No Brasil não basta a carne ser fraca, tem que ser fria também

FARRA

A matéria abaixo é do site “Poder 360” que tem o jornalista Fernando Rodrigues como seu diretor de redação e ela nos dá conta de outro escândalo envolvendo grandes grandes frigoríficos brasileiros como o JBS (Aqui!).

É que segundo a matéria, fiscais do Ibama autuaram 14 frigoríficos no Pará, Bahia e Tocantins que compraram 58.000 cabeças de gado produzidas em 26 fazendas com áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal na Amazônia. Dentre os frigoríficos, estavam as unidades de Redenção e Santana, no Pará, pertencentes ao grupo JBS/FRIBOi.

Como eu já sinalizado aqui neste blog em relação à operação “Carne Fraca”, os males causados pela forma com que se deu o processo de oligopolização da indústria da carne no Brasil vão muito além da venda de carne estragada. Aliás, a carne estragada é apenas a ponta de um imenso iceberg de irregularidades que envolvem, como bem mostra a matéria do Poder 360, o uso de gado proveniente de áreas de pastagens instaladas ilegalmente em diferentes partes da Amazônia.

Na matéria abaixo o mais patético é ter que ler que o folclórico e decorativo ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney, teve que sair à público para se desculpar com os latifundários pelo fato do Ibama ter cumprido seu papel institucional de reprimir a compra pelos frigoríficos de gado oriundo de áreas embargadas.

E eu posso garantir que quando dados já existentes em diferentes grupos de pesquisa científica sobre a sinergia existente entre desmatamento ilegal e o abate de gado para exportação vierem à tona, nem milhões de desculpas por parte de Zequinha Sarney vão aliviar os problemas que surgirão juntos aos países consumidores, principalmente os da União Europeia. 

Mas uma coisa é certa: quando se trata do latifúndio e dos grandes frigoríficos não basta a carne ser fraca, tem que ser fria também!

Ministro do Meio Ambiente se desculpa com produtores: Carne Fria foi inoportuna

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“Acho que essa operação poderia ser em outra data”, afirmou

Sarney Filho disse que Ibama não o avisou sobre a operação

Por Poder 360

Em tom de desculpas, disse que a operação daria a impressão de fragilidade do setor por ocorrer em paralelo à operação Carne Fraca, da Polícia Federal. “Acho que essa operação [Carne Fria] poderia ter sido feita em outra data”, disse o ministro.

CARNE FRIA

O Ibama autuou 14 frigoríficos no Pará, Bahia e Tocantins que compraram 58.000 cabeças de gado produzidas em 26 fazendas com áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal na Amazônia. Dentre os frigoríficos, estavam as unidades de Redenção e Santana, no Pará, pertencentes à JBS.

“NÃO FUI AVISADO PELO IBAMA”

O ministro disse aos produtores que não sabia da operação. Também afirmou não ser contra ações “para promover a legalidade”:

“Não era o momento adequado para que a gente fizesse essa operação. Quando eu digo a gente é porque o Ibama faz parte do Ministério do Meio Ambiente. Mas quero dizer que eu não fui avisado pelo Ibama desta operação.”

FONTE: http://www.poder360.com.br/brasil/ministro-do-meio-ambiente-se-desculpa-com-produtores-carne-fria-foi-inoportuna/

MST emite nota sobre operação “Carne Fraca”

NOTA PÚBLICA DO MST SOBRE A OPERAÇÃO CARNE FRACA E A CORRUPÇÃO NO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA 

mst

1. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra manifesta ao povo brasileiro o seu posicionamento diante das denúncias envolvendo o Agronegócio e o modelo de produção agropecuário movidos apenas pela lógica do lucro máximo e imediato.

A irracional e crescente degradação ambiental, a exploração intensiva de força de trabalho assalariada, a monopolização do território e despovoamento do interior do país, além dos crimes contra os povos indígenas, quilombolas, pescadores e camponeses, caracteriza o modelo de agronegócio, cujo mercado capitalista impulsiona ou desacelera a produção em face da demanda global.

