Não sei quantos já leram o texto postado pelo professor Roberto Moraes, do Instituto Federal Fluminense, em seu blog pessoal sob o título de “Independência do BC é o abre alas da avalanche neoliberal que sustenta o capitão cloroquina: Faria Lima desconfia que não terá dois anos pela frente!“. Mas quem ainda não leu, sugiro fortemente que leia. Acredito que dentre as centenas de análises feitas pela atual conjuntura política brasileira, a análise feita por Roberto Moraes vai no ponto fundamental que são os prognósticos de que o prazo de “validade” do presidente Jair Bolsonaro pode estar com os dias contados e, por causa disso, os verdadeiros “players” da economia política brasileira, i.e., o setor financeiro rentista e especulativo, está tentando atravessar o rio com a boiada inteira.
Eu não tenho retoque a fazer na postagem do Prof. Roberto Moraes, apenas um pequeno acréscimo no sentido de que provavelmente a rebordosa está mais próxima no horizonte do que a mídia corporativa brasileira nos permite ver, muito em parte por causa da concordância com seus proprietários com o desmanche dos direitos sociais e trabalhistas que lhes permite continuar mantendo seus navios acima da linha d´água.
Quem olha as principais manchetes e matérias secundárias vai imaginar que vivemos um momento de completa paralisia política em que inexiste sequer a latência de conflitos originados pela aplicação das medidas ultraneoliberais impostas pelo dublê de banqueiro e ministro da Fazenda, o Sr. Paulo Guedes. Como observo outras fontes de informação, seja a mídia alternativa ou as redes sociais, sei que isto não é verdade, e que focos de intensos conflitos estão espalhados pelo Brasil em função do inevitável confronto que ocorre no chão entre os segmentos que se favorecem do atual governo com aqueles que estão perdendo tudo. A situação ainda não está evidente porque vivemos em meio a uma pandemia letal que objetivamente dificulta movimentos de massa.
Mas apesar de todas as sabotagens realizadas pelos ocupantes dos diferentes níveis de governo (do federal aos municipais), a pandemia eventualmente vai arrefecer e aí as situações de conflito tenderão a se avolumar, se tornando mais difíceis de serem ocultadas. Em seu livro “Minha Vida“, o revolucionário russo Leon Trotsky disse que não houve quem ficasse mais surpreso do que os líderes bolcheviques com a vitória da revolução de 1917. Segundo Trotsky, isso teria se dado porque não a própria direção revolucionária não teria avaliado corretamente o grau de maturidade da classe trabalhadora russa para pôr fim à tirania do Czarismo.
E aqui que ninguém se confunda e pense que estou prevendo o início de uma revolução no Brasil. Eu sou muito simplório para fazer previsões tão robustas. De fato, estou apenas dizendo que uma grande rebordosa já está armada no horizonte Brasil, e só ainda não estamos vendo por causa das estratégias de distração impostas não apenas pela máquina bolsonarista de propaganda, mas também pela mídia corporativa.
Não me surpreenderei se, tal como os líderes bolcheviques, os dirigentes dos partidos da esquerda institucional se declararem se subitamente a rebordosa estourar. Entretanto, o que me preocupa mesmo é quantos deles se colocaram às ordens do “exército branco” que irá se colocar em ação para sufocar as demandas por justiça social e emprego pleno.
Leon Trotsky
Marxismo 21 organiza dossiê sobre a vida e obra de Leon Trotsky
Em agosto de 2020, completaram-se 80 anos do assassinato de Lev Davidovich Bronstein (1879-1940), mais conhecido por Trotsky, concluindo tragicamente um longo período de exílio e perseguição política promovida pelo governo da URSS, sob o comando de Josef Stalin (1878-1953).
A perseguição a Trotsky e aos militantes comunistas que se organizaram, primeiramente, na Oposição de Esquerda e, depois, na IV Internacional Comunista, chegou ao ponto de o Comintern proibir qualquer relação ou contato com os adeptos do trotskismo. Trotsky e os trotskistas foram sistematicamente estigmatizados ao longo do século XX e, até o presente, esta perspectiva sectária ainda se manifesta em parte da cultura comunista em todo o mundo.
Em geral, Trotsky é facilmente reconhecido como um opositor político de Stalin, mas raramente são, de fato, conhecidos o seu papel durante a Revolução Russa e suas análises sobre a URSS e seu regime político. Contudo, a discussão sobre a natureza do regime soviético e a proposta de sua superação são, a rigor, suas principais contribuições ao marxismo do século XX.
Trotsky entendia o stalinismo mais do que um mero governo de Stalin, mas como um fenômeno social de raízes profundas: uma ditadura bonapartista em um Estado proletário economicamente atrasado e internacionalmente isolado e sitiado que, politicamente, atuava para a perpetuação dessa situação ao sabotar e trair processos revolucionários em outros países, daí decorrendo consequências nefastas para a transição da URSS ao socialismo.
Entre suas outras contribuições, destacam-se a sua teoria do desenvolvimento desigual e combinado, e a teoria da revolução permanente a ela atrelada, que consiste em uma elaborada análise dialética do desenvolvimento capitalista em sua fase imperialista e das consequências deste para as possibilidades e limites de desenvolvimento político e econômico impostos aos países da periferia capitalista. É uma elaboração que, como interpretam alguns trotskistas, pode ajudar a compreender os aspectos da conjuntura atual, marcada pela degradação do regime democrático-burguês vigente em um contexto internacional de crise permanente da ordem capitalista.
