O Porto do Açu como eterna miragem

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O jornal Terceira Via traz hoje uma matéria assinada pelo competente Ocinei Trindade cujo mote é apresentar o Porto do Açu como uma espécie de Eldorado para empresas localizadas em Campos dos Goytacazes. Pelo que pude notar nas diferentes falas elencadas na matéria, o Eldorado ainda não chegou porque os empresários campistas ainda não se prepararam suficientemente. Para superar isso, fomos informados que haverá um evento no campus da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) no próximo dia 8.

O problema para o cumprimento do chegada ao Eldorado é que, por sua natureza de enclave multinacional, o Porto do Açu não necessita da capilaridade que poderia beneficiar os negócios de base local. Basta ver o que a matéria lista como sendo as necessidades listadas no Plano de Desenvolvimento do Porto do Açu.  Nessa lista se vê coisas como “materiais elétricos e para obras em geral; equipamentos de proteção individual e coletiva; serviços de manutenção industrial e reparos; locação de equipamentos; fornecimento de uniformes; serviços de frete, logística e administrativos; materiais de escritório; serviços gráficos e de alimentação“.

Como morador da cidade há 25 anos e consumidor de parte dos itens listados enquanto professor do maior empreendimento de educação da região Norte Fluminense, sei que hoje é muito mais barato comprar fora daqui e, por vezes, com maior qualidade do que é oferecido. E isso não se dá por um problema de incompetência do empresariado local, mas porque a economia de escala dita isso, especialmente para produtos que portem ou requeiram maior agregação de tecnologia na sua produção.

O fato é que Porto do Açu não precisa nem pode depender de fornecedores locais para alcançar o nível de eficiência que seus porta-vozes dizem pretender. A capilarização que se enuncia para até 30 anos é só uma forma de vender o Porto do Açu como algo além de um enclave que, convenhamos, no plano só causou degradação ambiental e prejuízos sociais. Essa manobra de se parecer importante para o desenvolvimento local é uma das muitas facetas da chamada “governança social corporativa” (GSC) que tem sido utilizada para dar uma fachada de responsabilidade às práticas empresariais de corporações financeiras como é o caso do fundo que detém a propriedade do Porto do Açu, o EIG Global Partners. Para quem quiser saber mais sobre a GSC sugiro a leitura do livro Racionalidade Coreográfica“.

Trocado em miúdos, a ideia do Porto do Açu seria uma espécie de Eldorado parece ser mais uma daquelas que estão sendo vendidas desde 2009 quando Eike Batista convenceu o ex-governador Sérgio Cabral a comprar as ideias que ele vendia em suas famosas apresentações de Powerpoint.  O problema é que o Porto do Açu, ao menos para quem acredita que é possível existir um modelo de desenvolvimento local, não passa de uma imensa miragem onde há sempre muito mais espuma do que chope.

Finalmente, sob pena de parecer cansativo, bom seria se o Porto do Açu resolvesse pagar (e pelo o preço correto de mercado) os agricultores do V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras tomadas por Sérgio Cabral e entregues a Eike Batista que as repassou de graça quando o Grupo EBX foi a pique.

Em São João da Barra, prefeita Carla Caputi inova e coloca o Porto do Açu para gerir a Secretaria de desenvolvimento econômico

Lanlamento da pedra fundamental Porto do Açu -27-12-2006 (1)

De Carla a Carla: as relações de grande sintonia entre o Porto do Açu e as prefeitas de São João da Barra

Apesar de ter passado despercebida pela maioria dos sanjoanenses que tentam sobreviver aos desafios da atual conjuntura social e econômica brasileira, este mês de janeiro está sendo marcado por uma interessante mudança nas relações políticas entre a prefeitura municipal de São João da Barra e o Porto do Açu, na medida em que a prefeita Carla Caputi acaba de colocar uma profissional com longa experiência dentro do empreendimento portuário na chefia da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico, a historiadora Gleide Terezinha Gomes, que ocupou o cargo de coordenadora de Responsabilidade Social da Porto do Açu Operações Portuárias (ver imagem abaixo).

