Porto do Açu e a acumulação por espoliação: justiça decide pela apreensão e venda de gado dos agricultores expropriados pelo (des) governo Cabral

Após um longo e tenebroso inverno, o juiz Leonardo Cajueiro D´Azevedo resolveu dar ganho de causa à Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (CODIN) e à Porto do Açu Operações no tocante ao conflito existente com os agricultores que tiveram suas terras expropriadas e não pagas pelo (des) governo do Rio de Janeiro.  Esse ganho de causa está mais do que evidente nos termos da sentença emitida no dia 05.04.2018 no âmbito do processo 2189-59.2015.8.19.0053 que é mostrada abaixo.

cajueiro reintegração

A sentença é tão pró os interesses  da CODIN e dos atuais controladores do Porto do Açu que nela consta a seguinte designação: “acolho a proposta dos depositários e determino seja posto em prática, imediatamente o Plano de Ação, ficando, desde já, autorizada a venda em leilão dos animais que não forem retirados no prazo de 60 dias.”

Há que se notar nesse caso que centenas de processos de desapropriação continuam literalmente paralisados na justiça de São João da Barra que não tem demonstrado o mesmo tipo de firmeza para fazer valer os direitos de muitas famílias que serão afetadas por essa decisão draconiana. E, pasmemos todos, um número significativo desses processos estão nas mãos do mesmo juiz Leonardo Cajueiro. Noto ainda que muitos dos agricultores estão morrendo sem que o pagamento das terras expropriadas seja feito. Um desses casos foi o do Sr. Reinaldo Toledo que, coincidentemente, era pai de Reginaldo Toledo, um dos agricultores alcançados pela decisão da justiça de São João da Barra [1].

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Agora, os controladores do Porto do Açu não esperaram nem a publicação da decisão prolatada pela justiça de São João da Barra para começar a construir cercados para onde serão levadas as cabeças de gado dos agricultores desapropriados para serem posteriormente leiloadas (ver imagem abaixo).

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O interessante nisso tudo é que, apesar de todas as notícias positivas plantadas na mídia corporativa, não há objetivamente qualquer destinação produtiva para as terras que foram tomadas pelo (des) governo do Rio de Janeiro dos agricultores do V Distrito de São João da Barra.  Mais interessante ainda é notar que apesar da CODIN ser teoricamente a principal interessada no processo 2189-59.2015.8.19.0053, este órgão governamental não tem tido recursos sequer para pagar custas processuais, o que evidencia que são os controladores do Porto do Açu que estão custeando a construção dos cercados para onde será levado o gado dos agricultores que tiveram suas terras expropriadas. Se isso não é uma consumação do modelo de crescimento econômico a “ferro e fogo”, eu não sei mais o que seria.

Considero que cada vez mais fica aplicável ao caso do Porto do Açu o uso do conceito de “acumulação por espoliação” do geógrafo David Harvey [2]. É que nada poderia melhor o os mecanismos propostos por Harvey do que esta combinação entre a ação decisiva do estado (por meio do executivo e do judiciário) em prol dos interesses de um fundo de especulação financeira, e em completo detrimento das necessidades de produção e reprodução social dos habitantes tradicionais do território espoliado.

Finalmente, diante de uma decisão dessas é que não deve surpreender ninguém que a justiça brasileira esteja sendo tão mal avaliada pela maioria da população brasileira, tal como mostrou recentemente uma pesquisa nacional da CNT/MDA que mostro que “55,7% desaprovam sua atuação, 89,3% desconfiam da Justiça e 90,3% afirmam que ela não trata todos de maneira igual” [3].


[1] https://blogdopedlowski.com/2018/03/06/um-eulogia-para-reinaldo-toledo-de-almeida/

[2] https://blogdaboitempo.com.br/2013/12/18/david-harvey/

[3] http://www.valor.com.br/politica/5523181/cntmda-quase-90-desconfiam-da-justica-igreja-e-mais-confiavel

Desapropriações no Porto do Açu: em decisão sobre Sítio Camará, justiça aponta para o “X” da questão

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A decisão abaixo é outra da lavra do juiz Leonardo Cajueiro D´Almeida e abre uma nova dor de cabeça para a Companhia de Desenvolvimento Industrial (Codin), já que efetivamente determina uma nova perícia no valor proposto pelo órgão ambiental para ressarcir a família do falecido José Irineu Toledo pela escabrosa desapropriação do Sítio Camará.

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Como já tratado neste blog, a desapropriação do Sítio Camará ocorreu no dia 01 de Agosto de 2013, mesma data do falecimento e enterro do seu proprietário, José Irineu Toledo. Desde então, a família Toledo busca na justiça o devido ressarcimento pela propriedade e pelas benfeitorias que ali existiam. Em outras palavras, essa decisão do juiz Leonardo Cajueiro D´Almeida representa o primeiro passo concreto nas demandas por justiça que foram feitas ao longo dos dois últimos anos pelos descendentes de José Irineu Toledo.

