Lula e o seu Rubicão

brasilia
Por Roberto Amaral*

“Creio que este seja um momento decisivo de nossa história: a tirania foi derrotada. A alegria é imensa. Contudo, ainda resta muita coisa por fazer. Não nos enganemos acreditando que daqui em diante tudo será fácil; talvez daqui em diante tudo seja mais difícil.”

– Fidel Castro Ruz (Havana, 8 de janeiro de 1959)

Como é sabido, os últimos quatro anos da vida nacional foram pontuados por tentativas golpistas planejadas, coordenadas e operadas a partir do terceiro andar do palácio do planalto, com o ostensivo apoio da coorte de fardados e similares desafeitos às leis, aos regimentos militares e à democracia. Foram, na sequência dos  idos de 2013, do golpe de 2016 e do mandato-tampão de Temer, quatro longos anos de proselitismo e ação protofascista, consolidando o avanço da extrema-direita brasileira como movimento político-ideológico, que, pela primeira vez na república, associava à tradicional aliança do grande capital com seu braço armado (os militares) o apoio de ponderáveis  segmentos populares, persistente até aqui.

O conservadorismo larvar, de base tanto social quanto religiosa, organizado, conquistara pela primeira vez mediante eleições livres a presidência da república, e passara a valer-se da posse do governo como instrumento de um projeto inédito de extrema-direita, reacionário no discurso e na ação, que seu líder anunciou como de desconstrução nacional.

Pari passu, na tradição do fascismo, foi estimulada a ideologia da divisão interna, do conflito permanente (no qual se alimenta a extrema-direita), permeando toda a sociedade. Seu desdobramento foi a institucionalização da violência social, mediante criminosa política de armamentismo civil, consagrador do poder das milícias e do crime organizado. Hoje, o exército, que transitou da omissão para a cumplicidade, não sabe dizer quantas  e quais armas e munições estão espalhadas pelo país. Descartou-se do dever legal de seu controle.

Desde o primeiro dia de mandato, a horda eleita em 2018 deixou claro que seu projeto de poder olhava para além dos quatro anos constitucionais.

Os fatos e as evidências, contudo, não eram suficientes para vencer o bovarismo político: assustados com o que nos podia dizer a decifração da realidade, nossa elite pensante (agora com a responsabilidade de Estado) teimava em não ver a mudança de qualidade do fenômeno político. Parecia mais cômodo reduzir o processo que se consagrara em 2018 como um mero episódio eleitoral, e ver o governo que aí se instalava e que chegou até ontem como um fato que se encerrava em si. Nada obstante as advertências do processo político e as ignoradas lições da História, miramos o governo como fato parado, para não ver o fenômeno desafiador que era a organização da extrema-direita golpista, que ameaça ter vida própria, para além de seu líder e principalmente para além do processo eleitoral e  das regras da institucionalidade democrática. É  o que vemos hoje. Nem os tolos de todos os gêneros podem alegar surpresa.

As tentativas de golpe dirigidas diretamente por Bolsonaro e os fardados, como o 7 de setembro de 2021, seu 18 brumário frustrado, as reiteradas ameaças de quarteladas e a tentativa de desmoralização do processo eleitoral prepararam o terreno para a fracassada intentona do dia 08/01/2022, que começou a ser montada com a ocupação dos quartéis do exército por súcias de vândalos, cresceu com a recusa dos militares de passar a seus sucessores os comandos da defesa e das três forças, e foi para as ruas com as arruaças consentidas do dia da diplomação de Lula (12/12/2022), além da tentativa de explosão de um caminhão carregado de combustível junto à rede de eletricidade no aeroporto de Brasília, no Natal. Nada, porém, que chamasse a atenção para a ameaça crescente. Lula havia sido eleito, finalmente tomava posse, e tudo o mais se transformava em passado.

