
Lula, e não Gilberto Kassab (PSD), foi o grande vencedor no primeiro turno das eleições municipais de 2024
Tenho lido e ouvido análises sobre os resultados do primeiro turno das eleições municipais onde a maioria dos analistas, alguns até honestos, apontam para o que seria uma derrota flagrante do presidente Lula e do seu partido, o PT. Essas análises são apoiadas em números de votos recebidos e candidatos eleitos, o que dá uma aparência de irrefutabilidade às indicações de que Lula e o PT foram derrotados por partidos que seriam de centro ou centro-direita, seja lá o que seja isso em termos práticos.
Eu discordo dessas análises porque avalio que a estratégia eleitoral determinada por Lula e pela cúpula dirigente do PT era algo que ia no sentido de “entrar em campo para jogar, fingindo que se quer ganhar, mas fazendo uma força danada para perder”. Basta ver o tipo de suporte político e financeiro que foi dado aos candidatos oficiais do PT, a começar aqui pela terra do chuvisco, Campos dos Goytacazes.
Na maioria dos casos, faltou de tudo nas campanhas “raiz” do petismo, a começar por uma linha política que habilitasse seus candidatos a terem um mínimo de chance. Isso também ficou claro em campanhas próximas do que seria o campo popular, como foi o caso da campanha de Guilherme Boulos, o mais petista dos psolistas ainda no PSOL. A imposição de Marta Suplicy como candidata a vice-prefeita, por exemplo, só serviu para esmaecer as tinturas esquerdistas de Boulos que, convenhamos, não eram tão fortes para começo de conversa. De resto, o PT paulistano e o paulista não fizeram muita coisa para apoiar Boulos que quase conseguiu a façanha de enviar dois candidatos bolsonaristas para o segundo turno, o que foi alcançado pelo PT de Curitiba que resolveu apoiar uma espécie de não-candidatura do PSB local.
Mas é para além das derrotas do petismo raiz que o sucesso da estratégia eleitoral de Lula ficou mais evidente. Seja nas vitórias como a de Eduardo Paes no Rio de Janeiro onde o PT foi aliado de primeira hora de uma candidatura que aposta na privatização até do ar poluído que os cariocas respiram, seja nas alianças com os ditos partidos de extrema-direita pelo Brasil afora. Foi pouco noticiado, mas até com o PL de Jair Bolsonaro, o PT esteve aliado.
Alguém pode me perguntar como é que eu possa estar fazendo este tipo de análise contra um presidente tão com cara de esquerda como Lula. O problema é que tanto Lula quanto a direção do PT já abandonaram o campo da esquerda faz algum tempo (eu diria que desde a Carta aos Brasileiros de 2002). O que restou do velho PT foi um simulacro de partido de esquerda que em alguns aspectos está mais à direita do que o Partido Democrata está nos EUA.
Pode-se perguntar o motivo das opções estratégicas de Lula para abandonar o esforço de eleger prefeitos e vereadores do próprio PT e entregar de graça a chance de governar para a direita ou até a extrema-direita. A primeira coisa é que Lula sabe muito bem que os partidos políticos no Brasil, com a possível exceção do próprio PT, não passam de agremiações que juntam oportunistas e aventureiros de todo tipo e matiz que estão dispostos a servir caninamente os que realmente mandam no país (banqueiros e latifundiários) em troca das migalhas que ainda restam nos cofres de governos municipais e estaduais. Partidos no sentido ensejado pela democracia liberal burguesa que é bom, nem sombra. E Lula, como poucos, sabe operar nesse mar de oportunistas.
A segunda coisa é que ao entregar os anéis, Lula sabe que aumenta em muito as chances de manter os dedos que, no caso presente, é o controle do governo federal. Em que pese o esperado encarecimento do preço político das eleições (normalmente contado em número de ministérios e de cargos de segundo e terceiro escalão), ao entregar as prefeituras para a direita, Lula também se livra o ônus de ter que conversar sob o tacão das políticas neoliberais que são impostas aos municípios pelo seu próprio governo. De quebra, diante do inevitável fracasso das promessas feitas pela direita nas eleições municipais, Lula, ou um escolhido para substituí-lo, pode manter a fachada de esquerda para ganhar as eleições de 2026, usando a repetida, manjada, mas efetiva assertiva de que a direita não governa para os pobres.
Em suma, discordo de quem diz que a política da “Frente Ampla” de Lula foi derrotada no primeiro turno das eleições municipais de 2024. Na verdade, essa política ficou fortalecida ao apontar para um cenário em 2026 em que novamente será o PT (e seus aliados) contra o conveniente fantasma da extrema-direita.
O fato é que a primeira tarefa de quem realmente deseja mudar o cenário político brasileiro e movê-lo para a esquerda é superar toda e qualquer ilusão em Lula. Com isso será possível liberar as forças populares da paralisia que lhes é imposta por Lula e pelo PT. Essa, convenhamos, não será uma tarefa fácil, pois basta ver o que foi feito para desmoralizar quadros emergentes da esquerda como era o caso de Marcelo Freixo e Guilherme Boulos, ou para abandonar e deixar à mercê da direita uma liderança ascendente como Glauber Braga.
Contudo, em tempos históricos tão desafiadores, não posso deixar de lembrar de uma frase de Rosa Luxemburgo que dizia que “há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade?” Mas para a frase de Rosa Luxemburgo ser transformada em realidade, há que se entender como o jogado é realmente jogado, e aquilo que precisa ser feito para virar o placar. Mas pelo que eu vejo e ouço, as forças que lutam por um novo mundo estão aí e se movimentando com vigor. O que nos impede de saber disso é que noticiar a existência e a ação dessas forças não interessa a quem controla a distribuição da informação.