De Carla a Carla: a relação entre o Porto do Açu e as prefeitas de São João da Barra tem sido marcada pela intensa sintonia

Apesar de nunca ter tido a chance de conversar pessoalmente com a nova secretária municipal, eu fico me perguntando como uma profissional tão ligada ao Porto do Açu poderá cumprir de forma independente o papel de formular políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico municipal.

A questão aqui é que apesar de todo a propaganda auto congratulatória que emana de dentro do Porto do Açu para justificar os bilhões de dinheiro público ali enterrados, o empreendimento continua funcionando com um enclave geográfico que tem trazido pouquíssimos benefícios para o desenvolvimento econômico municipal, além de funcionar como uma espécie de aspirador de recursos financeiros que poderiam estar sendo (ou deveriam estar) utilizados, por exemplo, em políticas estruturantes voltadas para o fortalecimento da rede municipal de educação, especialmente na área tecnológica.

Por outro lado, como venho estudando as chamadas ações de responsabilidade social adotadas por empresas do Porto do Açu e pouco tenho visto de concreto, eu fico imaginando qual será o ganho que o município terá com a chegada de Gleide Terezinha para um posto tão central em qualquer prefeitura que pretenda ter alguma chance de gerar um modelo de desenvolvimento econômico que seja minimamente responsável com os seus habitantes. No caso de São João da Barra, o passivo socioambiental do Porto do Açu é gigantesco, e isto não tem sido minimamente resolvido por aquilo que eu chamo de “responsabilidade social recreativa” que a maioria das corporações utiliza para fingir que se importam com as populações afetadas por seus projetos econômicos. Basta ver a situação escandalosa em que se encontram as centenas de famílias que tiveram suas terras expropriadas para a implantação do porto e até hoje não viram a cor do dinheiro devido pelo Estado.

Mas uma coisa é certa: a partir de 18 de janeiro é bem provável que já tenha sido estabelecido uma espécie de “linha vermelha” entre o Porto do Açu e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico. Resta agora acompanhar quais projetos sairão desse novo tipo de relacionamento entre o Porto do Açu e a Prefeitura de São João da Barra

Estudo mostra como agricultores familiares tiveram suas vidas afetadas pelo Porto do Açu

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Em mais um esforço de lançar luz sobre um aspecto que a narrativa oficial tenta sempre ocultar, aproveito do espaço deste blog para divulgar a publicação de um artigo científico pela revista “Sociedade & Natureza” onde são apresentados parte dos resultados já sintetizados acerca dos impactos (positivos e negativos) que os agricultores familiares do V Distrito de São João da Barra associam à implantação do Porto do Açu.

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O objetivo deste trabalho foi verificar como os agricultores familiares que habitam o entorno do território do Porto do Açu entendem suas inter-relações com o meio ambiente onde o Porto do Açu foi instalado, antes e após a chegada deste empreendimento. A partir de uma amostra aleatória de agricultores familiares, a coleta de dados foi realizada com um questionário semiestruturado que foi construído para identificar as interferências positivas e negativas do Porto do Açu no V Distrito e nos sistemas agrícolas familiares que existiam em seu interior.  Duas localidades foram escolhidas para a composição da amostra: Água Preta e Mato Escuro. A aplicação dos questionários ocorreu entre Maio e Agosto de 2019 com um total de 105 agricultores (65 em Água Preta e 40 em Mato Escuro).

Os resultados mostraram que os agricultores consideram que o Porto do Açu interferiu diretamente na sua sustentabilidade social, econômica e ambiental. Os principais impactos ambientais e econômicos elencados pelos agricultores foram: a salinização das águas utilizadas para irrigação de suas plantações e o processo de desapropriação de suas terras.

Os resultados obtidos mostram que, além de afetar a dinâmica dos ecossistemas costeiros são-joanenses, dentre eles, restinga e lagoas, o modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo Porto do Açu alterou a qualidade de vida destes agricultores e interferiu nas suas áreas agrícolas, afetando diretamente a sua reprodução social.

Finalmente, é importante notar que mesmo após mais de uma década desde que o rumoroso processo de desapropriações foi realizado pelo governo do estado do Rio de Janeiro, a imensa maioria dos agricultores do V Distrito ainda não receberam as indenizações devidas pela subtração de suas terras que, curiosamente, continuam abandonadas e improdutivas (ao contrário do que eram quando estavam sob a posse dos seus legitimos proprietários).