Os fatos de domingo se esvaziaram, mas a peçonha golpista não foi esmagada e pode sobreviver em outras iniciativas de terrorismo, como atentados de toda espécie e sabotagens  que não podemos prever, mas que delas os serviços de segurança e inteligência nos deveriam precatar, se não estivessem comprometidos com a resistência ao mandato do presidente Lula. De que certamente seu GSI já tem ciência.  O governo precisa  aparelhar-se politicamente e os partidos progressistas devem rever os respectivos projetos em face do desafio permanente  que é a organização popular, a partir do embate ideológico abandonado pela esquerda.

Quando os novos teóricos do poder entenderão que a sucessão em processo nada tem de familiar com a sucessão de 2003, e que o quadro militar daquele então nada guarda de compatível com a realidade de nossos dias? Jamais a república cobrou, como cobra agora, o braço forte de um presidente: o título de comandante-chefe das forças armadas deixa de ser uma de suas competências constitucionais, apenas, para elevar-se como dever cívico, uma necessidade histórica da qual não pode declinar.

As movimentações da turbamulta no último domingo, que amanhã com diversa intensidade podem repetir-se em qualquer parte do país, foram anunciadas há mais de uma semana, e desde a posse de Lula estava nas redes sociais o chamamento de caravanas para Brasília, com o manifesto propósito de provocar o caos, como sinal para a intervenção militar sonhada pelo bolsonarismo e apregoada em casernas de todos os naipes. O que pretendiam já fôra ensaiado nas arruaças de 12 de dezembro em Brasília, arruaças não apuradas, arruaceiros e financiadores não identificados  e salvos de qualquer sorte de repressão, mesmo após atentarem contra o patrimônio público e investirem contra o suntuoso complexo  da Polícia Federal.  Espera-se que a facilidade de pescar cabeças de bagre não relaxe a prisão dos  principais criminosos, os aliciadores ideológicos (o capo de todos homiziado em Miami) e os financiadores das caravanas.

Para o dia 8 eram previstos mais de 200 ônibus chegando a Brasília desde a véspera, e vindos de várias partes do país. Não vimos isso, porque pareceu mais cômodo não ver, como se a ignorância do fato o tornasse irreal. Nenhum segredo os  golpistas guardaram de suas maquinações. Mas, igualmente, nenhuma ação se viu de quem deveria defender a institucionalidade democrática que nos parecera tão festejada na liturgia cívica do primeiro de janeiro, momento de afirmação republicana que devemos  resgatar para preservar, ilustrando esperanças que precisamos manter vivas.  Os trumpistas tropicais encontraram o seu Capitólio entregue às baratas, o campo livre para depredarem os edifícios-símbolo dos poderes da república, a saber, o STF, o Congresso Nacional e o Palácio  do Planalto, onde chegaram ao terceiro andar e às portas do gabinete do presidente da república. Caminharam, livremente, de um plano a outro da esplanada dos ministérios, sem conhecer empecilhos.

Os repórteres de televisão chegaram com suas câmeras, e estiveram, para o acaso do registro histórico, presentes em todas as cenas. Mas não chegaram, senão com grande atraso e após a intervenção federal no sistema de segurança do DF, os aparatos de defesa das instituições, que lá deveriam estar numa ação preventiva, conforme rotina há muito conhecida, e familiar aos habitantes da capital. Como antes, não haviam funcionado nem os sistemas de informação federais, civis e militares (onde estava o batalhão dos Dragões da Independência, encarregado da defesa do palácio do planalto?), nem os serviços de informação do Distrito Federal, uns notoriamente incompetentes, outros notoriamente comprometidos com mais uma tentativa de golpe. Vai ficar por isso mesmo?

Desta feita, é impossível, mesmos aos néscios, desvincular o papel desempenhado pelo governador do Distrito Federal, ora afastado, como é impossível negar a presença de uma inteligência coordenadora. O ex-secretário de segurança do DF, até outro dia Ministro da Justiça, foi descansar em Orlando, na companhia de seu chefe efetivo, na expectativa, dos dois,  de verem de longe e comemorarem o incêndio de Roma.

