É preciso evitar a falsa dicotomia entre Marina e Dilma. A verdade é que elas são farinha do mesmo saco neoliberal

A campanha de intimidação e terrorismo ideológico promovida pelos setores que apoiam a reeleição de Dilma Rousseff continua nos empurrando para algo que é efetivamente uma falsa dicotomia. Ao impor à candidatura de Marina o sinal da besta que, se eleita, destruiria todas as “conquistas” trazidos por 12 anos de uma coalizão heterodoxa que reúne de Lula a Sarney, passando Renan Calheiros e Fernando Collor, o que está se omitindo é a informação de que, no frigir dos ovos, as propostas que as duas candidaturas trazem são exatamente as mesmas, ainda que tintas levemente trocadas.

Se olharmos, por exemplo, os dados de financiamento de campanha, veremos que Dilma Rousseff é a atua líder de arrecadação entre grandes doadores que, por sua vez, são liderados por grandes construtoras e por alguns dos “campeões nacionais” que têm sido turbinados pelo BNDES com generosos financiamentos.

Mas o social neoliberalismo adotado como elemento fundante da coalizão liderada pelo PT tem outros aspectos que os Torquemadas de Marina não falam.  Um aspecto que venho acompanhando de perto é a questão da regressão do processo de proteção ambiental cujo ápice é a flexibilização dos processos de licenciamento de megaempreendimentos que estão construídos para exportar commodities agrícolas e minerais.

A par dessa regressão ambiental e do processo de reprimarização da economia nacional que os grandes projetos de mineração representam, temos ainda o congelamento da reforma agrária e de um abraço de afogados com o latifúndio agroexportador.  Assim, enquanto milhares de famílias sem terra continuam amargando em acampamentos de forma indefinida, Kátia Abreu, a líder dos setores mais retrógrados do agronegócio, é vista aos abraços com Dilma Rousseff. De quebra, Kátia Abreu é ainda forte candidata a ministra da Agricultura numa eventual reeleição de Dilma Rousseff.

Mas afora as idiossincrasias e práticas de governo, o que os anos de PT no governo federal têm de pior é a aceitação de que não existe uma fronteira além do modelo de capitalismo predatório que temos estabelecido no Brasil.  É preciso ainda lembrar do fato de que isto tem sido garantido com a cooptação de movimentos sociais e sindicatos. Essa cooptação nos coloca num árido que impede a formulação de políticas estratégicas de transformação da realidade nacional e, pior, assegura a manutenção de um ambiente artificial de que estamos avançando na luta contra as profundas desigualdades sociais existentes no Brasil.

Em função de tudo o que expressei acima, não há a menor chance de que eu vote em Marina contra Dilma ou vice-versa. Para mim o essencial é aproveitar este momento para avançar o debate em torno da necessidade de que seja formada uma ampla aliança entre os setores da esquerda que possa, entre outras, superar o ambiente de fragmentação que vemos expresso em várias candidaturas que pulverizam a militância e impedem um diálogo mais amplo com a classe trabalhadora e com a juventude em torno de um projeto de mudança radical da realidade.  Só assim poderemos vencer o horizonte  pantanoso do possível medíocre em que o PT nos atolou.

Por favor, basta de chororô. Quem pariu Marina que a embale

Eu confesso que já cansou a minha beleza ler centenas de diatribes escritas por jornalistas, políticos e blogueiros alinhados com a manutenção do PT no governo federal sobre a ex-ministra Marina Silva. É que para entender como Marina se tornou o fenômeno eleitoral que se tornou, ao menos momentaneamente, seria preciso apenas olhar o que ela fez durante 6 anos nos dois mandatos do presidente Luis Inácio Lula da Silva, e de como ela usou as contradições da forma neopetista de (des) governar para se tornar uma alternativa viável a “tudo que ai está”. 

Para esses tantos que hoje se assombram com a sombra da ex-seringueira, só posso dizer…. quem pariu Marina que a embale!

E mais, se olharmos de perto as propostas do PT, do PSDB e do PSB, o que se pode antever é que em 2015, a classe trabalhadora, camponeses, quilombolas, indígenas e a juventude (isto é, a maioria do povo brasileiro que hoje vive à margem da acumulação capitalista) têm mais é que se preparar para resistir contra o avanço da espoliação de direitos e territórios. Afinal de contas, com uma mudança aqui e ali, o que as plataformas eleitorais de seus candidatos apontam é para mais ataques. Pode até variar o tamanho da bordoada, mas que virão, virão. Independente de qual desses partidos consiga ser o vencedor das eleições. Afinal, os partidos da ordem já anunciaram o que querem. 

Uma imagem desmente litros de tinta usados contra a candidatura de Lindbergh Farias

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A imagem acima foi produzida na cerimônia realizada hoje no Aeroporto Internacional do Galeão para celebrar a privatização branca daquele importante terminal. Uma nota que foi disseminada à exaustão para desacreditar a situação da candidatura de Lindbergh Farias ao governo estadual diz que a ausência do mesmo seria uma mostra de isolamento do senador petista.

Agora, me digam se as caras de Dilma Rousseff, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão estão mais para alegria de aliados vencedores ou amigos em profunda e extrema dificuldade?

Pelo que se vê, toda a tinta gasta contra Lindbergh Farias não está trazendo felicidade para a dupla Cabral/Pezão, Também pudera, Lindbergh é o cara a ser batido, e a situação de Pezão está cada vez mais complicada. Como se sabe, uma nova rodada de pesquisas sobre a avaliação do (des) governo Cabral apontou uma incrível piora. É que o pessoal de Cabral e Pezão achavam que o pior já tinha passado. Mas numa excelente lembrança da primeira lei de Murphy, a situação dos dois não está tão ruim que não possa piorar ainda mais.

E ai a disputa poderá se resumir a ver quem vai disputar o segundo turno com Lindbergh: Crivella ou Garotinho.

Dai as caras sombrias na imagem acima!

Mais uma Reunião do Comitê Central da Burguesia

A história acontece novamente. E como sabemos todos, a tragédia vira farsa. Sai Dilma, entra Mantega. Sai a pompa da sala de reuniões presidencial do Palácio do Planalto e entra a representação do Ministério da Fazenda em São Paulo. Tal qual março de 2012, o março de 2014 está presenciando mais uma infindável peregrinação do governo do PT ao altar de Mamon.CCBX

 Como os leitores deste blog Cem Flores já devem ter percebido, trata-se de mais uma rodada de reuniões entre o governo petista e a burguesia brasileira. A burguesia determina quais as medidas cabe ao seu governo implantar, visando ampliar a acumulação do capital e as taxas de lucroO governo de plantão trata de encontrar as formas institucionais de cumprir as determinações de seus patrões. Uma análise concreta e exemplificativa desse fato está no nosso post “Como o Comitê Central da Burguesia Decide as Medidas de Política Econômica” (http://cemflores.blogspot.com.br/2012/07/como-o-comite-central-da-burguesia.html).
Diante da mediocridade das taxas de crescimento do país no governo Dilma – resultado das novas condições de acumulação de capital na economia mundial nesses seis anos de crise do imperialismo, implicando alterações na divisão internacional do trabalho e os impactos dessas modificações sobre o Brasil– a burguesia exige cada vez mais do seu governo.
Os custos estão altos, o que reduz o lucro? O governo providencia a redução do IPI, da contribuição previdenciária dos trabalhadores e de outros tributos. Os juros no país são escorchantes? Não para a burguesia. O governo emite R$400 bilhões para que o BNDES empreste à burguesia com juros de, no máximo, 5% ao ano. Os lucros do capital financeiro se reduziram? Aumentem-se os juros! E também não se cobre imposto de renda dos ganhos do capital estrangeiro que especula aqui. Novos espaços para a acumulação de capital? Crie-se um multibilionário programa de privatizações do pré-sal, do pós-sal, dos aeroportos, das rodovias, dos portos, das ferrovias e o que mais for preciso. As regras não são do agrado dos patrões? Modifiquem-se as regras, aumente-se o lucro estimado. Nesse caso, como em vários outros, o governo petista parafraseia Groucho Marx: “Estes são os meus princípios. Se não lhes agrada, tenho outros”!
Pode-se dizer que a série 2014 de genuflexões petistas ao altar do capital começou no final de janeiro, com a ida de Dilma a Davos. Na ocasião, Dilma se apresentou praticamente como a autora da Abertura dos Portos às nações amigas: “O Brasil é, hoje, uma das mais amplas fronteiras de oportunidades de negócios. Nosso sucesso nos próximos anos estará associado à parceria com os investidores do Brasil e de todo o mundo. Sempre recebemos bem um investimento externo. Meu governo adotou medidas para facilitar ainda mais essa relação” (negritos e sublinhados nossos).
Vejam que quando o assunto é sério, o discurso é escrito previamente, de forma clara e direta. E ela não foge ao script. Ou seja, nada de improvisos incompreensíveis… Analisamos essa primeira genuflexão do ano em “A Peregrinação de Dilma a Davos, a Meca do Capital” (http://cemflores.blogspot.com.br/2014/02/a-peregrinacao-de-dilma-davos-meca-do.html).
Um mês depois seria a vez de Lula. O ex-presidente, atualmente milionário palestrante nacional e internacional em eventos empresariais, escreveu artigo no jornal Valor Econômico, reproduzido no sítio do Instituto Lula (http://www.institutolula.org/artigo-de-lula-por-que-o-brasil-e-o-pais-das-oportunidades/), em que praticamente repete o fundamental do discurso de Dilma em Davos. A pérola do servilismo e da auto-complacência intitula-se “Por que o Brasil É o País das Oportunidades”.
Para não nos alongarmos demais, transcrevemos o parágrafo conclusivo: “Recentemente estive com investidores globais no Conselho das Américas, em Nova Iorque, para mostrar como o Brasil se prepara para dar saltos ainda maiores na nova etapa da economia global. Voltei convencido de que eles têm uma visão objetiva do país e do nosso potencial, diferente de versões pessimistas. O povo brasileiro está construindo uma nova era – uma era de oportunidades. Quem continuar acreditando e investindo no Brasil vai ganhar ainda mais e vai crescer junto com o nosso país” (negritos e sublinhados nossos).
Ganhar ainda mais! Música para os ouvidos da burguesia…
E agora é a vez de Mantega. Conforme relato da Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/03/1423069-fazenda-tenta-se-aproximar-de-empresas.shtml), o Ministro da Fazenda vai fazer serviço completo. Já fez reunião com 12 economistas de mercado, em seguida serão os empresários (ver imagem acima, na qual estão marcados os empresários que participaram da reunião de março de 2012) e por fim, banqueiros.
De acordo com a Isto É Dinheiro, “Mantega vai ouvir as sugestões do setor produtivo e transmitir o recado de que a presidente quer montar um fórum de diálogo com representantes da indústria”. E vai anotar também. Anotar todas as medidas novas que a burguesia lhe terá determinado.
Este rápido apanhado das iniciativas recentes de Dilma, Lula e Mantega para agradar a burguesia brasileira e internacional busca mostrar, uma vez mais, que o aparelho de Estado capitalista serve para atender aos interesses da burguesiaserve para estimular sua acumulação de capital e o aumento de sua taxa de lucro, cuja contrapartida é o aumento da exploração da classe operária.