Também de particular atualidade seria a análise sobre o fascismo, onde Trotsky formulou uma definição precisa do fenômeno, particularmente do caso alemão, e delineou formas de combatê-lo.
Além disso, são também muito importantes a sua proposta de uma arte revolucionária, mas que não se submetesse ao controle do Estado socialista; e, suas análises sobre a política de colaboração de classes defendida pelo stalinismo na Espanha e França dos anos 1930, através da linha da “Frente Popular”.
Infelizmente, a maioria da vasta obra de Trotsky não se encontra traduzida para o português e, entre o que há disponível em nossa língua, ademais, há muitos materiais que não estão disponíveis online. O mesmo se aplica às suas principais biografias, escritas por Isaac Deutscher, Pierre Broué e Jean Jacques-Marie, e às obras de comentadores. Por isso, inserimos links para acervos online mais completos, em língua inglesa e espanhola.
Também acrescentamos grande número de textos e materiais acadêmicos dedicados à compreensão do movimento trotskista, uma vez que ainda existe mais mito do que conhecimento sobre ele. Como é de se imaginar, a grande maioria dos materiais disponíveis em português – com algumas exceções – está dedicada à história do trotskismo no Brasil. Por isso, também inserimos links para alguns acervos online em língua inglesa e espanhola, que contêm um volume maior de materiais sobre o movimento trotskista internacional e em outros países.
Por fim, incluímos também diversos materiais audiovisuais sobre Trotsky e o trotskismo, que ajudam sobremaneira na divulgação do que se conhece hoje sobre os temas.
A Editoria é grata a Marcio Lauria Monteiro, pesquisador que colaborou ativamente com a organização deste dossiê; novas matérias pertinentes ao tema, a nós enviadas, poderão ser incluídas no dossiê.
Editoria
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1) Obras e textos de Leon Trotsky
Acervo online de livros, textos e cartas no Arquivo Marxista na Internet (português)
Obras completas em versão pdf (inglês, espanhol e algumas em português)
Balanço e Perspectivas, edição online
A Revolução Permanente (introdução e teses de síntese), edição online
Aonde vai a França?, edição online da editora Desafio
Programa de Transição, edição online da editora Sundermann
La lucha contra el fascismo (coletânea), edição online da editora Sedov/Germinal (espanhol)
Escritos latinoamericanos (coletânea), edição online da editora CEIP (espanhol)
A Revolução Traída, edição escaneada da editora Global (1980):
História da Revolução Russa (3 vol), edição digital da Biblioteca do Senado
2) Trabalhos sobre Trotsky
Coleção da revista Cahiers Léon Trotsky, 1979-2003 (francês)
Coleção da revista Revolutionary History (inglês)
BENOIT, Hector. O Programa de Transição de Trotsky e a América
COGGIOLA, Osvaldo. “Stalin” de Leon Trotsky – Trotsky, Stalin e a burocracia da URSS.
COGGIOLA, Osvaldo. O assassinato de Trotsky à luz da história. Revista de História, 1999.
COGGIOLA, Osvaldo. O assassinato de Trotsky. site A Terra é Redonda, 2020.
COGGIOLA, Osvaldo. Trotsky e o “Programa de Transição”.
COGGIOLA, Osvaldo. Trotsky, a ascensão do nazismo e o papel do stalinismo
DANTAS, Gilson. O stalinismo, a esquerda e o legado de Trotski
DANTAS, Gilson. Trotski e a III Internacional: alguma lição de estratégia para hoje
DANTAS, Gilson. Trotski e a potência dos sovietes. Parte 1 e Parte 2
DANTAS, Gilson. Como Trotski explica a vitória do fascismo na Itália.
DANTAS, Gilson. Por quê revisitar Trotski: sua atualidade para as lutas atuais.
DANTAS, Gilson. O general Dimitrov e o eterno revolucionário Trotski
DANTAS, Gilson. Porque o estudo de Trotski pode ajudar a pensar a crise econômica de hoje
DANTAS, Gilson. Trotski e o debate econômico: a novidade do seu foco metodológico
DANTAS, Gilson. Trotski e a defesa da democracia
DANTAS, Gilson.Trotsky e o homem novo
DEMIER, Felipe. Totalidade e internacionalismo em León Trotsky. Marx e o Marxismo, v. 6, n. 10, 2018.
DEMIER, Felipe. Trosky e os estudos sobre o populismo brasileiro. Revista Outubro, n. 13, 2005.
LÖWY, Michael. A teoria do desenvolvimento desigual e combinado. Revista Outubro, n. 1, 1998.
3) Trabalhos sobre o movimento trotskista
Coleção da revista Cahiers Léon Trotsky, 1979-2003 (francês): Coleção da revista Revolutionary History (inglês):
ABRAMO, Fúlvio. A Oposição de Esquerda no Brasil (1990).
ANDRADE, Everaldo de Oliveira. Mário Pedrosa, o golpe de 1964 e a ditadura. Verinotio n. 17 (2013)
ARCARY, Valério, Noventa anos do trotskismo no Brasil
BOAS, Josnei Di Carlo Vilas. A interpretação sobre o Brasil de ”Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil’. Dissertação de mestrado, UFSCAR, 2013.