Não há por que confiar em qualquer sorte de lealdade das corporações de inteligência e segurança das forças armadas do Estado brasileiro. Mas o novo governo se entregou de mãos e pés atados a essa ficção. A história da corporação militar a vincula ao desrespeito continuado ao poder civil, às instituições democráticas e à ordem constitucional. Mas qual papel era justo esperar dos serviços de informação da polícia federal, agora sob o comando do ministro Flávio Dino? A Polícia Rodoviária Federal não viu a movimentação atípica dos ônibus? Sinal de relaxamento político, o novo ministro da defesa nos dizia que as aglomerações na frente dos quartéis do exército (de onde saíram as bananas de dinamite e o terrorista que tentou explodir um caminhão de combustível no aeroporto de Brasília) eram atos normais da vida democrática, e chegou mesmo a dar como testemunho o fato de amigos e parentes seus, em Recife e em Brasília, integrarem esses grupelhos de apóstolos do atraso.

A literatura grafou a expressão bovarismo (derivada da personalidade desvairada de Madame Bovary, de Gustave Flaubert) para significar o desvio psicológico de pessoas que se recusam a conviver com a realidade. Tomam o sonho como real; mas se assim evitam, ainda que momentaneamente, o mal-estar representado pelo presente desagradável, não se livram  da chegada do desastre.
Sabe-se, com Marx, que a história não se repete, senão ora como tragédia, ora como farsa. Os tempos presentes ainda estão por serem definidos, pela ação dos indivíduos, e o governo do presidente Lula enfrenta seu Rubicão. É a hora de sua escolha, talvez definitiva, que há de ser, também, a hora de sua afirmação. Confio que avançará. Os fatos lhe oferecem a oportunidade de assumir o protagonismo que as circunstâncias históricas construíram, independentemente de sua vontade, mas que até gora vem sendo exercido pelo poder judiciário e por um ministro audaz.

A tessitura do processo social, contrariando os áulicos da conciliação pela conciliação,  aprofundou o conflito social posto em  números do 30 de outubro do ano passado,    mas desta vez os polos se apresentam   largamente assimétricos porque  a grande maioria da sociedade – incluindo liberais, o centro e a “direita civilizada”–, assustada, optou pela democracia e entregou a Lula o bastão de sua defesa. Cabe-lhe assumir plenamente a tarefa, como chefe de Estado e comandante supremo da forças armadas, mas principalmente como o maior líder popular do país, sem se deixar intimidar, sem se dobrar a chantagens e sem receio de rever decisões já tomadas na montagem do governo que apenas se inicia.

A sorte está lançada.
 


* Com a colaboração de Pedro Amaral.
Os textos de Roberto Amaral podem ser encontrados em www.ramaral.org

Nota sobre a indicação de Jean Paul Prates para a presidência da Petrobras

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Por Associação dos Engenheiros da Petrobras

A AEPET irá acompanhar as ações e as omissões do futuro presidente da Petrobrás

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva indicou Jean Paul Prates para a presidência da Petrobrás.

Antes da indicação, a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) revelou declarações e posturas políticas do ex-senador e empresário. Prates foi entusiasta da quebra do monopólio estatal do petróleo exercido pela Petrobrás, no governo FHC, em 1997. Defendeu a privatização da Petrobrás, participou da elaboração da Lei do Petróleo (Lei No 9478/97) e foi redator do Contrato de Concessão. Desde 1991, atuou como empresário e consultor das petrolíferas que pretendiam explorar o petróleo e o mercado brasileiros, através da Expetro Consultoria. Leia o artigo e a entrevista. [1] [2]

São declarações e posições políticas que não se justificam, ou se apagam, em qualquer tempo ou contexto.

A Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) defende as seguintes iniciativas relativas ao setor energético e à Petrobrás:

1- Restauração do monopólio estatal do petróleo, exercido pela Petrobrás;
2- Reversão da privatização dos ativos da Petrobrás, destacando a BR Distribuidora, refinarias, malhas de gasodutos (NTS e TAG), distribuidoras de GLP e gás natural (Liquigás e Comgás), produção de fertilizantes nitrogenados (FAFENs), direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural e as participações na produção de petroquímicos e biocombustíveis;
3- Reestruturação da Petrobrás como Empresa Estatal de petróleo e energia, dando conta de sua gestão, com absoluta transparência, ao controle do povo brasileiro;
4- Alteração da política de preços da Petrobrás, com o fim do Preço Paritário de Importação (PPI), que foi estabelecido em outubro de 2016, e restauração do objetivo histórico de abastecer o mercado nacional de combustíveis aos menores preços possíveis;
5- Limitação da exportação de petróleo cru, com adoção de tributos que incentivem a agregação de valor e o uso do petróleo no país;

6- Recompra das ações da Petrobrás negociadas na bolsa de Nova Iorque (ADRs);
7- Desenvolvimento da política de conteúdo nacional e de substituição de importações para o setor de petróleo, gás natural e energias potencialmente renováveis;
8- Estabelecimento de um plano nacional de pesquisa e investimentos em energias potencialmente renováveis, sob a liderança da Petrobrás.

As opiniões e a atuação histórica do senador Jean Paul Prates (PT-RN) são contraditórias e incompatíveis com as políticas defendidas pela AEPET. Vamos acompanhar suas iniciativas como presidente da Petrobrás.

A atuação política e programática da AEPET é impessoal e transparente.

A AEPET irá acompanhar as ações e as omissões do futuro presidente da Petrobrás. Nossa associação será capaz de reconhecer méritos, assim como de apontar as deficiências da futura gestão, à luz das propostas publicamente defendidas pela nossa organização.

Janeiro de 2023

*Diretoria da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)


https://aepet.org.br/w3/
 

Referências

[1] F. Coutinho, “Jean Paul Prates Revelado,” 2022.
[2] C. Lemes, “Entrevista para Viomundo: Engenheiros da Petrobrás contra senador Prates na presidência: “Petrobrás não existiria hoje, se o que ele já defendeu tivesse sido adotado”, afirma Felipe Coutinho,” 2022.

Lula pode salvar a Amazônia? Seu histórico mostra que ele pode conseguir

O novo presidente do Brasil está determinado a reverter a abordagem de terra arrasada de Bolsonaro  em relação ao meio ambiente

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‘No primeiro dia de mandato de Lula, ele assinou uma medida do Fundo Amazônia, que permite que governos estrangeiros ajudem a custear esforços de preservação.’ Fotografia: Mauro Pimentel/AFP/Getty Images

Por André Plagliarini para o “The Guardian”

Esta semana, enquanto o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva se preparava para tomar posse para um terceiro mandato sem precedentes, uma das principais preocupações era se o clima permitiria que ele acenasse para apoiadores reunidos em Brasília de um conversível conversível, como é costume . Certamente marcou um afastamento das preocupações mais sérias que assombraram a transferência de poder entre ele e seu antecessor, Jair Bolsonaro, nas semanas anteriores.

Afinal, milhares de seguidores de Bolsonaro se recusaram a aceitar o resultado das eleições do ano passado. Muitos acamparam do lado de fora dos quartéis militares pedindo a intervenção das forças armadas, cometendo graves atos de vandalismo na capital do país. Felizmente, seus apelos não deram em nada – Bolsonaro partiu sem cerimônia para a Flórida no último dia do ano – e Lula está oficialmente de volta.

Nenhum presidente na maior nação da América Latina ganhou três eleições, uma prova da popularidade duradoura e relevância política do ex-metalúrgico. Lula enfrenta muitos desafios, principalmente devido à natureza de terra arrasada das políticas de Bolsonaro. Nesse contexto, suas primeiras medidas após a posse assumem especial importância simbólica, dando o tom do que os observadores do país e do exterior podem esperar deste novo governo.