Por fim, não se pode esquecer que a tarefa de combater a burguesia e seu Estado capitalista, tarefa da classe operária e das demais classes dominadas, é indissociável da tarefa de combater o revisionismo e o reformismo, seja ele manifestado pela pretensa “esquerda” dentro do aparelho de Estado, seja pela sua influência nos sindicatos, demais entidades de classe ou partidos ditos “de esquerda”, “operários”, que identificam o destino dos trabalhadores com o dos patrões e limitam a luta de classes da classe operária nos estreitos limites das instituições e da ordem burguesas.

Telefônicas: lucra aqui, envia para lá

Por Milton Temer

lucro

A propaganda enganosa entope os canais de televisão. As teles privadas se disputam os incautos com promessas nunca cumpridas, e nunca cobradas pelos órgãos do governo que mais se preocupam de proteger seus privilégios do que em fiscalizá-las. Investimentos prometidos durante o processo de privatização, por conta da “concorrência”? Nem pensar. E a razão está aí, denunciada em matéria do insuspeito Globão. Não há investimento porque há uma deslavada e descontrolada remessa dos lucros obtidos no Brasil em direção à caixa das matrizes nos centros capitalistas do mundo. Fica a pergunta: o que faz esse governinho chinfrim para compensar tais perdas estratégicas? Nada. Está preocupado em manter boas relações com o empresariado, principalmente com os renhistes especuladores que controlam a política de juros sobre a qual se locupletam sem risco. Está preocupado com os quatro minutos de TV que seu cúmplice – PMDB – tem no horário eleitoral.

E ainda há petista histórico que acredita em Dilma como alternativa de fato a Aécio e Dudu campos, apesar da guinada que gerou esse patético neoPT? Francamente. 

Usando gíria da minha saudosa Vila Isabel, “tomem tenência. Se manquem”. E recuperem, com protestos concretos, a dignidade da legenda histórica do PT . Luta que Segue! porque a verdade não pode ser atropelada eternamente

FONTE: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=658669124169710&set=a.149176675118960.22513.100000798866786&type=1&theater

Os Intelectuais do “Governismo-bloc” e a Criminalização dos Protestos

Rejane Carolina Hoeveler

Em artigo publicado sexta-feira 14, no blog “Conversa Afiada”, do jornalista Paulo Henrique Amorim, o renomado cientista político Wanderley Guilherme dos Santos dá sua contribuição à atual ofensiva conservadora contra aqueles que protestam contra as injustiças sociais nas condições da limitada democracia vigente no Brasil, dirigido já há mais de dez anos por um governo, segundo ele, “dos trabalhadores”. Propagando o ódio a estes supostos “propagadores de ódio”, o professor Wanderley Guilherme praticamente acusa os intelectuais que se opõem ao atual estado de coisas no Brasil de serem “mentores do assassinato”, referindo-se implicitamente à morte do cinegrafista da Band – um caso, como se sabe, repleto de, digamos, “curiosidades” jurídicas, políticas e midiáticas.

Intitulado “Os whiteblocs são os assassinos intelectuais”, seu artigo, no melhor estilo “Veja governista”, se dirige a “vetustos blogueiros, artistas sagrados como marqueteiros crônicos, jovens colunistas em busca da fama que o talento não assegura, políticos periféricos ao circuito essencial da democracia, teóricos sem obra conhecida e de gogó mafioso, estes são os mentores da violência pela violência, anárquica, mas não acéfala”; intelectuais que abençoariam “um suposto legítimo ódio visceral contra as instituições, expresso em lamentável, mas compreensível linguagem da violência, segundo estimam, busca seduzir literariamente os desavisados”.[i]

Caracterizando o período que vivemos como uma “era de violência”, uma violência por sinal injustificável contra nossas “democráticas instituições”, o autor parece esquecer que a política moderna é entendida como marcada pela “violência” pelo menos desde Maquiavel, e que em nenhum período da história contemporânea houve qualquer momento em que não estivesse presente. Não precisamos nem recorrer à análise marxista do Estado, para a qual todo regime de dominação de classe é intrinsecamente violento contra os de baixo, mesmo nos períodos de aparente tranqüilidade política. O artigo de Wanderley consegue a proeza de estar à direita daqueles que como José Murilo de Carvalho  brilhante em seu liberalismo bastante conservador, fazem no mínimo questionar a ação desproporcional das polícias militares nos protestos, algo hoje destacado em toda imprensa internacional e que o nosso governismo bloc procura esquecer, ou não tratar como “violência”.[ii]

Evidentemente a posição política do petista não se refere apenas ao Black-bloc, e não se trata absolutamente de divergência tática ou estratégica com seja lá o que signifique politicamente o Black Bloc. Não. A posição do professor, e de todo o governismo bloc, que tem desesperadamente tentado impedir protestos neste ano eleitoral, além de garantir a estabilidade política para defender os grandes interesses privados envolvidos nos mega-evento, se dirige a todo o conjunto da esquerda e dos lutadores que se negam a sair das ruas, mesmo com todas as balas de borracha e gases venenosos, prisões e manipulações da mídia corporativa (cujos interesses, nesse sentido, estão intimamente ligados ao do governo).

Está cada vez mais patente o avanço dos defensores da ordem, governistas ou não, em criminalizar toda a esquerda que não se vendeu e os movimentos sociais não enquadrados na atual ordem política. Até mesmo movimentos muito mais tradicionais e enraizados como o MST não têm escapado do recrudescimento repressivo, como demonstra o caso da marcha em Brasília ocorrida na última quarta-feira, 12, que deixou 32 feridos pelos desmandos da polícia de um governo petista, enquanto, aliás, a presidenta Dilma festejava com Kátia Abreu e Blairo Maggi. Já é sabido, por exemplo, que no Rio de Janeiro o sanguinolento governo de Sérgio Cabral, junto com o governismo bloc, se empenha agora em difundir a tese de que não há nada de errado no Brasil, e que os protestos seriam o resultado não de insatisfações generalizadas, mas de uma grande e obscura conspiração de partidos de esquerda que pagariam manifestantes para “promover o quebra-quebra”. Em São Paulo as forças repressivas do governo do tucanato não ficam para trás, como ficou mais uma vez claro no episódio em que um jovem trabalhador foi sem mais nem menos baleado pela PM nos arredores da Avenida Paulista durante uma manifestação contra os efeitos da Copa, cujo grande legado, claro está, consiste num conjunto de medidas draconianas e cerceadoras de direitos.