Cadernos AEL: Trotskismo (2005). Vol. 12. n. 22/23.
CASTRO, Ricardo Figueiredo de. O movimento trotskista brasileiro nos anos 1930: teoria e práxis. Niterói, 1993. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal Fluminense.
KAREPOVS, Dainis. Mário Pedrosa e a IV Internacional: 1938-1940.
LISBOA, Roberto Borges. A Luta de Classe O Brasil pelo viés dos trotskistas 1930 – 1939.
PRADO, Carlos. A crítica trotskista à Aliança Nacional Libertadora. Anais Marx e o Marxismo, 2015.
4) Arquivos
Soviet history: archival resources at Harvard University library and archives
Instituto del Pensamiento Socialista Karl Marx (Argentina)
Site Splits & Fusions (acervo online de materiais de grupos trotskistas ingleses):
Asociation RaDAR (acervo online de materiais da Quarta Internacional e do Secretariado Unificado)
Encyclopedia of Trotskyism Online (acervo online de materiais do movimento trotskista, com destaque para grupos dos EUA e Inglaterra):
Acervo online do CERMTRI (ligado à tradição “lambertista”)
Archivo Leon Trotski (acervo online ligado à tradição “morenista”):
5) Material audiovisual
Leon Trotski – 75 anos (Seminário na Universidade de Brasília, 2015):
O assassinato de Trotsky e a lata de lixo na história (TV Brasil, 2016):
Entrevista de Esteban Volkov à TV Brasil (2016):
Entrevista de Esteban Volkov ao Esquerda Online (2016):
Mesa redonda “O marxismo dos trotskistas: história, teoria e prática” (Colóquio Internacional Marx e o Marxismo 2015, NIEP UFF):
Esteban Volkov sobre “A vida de Trótski” (seminário Boitempo, 2017):
Mesa redonda Trotski e a oposição ao stalinismo (Seminário Internacional 100 anos da Revolução Russa PUC-SP, 2017)
Colóquio Internacional Marx e Engels (CEMARX Unicamp 2018):
Seminário Leon Trotski (NEHTIPO PUC-SP, 2019):
O marxismo de Leon Trotski, Ruy Braga (Curso “Marx e os marxismos” 2019, Boitempo)
Seminário Online 80 Anos dos Assassinato de Trotsky (Canal Pela Manhã / Allamatiina, 2020):
Evento online Trótski em Permanência (2020):
#TRÓTSKI2020 uma homenagem nos 80 anos de seu assassinato (Esquerda Diário, 2020)
Ato-live 80 anos sem Trotsky (Esquerda Online, 2020):
Canal do portal Esquerda Diário, com vários vídeos sobre Trotsky:
Este dossiê foi inicialmente publicado pelo Marxismo 21 [Aqui!].
A Teoria do Fascismo em Leon Trotsky em leitura de Ernest Mandel
Escrito em 1974 pelo teórico marxista Ernest Mandel, o livro “A Teoria do Fascismo em Leon Trotsky” procurou analisar como um dos principais líderes da Revolução Russa de 1917 via as causas e o papel da ascensão do Fascismo na manutenção da dominação burguesa dentro do Capitalismo na década de 1930.
O texto abaixo é a introdução do livro escrito Mandel e sua leitura oferece uma janela para o entendimento de como o Fascismo tende a reemergir como força política a ser tratada com seriedade nos períodos de graves crises do Capitalismo, especialmente em uma época em que o setor financeiro é que determina os ritmos dos processos de produção e acumulaçã.
Entre os elementos singulares que Trotsky notou, e que continuam claramente atuais, está a ação deliberada (normalmente consumada pelo uso da força extrema) para destruir as organizações operárias, de modo a facilitar o desmanche do sistema de direitos que a classe operária logrou montar a partir de sua luta em face dos capitalistas.
A análise oferecida por Ernest Mandel a partir do que foi dito por Leon Trotsky é importante para entendermos porque forças neofascistas estão reemergindo com vigor renovado em diferenças partes do sistema capitalista, tanto em países centrais como os EUA, França e Alemanha ou na periferia capitalista como é o caso do Brasil.
Introdução: A Teoria do Fascismo Segundo Leão Trotski
Por Ernest Mandel
A teoria do fascismo de Trotski apresenta-se como um conjunto de seis elementos; cada elemento é provido de uma certa autonomia e conhece uma evolução determinada sobre a base das suas contradições internas; mas elas só podem ser entendidas como totalidade fechada e dinâmica, e só a sua interdependência pode explicar a ascensão, a vitória e o declínio da ditadura fascista.
a) O ascenso do fascismo é a expressão da grave crise social do capitalismo de idade madura, de uma crise estrutural, que, como nos anos 1929-1933, pode coincidir com uma crise económica clássica de superprodução, mas vai muito além de uma oscilação da conjuntura. Trata-se fundamentalmente de uma crise de reprodução do capital, ou seja, da incapacidade de prosseguir uma acumulação “natural” do capital, dada a concorrência ao nível do mercado mundial (nível existente dos salários reais e da produtividade do trabalho, acesso às matérias-primas e aos mercados). A função histórica da tomada do poder polos fascistas consiste em alterar pola força e a violência as condições de reprodução do capital em favor dos grupos decisivos do capitalismo monopolista.