Isso nos leva ao destino da floresta amazônica . Em seu discurso de posse no Congresso, Lula disse: “Nossa meta é atingir zero desmatamento na Amazônia e zero emissão de gases de efeito estufa na matriz elétrica, além de incentivar a revitalização de pastagens degradadas”. Criticando implicitamente os principais produtores agrícolas do Brasil, os maiores responsáveis ​​pela degradação ambiental, Lula insistiu: “O Brasil não precisa desmatar para manter e expandir sua estratégica fronteira agrícola”.

Entre os primeiros decretos que ele assinou estavam medidas de fortalecimento da proteção ambiental e combate ao desmatamento – um revogou uma iniciativa de Bolsonaro que efetivamente facilitou a grilagem ilegal de terras. Durante seu mandato, Bolsonaro não fez quase nada para fazer cumprir as rígidas leis de proteção ambiental do país. Isso ocorreu em parte porque ele tinha pouco incentivo para – os principais interesses agrícolas formavam uma parte fundamental de seu eleitorado político. As novas medidas de Lula também exortaram sua ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, cujo cargo foi renomeado como Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, a apresentar novas diretrizes para o Conselho Nacional do Meio Ambiente, que havia sido prejudicado por Bolsonaro.

Um grande desafio para Lula será equilibrar o interesse econômico do Brasil em um setor agrícola vibrante, que se tornou fundamental para a carteira de comércio exterior do país nas últimas décadas, com a necessidade de conter o desmatamento que desmatou milhares de acres de floresta para criar novos pastagens para gado. Os interesses agrícolas são uma grande força política no Brasil . O fato de que tais interesses apoiaram de forma tão esmagadora Bolsonaro, um presidente que representava uma ameaça direta à ordem democrática do Brasil, tornará muito difícil para Lula enfiar essa agulha política em particular. Como cumprir as proteções ambientais sem alienar ainda mais os interesses agrícolas que já desconfiam dele?

Pelo menos por enquanto, Lula não dá sinais de ceder aos atores que tanto impulsionam o desmatamento no país. Em seu primeiro dia de mandato, ele também assinou uma medida que recria o Fundo Amazônia, que funciona como um mecanismo para governos estrangeiros ajudarem a custear esforços de preservação. Como o The Guardian relatou em novembro passado, o fundo foi efetivamente paralisado sob a administração anterior; cerca de 3,2 bilhões de reais (£ 500.000) que já haviam sido doados foram congelados .

A devastação da floresta amazônica que Bolsonaro permitiu foi talvez o desenvolvimento mais crítico que abriu caminho entre o Brasil e grande parte do mundo nos últimos anos. Enquanto os líderes da Europa Ocidental e dos Estados Unidos se preocupavam com o desrespeito de Bolsonaro pela maior floresta tropical do mundo, Bolsonaro os acusou de tentar minar a soberania brasileira. A nova ação de Lula já rendeu uma promessa do presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, que compareceu à posse de Lula, de € 35 milhões (£ 31 milhões) para o Fundo Amazônia. É provável que mais a seguir.

Os movimentos na frente ambiental representam o que provavelmente será a estratégia de Lula em seu terceiro mandato: casar o compromisso de fortalecer a democracia e diminuir a desigualdade interna com a reafirmação da relevância brasileira nos assuntos globais. Durante o mandato anterior de Lula, o Brasil emergiu como líder mundial em questões de redução da pobreza, redistribuição de riqueza e proteção ambiental. Sob Lula, por exemplo, o desmatamento caiu impressionantes 70%. A mensagem do novo governo é clara: o Brasil está de volta como um player razoável e eficaz no cenário internacional.

O retorno de Lula foi comemorado – implícita e às vezes explicitamente – por vários líderes estrangeiros ansiosos por ver um governo brasileiro comprometido com políticas públicas criativas, ousadas e eficazes e engajamento internacional. Mas não será fácil. Lula deve cumprir a imensa promessa representada por seu terceiro mandato. A posição do Brasil no cenário mundial e a contínua vitalidade da democracia brasileira podem depender apenas disso.