O governo do PT, tão diferente daqueles dos tucanos, fechou os olhos para este e outros inúmeros dramáticos episódios de violência política, ao mesmo tempo em que autorizava colocar o Exército para reprimir as manifestações durante a Copa. A lógica retórica utilizada para justificar coisas assim é sempre algo como “porque senão, a direita vai voltar e todos sabemos como era ruim na ditadura” – quando qualquer pessoa podia ser baleada numa manifestação ou ser presa sem acusação… Muito coerente! Só que não.

Os intelectuais governistas preferem assim fazer coro com “The Globe”, que em sintomático editorial desta semana, intitulado “Inimigos da democracia”, retoma seu passado “glorioso” de apoio ao golpe de 1964 e à toda a ditadura, em nome da democracia, deixando claro que sua “auto-crítica” do ano passado nada mais foi do que um “limpar a ficha” para sujar de novo. [iii]

Não. O alvo do renomado professor não é nem a mídia conservadora (o famoso PIG), nem as polícias truculentas ou a legislação draconiana de restrição aos direitos democráticos em curso; seus inimigos são os supostos “mentores” da violência política, que seriam “professores universitários do Rio de Janeiro, de São Paulo e outras universidades”, que “falam do governo dos trabalhadores (sic) como se fosse o governo do ditador Médici, embora durante aquele período não abrissem o bico”.

Curioso que Wanderley mencione isto, já que ele sim, “abriu o bico” exatamente durante o governo Médici, e não foi tanto para denunciar o terrorismo de Estado daquele que foi o período mais tenebroso de todo o regime ditatorial, como faziam professores como Florestan Fernandes. Não. Preocupado estava com a garantia de uma transição “tranqüila” e “estável” para uma democracia que viria das mãos dos militares, sua atuação à época foi de colaborar com aquele nefasto regime em sua estratégia para uma transição que mudasse tudo para não mudar nada. Senão, vejamos.

Colaboracionismo, ontem e hoje

Poucos conhecem essa faceta da obra do renomado cientista político, lembrado por sua participação tanto no antigo ISEB, junto aos intelectuais comunistas e nacionalistas, quanto por sua simpatia ao PT, que na década de 1980 foi o ator político que mais denunciou a transição pactuada da ditadura. Mas é bom recordar, ainda mais num ano de efemérides relacionadas aos 50 anos do golpe empresarial-militar de 1964.

O fato é que o então diretor do Departamento de Ciência Política da Faculdade Candido Mendes e professor visitante da Universidade da Califórnia, participou, em 20 de setembro de 1973, de conferência organizada pelo Instituto de Pesquisas, Estudos e Assessoria do Congresso Nacional (IPEAC), então presidido pelo senador José Sarney (ARENA/MA), intitulada “Seminário Problemas Brasileiros”.  A iniciativa do IPEAC de Sarney contou com a participação, nada mais nada menos, de figuras que dispensam maiores apresentações, como Roberto Campos, Octavio Gouvêa de Bulhões, Mário Henrique Simonsen e Carlos Langoni, todos figuras de peso da ditadura. Segundo noticiou a própria imprensa à época,[iv] a conferência mais marcante foi sem dúvida a de Wanderley Guilherme dos Santos,[v] e o principal motivo disto era justamente o fato de que se tratava não de uma figura, como as demais, comprometidas com o regime até a medula, mas justamente de uma voz da oposição. Isso afinal dava muito mais legitimidade ao debate que à época se fazia sobre a chamada “institucionalização da revolução”. Sua atuação revela o caráter da oposição consentida ao regime, expressa por exemplo nas posições políticas da “ala moderada” do MDB.

Em seu paper, Wanderley Guilherme dos Santos apresentou a caracterização de que havia uma “crise institucional” em curso, presumindo um acordo sobre a necessidade de superá-la, porém desacordo sobre como fazê-lo. Definindo por crise institucional “não a instabilidade das instituições (…), mas a não institucionalização da estabilidade”, o autor já apresenta, logo de entrada, o problema da institucionalização política, preocupação comum de outros intelectuais, estes organicamente vinculados à ditadura, como o conhecido cientista político norte-americano Samuel Huntington, que escreve em 1973, sob encomenda do governo Médici, um documento chamado “Abordagens da descompressão política”, que guarda inúmeras semelhanças com o paper do professor brasileiro.[vi] O objetivo do autor era apresentar uma contribuição própria para a solução desta crise institucional, colaborando para a elaboração de uma “estratégia não-revolucionária”[vii] (leia-se: conservadora) de substituição do sistema político autoritário para outro, mais estável porque institucionalizado.

Segundo o paper do professor Wanderley, em primeiro lugar, a política de descompressão deveria ser “uma política incrementalista”, controlada a partir de cima, e cuja “gradualidade” da introdução de medidas garantiria assim o máximo de previsibilidade política (para o regime, evidentemente). A recomendação do cientista político era para que se evitasse “a simultaneidade das pressões”, ficando excluída da política de descompressão “a discussão de modelos globais, onde a decisão se estrutura em função de distintos ‘pacotes’ de medidas”.

Coerente com sua proposta de descompressão controlada, o professor Wanderley não apenas justificava como imprescindível a repressão ao que fosse considerado (pelo governo) como um “abuso da liberdade concedida”, mas também a criação de mecanismos de coação “suficientemente fortes e de rápida aplicação”.[viii] Garantida a coerção organizada, o outro passo, segundo o autor, seria “garantir processos compensatórios”, pois a estabilidade política dependeria de tal balanceamento. Assim, o equilíbrio da nova ordem política decorreria tanto da “disseminação de lealdade pela persuasão” e da “imobilidade pela coação”, afinal, segundo o autor, “o poder público não pode apenas abrir mão de sua capacidade genérica de coagir sem paralelamente aumentar a distribuição da lealdade ao sistema”.

Segundo o autor, a lealdade ao sistema (sic) seria criada tanto pelo que o sistema faz (positiva), quanto pelo que o sistema impede que os outros façam (negativa). A participação dos “atores políticos” poderia assumir diversas modalidades, na “geração de alternativas de decisão”, na “discussão das alternativas”, sendo a decisão propriamente dita (por exemplo, eleições diretas) apenas uma dessas “modalidades” possíveis.

Como se vê, tratava-se de um receituário com premissas políticas bem explícitas, no essencial muito análogas às orientações de Samuel Huntington e de outras figuras que estavam pensando em como garantir o fim da ditadura sem o fim de suas instituições (entre eles o próprio Roberto Campos); ou seja, nada mais que uma democracia restrita e controlada como a que temos hoje.

Nada mais coerente que quem colaborou com uma transição conservadora de uma ditadura, colabore hoje com a criminalização dos movimentos sociais fora da ordem. A conjuntura é muito distinta, mas a lógica é a mesma: construir “instituições fortes”, estáveis, ficando em segundo plano a que custo político. A democracia se resume a um conjunto de procedimentos e instituições que devem ser preservadas mesmo contra o povo.

Viva o governo! Viva o regime e suas instituições! Viva o Estado!, é o que gritam os mentores dos “revoltados a favor”. Mas ao contrário do que afirma nosso cientista político, são eles que não vão vencer no grito, pois, por mais que se esforcem, não podem abafar o grito das ruas.

[i] http://www.conversaafiada.com.br/politica/2014/02/14/wanderley-os-whiteblocs-sao-os-assassinos-intelectuais/

 

[ii] Ver http://oglobo.globo.com/rio/o-perigo-white-bloc-11589577.

[iii] http://oglobo.globo.com/opiniao/os-inimigos-da-democracia-11575241

[iv] Ver por exemplo Folha de São Paulo, 20 de setembro de 1973, p.3; Folha de São Paulo, 30 de setembro de 1973, p.3, ou Folha de São Paulo, 30 de agosto de 1974, , onde a intervenção de Wanderley Guilherme é comparada á de Samuel Huntington, como também em Folha de São Paulo, 08 de agosto de 1975. Consultar também Anais do Senado, sessão ordinária de 1º de novembro de 1973, p.57/58, onde um senador da Arena elogiava as elaborações do professor. Lembrar também que até um moderado como Ulisses Guimarães era à época crítico das proposições gradualistas, como aparece explicitamente em declaração sua publicada na Folha de São Paulo, em 19 de setembro de 1973, sob o título “MDB pode apoiar Geisel”.

[v] A Conferência foi publicada pelo próprio IPEAC em 1973, e também republicada em 1978 em conjunto com outros ensaios do autor. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Poder & política. Crônica do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1978.

[vi] HUNTINGTON, Samuel. Abordagens da descompressão política. (mimeo). Disponível em:http://cpdoc.fgv.br/acervo/arquivospessoais. Para uma análise do mesmo, ver HOEVELER, Rejane. “Ditadura e democracia restrita: a elaboração do projeto de descompressão controlada no Brasil”. Monografia de conclusão de curso. Rio de Janeiro: IH/UFRJ, 2012. (disponível em:https://www.academia.edu/3563103/Ditadura_e_democracia_restrita_a_elaboracao_do_projeto_de_descompressao_controlada_no_Brasil_1972-1973.)

[vii] SANTOS, Op. Cit., p. 146.

