústria paulista também já tinham sido embargados pelo órgão ambiental.

Na operação do ministério Público do Trabalho realizada na fazenda Bate-Bate, as irregularidades que cercavam a extração da madeira que alimenta os fornos da Galvani eram inúmeras. “Todos os 18 trabalhadores que encontramos no local estavam sem receber salários desde o início dos serviços, em abril, e a empresa não disponibilizava equipamentos de proteção individual, conhecidos como EPIs – obrigatórios pela legislação trabalhista”, dispara o procurador Carlos Henrique Pereira Leite, que coordenou a operação. “Além disso, não existia alojamento adequado e muitos dos recrutados dormiam na mata, ao relento, sem qualquer estrutura ou abrigo.”

Os funcionários da fazenda precisavam utilizar motos próprias em péssimo estado de conservação para se deslocar até as áreas de desmate e não tinham registro na carteira de trabalho. Recebiam alimentação e água com baixa qualidade e higiene, coletada de forma improvisada em um poço aberto no local. “Eles vestiam roupas desgastadas pelo uso contínuo, estavam claramente abatidos e desprotegidos de direitos e garantias”, declara Carlos Leite.

Para piorar, tinham descontadas da folha de pagamento as despesas de deslocamento, alimentação e até de materiais utilizados nos serviços, como combustível, óleo do motor e correntes de corte necessárias para operar motosserras. Isso foi comprovado com a apreensão de cadernetas que lembram métodos da colonial Casa-Grande, em que, ao final do mês, em vez de receber salários, os trabalhadores ficavam devendo ao dono da fazenda. A operação na Caatinga piauiense teve a colaboração operacional de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e a participação de fiscais da Procuradoria do Trabalho, entre eles o analista pericial em Engenharia de Segurança do Trabalho, Fernando Castro Garcia, e o técnico em Segurança Institucional de Transportes, Francisco Alexandre Borges.

Apesar de a jazida de fosfato operada pela Galvani estar localizada na Bahia, a empresa será multada pelo MPT-PI, pois era a única consumidora da madeira extraída do desmatamento na fazenda Bate-Bate. “A Galvani tem contrato com essas pequenas empresas instaladas no Piauí e total conhecimento de que ali as condições eram análogas às de trabalho escravo”, garante Leite. “Os fiscais da Galvani já tinham comprovado isso, algo que foi reconhecido pelos advogados da própria empresa durante audiência pública no último mês de julho.”

Carlos Leite decidiu que outras companhias que possam estar praticando desmatamentos na área e fornecendo madeira para a Galvani serão fiscalizadas, pois é possível que estejam mantendo os funcionários nas mesmas condições. O caso já foi comunicado à Coordenação Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), que vai montar agora uma força-tarefa para investigar a mineradora em todo o território nacional. A empresa já responde a uma ação civil pública em trâmite na Vara do Trabalho em Barreiras, oeste da Bahia, mas que, segundo seus advogados, não guarda nenhuma relação com o caso do Piauí.

O processo atual está correndo na Procuradoria do Trabalho no município piauiense de Picos. Na primeira audiência, os proprietários da fazenda Bate-Bate foram ouvidos e multados em R$ 50 mil, além de se comprometerem a indenizar os trabalhadores e paralisar imediatamente a extração. O procurador afirma que a Galvani será responsabilizada pela conivência com as irregularidades trabalhistas e terá que pagar uma multa que, pelos cálculos iniciais do MPT, pode chegar a R$ 2 milhões. “Mesmo que o trabalho degradante aconteça na ponta da cadeia produtiva, quem está no topo deve responder compulsoriamente pelas irregularidades”, sentencia Carlos Leite. A ideia é propor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que a empresa paulista se comprometa a investir esse valor como uma espécie de compensação referente aos danos morais, trabalhistas e ambientais e por todos os prejuízos coletivos causados na região, fazendo inclusive a restauração de áreas degradadas.