Andre Pagliarini é professor assistente de história no Hampden-Sydney College, na Virgínia. Ele está trabalhando em um livro sobre a política do nacionalismo na história moderna do Brasil


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Este texto originalmente escrito em inglês foi publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Após a posse, o desafio de Lula será cumprir promessas

Se o ex-presidente (ufa!) Jair Bolsonaro soubesse o que seria feito com base na sua decisão de não passar a faixa presidencial para o agora (e novamente) presidente Lula, talvez ele não tivesse ido curtir suas férias de forma precoce em Miami. É que ao deixar o país em uma forma de renúncia não dita, Bolsonaro propiciou a inovação de que pessoas da população entregassem a faixa presidencial a Lula, em uma inovação que possibilita ao novo governo começar com uma marca de mudança que não estava assegurada pela engenharia política que foi posta para distribuir ministérios.

subida rampa

A festa da posse coloriu as ruas de Brasília com a cor vermelha e mostrou que o Brasil é definitivamente um país que hoje se encontra em transição. Já se sabe que Lula tomou várias decisões que atingirão em cheio o processo de desregulamentação imposto pelo governo anterior, o qual rendeu, entre outras coisas, números explosivos de desmatamento, invasão de terras indígenas, aumento exponencial de armas nas mãos de civis, e a aprovação recorde de agrotóxicos. 

Porém os desafios do novo governo serão imensos, na medida em que em muitas áreas não se terá sequer os dados que permitiriam a tomada de decisões básicas sobre o que fazer em áreas estratégicas, a começar pela social. Entretanto, os problemas vão muito além da desorganização estatística, pois, ao contrário de 2003, Lula assume em meio a um cenário internacional de grandes incertezas, e com uma recessão econômica global anunciada pelo Fundo Monetário Internacional. Com isso, haverá uma imensa disputa no momento da alocação de recursos orçamentários, o que poderá impedir que até promessas básicas sejam cumpridas rapidamente. 

E uma coisa que este governo não terá é tempo, pois se de um lado a base social que elegeu Lula vai querer ações rápidas para minimizar a grave crise social e econômica, por outro, a base radicalizada de Jair Bolsonaro continuará insistindo no confronto e na continuidade das ações ilegais que foram amplamente toleradas nos últimos 4 anos, especialmente nos estados da Amazônia. É em meio a essa tensão que se dá o início do novo mandato do ex-metalúrgico.

Ainda que seja notória a capacidade de Lula de agir para destravar pontos de estrangulamento e ampliar alianças, este início de governo certamente vai requerer que ele seja ágil e certeiro. Mas pelo menos uma boa notícia já está posta que é o fim do horrível cercadinho onde Jair Bolsonaro reunia seus apoiadores para disseminar sua visão distópica de governar. Parece que é pouco, mas não é. 

Jair Bolsonaro imita Reginaldo Faria e encena renúncia e fuga a la Vale Tudo

bolso vale tudo

Terminou em uma renúncia não dita e uma fuga explícita o trágico governo de Jair Bolsonaro. A bordo de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), cercado de privilégios de todos os tipos, o presidente cessante mostrou a quem realmente deve lealdade ao escolher o território estadunidense para tentar se proteger das eventuais acusações que o esperam em meio a uma série de evidências de que ele cometeu múltiplos crimes ao longo de suas décadas como parlamentar e depois presidente da república.

A cena do jatinho da FAB levando para os EUA um presidente que usou de todos os meios para se manter no poder me fez lembrar a cena final da novela “Vale Tudo” (levada ao ar entre 1988 e 1989) em que Reginaldo Faria, encarnando o vilão Marco Aurélio, dá uma banana e foge do Brasil na companhia de sua mulher Leila, curiosamente encarnada pela atriz Cássia Kiss, hoje transformada em mais uma das milhares de seguidoras deixadas para trás por Bolsonaro.