[viii] “A política de descompressão, ao renunciar aos instrumentos genéricos de coação (atos, cassações, censura, etc), precisa substituí-los por instrumentos específicos de coerção, que obriguem as áreas liberadas a não,extravasarem os limites da descompressão planejada, e isto com a mesma agilidade e velocidade com que o extravasamento tende a ocorrer.” SANTOS, Op. Cit., p.154.

FONTE: http://jornalggn.com.br/blog/antonio-ateu/debate-os-intelectuais-do-%E2%80%9Cgovernismo-bloc%E2%80%9D-e-a-criminalizacao-dos-protestos

Novo plano de governo visa consagrar prevalência do setor privado no financiamento da educação

POR ROBERTO LEHER

Com apoio ativo do governo Dilma Rousseff, em especial de seu ministro da Educação Aloísio Mercadante, e das lideranças partidárias da base do governo, foi aprovado no Senado o Plano Nacional de Educação (PLC 103/12). A data de aprovação, terça feira, 17 de dezembro de 2013, será lembrada como o dia em que o financiamento da educação pública brasileira teve a sua qualificação “público” apagada em prol das parcerias público-privadas, um anseio vivamente reivindicado pelas corporações “de novo tipo”, que operam no setor de serviços educacionais e, avidamente, pelas coalizões empresariais imbuídas de um projeto de classe difundido como de salvação da educação brasileira.

É possível sustentar que o PNE do governo Dilma expressa uma mudança estrutural na educação brasileira, consolidando um objetivo que não pode mais ser confundido com o dos proprietários tradicionais das escolas privadas ou o da Igreja católica, sujeitos importantes nos embates da LDB de 1961; antes, afirma os anseios do setor financeiro que atualmente se apropria de vastos domínios dos negócios educacionais e, como assinalado, do capital como um todo, engajado na socialização “adequada” de mais de 55 milhões de crianças e jovens, como é possível depreender da ação do Todos pela Educação (Evangelista e Leher, 2012).

A vitória de Lula da Silva (PT), embora cercada de polêmicas, provocou considerável expectativa de que, ao menos, uma agenda socialdemocrata de fortalecimento da educação pública, gratuita, laica e universal poderia ser adensada conflituosamente no Estado brasileiro. Desde o início de seu primeiro mandato, as sinalizações por meio de projetos de lei e, principalmente, das medidas práticas, apontaram para outro rumo, indicando que os interesses do setor privado-mercantil (e, mais amplamente, do capital) seguiriam guiando a educação superior. O governo Lula da Silva ousou uma ruptura com o padrão de apoio do Estado ao setor privado vigente no período Cardoso: pela primeira vez, e contrariando o Artigo 213 da Constituição, possibilitou com o Programa Universidade para Todos (PROUNI) o repasse de recursos públicos também para as instituições com fins lucrativos, já superiores a 80% do total de instituições privadas.

Objetivando ampliar o mercado educacional, estagnado em virtude da concentração de renda, o governo Lula da Silva aumentou os aportes de recursos públicos para o FIES, cuja taxa de juros foi reduzida a perto de 30% da taxa básica de juros (SELIC): a diferença seria coberta pelo Estado. A isenção tributária ao setor mercantil, possível com a criação do PROUNI, abriu caminho para o ingresso dos fundos de investimento (private equity) no setor educacional, possibilitando uma frenética onda de fusões e aquisições, grande parte pelo capital estrangeiro, promovendo inédita concentração e centralização das corporações educacionais.

Plano Nacional de Educação e hegemonia do capital

O governo de Lula da Silva elaborou o PNE (PL 8.035/2010) em conformidade com o mainstreamda agenda educacional do capital, incorporando, na educação básica, as proposições do TPE, os interesses das corporações educativas (liberalização e acesso aos recursos públicos), os anseios do Sistema S (controle da educação profissional) e os grandes delineamentos das agências internacionais, notadamente no que se refere à avaliação centralizada e referenciada nas competências (OCDE/PISA).

Em virtude de limites do presente texto, a análise do PNE focaliza os aspectos políticos, abordando, preliminarmente, a sua tramitação e as forças políticas envolvidas, o financiamento e as redefinições entre o público e o privado.

O projeto original enviado pelo governo Federal (PL 8.035/2010) previa, ao fim de 10 anos, 7% do PIB para educação, sem explicitar que os recursos deveriam ser destinados à educação pública:

Meta 20: Ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, o patamar de sete por cento do produto interno bruto do País (PL 8.035/10).

Com tal formulação, o Projeto de Lei postergaria a efetivação dos 7% do PIB, podendo manter os gastos ao longo do decênio do novo plano nos mesmos patamares atuais (entre 4,5 e 5% do PIB), mas atendia aos anseios privatistas da indiferenciação entre o público e o privado, posição que coincidia com a proposta do TPE.

Com efeito, objetivando uma educação funcional ao capital, o próprio intelectual coletivo das frações burguesas locais dominantes (TPE) indicara uma elevação do percentual do PIB aplicado na educação, recomendando a ampliação dos atuais 4,8% para 7% do PIB em dez anos (percentual que fora aprovado no PNE de 2001, mas que foi vetado por FHC, veto mantido por Lula da Silva), mas condicionando o aumento de verbas à adoção das medidas gerenciais e pedagógicas afins à agenda do TPE.

É fato que desde o início da tramitação do PL 8.035/2010 existiram pressões pelo aumento para 10% do PIB. Esta reivindicação foi apresentada e fundamentada pelo Plano Nacional de Educação: Proposta da Sociedade Brasileira elaborada no II CONED (1997).

Iniciativas como a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, um arco formalmente pluriclassista, mas com uma agenda que, a despeito da atuação meritória na defesa do Custo Aluno Qualidade e do financiamento para as instituições públicas, não difere essencialmente da de seus patrocinadores, como a Fundação Ford, Instituto C&A, Abrinq, Open Society Foundations (criada por George Soros para criar melhores condições de transição dos antigos países comunistas para o livre mercado e a sociedade aberta defendida por Popper (1)) e que, na prática, opera como um lobby no Congresso, sem participação efetiva dos trabalhadores da educação e da classe trabalhadora em geral; as mobilizações da esquerda educacional (ANDES-SN, Esquerda da UNE, ANEL, ABEPSS), em especial pelo Plebiscito Nacional: 10% para Educação Pública, Já!, bem como iniciativas de caráter acadêmico (ANPED, CEDES), não foram capazes de criar uma polarização – que se espraiasse por toda vida política nacional –  que fortalecesse a consigna 10% do PIB para a educação exclusivamente pública.

A despeito da fragilidade da mobilização que não alcançou a criação de uma vontade nacional-popular, a pressão se fez sentir na Câmara dos Deputados. Com efeito, os deputados, operando a pequena política, promoveram mudanças na versão original (o número de emendas ultrapassou 2,5 mil), sem, contudo, alterar o que é axial no PNE. Cinicamente, o PSDB, partido que liderou a elaboração do PNE anterior (2001), destroçando tudo o que poderia fortalecer o público, agora se somou à magra representação parlamentar em defesa da educação pública, situação que, com outras variáveis, possibilitou a aprovação, na Câmara, em junho de 2012, de uma versão com os 10% do PIB para a educação pública, com a indicação de metas de expansão da rede pública de educação tecnológica e superior, bem como a melhor definição da União na garantia do Custo Aluno Qualidade (CAQ).

Uma vez enviado ao Senado, em meados de 2012, o projeto passou por três Comissões: Assuntos Econômicos (CAE), Constituição e Justiça (CCJ) e Educação (CE). Já na CAE, o projeto da Câmara sofreu mudanças regressivas, como a explicitação de que ampliação de vagas deveria se dar por meio de parcerias público-privadas (PROUNI, FIES etc.) e, na CCJ, em setembro de 2013, o relator, Senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), empreendeu, de modo mais sistemático, as mudanças desejadas pelo governo Dilma, em particular, indeterminando o uso das verbas públicas para a educação que, em sua versão, não continha o adjetivo pública, abrindo caminho para a indiferenciação público-privado, retirando qualquer explicitação sobre como os entes federados contribuirão para que os 10% sejam possíveis, afastando a União da responsabilidade pela complementação do custeio do CAQ. Os exemplos a seguir ajudam a melhor compreender o sentido das mudanças desejadas pelo governo Dilma:

No texto da Câmara, a Meta 11 assim ficou redigida:

Meta 11: Triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos cinquenta por cento da expansão no segmento público.

Na CAE, e no relatório Vital do Rego (CCJ), a meta foi assim reescrita:

Meta 11: triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos cinquenta por cento de vagas gratuitas na expansão (2).

O segmento público é substituído pelas vagas gratuitas, ofertadas pelo PRONATEC estruturado a partir da base do Sistema S, e com parcerias com as organizações privado-mercantis do setor. A mesma orientação pode ser vista na expansão da educação superior. O público, aqui, igualmente cede lugar ao privado.