Quem desejar baixar este artigo, basta clicar [Aqui! ].

No Porto do Açu é assim: saem agricultores e pescadores e entra a Siemens com suas termelétricas poluentes

Usinas a gás em vez de pequenos produtores e pescadores: Siemens, Siemens Energy, KfW-Ipex e o “superporto do Porto de Açu” na região norte do Rio de Janeiro

O “superporto do Porto de Açu” brasileiro, próximo a Campos dos Goytacazes, no norte do estado do Rio de Janeiro, representa agravamento da crise climática, poluição ambiental com anúncio, desapropriação de terras e territórios sem indenização aos pequenos agricultores familiares e pesca – agricultores e pescadores, para um local em cujo terreno está sendo construído o complexo de usinas a gás Gás Natural Açu (GNA), nocivo ao clima, que também é propriedade da empresa alemã Siemens Energy, cujo financiamento também é fornecido pela Siemens Serviços Financeiros e garantia de crédito à exportação pelo governo federal KfW-Ipex-Bank.Onde está a conformidade com a responsabilidade climática e a devida diligência em direitos humanos por parte das empresas alemãs e das autoridades e ministérios alemães?

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Os pescadores também protestam contra a construção do “superporto” Porto de Açu. Foto: Marcos Pedlowski (cortesia)

Por Christian Russau para a “Kooperation Brasilien”

Quando uma multinacional se entusiasma com superlativos, todos os alarmes devem soar: “Com capacidade instalada de 3 GW, GNA I e GNA II são o maior projeto de usina a gás da América Latina, que pode abastecer até 14 milhões de residências com energia”, disse a Siemens em agosto 2020 ao anunciar a entrada de uma subsidiária da Chinese State Power Investment Corporation (SPIC) nos projetos de usinas a gás GNA I e GNA II do projeto Gás Natural Açu no “superporto Porto de Açu” brasileiro perto de Campos dos Goytacazes no norte do estado do Rio de Janeiro. É também claro que hoje em dia a referência a “projectos na área das energias renováveis” não deve faltar no mesmo parágrafo do comunicado de imprensa da empresa, afinal a terminologia “sustentabilidade”

GNA I e GNA II são as duas primeiras de um total de quatro torres de usinas a gás no local do “Super Porto Porto de Açu”, que inclui também um “terminal de GNL com capacidade total de 21 milhões de m3/dia”O gás para o complexo da usina será retirado do chamado Pré-Sal, situado vários milhares de metros abaixo da costa brasileira . “O valor total estimado dos investimentos planejados no complexo de gás e energia GNA é de cerca de US$ 5 bilhões”, gabou-se a Siemens em meados de 2020 .

Agora, no início de 2022, a estrutura de propriedade do “maior projeto de usina a gás da América Latina” mudou novamente, ainda mais para a Alemanha. Porque a Prumo Logística deixou o consórcio do complexo GNA com BP, SPIC, Siemens e Siemens Energy e vendeu sua participação em partes iguais para a BP e Siemens Energy, enquanto a Siemens transferiu toda a sua participação para a Siemens Energy, que foi desmembrada da controladora por meio de um IPO. Após a aprovação dos controladores brasileiros de concorrência do CADE em 31 de dezembro de 2021, apenas a aprovação do banco estadual de desenvolvimento social e desenvolvimento BNDES, que estava envolvido no projeto com a concessão de empréstimos de 1,7 bilhão de reais, estava pendente no início de janeiro. A BP e a Siemens Energy deterão, cada uma, 33,5% das ações do complexo de usinas a gás GNA e a SPIC 33%.

Além do IFC, que apóia o projeto com 288 milhões de dólares, a estatal KfW-Ipex, que, de acordo com um relatório da urgewald e da ajuda ambiental alemã, está cofinanciando o projeto GNA, também está envolvida por meio de de empréstimos “através de uma garantia de crédito à exportação com um volume de cobertura da categoria 5 (ou seja, superior a 200 milhões de euros)”, segundo Urgewald e Deutsche Umwelthilfe. De acordo com a imprensa, o valor exato da cobertura da garantia de exportação do KfW Ipex é exatamente os 1,76 bilhão de reais do banco estatal BNDES (ver IJGlobal, Edição 379, Verão 2020, p. 41). Urgewald e Deutsche Umwelthilfe criticaram acertadamente em setembro de 2021 que o “governo federal […] responsável pelas atividades da estatal KfW-Ipex […] por meio de garantias para a indústria de petróleo e gás [a] transição energética internacional ” — literalmente: “sabotado”. Um dos projetos “gravemente criticado pela Urgewald e pela Deutscher Umwelthilfe está no Brasil: o projeto GNL Gás Natural Açu no Complexo Industrial do Superporto do Açu”.