b) Nas condições do imperialismo e do movimento obreiro contemporâneo, historicamente desenvolvido, a dominação política da burguesia exerce-se o mais vantajosamente – é dizer, com os custos mais reduzidos – através da democracia parlamentar burguesa que oferece, entre outros, a dupla vantagem de neutralizar periodicamente as contradições explosivas da sociedade por algumas reformas sociais, e de fazer participar, diretamente ou indiretamente, no exercício do poder político, um setor importante da classe burguesa (através dos partidos burgueses, dos jornais, das universidades, das organizações patronais, das administrações municipais e regionais, das cimeiras do aparelho de Estado, do sistema do Banco Central). Esta forma de dominação da grande burguesia – de modo algúm a única, do ponto de vista histórico(1) – é, no entanto, determinada por um equilíbrio muito instável das relações de poder econômicas e sociais. Se esse equilíbrio vem a ser destruído pelo desenvolvimento objetivo, apenas restará à grande burguesia uma saída: tentar, ao preço da renúncia ao exercício direto do poder político, estabelecer uma forma superior de centralização do poder executivo para a realização dos seus interesses históricos. Historicamente, o fascismo é portanto ao mesmo tempo a realização e a negação das tendências inerentes ao capital monopolista que Hilferding, o primeiro, tem revelado, “organizar” de forma “totalitária” a vida de toda a sociedade no seu interesse(2)realização, porque o fascismo afinal de contas preencheu essa função; negação, porque, ao contrário das ideias de Hilferding, não podia preencher essa função senão por uma expropriação política profunda da burguesia(3)
c) Nas condições do capitalismo industrial monopolista contemporâneo, uma tão forte centralização do poder do Estado, que implica além do mais a destruição da maior parte das conquistas do movimento obreiro contemporâneo (especialmente, de todos os “germes de democracia proletária no quadro da democracia burguesa” como Trotski designa com razão as organizações do movimento operário) é praticamente inatingível por meios puramente técnicos, dada o enorme desequilíbrio numérico entre os assalariados e os detentores do grande capital. Uma ditadura militar ou um Estado puramente policial – para não falar da monarquia absoluta – não dispõe de meios suficientes para atomizar, desencorajar e desmoralizar, durante um longo período, uma classe social consciente, com vários milhões de indivíduos, e para evitar assim qualquer foco da luta de classes mais elementar, foco que só o jogo das leis do mercado desencadeia periodicamente. Para isso, é necessário um movimento de massas que mobilize um grande número de indivíduos. Somente um tal movimento pode dizimar e desmoralizar a franja mais consciente do proletariado polo terror de massa sistemático, por uma guerra de assédio e de combates de rua, e, depois de tomar o poder, deixar o proletariado não apenas atomizado no seguimento da destruição total das suas organizações de massa, mas também desencorajado e resignado. Este movimento de massas pode, polos seus próprios métodos adaptados às exigências da psicologia das massas, conseguir não somente que um aparelho gigantesco de porteiros, polícias, de células do NSBO(4) e simples bufos, submeta os assalariados politicamente conscientes politicamente a uma vigilância permanente, mas também a que a parte menos consciente dos operários e, sobretudo, dos empregados, seja influenciada ideologicamente e parcialmente reintegrada numa colaboração de classes eficiente.
d) Tal movimento de massas só pode surgir no seio da terceira classe da sociedade, a pequena burguesia, que, na sociedade capitalista, coexiste com proletariado e a burguesia. Quando a pequena burguesia é atingida tão severamente pola crise estrutural do capitalismo de idade madura, ela afunde na desesperança (inflação, falência dos pequenos empresários, desemprego massivo dos diplomados, dos técnicos e dos empregados superiores, etc.), é quando, polo menos em parte desta classe, surge um movimento tipicamente pequeno burguês, mistura de reminiscências ideológicas e de ressentimento psicológico, que combina um nacionalismo extremo e uma demagogia anticapitalista(5), violenta polo menos em palavras, uma profunda hostilidade para com o movimento operário organizado (“nem marxismo”, “nem comunismo”). Desde que este movimento, que recruta principalmente entre os elementos sem referência de classe da pequena burguesia, usa a violência física abertamente contra os assalariados, as suas ações e as suas organizações, um movimento fascista nasce. Após um período de desenvolvimento independente, permetindo-lhe tornar-se um movimento de massas e iniciar ações de massa, ele precisa do apoio financeiro e político de frações importantes do capital monopolista para subir ao poder.
e) A dizimação e esmagamento prévio do movimento obreiro, quando a ditadura fascista quer cumprir o seu papel histórico, são essenciais, só são possíveis, no entanto, se, no período anteiror à tomada do poder, o fiel da balança pende decisivamente em favor dos bandos fascistas e contra os operários(6).