Texto aprovado na Câmara: Meta 12: Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para cinquenta por cento e a taxa líquida para trinta e três por cento da população de dezoito a vinte e quatro anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, quarenta por cento das novas matrículas, no segmento público.

O texto da CCJ do Senado assim reescreveu a Meta 12:

Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para cinquenta por cento e a taxa líquida para trinta e três por cento da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e gratuidade para, pelo menos, quarenta por cento das novas matrículas.

Mas a medida de maior alcance para o futuro da educação pública, e que poderá, a médio prazo, ressignificar a educação pública propriamente dita, foi, como assinalado, a supressão do adjetivo “público” no texto do PNE aprovado pela CCJ do Senado, patrocinada pelo governo Federal.

A versão aprovada pela Câmara foi assim redigida:

Meta 20: Ampliar o investimento público em educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de sete por cento do Produto Interno Bruto (PIB) do país no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a dez por cento do PIB ao final do decênio.

O texto do Senador Vital do Rego na CCJ, estabelece:

Meta 20: ampliar o investimento público em educação de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto Interno Bruto – PIB do País no quinto ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio, observado o disposto no § 5º do art. 5º desta Lei.

O que motiva o governo Federal patrocinar tal alteração (que, neste aspecto, restabelece o texto original do PL 8.035/10) é que, com a redação da CCJ (e aprovada pelo Senado), os gastos públicos podem ser indistintamente aplicados na educação pública e educação privada. Todas as principais medidas educacionais dos governos Lula da Silva e Dilma funcionam com parcerias: PROUNI, FIES, PRONATEC, Ciência Sem Fronteiras, Lei de Inovação Tecnológica, Creches etc. Com tal redação, um novo capítulo da educação brasileira será escrito e nele a concepção de público estará corroída pelas parcerias público-privadas.

No apagar das luzes de 2013, a bancada governista, majoritária, restabeleceu, por meio da sistematização do líder do governo, Eduardo Braga (PMDB-AM), os principais pilares do texto da CCJ, mantendo, novamente, a destinação escalonada dos 10% (que na prática pode resultar em um investimento médio no decênio inferior a 8% do PIB) indistintamente para a educação pública e para a educação privada, bem como com os demais retrocessos do texto da CAE/CCJ e da versão original do PL 8.035/10. Em defesa do relatório do Senador Vital do Rego (PMDB-PB) aprovado na CCJ, o Senador Eduardo Braga (PMDB-AM (3)) sintetizou o rocambolesco argumento governamental em prol da supressão do “público” na definição da destinação dos 10% do PIB para a educação: não importa se as vagas são de instituições públicas ou privado-mercantis, vagas gratuitas, ainda que em corporações controladas por bancos e fundos de investimento multinacionais, compradas com verbas públicas, são públicas! Segue o senador: “e todos sabemos que o setor público não poderá atender as demandas futuras por educação.

O exótico argumento foi esgrimido anteriormente por Tarso Genro e praticado na gestão Fernando Haddad. Ambos, desde 2004, vêm insistindo que não cabe mais a oposição entre o público e o privado. A educação, em suas políticas, deve ser pensada como um ‘bem público’, isto é, gratuito para os pobres e, por isso, pouco importa se ofertada por empresas ou pelo Estado.

Corolário implícito: está dado que o setor privado é reconhecidamente mais eficiente no uso das verbas públicas e, por isso, é necessário fortalecer o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Programa Universidade para Todos (PROUNI), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e, mais especificamente, na educação básica, a compra de materiais pedagógicos de corporações como as do Grupo Pearson, maior grupo editorial do mundo e proprietário de meios de comunicação influentes nos setores dominantes mundiais como Financial Times e The Economist, a contratação dos “parceiros” do Todos pela Educação (4) para cuidarem dos assuntos educacionais da rede pública, por meio de iniciativas como Alfa e Beto, Roberto Marinho, Ayrton Senna, entre outras organizações empresariais.

As repercussões da aprovação do texto do PNE defendido pelo governo Dilma ultrapassarão as fronteiras nacionais. Na prática, o Brasil será um dos primeiros países do mundo a aderir ao preceito reivindicado por um seleto grupo de países (5) no âmbito do Acordo Mundial de Comércio de Serviços da Organização Mundial do Comércio de que não cabe mais a distinção entre o público e o privado. Com o apagamento da diferença entre o público e o privado, as corporações poderão ter livre acesso aos recursos públicos, pois operam um negócio que pode ser inserido no rol dos “bens públicos”. Assim, a tendência atual de deslocamento de capital de bancos, fundos de investimentos, fundos de pensão, para atuar no promissor setor dos negócios educacionais, poderá ser muito intensificada, pois o acesso aos recursos públicos, já muito significativo na educação superior com o FIES e o PROUNI, agora poderá ser muito maior, pois o grosso dos recursos, até então vinculados à educação básica pública, agora será disponibilizado também para o setor privado-mercantil.

Perspectivas para 2014

Caso o PNE vá a voto em 2014, apesar do ano eleitoral, sem mobilização massiva, nos moldes das Jornadas de Junho de 2013, a hipótese de que a Câmara irá mudar de posição, aprovando o texto do Senado, pode ser confirmada. É preciso considerar o empenho do governo Dilma e, ainda, a larga base governista e seu histórico vínculo com a educação privada – seja empresarial, seja confessional. O mesmo aconteceu na LDB em 1996: o projeto da Câmara era mais favorável à educação pública (pois os deputados em geral sentem mais a pressão dos movimentos sociais, como o FNDEP), o do Senado, mais sensível às pressões do capital e do executivo federal, era um hostil à educação pública. Na votação final, igualmente perto das festas natalinas, prevaleceu amplamente o projeto do Senado.

Como assinalado ao longo do texto, a questão educacional mudou de escala. A defesa da educação pública não pode mais ser realizada apenas por professores, estudantes e técnicos e administrativos organizados em seus sindicatos ou nas entidades acadêmicas. A avaliação de Florestan Fernandes sobre as lutas educacionais realizada nos anos 1980 é mais atual do que nunca: é preciso um novo ponto de partida para as lutas em prol da educação pública. O novo ponto de partida decorre do fato de que a causa da educação pública não será mais compartilhada por trabalhadores aliados aos setores burgueses ditos progressistas ou modernos. Já na LDB de 1961, Florestan Fernandes constatou que não havia frações burguesas relevantes engajadas na defesa da educação pública, pois a burguesia, como classe, estava associada ao capitalismo monopolista. Nos tempos atuais, essa situação somente se agravou: não há resquícios de frações burguesas envolvidas na construção de um sistema público de cariz republicano.

As condições objetivas para um novo ponto de partida estão sendo forjadas nas lutas que ganharam vida nas greves das Federais de 2012, nos embates do MST em prol da Pedagogia do Movimento, nas greves da educação básica que transtornam o país em 2011, 2012 e nas ásperas jornadas das greves no Rio de Janeiro em 2013 e, mais amplamente, nas multidinárias manifestações de junho de 2013.

Somente com trabalho político deliberado tais condições podem ser realizadas. Não bastam as lutas esparsas. É preciso organização, projeto educacional autônomo frente aos da agenda dominante, formação política consistente e atuação no espaço público. Visitas de convencimento aos parlamentares patenteiam, como alertou Florestan Fernandes nas lutas pela LDB, a estratégia dos fracos. Frente ao que pode ser uma derrota de profundas consequências para a juventude explorada e expropriada, e ao próprio futuro da educação pública, os atos políticos dos movimentos em prol da educação pública podem ser magnificados a ponto de imporem um outro porvir para a educação brasileira. As mobilizações nas ruas, praças, escolas, universidades podem alterar os rumos desejados pelo capital. Essa é a melhor aposta para 2014!

Notas:

1) http://www.opensocietyfoundations.org/about, acesso em 3/01/14.

2) Ver VOTO EM SEPARADO perante a COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA – CCJ, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 103/2012, que dispõe sobre o Plano Nacional de Educação e dá outras providências (Senador Randolfe –PSOL/AP).

3) http://www12.senado.gov.br/noticias/videos/2013/12/veja-como-foi-a-votacao-em-plenario-do-plano-nacional-de-educacao, acesso em 18/12/13.

4) Olinda Evangelista e Roberto  Leher, ver Nota 4.

5) Documento S/CSS/W/23, de 18 de dezembro de 2000, dirigido ao Conselho de Comercio de Serviços da OMC, os Estados Unidos e outros países, apresentaram uma proposta de liberalização dos serviços educativos, abrangendo a formação e a avaliação.

Leia também:

Movimento Todos Pela Educação, Organizações Globo, Cabral, Paes e Costin: ‘amansar’ os professores com cassetetes para avançar contra a escola pública

Roberto Leher é Professor Titular de Políticas Públicas em educação da Faculdade de Educação da UFRJ e de seu Programa de Pós-Graduação, colaborador da ENFF e pesquisador do CNPq.