2. A produção agropecuária baseada na monocultura extensiva e no uso intensivo de agrotóxicos, destrói a biodiversidade, contamina os solos e as águas, alteram as condições climáticas e envenenam os alimentos da população brasileira.

Para garantir e ampliar seus privilégios o agronegócio financia as eleições da bancada dos parlamentares mais reacionários, a “ bancada do boi”, responsável pelo retrocesso na legislação dos direitos sociais, trabalhistas e de preservação ambiental.

3. O golpe em curso no país, resultante de um conluio entre a Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário e meios de comunicação de massa, liderados pela Globo, atenta brutalmente contra os direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores, e dos bens naturais, entregando essa riqueza para o mercado e as empresas transnacionais, num forte ataque à soberania popular.

4. As denúncias da operação da Polícia Federal  denominada Carne Fraca servem como argumento para reafirmar as contradições do Modelo do Agronegócio, principalmente em relação à saúde humana e à destruição ambiental. Defendemos que as empresas envolvidas sejam punidas e responsabilizadas.

5. Denunciamos que mais uma vez a conta está sendo paga pelas trabalhadoras e trabalhadores da agroindústria da carne, expostos à precarização imposta pelas empresas, e que agora com as denúncias sofrem com as demissões em massa.

6. Denunciamos o conluio entre a mídia e o governo golpista para escamotear o processo de corrupção entre as empresas do agronegócio e os fiscais do Ministério da Agricultura (MAPA). Exigimos que que seja investigada a apropriação privada desse Ministério pelo Agronegócio!

7. Reafirmamos nosso projeto de Reforma Agrária Popular, a produção de alimentos saudáveis, o respeito à diversidade dos povos e a defesa dos bens naturais. Combateremos sem tréguas o modelo de produção do agronegócio e seguimos na defesa de um modelo de desenvolvimento para o campo, baseado na cooperação agrícola, agroecologia e na soberania popular.

8. Com a força crescente do apoio popular, seguimos denunciando que o Agronegócio mata, envenena e sequestra o Estado Brasileiro! Nenhum Direito à Menos! Fora Temer! Diretas Já!

Direção Nacional do MST 25/03/2017

Indústria da carne perda US$ 130 milhões em uma semana. Que percam muito mais!

O jornal “O ESTADO DE SÃO PAULO” publicou ontem uma matéria assinada pelos jornalistas Cristián Favaro e José Roberto Gomes dando conta que apenas em uma semana os exportadores de carne perderam a bagatela de US$ 130 milhões por causa das fraudes reveladas pela operação “Carne Fraca” da Polícia Federal (Aqui!)

carne podre

A minha reação a esta notícia? Que percam mais, muito mais! É que por detrás da choradeira disseminada pela A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) existe uma ampla rede de cumplicidades com todas as consequências trazidas pela forma com que essa indústria se oligopolizou no Brasil. 

E essas consequências incluem desmatamento na Amazônia, trabalho escravo, condições degradantes dentro das plantas industriais, poluição de corpos hídricos, mal trato animal, e por aí vai.

Aliás, já disse e repito: as revelações trazidas pela “Carne Fraca” tornam mais atual do que nunca a discussão da realização de uma ampla reforma agrária para que possamos passar para um modelo mais sustentável e socialmente mais justo de produção de alimentos. É que, ao contrário do que tem sido imposto pelo latifúndio agro-exportador, existem saídas para todos os males que são causados pela dependência da nossa economia à formas que são social e ambientalmente degradantes como é o caso do modelo dos “Campeões Nacionais” que turbinaram a JBS FRIBOI e a BRF.