O ascenso de um movimento fascista de massa é uma espécie de institucionalização da guerra civil, onde, no entanto, ambas as partes têm objetivamente uma oportunidade de ganhar (por isso a grande burguesia não apoia nem financia tais experimentos a não ser em condições muito particulares, “anormais”, porque esta política de tudo por tudo apresenta inegavelmente um risco à partida). Se os fascistas conseguem varrer o inimigo, isto é, a classe operária organizada, paralisá-la, desencorajá-la e desmoralizá-la, a vitória está-lhe garantida. Se, ao contrário, o movimento obreiro consegue repelir o assalto e tomar a iniciativa, infligirá uma derrota decisiva não somente ao fascismo mas também ao capitalismo que o engendrou. Isso é devido a razões de ordem técnico-políticas e socio-psicológicas. Inicialmente, os bandos fascistas não organizam senão a fração mais decidida e a mais desesperada da pequena burguesia (a sua fração “raivosa”).
A massa dos pequenos burgueses, assim como a parte pouco consciente e desorganizada dos assalariados, especialmente os jovens operários e empregados, oscilará normalmente entre os dois campos. Terão tendência a se alinharem do lado daquele que manifestará mais audácia e espírito de iniciativa; apostam com boa vontade sobre o cavalo vencedor. Isso nos permite dizer que a vitória do fascismo traduz a incapacidade do movimento operário em resolver a crise do capitalismo maduro de acordo com os seus próprios interesses e objetivos. De fato, tal crise não faz, em geral, senão dar ao movimento operário uma oportunidade de se impor. Só quando ele deixou escapar esta oportunidade e que a classe é seduzida, dividida e desmoralizada, que o conflito pode conduzir ao triunfo do fascismo.
f) Se o fascismo não conseguiu “esmagar o movimento operário sob os seus golpes”, cumpriu a sua missão aos olhos dos representantes do capitalismo monopolista. O seu movimento de massa burocratiza-se e se funde com o aparelho de Estado burguês, o que não pode produzir-se até o momento que as formas mais extremas da demagogia plebeia pequena burguesa, que faziam parte dos “objetivos do movimento”, desapareçam da superfície e da ideologia oficial. Isso não é incompatível com a perpetuação de um aparelho de Estado altamente centralizado. Se o movimento operário é derrotado e se as condições de reprodução do capital dentro do país mudaram de tal maneira que é fundamentalmente favorável à grande burguesia, o seu interesse político confunde-se com a necessidade de uma mudança no mesmo nível do mercado mundial. A falência ameaçadora do Estado desenvolve-se igualmente. A política do tudo por tudo do fascismo é levada ao nível da esfera financeira, inflama uma inflação permanente, e, por fim, não deixa outra saída que a aventura militar no exterior. Essa evolução não favorece de forma nenhuma um reforçamento do papel da pequena burguesia na economia e na política interna, mas ao contrário, provoca uma deterioração das suas posições (com a exceção da franja que pode ser alimentada com as prebendas do aparelho de Estado tornado autonónomo). Não é o fim da “escravatura aos credores”, mas polo contrário, a aceleração da concentração do capital.
É aqui que se revela o carácter de classe da ditadura fascista, que não corresponde ao movimento fascista de massa. Ela defende não os interesses históricos da pequena burguesia, mas os do capital monopolista. Uma vez concluída esta tendência, a base de massa ativa e consciente do fascismo retrai-se necessariamente. A ditadura fascista tende a se destruir e reduzir a sua base de massa. Os bandos fascistas tornam-se apêndices da polícia. Na sua fase de declínio, o fascismo transforma-se de novo numa forma particular de bonapartismo.
Tais são os elementos constitutivos da teoria do fascismo de Trotski. É baseado numa análise das condições particulares nas quais a luta das classes nos países altamente industrializados, se desenvolve durante a crise estrutural do capitalismo de idade madura (Trotski fala da “época do declínio do capitalismo”) e sobre uma combinação particular – característica do marxismo de Trotski – dos fatores objetivos e subjetivos na teoria da luta de classes assim como na tentativa de influir na prática sobre ela.
Notas:
(1) Somos sempre surpreendidos pola curiosa amnésia que ataca os ideólogos burgueses a propósito da história recente da sociedade burguesa. Nos dois séculos que seguiram a primeira revolução industrial, o Estado na Europa Ocidental tomou o sucessivamente a forma da monarquia aristocrática, do cesarismo plebiscitário, do parlamentarismo liberal-conservador (com o direito de voto limitado a 10% ou mesmo às vezes a 5% da população), da autocracia caracterizada, e isso independentemente do país estudado. A democracia de tipo parlamentar, baseada no sufrágio universal, é praticamente em todo o lado – exceto por um breve período durante a Grande Revolução Francesa – uma conquista da luta do movimento obreiro e não da burguesia liberal. (retornar ao texto)
(2) Poder económico significa ao mesmo tempo poder político. Quem domina a economia dispõe igualmente de todos os poderes do Estado. Quanto maior a concentração na esfera económica, mais a dominação sobre o Estado torna-se ilimitada. Esta concentração rígida de todos os poderes do Estado aparece como o cimo da potência, o Estado apresenta-se como o instrumento insubstituível da manutenção da dominação económica… O capital financeiro sob a sua forma acabada é o grau superior da perfeição do poder econômico e político nas mãos da oligarquia capitalista. Conclui a ditadura dos magnatas do capital. Rudolf Hilferding, Le Capital financier (escrito em 1909), citado pola edição de Viena (edição La librairie du Peuple), pp. 476 e seguintes. (retornar ao texto)