A área explorada fica a apenas 10 quilômetros dos limites do Parque Nacional da Serra das Confusões, que tem espécies da flora e fauna ameaçadas de extinção, entre elas a onça-pintada, o tatu-bola e o tamanduá-bandeira

Segundo registra a ata da audiência na Procuradoria do Trabalho, a gerente jurídica da Galvani, Maria Carolina de Lima Esteves, e a advogada Fábia Diogo Valente Pinto informaram que a empresa já rescindiu o contrato com a Agrosilvipastoril e suspendeu o contrato que mantinha com outro fornecedor da região (segundo a empresa, o contrato com a Agrosilvipastoril data de 1 de junho e foi rescindido no dia 30 de junho). No mesmo documento o gerente da unidade de mineração da empresa, Ricardo Guimarães Auzier, não soube informar a lista dos seus fornecedores de biomassa, mesmo confessando que compra madeira do Piauí há cerca de quatro anos, desde que assumiu o cargo na unidade baiana localizada no povoado Angico dos Dias.

Também ficou registrado que a Galvani tinha conhecimento e verificado in loco as irregularidades na fazenda Bate-Bate no momento da inspeção pré-contratual. Os próprios trabalhadores admitiram ao fiscal enviado pela empresa que não possuíam carteira de trabalho assinada, alojamento, transporte nem faziam alimentação no local. Auzier, no entanto, disse que a Galvani tinha dado um prazo para saneamento dessas irregularidades e “que possui um sistema de gestão baseado na qualificação, avaliação e desenvolvimento dos fornecedores, incluindo auditorias que costumam verificar o cumprimento dos quesitos referentes à saúde e à segurança do trabalho, além da observância das normas trabalhistas”. Por que, então, os homens que retiravam a madeira da Caatinga para os fornos da Galvani não foram tratados segundo essas premissas?

Essa não é a primeira vez que a Galvani é suspeita de incentivar, patrocinar ou ser conivente com irregularidades socioambientais praticadas na região Sudeste do Piauí. Nos últimos anos, a empresa vem sendo apontada por movimentos sociais como financiadora de um verdadeiro extermínio florestal nas matas nativas e em fazendas da região, em especial nas grandes plantações de caju e nas matas de algaroba (Prosopis juliflora). Aproveitando uma brecha da lei, a empresa consumiu uma enorme quantidade de madeira dessa espécie (a algaroba, cultivada amplamente no Nordeste, não é protegida pela legislação brasileira por ser uma árvore exótica, oriunda do deserto de Piúra, no Peru). Há relatos de que o transporte da madeira nativa pode ficar encoberto pela algaroba, o que facilita a passagem pela fiscalização . Em resposta à reportagem, a empresa diz que o uso de biomassa é permitido por lei, e que, na unidade baiana, “a biomassa se mostrou a opção adequada neste momento por ter o balanço da emissão de CO2 nulo e ser menos poluente que os combustíveis fósseis”. A Galvani também garante que seus fornecedores têm em dia todas as licenças necessárias para atuação no Piauí. O que leva a outro questionamento: por que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Piauí permite que Projetos sem EIA-RIMA sejam realizados?

Anos atrás, lideranças sindicais, trabalhadores rurais, líderes comunitários e vereadores contrários aos desmatamentos fizeram manifestações públicas nas cidades da região, denunciando que grande parte das áreas desmatadas nos municípios de Fartura do Piauí, Várzea Branca, Caracol, São Braz, Anísio de Abreu, Jurema, Bonfim e Guaribas, além de outras no território baiano, parecem ter as digitais da indústria paulista, que se tornou uma voraz consumidora de madeira nativa extraída das matas da Caatinga.

Um dos momentos dessa resistência às novas atividades econômicas que querem se implantar no semiárido do Piauí foi o protesto Grito do Semiárido, que no final de 2014 reuniu mais de 2 mil pessoas na cidade de São Raimundo Nonato (525 quilômetros de Teresina). O movimento foi coordenado por entidades ligadas à Igreja Católica, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Cáritas, Sindicato de Trabalhadores Rurais, Associações de Pequenos Produtores Rurais, Movimento de Mulheres e estudantes. “A reação foi porque a mineração é uma alternativa que está sendo pensada e discutida para o semiárido do Piauí e isso traz consequências para as políticas públicas que estão sendo desenvolvidas nesse mesmo território”, diz o coordenador da CPT no Piauí, Antônio Euzébio de Sousa. “Projetos de mineração irão obrigar as famílias a saírem de suas áreas e, em consequência, as políticas públicas não virão.” Ele reitera que a mineração, a derrubada da mata e a produção de carvão geram fortes impactos ambientais, fazendo com que as famílias precisem sair de suas comunidades e se estabelecer na periferia das cidades.