Trata-se de um daqueles projetos que, como suposta “tecnologia de ponte”, deve manter o suprimento de energia até então convencional, que dá continuidade à matriz energética fóssil com todas as suas consequências catastróficas para o clima e cuja retenção deve garantir os lucros borbulhantes das corporações. Agora, a transferência de ações da Siemens para a Siemens Energy não é apenas uma transação de direito de propriedade com uma mudança de capital na casa dos milhões, o que significa que, em vez da Siemens, apenas a Siemens Energy é agora o foco das críticas da sociedade civil e das críticas dos protecionistas climáticos , que chama pelo nome as causas e a responsabilidade da crise climática Porque a Siemens também precisa explicar qual é o lado potencialmente contínuo do financiamento através da Siemens Financial Services: porque ainda em 2020, foi dito que “a Siemens contribuirá com capital, tecnologia inovadora e sua experiência no gerenciamento de projetos semelhantes por meio de sua subsidiária financeira Siemens Financial Services e em estreita cooperação com a Siemens Energy”. De qualquer forma, a Siemens Financial Services ainda não anunciou que se retirará do financiamento do projeto.

E, por último, mas definitivamente não menos importante, a Siemens e a Siemens Energy têm que responder perguntas sobre sua responsabilidade conjunta em direitos humanos pela construção de toda a área do “superporto Porto de Açu” no norte do estado do Rio de Janeiro: na due diligence societária na Cadeia de Suprimentos conta também que a aquisição ou arrendamento e uso de área localizada em área portuária declarada como o “Superporto Porto de Açu” para construção de plantas industriais próprias – como é o caso da o projeto Gás Natural Açu – é cuidadosamente considerado que não há violações ambientais e não ocorreram violações de direitos humanos. No entanto, não é o que informa o professor universitário Marcos Pedlowski da Universidade Estadual do Norte Fluminense em Campos dos Goytacazes no estado do Rio de Janeiro. O “superporto do Porto de Açu” expropriou as terras de centenas de famílias para construir o porto e, segundo o professor Marcos Pedlowski, “centenas de famílias que tiveram suas terras desapropriadas para construir essa área industrial em São João continuam sem receber compensação do Governo do Rio de Janeiro. Além disso, não se fala mais em salinização das águas continentais causada pelo transbordamento de água salgada das barragens construídas no Porto do Açu, nem se fala mais em destruição da Praia do Açu e o fechamento das áreas de pesca preferencial para os moradores do bairro V de São João da Barra.” Desta forma, o professor Pedlowski fala em “grilagem legal de terras” no caso do Porto de Açu.

O professor Pedlowski é duro com a Siemens: “A participação da Siemens no parque da usina a gás do porto do Açu é um bom exemplo de um padrão que prevalece nas atividades das empresas multinacionais no Brasil. As usinas a gás da GNA não são só muito poluente e geram energia cara, mas também contribuem para o não cumprimento das metas globais de emissões de gases de efeito estufa. Além disso, o histórico de abuso social e ambiental que caracteriza a construção do Porto do Açu deveria ter impedido a participação da Siemens em um empreendimento tão questionável. Mas a preocupação com o lucro parecia superar o compromisso com a boa governança corporativa e com a proteção do meio ambiente e das comunidades locais”,explicou Pedlowski.

A Siemens Energy, a Siemens e a estatal KfW-Ipex são, portanto, co-responsáveis ​​por aderir ao processamento convencional de energia fóssil, que está promovendo ainda mais a crise climática. Além disso, o projeto defende a poluição ambiental com anúncio e significa a desapropriação de terras e territórios sem indenização para os pequenos proprietários que ali exercem a agricultura familiar por um terreno em cujo terreno está sendo construído um complexo de usinas a gás prejudiciais ao clima, também de propriedade da é uma empresa alemã como a Siemens Energy, que também foi financiada pela Siemens Financial Services e a garantia de crédito à exportação pelo KfW-Ipex-Bank, de propriedade federal. Isso deve ter um fim.