(3) Isso explica que Hilferding no final da sua vida, na véspera da sua morte, tenha chegado à conclusão errônea de que a Alemanha nazi não era já uma sociedade capitalista, porque o poder pertencia a uma burocracia totalitária; esta conclusão errada é contemporânea da tese de Burnham sobre “a era dos gestores”. (retornar ao texto)
(4) Nationalsozialistiche Betriebsorganisation: organização do partido nazi (NSDAP) nas empresas. (retornar ao texto)
(5) No entanto, trata-se sempre de uma forma bem específica de demagogia, que ataca apenas algumas formas específicas do capitalismo (“a escravatura aos credores”, as grandes lojas, o capital “açambarcador” em oposição ao capital “criador”, etc.); a propriedade privada como tal e o poder do patrão na empresa nunca são questionados. (retornar ao texto)
(6) Se esse não for o caso, se os trabalhadores conservam o seu espírito de luta e a sua energia combatente, a tentativa de um movimento fascista de massa de tomar o poder pode desencadear um gigantesco desenvolvimento revolucionário. Em Espanha, a resposta ao golpe militar fascista de julho 1936 foi o levantamento revolucionário da classe obreira, que, em poucos dias, infligiu aos fascistas uma esmagadora derrota militar nas grandes cidades e bairros operários, e forçou-os a recuarem para as zonas rurais do país. O fato de que os fascistas, após uma guerra civil renhida durante mais de três anos, tenham finalmente conseguido tomar o poder, explica-se tanto pola intervenção de fatores externos como polo papel desastroso da direção do partido e do governo de esquerda, que impediram os trabalhadores concluir rapidamente a revolução iniciada com êxito; em particular, uma reforma agrária radical e a proclamação da independência de Marrocos teriam eliminado o último bastião do poder de Franco entre os camponeses atrasados e os mercenários do Norte de África. (retornar ao texto)
FONTE: https://www.marxists.org/portugues/mandel/1974/mes/fascismo.htm
Celebrando os 100 anos da Revolução Russa
No dia 25 de Outubro se completam 100 anos do início da segunda fase da Revolução Russa, movimento que colocou firmemente a classe operária russa como a principal força motriz das transformações preconizadas por Karl Marx e Friederich Engels em seus exaustivos trabalhos acerca da necessidade de que o Capitalismo seja superado. Apesar de todos os percalços que marcaram os 100 anos desde que se deu a tomada do Estado russo sob o comando do Partido Bolchevique, a Revolução Russa ainda cumpre o papel insubstituível de nos mostrar que é possível passar da utopia à ação política concreta, e de se lutar para que a riqueza gerada pelo trabalho humano não fique concentrado nas mãos de uns poucos, enquanto a maioria sobrevive em meio a privações cada vez mais profundas.
E o elemento que permanece atual é o fato de que a classe operária quando dotada de um partido com um programa claramente estabelecido sob as bases do materialismo histórico dialético e do internacionalismo é capaz de realizar proezas como a Revolução Russa. Nada do que aconteceu ao longo do Século XX, mesmo a degeneração do estado socialista que foi fundado pelos revolucionários russos, apaga o fato de que só apoiado por um programa explicitamente orientado para superar o Capitalismo é que a Humanidade poderá chegar a um estágio superior de organização social.
E nesse aniversário, a principal saudação que deixo é para aquela multidão de cidadãos comuns que sob as bandeiras levantadas pelo partido de Vladimir Lênin e Leon Trotsky ousaram mostrar ao mundo a sua capacidade de enfrentar os inimigos mais terríveis em nome de uma sociedade mais justa e fraterna. É graças às multidões de operários e camponeses insurretos que ainda podemos manter viva as utopias que eles colocaram em marcha.
E como disse Leon Trotsky em seu testamento, “A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de todo o mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá-la plenamente.”
Viva os 100 anos da Revolução Russa!
A arte da insurreição e o gênio de Trotsky em 1917
Por André Augusto, São Paulo| @AcierAnd
“Estava amanhecendo o dia 24 de outubro. Eu ia de andar em andar, para não ficar quieto em um lugar, para ver se tudo estava em ordem e para levantar a moral de quem o necessitasse. Pelos intermináveis corredores ainda envoltos em sombras [do Smolny], ouvia-se rolarem as metralhadoras arrastadas valentemente pelos soldados, com um estrépito alegre e buliçoso. Era o novo destacamento que havia chamado. Pelas portas se assomavam, com cara de terror, os poucos socialistas revolucionários e mencheviques que haviam permanecido no Smolny. Aquela música não prenunciava nada bom para seus ouvidos. Pouco a pouco, um atrás do outro, se apressaram a deixar o Smolny. Ficávamos como donos absolutos daquele edifício que se dispunha a plantar a bandeira bolchevique na capital e em todo o país”.
Assim iniciava Trotsky um dos capítulos de sua autobiografia, Minha Vida, dedicado a recordar as noites decisivas em Outubro que antecederam a tomada do poder pelo proletariado russo em Petrogrado, em 1917.
Este episódio, que desencadeou sob diversos pontos de vista o evento mais importante da história universal, dando nascimento ao primeiro Estado operário da história – continuando a tradição da Comuna de Paris de 1871 que resistiu em Paris durante dois meses – e que provaria a validez da teoria e da estratégia marxista, muitas vezes se perde na rotina do dia que passa. Deve, em verdade, ser lembrado como motivo de nossa paixão histórica e o sentido de existência daqueles que militamos diariamente para por fim à sociedade de exploração e opressão capitalista.