O promotor regional ambiental Vando da Silva Marques afirma que após o Grito do Semiárido foi elaborado um relatório sobre as atividades de mineração e desmatamentos na região e que a Promotoria Ambiental está analisando os casos. “Estamos instaurando inquéritos para investigar as supostas irregularidades até para conseguir intermediar essas ações com os interesses das comunidades locais e tomar as medidas cabíveis”, declara.

Para a Galvani, a suspeita de financiar o desmatamento na fazenda Bate-Bate é ainda mais grave em função de a região fazer parte do Corredor Ecológico Capivara-Confusões, uma importante reserva que liga os parques nacionais Serra da Capivara e Serra das Confusões, guardiãs do que restou da Caatinga selvagem no país (inclusive, a Serra da Capivara, que detém o maior número de sítios arqueológicos das Américas, foi lembrada na cerimônia de encerramento das Olimpíadas no Rio de Janeiro). A área do desmate flagrada na operação do Ministério Público do Trabalho fica a menos de 10 quilômetros dos limites do Parque Nacional da Serra das Confusões, que tem espécies da fauna e flora ameaçadas de extinção, entre elas a onça-pintada, o tatu-bola e o tamanduá- -bandeira. São animais que praticamente só restaram em áreas protegidas e que são muito perseguidos pelos caçadores.

Segundo os agentes federais que participaram da ação na fazenda Bate-Bate, alguns trabalhadores admitiram que comiam animais silvestres capturados eventualmente durante a derrubada da mata, como tatus, cutias, zabelês e jacus. “Configurar um flagrante nesses casos é bem complicado, pois os trabalhadores são orientados a manter muita discrição e nunca permitir que um animal silvestre morto seja encontrado pela fiscalização. Esse tipo de atividade poderia embargar o projeto, então é um crime dissimulado, escondido”, diz o assessor do Núcleo de Comunicação Social da PRF-PI (NUCOM), Fabricio Loiola. “Como a fazenda se encontra em uma grande chapada, com terras a perder de vista, é complicado saber onde estão os limites da propriedade e, com isso, desenvolver ações preventivas.” Na última semana de agosto, por meio de uma denúncia anônima, guardas-parque da Serra da Capivara flagraram no restaurante Recanto dos Pássaros, na cidade de São Raimundo Nonato, dois empresários e um médico se preparando para consumir um tatu que pode ter sido capturado no Corredor Ecológico, já que um dos acusados é o proprietário de máquinas e caminhões que trabalhavam na fazenda Bate-Bate. No entanto, quem assinou o Auto de Infração Ambiental foi uma quarta pessoa, eximindo o representante da Bate-Bate de envolvimento com o episódio. “Nunca arriscaríamos nosso Projeto por uma ou outra caça”, declarou Álvaro Galvão, responsável pela fazenda.

“Todo o conhecimento que temos hoje sobre a Caatinga ainda é pífio. Manejo florestal pressupõe conhecimento, caso contrário depois da retirada da mata tudo vira um deserto”, explica o pesquisador José Alves de Siqueira Filho

A própria questão fundiária é controversa na região. A Agrosilvipastoril, responsável pela fazenda Bate-Bate, tentou apoio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para implantar o projeto de extração de madeira, mas a instituição bancária aparentemente suspendeu o processo de um financiamento exatamente pela não comprovação dos títulos de propriedade das terras. Como faz parte do corredor ecológico, existe grande possibilidade de estar localizada em terras devolutas do estado do Piauí. O jornal Diário do Povo, de Teresina, publicou que “a fazenda faz parte de uma gleba que está em processo de litígio familiar, herança de família ainda não definida ou reconhecida pela Justiça”.

Em nota de esclarecimento enviada para a imprensa, a Agrosilvipastoril rebate o flagrante do Ministério Público do Trabalho e todas as acusações de maneira insípida e protocolar. “Nossa empresa se pauta pelo respeito ao meio ambiente, às questões sociais, tendo junto aos órgãos responsáveis todos os procedimentos legalizados e averbados.” Em outro documento anexado ao processo, os responsáveis pela Bate-Bate contestam a ação trabalhista afirmando que no momento da fiscalização grande parte dos trabalhadores encontrados no local não eram funcionários da empresa, e que coincidentemente estavam ali em busca de emprego. No fechamento desta reportagem, os representantes disseram que qualquer irregularidade constatada será revista e que em breve irão colocar em prática um plano de integração social que prevê melhorias para as comunidades no entorno da área de onde a madeira é retirada, qualificação de mão de obra e até a construção de um viveiro de mudas para recuperação de regiões degradadas.