E não esqueçamos que se esse caso fosse na China ou nos EUA, as repercussões contra os responsáveis por elas variariam do fuzilamento à prisão perpétua. Enquanto isso, aqui no Brasil o que vemos é o apelo oportunista a um nacionalismo xinfrim cuja finalidade é evitar quaisquer punições aos controladores dessas corporações que apostaram na impunidade para aumentar seus lucros já astronômicos.

E para quem quiser se informar mais sobre os graves problemas que cercam a indústria da carne, sugiro a leitura do livro “Cadeia Industrial da Carne” que pode ser baixado (Aqui!).

Por que a defesa nacionalista da indústria da carne é um tremendo “nonsense”

O escândalo de grandes proporções econômicas que foi desencadeado pela operação “Carne Fraca” da Polícia Federal do Paraná está servindo como pano de fundo para um debate de cores nacionalistas para a defesa da indústria da carne, envolvendo até setores da esquerda brasileira.

Como alguém que já esteve em várias plantas industriais e coletou dados sobre as linhas de aquisição de gado bovino nos estados de Goiás, Mato Grosso e Rondônia, considero essa uma discussão que beira o completo “nonsense”.  É que além dos graves danos ambientais associados à expansão da pecuária extensiva, temos ainda problemas com o trabalho escravo, o massacre dos povos indígenas, e ainda as condições degradantes que cercam o trabalho dentro dessas plantas industriais.

Uma informação que eu raramente ofereço é que diminui bastante o consumo de carne bovina depois de realizar um périplo de mais de 8.000 Km nos estados de Goiás, onde pude ver de perto as condições em que os animais eram transportados para serem abatidos nas plantas industriais. Uma visão que particularmente me impressionou foi o gado apertado em currais embaixo de um sol escandante e faminto. Tudo isso para agilizar  o processo de abate e passagem pela linha de produção, coisa que me foi dita duraria questão de minutos após o animal ser morto.

Além disso,  há o fato de que grupos como o JBS/FRIBOI e BRF se tornaram gigantes da indústria da carne, tendo se alastrado por vários continentes onde controlam parte não apenas do comércio, mas também da produção. Esse perfil de empresa que está presente nos mercados globais tem perfeito conhecimento dos riscos que se corre ao adulterar produtos para posterior comercialização.  Em outras palavras, de nacional mesmo só a mais valia que elas extraem a partir da apropriação da Natureza e da exploração dos trabalhadores.

Além disso, por mais localizado que seja o problema da venda de produtos impróprios, este é o menor dos problemas envolvendo a oligopolização do comércio da carne animal, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo.

Antes de fazer qualquer defesa dessas marcas, o que a esquerda deveria estar questionando é o modelo produtivo que possibilitou a ascensão do Brasil no mercado global da carne animal, e de todos os custos sociais e ambientais que esse processo acarretou. 

Mas que ninguém espere de mim a defesa dessas corporações, pois elas já tem os governos e a mídia corporativa.  Particularmente me preocupo apenas com suas vítimas diretas (os ecossistemas naturais, pequenos agricultores e povos indígenas) e indiretas (nós, os consumidores de seus produtos caros e adulterados).

Finalmente, que pelo menos esse escândalo sirva para que possamos voltar a tratar de forma séria a questão da reforma agrária e do processo de produção de alimentos com um duplo olhar sobre a proteção do ambiente e da saúde dos cidadãos transformados em consumidores. É que a Carne Fraca mostra que o sistema de produção de alimentos ensejado pela Revolução Verde está caindo de podre.

Operação “Carne Fraca” expõe os intestinos do comércio da carne no Brasil

Em 2008 realizei um trabalho de campo  onde percorri mais de 8.000 Km nos estados de Goiás e Mato Grosso onde visitei várias plantas de abate de gado bovino, bem como curtumes e até uma fábrica de “Dog Toys”. Com essa  experiência vi como operavam empresas como JBS, Marfrig, Minerva, Bertin, Margen, e outras menos conhecidas.  E o cenário não era nada animador, pois ficou claro que havia uma ligação entre a expansão da pecuária, o avanço da indústria da carne e o processo de desmatamento, principalmente na região conhecido como “Arco do Desmatamento” . Talvez por isso é que principalmente nas plantas do Grupo JBS a entrada da nossa equipe de pesquisa foi permitida apenas em Goiania, tendo sido proibidos de realizar coleta de dados em todas as demais plantas, distribuídas nos estados de Goiás, Mato Grosso e Rondônia.