A insurreição de Outubro não surgiu como desenlace automático da luta de classes, nem como uma resposta espontânea dos trabalhadores russos à tirania da guerra e da fome. Foi preparada e dirigida minuciosamente em seus mais sólidos detalhes como movimento revolucionário das massas.
Uma vez conquistada, com os testes de aço da revolução e da contrarrevolução, a imensa maioria dos trabalhadores organizados nos sovietes – ou conselhos operários e de soldados, principalmente dos dois mais importantes centros industriais do país, Petrogrado e Moscou – para a idéia da tomada do poder da classe operária como única forma de resolver os problemas imediatos impostos pela história, a tarefa dos bolcheviques passava a ser “desencadear os elementos ofensivos da defesa, transformar a defesa em ataque” e combinar a conspiração como parte integrante da insurreição de massas.
A estratégia revolucionária conduz à conclusão do momento insurrecional como necessidade, como condição para desobstruir o desenvolvimento humano e de suas forças criadoras interrompido pela burguesia. Isso não quer dizer que seja automático encontrar o ponto em que se deva passar “das palavras aos fatos” e transformar a energia e a vontade revolucionária de operários e soldados, temperadas por anos, numa força ofensiva para destruir o Estado burguês. A teoria e a estratégia dão a solidez de granito para a tarefa; mas esta capacidade de percepção é uma arte. O homem – poderíamos chamar de artífice da revolução – que arquitetou o plano de Outubro foi Leon Trotsky.
Segundo as palavras do estudioso militar norteamericano Harold Walter Nelson, Trotsky aproveitou brilhantemente uma combinação favorável das circunstâncias (a ira das massas contra a guerra e contra o Governo Provisório de Kerensky que a mantinha, a debilidade militar deste governo, a segregação no Exército russo e a crescente disposição dos camponeses em por fim à guerra, a recém conquistada hegemonia dos bolcheviques nos sovietes operários) para diminuir a quase zero a possibilidade de fracasso da insurreição.
Esta obra-prima de um verdadeiro gênio militar, que criaria anos depois das ruínas do exército czarista derrotado na Primeira Guerra o poderoso Exército Vermelho, mostra a importância de levantar um marxismo com predominância da estratégia e orientado a fazer a revolução no século XXI. A “arte da insurreição” constitui um elemento fundamental para a fusão da teoria marxista com as novas gerações de trabalhadores e jovens que despertam depois da crise mundial.
A arte da insurreição em 1917
A grande lição da revolução russa é que a tomada do poder, a insurreição das massas exploradas e oprimidas, libera uma enorme quantidade de energia social que deve ser canalizada e conduzida pelos trilhos que levam ao triunfo da revolução.
Cabe destacar que Petrogrado era uma cidade ocidentalizada. Com pouco mais de 1 milhão de habitantes, uma quarta parte correspondia a trabalhadores assalariados, em sua grande maioria industrial metalúrgicos – o complexo metalúrgico de Putilov tinha entre 15 e 20 mil trabalhadores. Os bairros operários de Ovukhovsky, Putilovsky, Baltiisky e Trubotchnyi, além do famoso bairro de Viborg, evidenciavam uma genuína cidade capitalista moderna. De fato, já em 1911, 54% dos trabalhadores russos trabalham em fábricas com mais de 500 assalariados, enquanto as cifras correspondentes nos Estados Unidos eram de 31%.
A insurreição de Petrogrado, através da ocupação de todos os pontos estratégicos de comunicação e abastecimento da capital e a posterior tomada do Palácio de Inverno, constituiu a prova da necessidade de planificar com clarividência a ofensiva para conseguir um objetivo determinado. A audácia de Trotsky residiu em sua capacidade de aproveitar o Segundo Congresso dos Sovietes como antesala preparatória da insurreição. Como afirmou Isaac Deutscher, a sutileza e a perspicácia tática de Trotsky impedia que seus inimigos soubessem com certeza o que sucederia nos dias seguintes.
Ante o possível ataque alemão à cidade imperial, a 9 de outubro de 1917 se constituiu o Comitê Militar Revolucionário, sob a iniciativa de um jovem socialista revolucionário de esquerda, Lizimir. Este Comitê ficou sob as ordens de Trotsky. A função deste organismo foi organizar a guarnição que tomaria conta da capital, estabelecendo contatos com as tropas do Báltico, da fortaleza de Kronstadt e a marinha finlandesa; contabilizar os recursos humanos disponíveis e as munições; e elaborar um plano de defesa. Imediatamente gozou da autoridade de ser um organismo do Soviete de Petrogrado.
Deste modo, de 10 a 17 de outubro, Trotsky se encarregou de transformar a tarefa de defesa da cidade na insurreição proletária. Ante a notícia de que o Governo Provisório queria abandonar a cidade, o Comitê se pronunciou contrário à decisão do governo e declarou a obrigação das tropas estacionadas na capital de defender a cidade até as últimas conseqüências, exortando o Comitê Executivo a convocar o II Congresso dos Sovietes. Trotsky fez um chamado a rádio a todos os sovietes da Rússia para que enviassem delegados a Petrogrado. Se Kerensky era impotente para garantir a realização do Congresso, isso seria feito pelo Comitê Militar Revolucionário.