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Este texto foi escrito inicialmente em alemão e publicado pela Kooperation Brasilien [Aqui!].

Morreu Walter Toledo, um dos atingidos do Porto do Açu e ícone da resistência camponesa no V Distrito de São João da Barra

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Hoje tive a lamentável notícia do falecimento de um dos ícones da resistência contra as escabrosas desapropriações promovidos pelo (des) governo de Sérgio Cabral em favor do ex-bilionário Eike Batista. Falo do senhor Walter Alves Barreto, que eu conhecia e chamava por Walter Toledo.  Conheci o sr. Walter no auge do processo de resistência dos agricultores contra a tomada de suas terras pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (Codin). Apesar de completamente cego, o sr. Walter participou de todas as mobilizações que ocorreram no V Distrito de São João da Barra.

wp-1624712252364.jpgAo centro, Walter Alves Barreto (Toledo) caminha amparado por sua esposa (lado esquerdo) e pela professora Ana Costa (lado direito) em uma área retomada temporariamente pelos agricultores do V Distrito nas proximidades do Porto do Açu

Com o passar dos anos e com a diminuição dos embates, continuei a visitá-lo esporadicamente, e sempre levava jornalistas interessados em conhecer os líderes da resistência camponesa contra a tomada das terras que Sérgio Cabral promoveu para beneficiar inicialmente Eike Batista, e atualmente a Prumo Logística Global.

Em todas as visitas que fiz, ficava sempre impressionado com a firmeza do Sr. Walter e, obviamente, com a sua infindável gentileza. Além disso, mesmo cego  ele sempre reconhecia a minha voz e respondia o meu aperto de mão com um vigor impressionante.  E na sua casa, sempre sob o olhar cuidadoso de sua esposa. Aliás, os dois sempre me pareceram a expressão do que há de melhor em dois seres humanos que decidem partilhar a vida juntos. Sempre ficou claro para mim que naquela casa havia um profundo amor, daqueles raros de se encontrar.

A morte do Sr. Walter, sem que ele tenha tido o tipo de ressarcimento que cobrava pela tomada violenta de suas terras,  é particularmente dura para mim. É que ele é a segunda perda direta que eu tive nas amizades que fiz no V Distrito, tendo sido o sr. Reinaldo Toledo (de quem o sr. Walter era primo).  Dos dois aprendi que nunca se é pobre demais para não compartilhar aquilo que se tem, e que, principalmente, a estatura moral de um homem não se mede pela quantidade de dinheiro que ele tem no banco.

Para os familiares do Sr. Walter fica aqui expresso os mais profundos pêsames.  Mas que os muitos frutos que ele deixou semeados em cada um daqueles que ele tocou em vida sejam sempre lembrados como a expressão do imenso ser humano que ele foi.

Descanse em paz, Walter Alves Barreto.

Um infeliz aniversário: desapropriações do Açu completam 10 anos e centenas de agricultores continuam abandonados

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Poucos devem lembrar, mas um muito (in) feliz aniversário foi completado no dia 15 de dezembro de 2020, afetando as vidas de centenas de agricultores familiares que viviam e produziam nas terras tomadas pelo (des) governo de Sérgio Cabral para a implantação de um natimorto distrito industrial em São João da Barra. As terras tomadas por Sérgio Cabral e entregues ao ex-bilionário Eike Batista estão hoje sob controle da Prumo Logística Global que aufere milhões anualmente em troca do aluguéis salgados.

Fonte: Blog do professor Roberto Moraes

A persistente injustiça contra os agricultores familiares que hoje vivem em condições difíceis em áreas espalhadas pelas localidades de Água Preta, Mato Escuro e Barra do Açu é evidenciada pela completa paralisia em que se encontram centenas de processos de desapropriações firmados pela Companhia de Desenvolvimento Industrial (Codin) que reconhecidamente não possui sequer o orçamento para pagar as indenizações devidas a quem teve as terras tomadas.  A Codin só não sofre mais porque os processos estão em sua ampla maioria acumulando poeira na sede do fórum de São João da Barra.