A Procuradoria do Trabalho determinou a suspensão imediata das atividades na fazenda até que os trabalhadores sejam regularizados com a comprovação do pagamento de todas as verbas devidas, indenizações e multas. Com isso, a Rede Ambiental do Piauí acionou o Ministério Público Federal (MPF), solicitando uma investigação sobre as supostas irregularidades na atuação da empresa e das indústrias no Piauí. Segundo o procurador imda República Tranvanvan Feitosa, toda a documentação referente ao empreendimento foi solicitada à Secretaria Estadual do Meio Ambiente para análise. Além disso, o procurador determinou uma fiscalização federal e estadual na fazenda. Feitosa é conhecido por analisar as questões que envolvem o meio ambiente com rigor e já foi protagonista de importantes decisões que penalizaram projetos que descumpriam a legislação ambiental no Piauí.

Nas últimas semanas de agosto, para cumprir a determinação do MPF, uma equipe do ICMBIO sediada no Parque Nacional da Serra da Capivara fez uma vistoria na fazenda Bate Bate. Segundo a analista ambiental Melina Rangel, que coordenou a fiscalização, na análise superficial do desmate ficou claro que a empresa não tinha conhecimento das regras que precisam ser seguidas em um Plano de Manejo Florestal Sustentável. Irregularidades como derrubada de árvores jovens ou porta-sementes foram comprovadas na área. O relatório agora deve ser encaminhado para o parecer do procurador da república Tranvanvan Feitosa.

Fora a questão ambiental, a Agrosilvipastoril pode ter sua licença cassada caso fiquem comprovadas as irregularidades trabalhistas. “Um Plano de Manejo Florestal Sustentável exige que todas as áreas estejam devidamente regularizadas e a questão trabalhista está incluída. É claro que se as denúncias forem comunicadas oficialmente à Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos do Piauí, faremos o cancelamento da emissão do Documento de Origem Florestal (DOF), que permite a retirada e o transporte da madeira”, afirma o superintendente Carlos Moura Fé, que ironicamente é o responsável pela aprovação de dezenas de PMFS dentro da Secretaria.

O caso também repercutiu no Congresso Nacional. Na tribuna da Câmara, o deputado federal José Francisco Paes Landim (PTB-PI) contestou as decisões da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Piauí, que tem aprovado projetos de desmatamento em uma área tão frágil, cercada por dois parques nacionais: “Fica aqui o questionamento: estamos autorizando a supressão da vegetação nativa da Caatinga, nosso maior patrimônio natural, sem nenhuma vantagem para o povo do Piauí, já que a empresa Galvani tem sede na Bahia e todos os impostos oriundos de suas atividades minerais são recolhidos no estado vizinho, deixando em nosso território apenas a terra devastada e as consequências futuras com secas ainda mais graves e o empobrecimento da população”.

Em seu site oficial, a mineradora Galvani explica que teve origem na década de 1930 como uma indústria de bebidas e uma empresa de transportes, em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Entre as décadas de 1960 e 1970, especializou-se no transporte e no manuseio de fertilizantes. Somente em 1983 iniciou em Paulínia a implantação de um dos maiores complexos industriais de produção de fertilizantes do Brasil, envolvendo a fabricação de ácido sulfúrico, superfosfato, granulação, mistura e ensaque.

Em 1992, instalou-se em Luís Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia, com uma fábrica de fertilizantes líquidos. Em seguida, vieram a primeira fábrica de superfosfato da Bahia, uma planta de granulação e a segunda unidade de sulfúrico do estado, além da única indústria de fertilizantes da região. Atualmente a empresa realiza atividades de mineração, beneficiamento, industrialização e distribuição de fertilizantes fosfatados, com unidades em São Paulo, Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso e Ceará, empregando cerca de 1.800 pessoas, entre trabalhadores próprios e terceirizados. O faturamento anual é de aproximadamente R$ 720 milhões de reais. Em dezembro de 2014, formou uma joint venture (união de duas ou mais empresas já existentes com o objetivo de iniciar ou realizar uma atividade econômica comum) com a europeia Yara, que passou a ter 60% das ações da empresa. Curiosamente, a Galvani divulga ter entre seus compromissos prioritários a busca de soluções para reduzir os impactos ambientais gerados pelo
seu processo de produção de fertilizantes.