FONTE:http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9254:manchete220114&catid=34:manchete

Pesquisadores ingleses comprovam que uso de piretróides afeta tamanho e período de erupção de mamangavas

bumblebees

O uso de piretróides (uma classe de agrotóxicos que são obtidos a partir do crisântemo) se tornou amplo em todo o mundo. Agora pesquisadores da Royal Holloway University da Inglaterra conseguiram comprovar que o uso de piretróides está afetando o tamanho e o período de erupção das mamangavas,  um tipo de abelha da espécie Bombus  que ocupa um papel importante no processo de polinização, inclusive de  culturas agrícolas (Aqui!).

Segundo esta pesquisa, o uso intenso de piretróides implica numa perda da capacidade de coleta de polén pelas mamangavás, já que indivíduos menores possuem uma capacidade igualmente menor de carregar este material.

Essa comprovação se soma à outra evidência em relação aos chamados agrotóxicos neonicotinóides que estariam causando altas taxas de mortandade de abelhas em geral, no que ficou conhecido como o fenômeno como a dizimação das colméias. O mais preocupante dessa situação é que o Brasil está usando cada vez mais piretróides e também os neonicotinóides, o que poderá ter um efeito devastador sobre abelhas e mamangavas.

Se nada disso for suficiente para acender a preocupação, os piretróides estão presentes na maioria dos inseiticidas caseiras e nos EUA já se tornaram um dos principais veículos de contaminação do ambiente domiciliar. No caso dos piretróides, o problema está relacionado aos seus efeitos sobre o sistema nervoso.

Mas nada disso parece preocupar os latifundiários e seus aliados dentro do governo Dilma, já que a pressão para acelerar a liberação dessas classes de agrotóxicos está cada vez maior, em que pese o fato de que o Brasil se tornou o maior consumidor mundial de agrotóxicos.

Dilma recusa federalizar universidades, enquanto Cabral quer detonar UENF, no norte fluminense

12 mil universitários no olho da rua

 Dilma recusa federalizar universidades, enquanto Cabral quer detonar UENF, no norte fluminense

 Por Pedro Porfírio*

 

Enquanto o governo da presidenta Dilma Rousseff abandona à própria sorte 12 mil universitários da Gama Filho e da Universidade, no Rio de Janeiro, recusando-se a adotar a única medida que  poderia lhes assegurar a preservação efetiva dos seus cursos, o governador Sérgio Cabral, que se faz de desentendido nesse episódio desastroso, trabalha celeremente para destruir a Universidade Estadual do Norte Fluminense, a primeira do Brasil a ter  100% de professores com doutorado, implantada em 1993 por Leonel Brizola sob a inspiração de Darcy Ribeiro.

No caso das duas universidades privadas descredenciadas, o ministro Mercadante, da copa e da cozinha da presidenta, brande impedimentos constitucionais para não federalizá-las, o que é uma grande falácia. Em 2007 mesmo, a Universidade Federal Fluminense incorporou a Faculdade de Odontologia de Friburgo e hoje a antiga escola privada faz parte de sua estrutura.

Falta mesmo é vontade política. Se essas faculdades fossem do amigão Eike Batista, Dilma e Sérgio Cabral já teriam procedido sua encampação, ao gosto do freguês e pagando preços camaradinhas.

A federalização da Gama Filho e da Universidade não é um pleito corporativo dos seus professores e funcionários, mas a única solução razoável para uma crise gestada  há mais de cinco anos.

Foram os próprios reitores das universidades federais no Estado do Rio que sugeriram a federalização, propondo a adoção da mesma fórmula usada no caso da Faculdade de Odontologia de Friburgo.

“Inconstitucional não é, porque o argumento que o aluno não fez o Enem…Há editais de transferência. Professores seriam temporários e depois haveria concurso público”, argumento o reitor da UFF, Roberto Salles.

 Mas o governo parece movido sob inspiração de outros interesses, num cenário semelhante ao do caso VARIG, em 2006, quando a mais tradicional voadora brasileira  a leilão sucateada em leilão por 20 milhões de dólares, desprezando plano dos os próprios empregados para mantê-la. Naquele episódio, a TAM (hoje controlada pela LAN chilena) e a Gol (que hoje vai muito mal das asas) foram descaradamente as grandes beneficiadas.

O Ministério da Educação sabe muito bem que essa “transferência assistida” apresentada como saída é uma balela. “Muito dificilmente nós vamos encontrar capacidade ociosa que sirva sob medida. Todas as escolas hoje estão dimensionadas para atender os seus alunos atuais”, alertou Elizabeth Guedes, vice-presidente da Associação Nacional de Universidades Particulares.

Só mesmo um poderoso esquema de interesses mantém o governo federal na sua postura inflexível. O que está em jogo principalmente é o direito de 12 mil estudantes de concluírem seus cursos, em que se matricularam com as garantias inerentes do Ministério da Educação, que não pode fugir de suas responsabilidades. Afinal, eles não jogaram seu destino em nenhuma faculdade informal ou clandestina.

É profundamente lamentável e nauseante essa atitude hipócrita do governo da presidenta Dilma Rousseff, em conluio com Sérgio Cabral, essa figura incompetente, mesquinha e arrogante que está infernizando a  vida dos fluminenses.

 Ofensiva contra a UENF pode levar à greve
 
Cabral desestabiliza Universidade criada
 por Brizola e Darcy  projetada por Niemeyer

O governador Sérgio Cabral, que encabeça uma penca de partidos de todos os matizes, inclusive da ex-esquerda, não para por ai. Seu alvo existencial é a Universidade Estadual Fluminense, cujo maior dolo é ter sido criada por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, contra quem Cabral Filho descarrega seu indisfarçável ódio doentio.

Neste momento, ele trabalha com todo o seu mau caráter para levar os professores da UENF a uma greve, já que há um ano eles vêm sendo engabelados pelo governo do Estado e pelo próprio reitor quanto ao pagamento do adicional de dedicação exclusiva, como denunciou o professor Marcos Pedlowski em seu blog 

“Após passarem o ano de 2013 numa penosa e infrutífera negociação com a Secretaria de Planejamento e Gestão do (des) governo Sérgio Cabral, em assembleia realizada no dia de hoje (16/01) os professores da UENF demonstram um certo cansaço com essa forma “paz e amor” de cobrar seus direitos” – escreveu o professor, ao noticiar a aprovação de um indicativo de greve diante do impasse criado pelo Estado.

E mais: “a proposta do (des) governo Cabral é tão ruim que propõe oferecer 35% de Adicional de Dedicação Exclusiva (enquanto que na UERJ o valor pago é 65%) para, em troca, quebrar a espinha dorsal do modelo institucional da UENF que é ancorada num quadro docente exclusivamente formado por doutores que se dedicam com exclusividade às suas tarefas acadêmicas dentro da instituição”.

Há visível má fé na postura de Cabral, uma demonstração de viés político inegável.  Em 2012, a UENF, com seus 16 cursos, foi reconhecida pelo Ministério da Educação como a melhor universidade do Estado do Rio de Janeiro e a 11ª no país com base no Índice Geral de Cursos (IGC) de 2011, no qual são avaliadas 226 universidadesIsso incomoda os prepostos das faculdades de balcão e os eternos desafetos de Brizola e Darcy.

É deplorável que esses movimentos obscurantistas ocorram com a cumplicidade de figuras que vendem a imagem de defensores da educação pública de qualidade e que transitam lépidas e fagueiras no chamado campo progressista.

Todos esses impostores, que vivem assustados com qualquer movimentação dos jovens, vão pagar por tanta ignomínia, e isso não vai demorar muito. As ruas estão aí para acolher mais uma vez os cidadãos no exercício sublime e corajoso de sua indignação.

FONTEhttp://www.blogdoporfirio.com/2014/01/12-mil-universitarios-no-olho-da-rua.html

Pedro Porfírio é Jornalista desde 1961, quando foi ser repórter da ÚLTIMA HORA, PEDRO PORFÍRIO acumulou experiências em todos os segmentos da comunicação. Trabalhou também nos jornais O DIA e CORREIO DA MANHÃ, TRIBUNA DA IMPRENSA, da qual foi seu chefe de Redação, nas revistas MANCHETE, FATOS & FOTOS, dirigiu a Central Bloch de Fotonovelas. Chefiou a Reportagem da Tv Tupi, foi redator da Radio Tupi teve programa diário na RÁDIO CARIOCA. Em propaganda, trabalhou nas agências Alton, Focus e foi gerente da Canto e Mello. Foi assessor de relações públicas da ACESITA e assessor de imprensa de várias companhias teatrais. Teatrólogo, escreveu e encenou 8 peças, no período de 1973 a 1982, tendo ganho o maior prêmio da crítica com sua comédia O BOM BURGUÊS. Escreveu e publicou 7 livros, entre os quais O PODER DA RUA, O ASSASSINO DAS SEXTAS-FEIRAS e CONFISSÕES DE UM INCONFORMISTA. Foi coordenador das regiões administrativas da Zona Norte, presidente do Conselho de Contribuintes e, por duas vezes, Secretário Municipal de Desenvolvimento Social. Exerceu também mandatos em 4 legislaturas na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, sendo autor de leis de grande repercussão social.