Advogados familiarizados com o drama dos agricultores se sentem impotentes para dar o devido e necessário apoio aos que permanecem sem qualquer perspectiva de avanço no processo de pagamento das indenizações que o estado do Rio de Janeiro, na figura da Codin, deveria já ter pago, visto que uma década já transcorreu desde que o drama dos agricultores foi mostrado até pela grande mídia internacional.

O interessante é que no âmbito do governo municipal de São João da Barra permanece um silêncio sepulcral, em que pese a prefeita Carla Machado (PP) ter sido uma parceria preferencial, tanto de Sérgio Cabral quanto de Eike Batista na ágil remoção dos agricultores de terras que ocupavam há várias gerações.  Ninguém pode se esquecer da famosa cerimônia de entrega da Medalha Barão de São João da Barra por Carla Machado a Eike Batista, enquanto famílias inteiras eram tocadas para fora de suas pequenas propriedades por uma combinação de forças policiais regulares e seguranças privados do Grupo EBX.

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Cerimônia de entrega da “Medalha Barão de São João da Barra” realizada pela prefeita Carla Machado para “paparicar” o ex-bilionário Eike Batista

Por essa situação toda é que não se pode deixar de frisar que essa década foi perdida também para o município de São João da Barra que perdeu boa parte de seu celeiro agrícola para uma empreitada que não tem nenhuma cara que sairá das lâminas de Powerpoint que Eike Batista adorava projetar para políticos parceiros e investidores incautos.

Como fiz amizades com muitos agricultores que viveram a experiência de serem ejetados à força de suas terras, e lembrando que vários deles morreram sem receber as indenizações devidas, considero que é um completo ultraje o estado de profunda paralisia em que se encontra a tramitação dos processos referentes às desapropriações.  Minha expectativa é que cedo ou tarde (mais cedo do que tarde) tenhamos a devida mobilização para fazer justiça aos agricultores do V Distrito de São João da Barra.

Uma rara concordância com Wagner Victer: o terminal granaleiro do Porto do Açu é problema, e não solução

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O ex-presidente da CEDAE, o engenheiro Wagner Victer é um dos que agora se arvoram como “pais” do Porto do Açu, algo que não deveria ser apresentada como medalha de distinção, pois sabemos como o governo do Rio de Janeiro, sob o comando de Sérgio Cabral, operou para impor um modelo escabroso de desapropriação de terras para beneficiar o ex-bilionário Eike Baitsta, o pai maior do empreendimento que hoje está sob o controle do fundo multinacional de “private equity“, EIG Global Partners.

Pois bem, em que pesem minhas reservas ao papel cumprido por Wagner Victer na empreitada que deixou centenas de famílias do V Distrito de São João da Barra desprovidas de suas terras e, consequentemente, de seus meios de produção e reprodução social, tenho que reconhecer que as críticas que ele faz à instalação de um terminal graneleiro no Porto do Açu estão corretas, na medida em que a ausência de uma ferrovia, e até mesmo de um rodovia que possa receber um fluxo intenso de caminhões, irá causar uma enorme sobrecarga no sistema viária de Campos dos Goytacazes, tornando ainda mais caótico um trânsito que já não é grandes coisas. E, pior,  sem que haja qualquer negociação com o município no sentido de não impactar de forma desastrosa ruas e avenidas que não estão adequadamente preparadas para receber um tráfego de caminhões extremamente pesados.

Concordo ainda com a observação de Victer no sentido de que a instalação do terminal granaleiro servirá para apagar de fez qualquer resquício do modelo de  porto-indústria que havia sido propalado por Eike Batista, e pelo meio do qual ele conseguiu amealhar bilhões de reais em empréstimos de entidades públicas, como o BNDES e até o Fundo da Marinha Mercante. Com esse viés do terminal granaleiro, a Prumo Logística Global também está rasgando a fantasia de que o Porto do Açu seria uma fonte abundante de empregos e, com isso, de dinamização da economia regional.

Mas o que mais me parece evidente é que o terminal graneleiro é mais uma das dezenas de improvisações que já foram feitas para tornar o projeto do Açu em algo que seja economicamente viável. Antes disso já se anunciaram outras saídas milagrosas para resolver a falta de infraestrutura adequada para tornar o Porto do Açu em algo além da bela apresentação de Powerpoint que foi amplamente utilizada por Eike Batista para inicialmente atrair investidores, e depois para passar o elefante branco para o colo dos incautos operadores do EIG Global Partners.