Contrariando essas diretrizes, na ata da audiência entre a empresa e o Ministério Público do Trabalho, ficou comprovado que o combustível empregado na etapa de secagem do minério fosfato é a biomassa oriunda de florestas nativas, já que a empresa não tem propriedades na área com produção de madeira exótica como pinos, eucalipto ou outras espécies para consumo próprio.

Não é preciso ser um ambientalista fervoroso para enxergar que, se abrissem mão de parte do lucro na cadeia de produção, as indústrias poderiam substituir o uso de madeira nativa por florestas cultivadas ou outras opções ambientalmente mais controladas. Quando decidem alimentar seus fornos comprando madeira com procedência duvidosa, oriunda em alguns casos da exploração degradante do trabalho humano, empresas como a Galvani e a Yara causam consequências sérias – e muitas vezes sem volta – ao território brasileiro.

Passagem para a Vida Silvestre

Corredor Ecológico ligando a Serra da Capivara e a Serra das Confusões, no Piauí, não cumpre a promessa de proteger a região

O Corredor Ecológico Capivara-Confusões foi criado pela ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva em março de 2005. São 412 mil hectares unindo as porções de Caatinga que ligam os parques nacionais da Serra da Capivara (Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, com 130 mil hectares) e da Serra das Confusões (a maior reserva de Caatinga do planeta, com 825 mil hectares). O Corredor Ecológico equivale a mais de 400 mil campos de futebol e deveria ser uma espécie de “estrada verde” entre as duas unidades de conservação, ajudando a recuperar e preservar o ambiente natural da região e facilitando a dispersão de vegetais e a circulação de animais de diferentes espécies. A área engloba terras dos municípios piauienses de Caracol, Jurema, Guaribas, Anísio de Abreu, Bonfim, São Raimundo Nonato, São Braz, Tamboril, Canto do Buriti e Brejo do Piauí.

A ideia de garantir a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais do lugar parece ter ficado apenas no papel. Cercado por dezenas de assentamentos de semterra e abandonado pelas autoridades ambientais, o Corredor se transformou em uma espécie de Disneylândia para caçadores e empresas que realizam desmatamentos ilegais. Sem nenhum tipo de fiscalização, a impunidade reina na área. O governo do Piauí tentou ajudar na preservação, criando, em 2008, a Estação Ecológica da Chapada da Serra Branca, uma reserva estadual com 24 mil hectares, mas infelizmente o projeto não andou. Se estivesse sendo preservada, toda a região, que soma mais de 1 milhão de hectares de Caatinga, poderia ser tombada pela Unesco como Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade.

O duplo título que poucos lugares do mundo ostentam poderia ajudar a retirar um pedaço do Piauí dos mapas dos piores indicadores sociais do Brasil.

Com o Poder do Euro

Empresa norueguesa Yara, com mais de 60% das ações da Galvani, é conivente com as atividades da companhia brasileira

A Noruega tem histórico de ações focadas em sustentabilidade e em defesa da natureza. No Brasil, por exemplo, a nação é a mantenedora do Fundo Amazônia, que destina milhões de euros para a conservação da floresta. A empresa Yara foi fundada no país em 1905 para, segundo seus criadores, solucionar o então crescente problema da fome na Europa. Hoje é uma multinacional com presença em vários continentes e vendas para 150 países. No Brasil desde 1977, tem escritórios em Porto Alegre e em São Paulo. Diz usar seu know-how de companhia global para oferecer “soluções para a agricultura sustentável e para o meio ambiente, adotando em todas as suas unidades no mundo os padrões mais exigentes de ética e conformidade”.

Para atender o segmento agrícola no Brasil, a empresa conta com três unidades de produção, granulação e ensaque de fertilizantes e 25 unidades industriais, com presença nos principais portos e polos de produção agrícola. Aparentemente, o código de conduta da Yara fica apenas na retórica. A empresa afirma que “ética e conformidade são inegociáveis e nunca permitimos que sejam comprometidos”. E ainda desafia: “Nunca os comprometemos. Mas, afinal, por que a Yara adota essa política de tolerância zero? Porque entendemos que o sucesso só pode ser comemorado quando obtido da forma correta”. No papel, soa lindo– infelizmente, as palavras ditadas pela empresa não estão valendo para a Caatinga piauiense.

FONTE: http://rollingstone.uol.com.br/edicao/edicao-121/escravidao-desmatamento-caca-animais-silvestres-caatinga-piaui#imagem2