Dilma se rende à Lei e Ordem: a ditadura da burguesia mostra a sua cara

Por Mauro Iasi (*)

O Ministério da Defesa acaba de publicar uma Portaria que estabelece o uso das Forças Armadas para a garantia da Lei e da Ordem (PORTARIA NORMATIVA No 3.461 /MD, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2013). Por este ato, o governo Dilma Roussef nos ajuda a esclarecer o real caráter de classe deste governo e seus compromissos com a ordem burguesa e a sociedade do capital.

O texto é extremamente esclarecedor e uma verdadeira aula do real caráter de classe do estado brasileiro, aperfeiçoado e consolidado, o que nos permite voltar ao nosso debate sobre como evoluiu e para onde evoluiu o Estado brasileiro com a consolidação da ordem burguesa em nosso país.

Dizíamos recentemente que nos preocupava a visão generalizada de que o processo de socialização da política caminhava unicamente no sentido de potencializar as ações de transformação na perspectiva das classes trabalhadoras. A ilusão aqui presente se fundamenta na premissa de que, sendo os trabalhadores a maioria da sociedade, uma forma política democrática só poderia favorecer os interesses dos trabalhadores e, gradualmente, criando as condições para a transição na direção de uma ordem socialista.

Nesta leitura, o processo de democratização vivenciado com a crise da Autocracia Burguesa levaria à “ocidentalização” do Brasil, isto é, deixando as marcas da via prussiana, nosso país caminharia para o fortalecimento da sociedade civil e dos aparelhos privados de hegemonia, o que permitiria, cada vez mais, o Estado espelhar os interesses da maioria e não das classes dominantes.

Afirmávamos insistentemente que tal visão corria o risco de atenuar o caráter de classe no Estado brasileiro, isto é, que o processo de democratização não suspende a luta de classes, mas se dá em seu interior, o que implica que tal processo se daria no quadro de um estado Burguês que poderia, e de fato é o que se deu, fortalecer-se com a consolidação de uma ordem burguesa democrática.

Outra afirmação prévia que acreditamos ser importante ressaltar é que o sentido geral da política imposta nos anos dos governos petistas não podia ser compreendido como uma correlação de forças entre um Partido de esquerda que manteve uma política de centro-esquerda quando no governo, contra as resistências conservadoras presentes em nossa sociedade. Afirmamos que o governo petista transitou para uma política de centro direita, o que significa dizer que incorporou no seu interior partes consideráveis do espectro conservador, não apenas na adesão de siglas partidárias, como o PMDB, PP, PTB e outras, mas de setores chaves da burguesia monopolista, como é o caso dos grandes empresários, do agronegócio e do capital financeiro.

Para compreender a natureza deste governo, lançamos mão da noção de Marx, presente no 18 Brumário, de pequena burguesia. Neste texto magistral, Marx nos alerta que a posição pequena burguesa não se relaciona, necessariamente, à classe de pequenos comerciantes, mas a uma posição política que não vai na política além do que aquela classe vai na vida. O que é essencial na política pequeno burguesa, ou da “democracia social”, nas palavras de Marx, seria o seguinte:

 (…). Quebrou-se o aspecto revolucionário das reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição democrática; despiu-se a forma puramente política das reivindicações democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se seu aspecto socialista. Assim surgia a democracia social. (…) O caráter peculiar da democracia social resume-se no fato de exigir instituições democrático-republicanas como meio não de acabar com os dois extremos, o capital e o trabalho assalariado, mas de enfraquecer seu antagonismo e transformá-lo em harmonia. Por mais diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo, por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a transformação da sociedade por um processo democrático, porém uma transformação dentro dos limites da pequena burguesia.[1]

 O que seria central, então, é que a política pequeno burguesa, ao tentar harmonizar o conflito capital e trabalho, só pode fazê-lo sobre dois pilares: o crescimento econômico e a ideia de Nação. O primeiro é a base real que se representa na esfera política (o segundo pilar), isto é, o crescimento da economia capitalista geraria lucros para os burgueses e trabalho e salário para os trabalhadores, fazendo com que o interesse particular da burguesia seja apresentado como interesse universal. A Nação é só a expressão política desta universalidade abstrata que nos leva à limitada fórmula da emancipação política, a igualdade formal fundada na desigualdade de fato.

O que nos interessa neste momento é saber como, na gestão da política, a pequena burguesia é obrigada a agir no momento da crise, uma vez que tal pacto só pode florescer no momento em que a acumulação de capital se apresenta como crescimento ininterrupto. Quando a acumulação de capitais mostra sua verdadeira face, seja pelos efeitos da lei geral da acumulação capitalista que gera proporcionalmente miséria quando mais acumula riqueza, seja nos momentos dramáticos da crise, quando se exige a queima de capital para salvar o capital e daí vem a intensificação da exploração, o rebaixamento dos salários e o empenho do Estado na administração das contratendências, a suposta universalidade se esfuma, uma vez que se separam didaticamente os interesses do capital que precisam ser garantidos e dos trabalhadores que precisam ser sacrificados.

Nossa pergunta sempre foi a seguinte: como agirá o governo pequeno burguês empenhado em operar a harmonia entre capital e trabalho no momento em que estes interesses se confrontem e, com isso, numa determinada conjuntura política, as forças sociais do trabalho se moverem na direção da defesa de suas demandas ameaçadas pelas necessidades de valorização do capital?

Esta não é uma pergunta retórica e foi formulada, entre outras oportunidades, em uma análise de conjuntura a pedido da Direção do MST por ocasião do balanço do primeiro governo Lula (ver: Análise Conjuntura a médio e longo prazo no Brasil, Iasi, 2007, http://www.odiario.info). A pergunta, indo direto ao ponto, era: como agirá o governo de conciliação de classes quando a luta entre estas classes se intensificar? Nossa resposta é que, infelizmente, não nos restava dúvida que o governo pequeno burguês ficaria ao lado do capital e reprimiria os trabalhadores.

O motivo desta certeza, além da análise das experiências históricas precedentes, vem do fato de que, ao aceitar a base da economia capitalista como fundamento da universalidade possível, a pequena burguesia se torna prisioneira desta ordem. Como disse Przeworski ao analisar a socialdemocracia europeia, “qualquer governo em uma sociedade capitalista é dependente do capital”. Garantir a ordem do capital e seu funcionamento se torna, também, condição da governabilidade pequeno burguesa.

Durante todo o governo petista (Lula e Dilma), vimos esta postura naquilo que se convencionou chamar de criminalização das lutas sociais e da pobreza, mas, de certa forma, tal processo ainda se mostrava dúbio. Jogava-se a culpa nos governos regionais ou locais, na autonomia das instituições ou em outro fator secundário. Agora, principalmente a partir de junho de 2013, o Governo Federal foi obrigado a mostrar sua cara diretamente. Talvez o ato que demonstre tal inflexão seja a declaração convicta do Ministro da Justiça do Governo Dilma, José Eduardo Cardozo, oferecendo ajuda da Política Federal ao Governador Alckmin para infiltrar e reprimir o movimento de rua que se levantava.

A virtude do movimento de rua que se levanta em 2013, em que pese sua heterogeneidade e fragmentação, foi direcionar sua raiva contra a ordem estabelecida e obrigar o governo pequeno burguês a abandonar sua aparência de neutralidade. E o governo respondeu, prometeu garantir a Lei e a Ordem e criar as condições para a plena realização dos megaeventos esportivos, mas não só: promove a segurança institucional para a ordem burguesa seguir seu rumo.

Tal postura agora se materializa na portaria do Ministério da Defesa. Deixemos que seu próprio texto nos esclareça.

Com a finalidade de garantia da Lei e da Ordem, as Forças Armadas serão chamadas a protagonizar operações de segurança quando as formas normais (Governos Municipais, Estadual e policias militar, etc.) não tiverem condições de fazê-lo. Para deixar bem claro, a portaria considera necessário partir de algumas definições. Vamos a elas:

–  Operação de Garantia da Lei e da Ordem(Op GLO) é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem.

–  Forças Oponentes (F Opn) são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

–  Ameaça são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio, praticados por F Opn previamente identificadas ou pela população em geral.

Notem que se trata de uma “operação militar”, que a Portaria define como de “não guerra contra forças oponentes que vão desde pessoas, grupos ou organizações que possam desenvolver atos ou potenciais atos contra pessoas ou patrimônio, podendo se tratar de uma ameaça que parte de atores “anteriormente identificados” ou da “população em geral”.  Como veremos, este trabalho implica numa ação de inteligência e contra inteligência. Apesar de ser uma operação de “não guerra”, pode implicar, diz o documento, o “uso de força limitada” em ambientes urbanos e rurais.

Para que fique claro o porquê do termo “não guerra”, o documento mais adiante esclarece que “não se enquadram como Op GLO as ações que visam combater a guerrilha e grupos armados que venham a causar grave comprometimento da ordem interna do País”.