Embora o passo de se recalcular o valor do Sítio Camará seja alvissareiro, eu diria que a principal questão levantada pela decisão proferida pelo juiz Leonardo Cajueiro é outra, e eu vou tentar explicar o porquê, a partir do conteúdo da mesma.

Vejamos, o que disse o juiz Leonardo Cajueiro:

“Convém registrar que o Município de São João da Barra possui sérios problemas relacionados aos registros de imóveis, desde a ausência deles até a irregularidade dos que já existem, com diferenças de metragens, inclusive. Diante desta situação, individualizar os imóveis objetos das ações de desapropriação pode se tornar tarefa extremamente complexa, quando não impossível, tendo em vista que em muitas dessas ações o Ofício de São João da Barra tem expedido certidão atestando que não é possível a localização de imóvel somente com o fornecimento de endereço. E ainda, por se tratar de áreas em zona rural, não habitada, a localização dos proprietários fica prejudicada, sendo, que em muitos casos, os mesmos aparecem espontaneamente, ao terem notícia do processo.

Em uma primeira leitura da decisão o que fica claro é que tem difícil, quando não impossível, individualizar os imóveis desapropriados e, sim, localizar os proprietários! A pergunta que deriva disso é sobre quantos imóveis não foram indevidamente expropriados pela Codin, e quantos proprietários afetados pela tomada de terras ainda continuam sem ser sequer localizados! Essa constatação em forma de decisão do juiz Leonardo Cajueiro para mim levanta sérios problemas quanto à, no mínimo, determinação de qual o montante que pode ser reclamado e transacionado pela Codin em seus esforços para instalar um suposto Distrito Industrial de São João da Barra.

O “X” da questão aqui então é sobre a possibilidade, por exemplo, da Prumo Logística Global alugar terras no entorno do Porto do Açu sobre as quais não há clareza legal sobre o processo expropriatório para começo de conversa. E como nesse caso, terra é muito dinheiro na forma de aluguéis, podemos estar diante da abertura de uma verdadeira “Caixa de Pandora”.

E sempre é precisar lembrar a parte da decisão que diz respeito à realização de uma nova perícia.  É que, como na maioria dos casos, o valor proposto pelo perito contratado pela Codin está muito abaixo do que já foi determinado em outros casos em que o juiz Leonardo Cajueiro já definiu a realização de novas perícias. A questão aqui é saber de onde a Codin vai obter os recursos necessários para pagar as justas indenizações, a começar pelo Sítio Camará. A ver!

Desapropriações no V Distrito: nova decisão da justiça de São João da Barra aumenta pressão sobre a Codin

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No dia 01 de Junho de 2015 postei neste blog uma decisão que considerei por parte do juiz da Comarca de São João da Barra, Leonardo Cajueiro D´Azevedo, que considerei lapidar na medida em que suspendia a imissão de posse do Sítio do Birica, um dos símbolos da resistência dos agricultores do V Distrito de São João da Barra em face da Companhia do Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (Codin) (Aqui!).

Pois bem,  acabo de ter acesso a outra decisão do juiz Leonardo Cajueiro em favor de outro casal de agricultores do V Distrito que, como no caso do Sítio do Birica, suspende a imissão de posse anteriormente concedida à Codin, usando os mesmos argumentos corretos que foram usados para o Sítio do Birica (ver a íntegra da decisão abaixo).

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Mas as más notícias para a Codin não pararam na decisão do juiz Leonardo Cajueiro. É que inconformada com a decisão emitida em São João da Barra, a Codin recorreu no Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro, apenas para ver negado o seu pedido de embargo da decisão proferida em primeira instância com base na decisão do Desembargador Carlos José Martins Gomes, como mostram as duas imagens abaixo.

Codin 1 Codin 2Ainda que seja perfeitamente a realização de novo recurso, o qual poderá ser deferido no TJ, a combinação das decisões acima levantam elementos interessantes não apenas para os dois casos aqui apontados, mas para um número mais amplo de agricultores que recorreram contra a imissão de posse de suas propriedades, e pelos mesmos argumentos que foram acatados pelo juiz Leonardo Cajueiro. É que ao se formar um determinado entendimento que seja estendível a casos semelhantes se forma a chamada jurisprudência. 

Por outro lado, um aspecto que ainda não foi devidamente explorado se refere a quem caberá pagar o custo das imissões de posse cujos valores não sejam mais decididos de forma unilateral por peritos contratados pela Codin, mas sim por peritos indicados pela própria justiça. É que nos casos em que os peritos judiciais emitiram parecer, os valores subiram para bem além dos módicos valores oferecidos pela Codin. E como o estado do Rio de Janeiro  vive uma grave crise financeira, há que se indagar sobre quem arcará com os custos mais realistas das desapropriações. A ver!