Mas o maior problema é que Jair Bolsonaro, com essa renúncia não dita e essa fuga explícita, deixa para trás uma montanha de problemas que agora passarão a ser uma herança maldita para o próximo presidente, Luís Inácio Lula da Silva.  E no topo dessa montanha estarão os militantes abandonados por Bolsonaro, os quais dificilmente darão um momento de paz ao ex-metalúrgico.

Além disso, há que se notar que a intrincada engenharia de montagem usada por Lula traz alguns riscos adicionais, incluindo a chegada de apoiadores do programa anti-nacional e anti-pobres de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes. O problema maior é que para iniciar qualquer processo de retomada econômica, o novo governo não terá sequer o benefício do acesso a dados estratégicos, os quais foram negados pelo governo do presidente fujão.

Mas sou forçado a dizer que a renúncia e fuga de Jair Bolsonaro possibilitam ao Brasil a não ter de tratá-lo com um mínimo de deferência ou respeito. Ao fugir covardemente, Bolsonaro deu mais uma demonstração de que que todas as encenações de valentia que ele ofereceu ao longo de quase quatro décadas só serviam para esconder sua grande covardia.

E que a grande barca brasileira que siga pelos mares agitados que o presidente fujão deixou para trás ao abandonar o posto para curtir a vida nos EUA.

A posse de Lula representa uma virada no Brasil

lulaEm 1º de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva, de 77 anos, assumirá pela terceira vez a presidência do Brasil, cargo que ocupou de 2003 a 2010. Naquela época, ele conseguiu grandes sucessos na luta contra a pobreza. Foto: AFP/Evaristo Sat

Por Martin Ling para o “Neues Deutschland”

Em termos de política externa, amanhece um momento de esperança e, em termos de política interna, um momento de tensão. Com o ano novo, um velho conhecido, Luiz Inácio “Lula” da Silva , assume a presidência do Brasil; Afinal, o dirigente de 77 anos já cumpriu dois mandatos (2003-2010). 

Na América Latina e no mundo, isso gera grandes esperanças. Na América Latina, há esperanças de mais cooperação e integração regional, depois que o ultradireitista Jair Bolsonaro cultivou seu “Brasil acima de tudo e Deus acima de tudo” e se orientou principalmente para Donald Trump nos EUA em vez de um contrapeso no subcontinente. Espera-se que Lula em todo o mundo interrompa o desmatamento acelerado da floresta amazônica, que atingiu níveis recordes sob o governo de Bolsonaro. Lula prometeu que: “O Brasil está pronto para retomar seu papel na luta contra a crise climática”.

Lula fez muitas promessas durante a campanha eleitoral – a resistência à implementação de seus planos será grande. As perspectivas econômicas estão severamente obscurecidas pelas consequências da guerra na Ucrânia e certamente não facilitarão a integração regional que Lula e os demais chefes de governo de esquerda da América Latina têm em mente. O fato de haver algum esforço de cooperação regional é um passo à frente. Juntos, podemos enfrentar melhor a crise.

Lula pode contar com vento favorável internacionalmente, mas não internamente. Os planos de ataque frustrados e os alertas de bomba antes de assumir o cargo são sinais do país polarizado e dividido que Bolsonaro deixou para trás. Trazer a paz a este país será uma tarefa hercúlea. Para isso, Lula vai precisar de toda a sua experiência e habilidade tática.