No fim desse túnel, o que sobram são os agricultores familiares do V Distrito que continuam até hoje, mais de uma década do início da tomada de suas terras, sem receber as justas indenizações a que fazem direito. 

Porto do Açu: artigo científico analisa legalidade das desapropriações

Em um ano particularmente difícil, estou encerrando o ano com a satisfação de ter um artigo científico publicado pelo Boletim Petróleo, Royalties e Região onde pude colaborar com os meus colegas Mateus Gomes Almeida e Frank Almeida Souza na discussão sobre a aplicação da chamada supremacia do interesse público no uso do instrumento da desapropriação de terras no chamado Estado democrático de direito.

O foco deste artigo foi o estudo do rumoroso processo de desapropriação de terras promovido pelo governo Sérgio Cabral, por meio da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (Codin), para a instalação e operação do Porto do Açu. 

Há que se lembrar que o princípio da supremacia do interesse público consiste no interesse da coletividade se sobrepor ao interesse do particular, sendo, dessa forma, o princípio que fundamenta o procedimento da desapropriação.  Porém em muitos casos, como ocorreu e continua ocorrendo com os agricultores familiares e pescadores artesanais do V Distrito de São João, os desapropriados não recebem os benefícios sociais e econômicos previstos constitucionalmente, além de serem sujeitados à realocação para áreas distantes.

A minha expectativa é que este artigo seja útil para aquele pequeno número de advogados que efetivamente ficaram e continuam ao lado dos agricultores do V Distrito que tiveram suas terras tomadas pelo estado do Rio de Janeiro, e que continuam até hoje sua luta inglória pelo ressarcimento que lhe és devido. Até lá o Porto do Açu estará manchado por uma profunda dívida social com centenas de famílias continuam esperando que a justiça seja cumprida.

Quem desejar acessar a íntegra dessa importante edição do Boletim Petróleo, Royalties e Região, basta clicar [Aqui!].

Avisos aos potenciais interessados: a ZPE do Açu nasce sob a égide de uma ação civil pública

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A mídia corporativa informou com certa pompa e circunstância o lançamento do edital para a criação da chamada Zona de Processamento de Exportação (ZPE) no Porto do Açu no que se pode de chamar de mais um anúncio que promete mais do que pode entregar, uma marca registrada do empreendimento criado pelo ex-bilionário Eike Batista com todos os beneplácitos fornecidos pelo ex-governador e atual presidiário Sérgio Cabral Filho.

Um detalhe em particular me chamou a atenção no anúncio, qual seja, a obrigação de que a empresa vencedora do processo seletiva terá que comprar um “terreno de 1,8 km2 da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin) por aproximadamente R$ 10 milhões e investir R$ 40 milhões em infraestrutura, além de depositar R$ 26 milhões para o estado, a título de outorga“.

É nesse ponto que, digamos, a porca torce o rabo por vários motivos. O primeiro é que a área citada (o que seria 180 hectares ou cerca de 40 alqueires) faz parte do que eu tenho chamado do que seriam “escabrosas desapropriações do Porto do Açu” promovidas pelo governador Sérgio Cabral em prol  do seu “muy amigo” de Eike Batista e em prejuízo de centenas de agricultores familiares que, pasmem, passada quase uma década ainda não viram, e dificilmente verão, a cor do dinheiro que deveria ser entregue a eles pela tomada de suas terras. Quem quiser saber mais este processo, pode ler o artigo que publiquei sobre o assunto em 2013 no Journal of Latin America Geography, no que caracterizei como sendo um processo estatal de grilagem de terras [Aqui!].

Mas os problemas com o requisito de que o vencedor da seleção para a criação da ZPE não param com as indenizações não pagas aos agricultores que tiveram suas terras tomadas pelo governo de Sérgio Cabral, inclusive com a colaboração da Prefeitura Municipal de São João da Barra. Aliás, eles apenas começam aí.