Uma vez que se trata de transferir o comando das ações de segurança para o poder federal com uso das Forças Armadas, somente a Presidente da República, com a prerrogativa exclusiva e constitucional do cargo, pode assumir esta incumbência.

As operações de garantia da Lei e da Ordem, segundo os pressupostos do documento, teriam que buscar o apoio da população. Vejam o texto:

 Por se tratar de um tipo de operação que visa a garantir ou restaurar a lei e a ordem, será de capital importância que a população deposite confiança na tropa que realizará a operação. Esta confiança é conquistada, entre outros itens, pelo estabelecimento de orientações voltadas para o respeito à população e a sua correta compreensão e execução darão segurança aos executantes, constituindo-se em um fatorpositivo para sua atuação.

Nós, que vimos as ocupações militares nas favelas do Rio de Janeiro para implantação das UPPs, sabemos como se produz este tipo de “confiança”. Esta construção argumentativa é reveladora. É necessário que Ação seja vista como um ato em defesa de “pessoas e patrimônios”, em nome do interesse de toda a população. Ora, sabemos que o ato visa garantir um evento privado, promovido por empresas que visam lucro, assim como o conjunto dos negócios, direta ou indiretamente envolvidos, e eis que o interesse privado aparece como sendo o interesse geral.

Supostamente esta confiança se consolidaria porque a ação se daria segundo os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e legalidade. Segundo o primeiro, a ação repressiva deve ser proporcional à ameaça, variando desde o controle pacífico até a repressão violenta se as chamadas forças oponentes usarem de violência; o segundo princípio parece indicar que os atos repressivos devem pautar-se pelo uso de armamentos não letais, utilizados de acordo com as metas da missão; e o terceiro, que toda a ação de garantia da Lei e da Ordem terá que ser respaldada pela legislação e ordenamento legal vigente, daí a presença do Ministério Público e outros órgãos e instituições, inclusive ONGs, para  “proteger” os militares na execução de suas missões.

Neste aspecto, pela experiência das manifestações de 2013, trata-se de jogar a culpa nos manifestantes, isto é, a polícia provoca e depois reprime como se houvesse sido provocada. A própria presença das forças de repressão diante de uma manifestação é a provocação inicial, mas serão os manifestantes que serão os culpados pela repressão que vierem a sofrer.

Da mesma forma, a legalidade, como dissemos, é para proteger o agressor. Mas não acreditem em minhas palavras, vejam os termos da própria portaria:

 Devido ao caráter diversificado e abrangente, as ações desenvolvidas em Op GLO serão vulneráveis à contestação, sendo importante a previsão de uma assessoria jurídica específica para a atividade capaz de assistir os comandantes e orientar os procedimentos legais a serem adotados.

Para a eficiência das Operações de garantia da Lei e da Ordem, será realizado um trabalho de “inteligência”, que é assim definido:

 O minucioso conhecimento das características das F Opn e da área de operações, com particular atenção para a população que nela reside, proporcionará condições para a neutralização ou para a supressão da capacidade de atuação da F Opn com o mínimo de danos à população e de desgaste para a força empregada na Op GLO.

Como se pretende se chegar a este minucioso conhecimento das forças oponentes, lembremo-nos que se trata de pessoas, grupos e organizações. Serão infiltrados policiais nas organizações dos trabalhadores, pessoas terão suas privacidades devassadas, nossas comunicações serão interceptadas? E, vejam, para que isso leve ao menor dano possível para a abstração da população e para as “forças empregadas”!!!

O texto ainda afirma que, na busca da legitimação da ação repressiva, “a produção do conhecimento apoiará as ações das forças empregadas e fornecerá dados para o desenvolvimento das atividades de Comunicação Social (Com Soc) e de Operações Psicológicas (OpPsc)”. Ou seja, assim se construirá a versão sobre a repressão às manifestações, aquela “verdade” que sairá nas mídias, tais como a versão da população sorridente recebendo o caveirão entrando nas favelas ou a versão de vândalos e arruaceiros, em poucas palavras, a arte de revestir a crueldade e arbitrariedade para que ela não parece o que de fato é.

Apesar de tentar caracterizar como uma “não guerra”, a portaria quer deixar claro que todos os meios serão usados. Mais adiante no texto vemos isso claramente na seguinte passagem:

 Esta dissuasão deve ser obtida lançando-se mão de todos os meios à disposição, podendo incluir o Princípio de Guerra da Massa, que fica caracterizado ao se atribuir uma ampla superioridade de meios das forças empregadas em Op GLO em relação às F Opn.

Tanto se trata de uma guerra que todo o jargão é militar, inclusive com o uso das chamadas operações psicológicas ou, nos termos da Guerra do Vietnã, “ganhar corações e mentes”. As tais operações psicológicas, em síntese, esperam isolar os manifestantes e desqualificá-los, buscando apoio da população para legitimar a repressão, assim como evitar o enfraquecimento e unidade das forças repressivas na execução de sua tarefa. Nos termos da portaria, assim se apresentam

 Os principais objetivos das OpPSC (operações psicológicas):

 a) obter a cooperação da população diretamente envolvida na área de operações, desenvolvendo uma atitude contrária às F Opn e outra favorável às forças empregadas;

 b) estimular as lideranças comunitárias favoráveis às operações;

 c) enfraquecer o ânimo e o moral das F Opn compelindo-os à desistência voluntária; e

 d) fortalecer o sentimento de necessidade do cumprimento do dever na força empregada, aumentar o seu potencial de engajamento e torná-la imune às atividades de cunho psicológico das F Opn.

 A guerra psicológica e a desinformação já começam no próprio texto da Portaria. Notem como são descritas as possibilidades de composição encontradas entre as chamadas forças oponentes:

 a) movimentos ou organizações;

 b) organizações criminosas, quadrilhas de traficantes de drogas, contrabandistas de armas e munições, grupos armados etc;

 c) pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações ou em OSP, provocando ou instigando ações radicais e violentas; e

 d) indivíduos ou grupos que se utilizam de métodos violentos para a imposição da vontade própria em função da ausência das forças de segurança pública policial.

E eis que, ao lado de pessoas, grupos, movimentos e organizações, aparecem organizações criminosas, contrabandistas e traficantes, quadrilhas armadas. Sabemos que existem infiltrados nas manifestações, mas todas as vezes que foram desmascarados, ou eram membros de grupos de extrema-direita pagos ou não por quadrilhas de políticos bem posicionados na ordem que se espera defender, ou, na maioria dos casos, de um outro grupo ou quadrilha organizada e pesadamente armada, em vários casos comprovados, envolvidos com traficantes de drogas e armas: a Policia Militar!!

O mesmo se apresenta quando se descrevem as possíveis situações que serão enfrentadas pelas operações de garantia da Lei e da Ordem. Notem o descalabro e o que, insidiosamente, se inclui:

 a) ações contra realização de pleitos eleitorais afetando a votação e a apuração de uma votação;

 b) ações de organizações criminosas contra pessoas ou patrimônio incluindo os navios de bandeira brasileira e plataformas de petróleo e gás na plataforma continental brasileiras;

 c) bloqueio de vias públicas de circulação;

 d) depredação do patrimônio público e privado;

 e) distúrbios urbanos;

 f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas;

 g) paralisação de atividades produtivas;

 h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País;

 i) sabotagem nos locais de grandes eventos; e

 j) saques de estabelecimentos comerciais.

 Percebam que se mescla uma grande variedade de possíveis ações a serem reprimidas, mas entre elas se misturam ações criminosas como ataques a navios e plataformas, junto com distúrbios urbanos, claros atos de protestos e mesmo greves (paralisação de atividades produtivas). Isto quer dizer que se metalúrgicos ou petroleiros fizerem greve poderão ser alvos das Forças Armadas? Paralisação de serviços críticos ou essenciais? Quais? Uma greve dos funcionários públicos federais pode ser considerada uma ameaça de forças opositoras?

Claramente se trata de utilizar as Forças Armadas com uma função explícita de polícia, criando um clima de terror que procura (e não vai conseguir) prevenir as manifestações em 2014 para garantir dois eventos, como se explicita no texto da Portaria, a Copa de Mundo FIFA e as eleições.

A ordem democrática será garantida pelas botas militares e a repressão ao direito de manifestação e de greve da classe trabalhadora, tudo para salvar os investimentos e negócios, para dar uma resposta à FIFA e a seu presidente.

Não vejo uma melhor forma de iniciar o ano que lembra os 50 anos do Golpe Militar. Parece que Dilma exumou o corpo de Jango apenas para que ele veja o espetáculo da rendição dos pseudorreformistas aos clamores da ordem e da lei. Se ele pudesse falar, diria que não adianta, os militares são imunes ao capachismo de seus inimigos. Nada de novo:infelizmente, a pequena burguesia cumpre seu papel. Saberemos cumprir o nosso?

[1] MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte, cit., v. 1, p. 226-227 (grifos do autor).

 (*) Mauro Iasi é membro do Comitê Central do PCB (Partido Comunista Brasileiro)