O Comitê conquistou a confiança das guarnições de Petrogrado, incluindo os reticentes soldados da Fortaleza de Pedro e Paulo, cárcere dos revolucionários durante décadas. Finalmente, o Soviete deu instruções para que as guarnições obedecessem exclusivamente as decisões do Comitê Militar. Os regimentos e as guardas vermelhas ficaram sob a direção indiscutível de Trotsky.
Nas vésperas da realização do II Congresso, a 23 de outubro o Comitê Militar colocou em marcha o plano de defesa da cidade. Ocuparam-se na madrugada as posições estratégicas da cidade, como a Central de Correios e Telégrafos. De todos os distritos da cidade se lançam destacamentos armados, batendo às portas ou entrando sem bater e ocupando militarmente os edifícios públicos. Em quase toda a parte os trabalhadores os esperam ansiosos.
Nas estações de trem, o Comitê Militar Revolucionário enviou comissários nomeados especialmente para vigiar a chegada e partida de trens, principalmente os que transportam soldados.
Enquanto os periódicos burgueses clamavam furiosamente pela violência, os saques e rios de sangue que correriam com a insurreição, os soldados, marinheiros e operários das guardas vermelhas, executando as ordens vindas do Smolny, sem disparar um tiro e sem derramamento de sangue, iam ocupando todos os prédios públicos.
Trotsky propagandeou e “legalizou” o armamento das guardas vermelhas e da guarnição de Petrogrado para defender a cidade de um possível ataque alemão e garantir a realização do II Congresso dos Sovietes, a 24 de outubro de 1917. Com isso, preparou as condições para transformar uma tática defensiva em uma manobra ofensiva (um rápido golpe fulminante ao que restava do aparato estatal burguês) o que lhe permitiu tomar o poder na capital imperial sem disparar um único tiro. Dito de outra maneira, a insurreição de Petrogrado constituiu a expressão máxima da combinação de manobras de posição (defesa) com a guerra de movimento (ataque). Isto fez com que Harold Nelson definisse o plano de Trotsky como “praticamente inexpugnável: por trás de uma defensiva tática, ele escondia uma ofensiva estratégica”.
Entre 24 e 25 de outubro as guardas vermelhas e a guarnição de Petrogrado tomaram a cidade. O único edifício que ainda não fora tomado era o Palácio de Inverno. Enquanto os delegados debatiam e tomavam decisões no II Congresso, o cruzeiro Aurora bombardeou o Palácio com balas de festim. A rendição das últimas sombras políticas da burguesia encasteladas no velho prédio estava garantida. Os bolcheviques contaram com 2/3 dos delegados no Congresso, que somados aos socialistas revolucionários de esquerda resultavam 75% da representação soviética. A tomada do poder político estava consumada. Era o triunfo da revolução de Outubro. Seu maestro, Trotsky. Segundo Deutscher, em seu retorno da clandestinidade em Viborg, Lênin “reconheceu Trotsky, sem reservas, como um companheiro monumental numa ação também monumental”.
Uma contribuição chave para o marxismo na época imperialista
Uma das maiores contribuições de Trotsky ao marxismo foi ser o teórico (e prático) da insurreição proletária, ou seja, da tomada do poder político. Seus escritos enfatizaram como as posições conquistadas da classe operária devem servir ao combate que – dirigido por um partido revolucionário – concentre num ponto determinado a tensão de todas as forças para desferir um golpe mortal no Estado burguês. Trotsky analisou caso a caso distintos processos revolucionários e os momentos históricos de desagregação do poder burguês, definindo as situações precisas da articulação entre a preparação defensiva e a ofensiva da classe operária, para tomada do poder ou para conquistar novas posições preparatórias visando a batalha decisiva: a insurreição revolucionária de massas e a tomada do poder.
A não preparação e utilização das posições conquistadas para fortalecer a classe trabalhadora como sujeito político independente para a revolução é a base do fracasso de distintas correntes da esquerda que vislumbram posições na democracia burguesa como “fins em si mesmas”. Enquanto revolucionários, devemos pensar, pelo contrário, cada posição em função de sua utilidade para o combate e no fragor das lutas atuais, em meio à crise mundial, desenvolver a tarefa apaixonante de dotar os trabalhadores da ferramenta política que destruirá o capitalismo.
Como diz Trotsky, “O marxismo se considera como expressão consciente de um processo histórico inconsciente. Mas o processo ‘inconsciente’ em sentido histórico-filosófico só coincide com sua expressão consciente nos pontos culminantes, quando as massas, pelo impulso de suas forças elementares, arrebentam as comportas da rotina social e dão uma expressão vitoriosa às necessidades mais profundas da evolução histórica. A consciência teórica mais elevada que se tem de uma época, em um determinado momento, se funde com a ação direta das camadas mais profundas das massas oprimidas, afastadas de toda teoria. A fusão criadora do consciente com o inconsciente é o que se chama comumente inspiração. A revolução é um momento de impetuosa inspiração da história”.
Abaixo, um trecho do documentário sobre a Revolução Russa realizado pelo grupo Contraimagem, ligado ao PTS, organização irmã do MRT na Argentina.
FONTE: http://www.esquerdadiario.com.br/A-arte-da-insurreicao-e-o-genio-de-Trotsky-em-1917