É que o que anúncio da criação da ZPE do Açu não informa é que hoje existe transcorrendo na justiça do Rio de Janeiro desde agosto de 2015, uma Ação Civil Pública (Processo No 0331355-25.2015.8.19.0001) cujo fato motivador é a anulação de um contrato de venda (sem licitção) das terras desapropriadas pela CODIN para o Grupo EBX de Eike Batista.

Essa Ação Civil Pública que está em vias de ser concluída aborda a venda de toda a área desapropriada para o Grupo EBX, o que suscita a questão de onde estariam os 180 hectares que agora a Codin quer obrigar o vencedor do processo de seleção da ZPE do Açu a comprar. Uma pista para essa questão pode estar no fato de que a Prumo Logística Global, atual controladora do Porto do Açu, já se introjetou como parte interessada na Ação Civil Pública que não só contesta a venda da área desapropriada, mas como também demanda o retorno do estoque de terras para os seus efetivos proprietários que são os agricultores familiares do V Distrito de São João da Barra que tiveram o infortúnio de estarem localizados na área selecionada para criar o natimorto Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB).

Por esse imbróglio todo que os potenciais interessados em participar do processo seletivo para estabelecer a ZPE do Açu deveriam colocar suas barbas e pés de molho. É que, na prática, as terras que se quer vender não apenas estão sub judice na justiça de São João da Barra onde correm os processos de desapropriação, como também estão sob a possibilidade real de serem retornadas aos seus legítimos proprietários caso a Ação Civil Pública prospere. E depois de uma década com as terras desapropriadas estando completamente abandonadas e relegadas a uma condição de improdutividade, convenhamos que a chance disso ocorrer não são desprezíveis.

Então, aos potenciais interessados na ZPE do Açu, sugiro cuidado para quem não se compre gato por lebre. Simples assim!

Segundo artigo da série sobre o Porto do Açu fala sobre danos ambientais, pesca em queda e parceria com Antuérpia

O segundo artigo da série “O porto da angústia” que está sendo publicada em parceria por dois veículos de mídia da Bélgica foi publicado hoje, e traz informações sobre promessas de emprego não cumpridas,  poluição ambiental, e ainda sobre a parceria entre o Porto do Açu e o Porto de Antuérpia.

porto do angústia ike quentin

Um dos dados mostrados ao público belga é o fato de que 90% das terras desapropriadas no entorno do Porto do Açu continam ociosas, quase uma década depois de terem sido tomadas pelo estado do Rio de Janeiro das famílias que tradicionalmente habitavam a região por mais de um século.

O artigo mostra ainda as promessas não cumpridas de emprego, pois das centenas de milhares de empregos prometidos, pouco menos de 10.000 foram gerados, sendo que a maioria não foi ocupada por moradores da própria região. Nesse sentido, há no artigo uma rara menção aos danos causados aos pescadores artesanais que também viviam na região do V Distrito, pois estes não apenas tiveram que lidar com as áreas de exclusão no entorno do Porto do Açu, mas também com os efeitos deletérios do processo de salinização.

Quentin Noirfalisse e Ike Teuling, os jornalistas que estão escrevendo os artigos publicados na série, após a realização de um minucioso trabalho de campo no V Distrito de São João da Barra, também jogam luz sobre a parceria milionária que existe entre os portos do Açu e de Antuérpia.  O texto mostra que, quando confrontados com os problemas existentes na implantação e funcionamento do Porto do Açu, os políticos e empresários belgas adotam uma postura negacionista em relação ao que efetivamente ocorre no Porto Açu. Aliás, o confronto entre as informações colhidas em campo e as escusas fornecidas pelos representantes do Porto de Antuérpia devem gerar ainda mais controvérsia na Bélgica, um país onde a população tende a ser menos tolerante com os fatos que estão emergindo na série de artigos escritos por Noirfalisse e Teuling.

A controvérsia deverá ser aumentada com as informações que a série traz sobre os problemas de corrupção envolvendo o ex-bilionário Eike Batista e o ex-governador Sérgio Cabral no âmbito da Operação Lava Jato.  É que o artigo mostra que, quando questionado sobre o fato dos casos de corrupção envolvendo terem sido revelados cinco meses antes do início da arriscada colaboração com o Porto do Açu, o representante do Porto de Antuérpia preferiu se calar.

Quem desejar ler a matéria em sua íntegra em português, basta clicar [Aqui!].