Desde então, graças em parte aos generosos financiamentos do BNDES durante os governos do presidente Lula, o setor da carne alcançou no Brasil um nível de aglomeração que fez desaparecer várias marcas menores, as quais caíram nas mãos principalmente dos grupos  JBS e Marfrig. A JBS inclusive tornou-se a maior empresa de processamento de carne do planeta, comprando empresas na Argentina, EUA e Austrália.

Eis que agora, a Polícia Federal veio a público para anunciar a descoberta de um amplo esquema envolvendo funcionários públicos e grandes frigoríficos envolvidos na comercialização de produtos adulterados, ou em português claro, carne podre (ver figura explicativa do esquema abaixo).

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Ao longo desses anos, tivemos que assitir ao ator Tony Ramos atuando como menino propaganda da JBS cuja carne era apresentada como sendo produzida sendo os melhores padrões mundiais (Aqui!). Interessante notar que Tony Ramos já até se manifestou sobre a “Operação Carne Fraca” que foi desencadeada pela Polícia Federal no Paraná para apurar a venda de carne estragada e turbinada com produto potencialmente cancerígena  para ser vendida como se estivesse boa (Aqui!).  Segundo suas declarações, Tony Ramos está se declarando “surpreso” com as revelações trazidas à público pela Polícia Federal (Aqui!).

Mas surpreso mesmo deve estar o dublê deputado federal e ministro da justiça do governo “de facto” de Michel Temer, o paranaense Osmar Serraglio. É que Serraglio foi flagrado numa escuta telefônica tratando de uma inspeção com o suposto chefe do esquema hoje desbaratado pela Polícia Federal,   o fiscal agropecuário e superintendente do Ministério da Agricultura no Paraná entre 2007 e 2016 , Daniel Gonçalves Filho, apontado pela PF como sendo “o líder da organização criminosa” que relaxava a fiscalização dos frigoríficos em troca de propinas. apontado pela PF como sendo “o líder da organização criminosa” que relaxava a fiscalização dos frigoríficos em troca de propinas  (Aqui!).

E aí que a porca torce o rabo. É que a partir daí o enredo fica mais denso, já que, segundo a Polícia Federal essa esquema de corrupção era utilizada para abastercer as contas bancárias do PMDB e o PP.  Esse vínculo serve para colocar por terra toda a noção vendida de que a corrupção no Brasil é algo vinculado apenas a um partido (no caso o PT) e que se dava apenas na PETROBRAS.  Na prática o que se vê é novamente a participação de dois partidos que estão no controle do governo federal (PMDB e PP), e que já estavam nos governos de Lula e Dilma.

Ah, sim, não podemos nos esquecer também que o dublê de ministro da Fazenda e banqueiro, Henrique Meirelles, já presidiu de 2012 a 2016 o conselho de administração da J&F, holding de empresas que controla o frigorífico JBS, maior processador de carnes do mundo (Aqui!). Como a Polícia Federal alega que o esquema é antiga, como fica a situação de Henrique Meirelles? Vai ser convidado a depor sobre as atividades do JBS?

Por outro lado, me desculpem os que veem algum tipo de  atentado contra os interesses nacionais ao se apurar a corrupção no setor da carne no Brasil. É que grupos como a JBS e RBF possuem negócios em escala global, e não porque aparecer com elementos nacionalistas para impedir que se prenda quem estava vendendo carne estragada para aumentar ainda mais suas fantásticas taxas de lucro.