
Ao verificar se já constava alguma “surpresa” legal para mim tramitando atualmente no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, eis que eu descobri que o coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores das Universidades Públicas Estaduais do Rio de Janeiro (Sintuperj), Sr. Antonio Virginio Fernandes, moveu um processo (No 0001286-44.2015.8.19.0014) por causa de uma postagem que eu fiz aqui neste blog abordando uma correspondência enviada pela direção do sindicato ao reitor da Uenf, Silvério Freitas, em relação a uma decisão de greve dos servidores da UENF em julho de 2014 (Aqui!). O que mais me deixou estupefato naquela correspondência é que foram enviadas cópias para as secretarias de Planejamento e Gestão (Seplag) e Ciência e Tecnologia (Sect) e para o gabinete da Casa Civil.
O incrível nesse processo é que jamais fui notificado pela justiça, que terminou arquivando o processo sem sequer me ouvir tal era o absurdo da acusação que o coordenador geral do Sintuperj fazia contra mim, e que foi na verdade uma tentativa de coagir a minha liberdade de expressão que, naquela postagem, foi usada para defender o direito dos servidores da Uenf de lutarem por seus direitos.
A decisão que eu considero modelar do juiz Glaucenir Silva de Oliveira diz o seguinte:
“Trata-se de ação penal de notificação proposta pelo notificante contra o notificado, ambos qualificados na inicial de f. 02/05, na qual o primeiro imputa ao segundo a conduta descrita no artigo 140 do Código Penal, pois segundo seu entendimento, o notificado divulgou em seu blog expressões que considerada ofensivas à sua honra subjetiva, o que caracterizaria o citado delito, através dos seguintes dizeres, in verbis: ´Se isso não é entregar seus próprios membros (sic) ao carrasco, eu não sei o que é´. ´Com um sindicato como esse, quem precisa de patrão?´. Esta a parte principal e cerne da questão que deu ensejo a ação de natureza penal. Conforme expõe o notificante, ele é coordenador de um sindicato do qual faz parte como integrante o notificado que é servidor da UENF e as críticas foram realizadas no calor de negociações referentes a greve e campanha salarial da categoria sindical. Nos dias atuais, o direito a imagem ostenta forte apelo no cotidiano das pessoas, graças à mídia, inclusive cibernética que, diante de seu aperfeiçoamento e da associação freqüente da imagem das pessoas às mais diversas campanhas, muitas vezes com interesses pessoais e indignos, causa uma verdadeira enxurrada de exploração das imagens de cidadãos com conseqüente manejo de ações judiciais. Nos presentes autos, o autor da ação é pessoa pública ao menos no espectro dos sindicalizados e investida de autoridade administrativa sindical, que não permite e não aceita a profanação de sua imagem e honra subjetiva, como aliás se permite a qualquer cidadão. Note-se que o tratamento jurídico das questões que envolvem a mídia se tornou um desafio dos tempos modernos, uma vez que os progressivos avanços tecnológicos têm levado à flexibilização e à alteração de alguns conceitos jurídicos até então sedimentados, como liberdade, espaço territorial, tempo, entre outros. O direito à imagem se encaixa neste contexto, pois traz à baila a controvertida situação do impacto da imprensa, inclusive cibernética, sobre os direitos e as relações jurídico-sociais em um ambiente desprovido de regulamentação estatal após a declaração de inconstitucionalidade da Lei de Imprensa que regulava a matéria e as responsabilidades cíveis e criminais. No RESP 1082878, a Min. Nancy Andrighi relatou que a doutrina e jurisprudência são pacíficas em entender que pessoas públicas ou notórias têm seu direito à imagem mais restrito que pessoas que não ostentam tal característica, V. Acórdão que se amolda perfeitamente ao presente caso. Por oportuno, convém salientar que a liberdade de crítica é inquestionável. Entretanto, criticar não significa ofender, injuriar e difamar, violentando a dignidade alheia. Feitas essas considerações em respeito a imagem e dignidade do querelante, é mister a análise técnica do fato ensejador da ação penal por crime de injúria, vez que o notificante sustenta ofensa a sua honra subjetiva. Neste ponto, deve-se esclarecer que injuriar alguém, significa imputar a determinada pessoa um juízo de valor ofendendo-lhe a honra subjetiva, nos termos do disposto no artigo 140 do Estatuto Repressivo. No caso sub examem, seria a honra-dignidade, referente aos atributos morais do notificante. Assim, imprescindível para se caracterizar o crime, ofender a dignidade do notificante, pessoa determinada. Fácil se concluir que a conduta criminosa deve ser imputada a determinada pessoa. Em outras palavras, o agente injuriador deve atribuir a alguém (pessoa) a prática de um desvalor moral. Conforme se denota da inicial e da matéria divulgada no blog, as expressões que a princípio constituem a injúria são imputados ao sindicato, que em hipótese alguma se confunde com a pessoa do notificante. Por outro lado, o que se observa nas matérias e nas expressões que constituem o núcleo das supostas ofensas, é que se tratam se críticas a forma como o sindicato estava conduzindo as questões relativas ao movimento grevista e a campanha salarial da categoria da qual faz parte o notificado. Ressalte-se que o direito de expressão e crítica tem assento constitucional. Pela leitura das expressões referidas, não verifico a existência do imprescindível dolo consistente na vontade de causar dano à honra subjetiva do notificante. Ressai da leitura o ânimus narrandi, carregando em seu bojo uma crítica sem ofensa a honra-dignidade. Neste sentido: STF, RT 421:262. Desta forma, a ausência de imputação ofensiva a pessoa física, com personalidade jurídica, maculando sua honra subjetiva e sua imagem e, por outro lado, o ânimo de criticar em discordância com a condução de interesses sindicais, sem indicação de uma conduta minudente e com seus exatos contornos, impede a caracterização do delito, ensejando a atipicidade da conduta e, por conseguinte, impede o recebimento da ação penal por falta de justa causa. Ante o exposto, REJEITO A NOTIFICAÇÃO, o que faço com fulcro no disposto no artigo 395, inciso III do Código de Processo Penal, por analogia. Transitada em julgado, dê-se baixa e arquive-se.“
A parte é que eu mais gosto dessa decisão é a que diz “o direito de expressão e crítica tem assento constitucional.”.
Pois é, a lei ainda garante o direito de crítica no Brasil. Nesse caso, só posso dizer: salve a Constituição brasileira! E sim, que sindicatos que merecem essa designação são para lutar pelo direito dos trabalhadores, e não para enviarem correspondências desautorizadoras para secretarias de governo e reitorias.