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Este artigo escrito originalmente em alemão foi publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

Urgências científicas para o Brasil

naderFoto: Cristina Lacerda

Por Helena Nader para a Science

No mês passado, no Egito, na Conferência de Mudanças Climáticas das Nações Unidas, o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, reafirmou sua promessa de tornar o Brasil um líder global no combate às mudanças climáticas e ao desmatamento. No entanto, quando Lula assumir o cargo em 1º de janeiro, entrará em uma situação bem diferente da última vez em que foi presidente (2003-2010). Naquela época, priorizou a ciência e a educação em todas as ações governamentais e conduziu o Brasil a um estado social próspero e economia sustentável. Desta vez, ele enfrentará um cenário local e global muito diferente. O mundo ainda está passando por uma crise de saúde sem precedentes e, como outros países, o Brasil precisa estabelecer novas formas de enfrentar os consequentes problemas sociais, educacionais, ambientais e econômicos. Isso será especialmente desafiador, visto que, desde 2016, o país tem feito a contramão da maioria dos governos, cortando investimentos em educação em todos os níveis e em ciência, tecnologia e inovação (CT&I).

A questão é como Lula pode enfrentar imediatamente a grave crise de pobreza e fome no Brasil, ao mesmo tempo em que restaura o meio ambiente e uma economia competitiva e equitativa para o país.

No século 21, os países estão se concentrando no desenvolvimento de capacidades para criar conhecimento científico e tecnologias para melhorar o bem-estar social. A ciência e a educação surgem assim como prioridades. É urgente, portanto, que Lula recomponha o orçamento dos setores de educação e CT&I do país. No entanto, o novo governo enfrentará um desafio sem paralelo. Somado aos cortes históricos nas políticas sociais e de CT&I, o orçamento para 2023 apresentado pelo governo Bolsonaro não contempla gastos básicos que necessariamente terão que ser retomados. Além disso, o Congresso brasileiro é o mais conservador desde o retorno do país à democracia. Mas o investimento em ciência e educação é especialmente importante por causa da população jovem do Brasil.

Alguns indicadores de educação, bem como de CT&I, mostram que, em média, entre os países pertencentes à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, 47% dos adultos (25 a 34 anos) concluíram o ensino superior (um diploma de bacharel), em comparação com os do Brasil (23%). O número de adultos no Brasil que não vão além do ensino médio (pré-faculdade) é um dos mais altos entre essas nações. O apoio a programas de ajuda que ajudam estudantes com antecedentes desfavorecidos a concluir o ensino superior foi profundamente reduzido nos últimos 4 anos. O Brasil também ainda não atingiu a matrícula plena de crianças no ensino fundamental, uma das metas de referência da Agenda 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

A economia do Brasil oscila entre a 10ª e a 12ª posição (dependendo do sistema de classificação) no mundo, e esse resultado é consequência direta principalmente dos investimentos feitos em CT&I nos anos anteriores. Por exemplo, o sucesso da agricultura brasileira no aumento da produção de soja é resultado de avanços alcançados principalmente por meio de pesquisas em universidades e instituições públicas. Infelizmente, nos últimos anos, o governo Bolsonaro cortou o financiamento de pesquisas, o que em breve afetará a competitividade global do Brasil.

Acima de tudo, a ciência brasileira carece de constância e continuidade nos investimentos em CT&I. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico é hoje a única fonte de financiamento de CT&I. O governo Bolsonaro afirma ter equilibrado os gastos ao restringir o uso do fundo. A nova administração deve revigorar esse recurso e priorizar CT&I.

O Brasil precisa se comprometer urgentemente com estratégias que alcancem a liderança na era do conhecimento, como investir em “big data”, inteligência artificial e tecnologias de comunicação. Essas áreas continuarão a revolucionar o mercado de trabalho global, mas aumentarão as desigualdades no Brasil, a menos que seja dada atenção especial à educação adequada. Além disso, é necessário cultivar pesquisas multidisciplinares e transdisciplinares que considerem os impactos sociais e ambientais para garantir que a ciência apoie amplamente o desenvolvimento econômico e social do país.

Vinte anos depois de sua primeira presidência, Lula retorna e enfrenta seus maiores obstáculos até agora. A boa notícia é que ele ainda defende a ciência e a educação. O povo brasileiro deve se unir e apoiar a construção de um futuro para a juventude de hoje.

*Helena B. Nader é presidente da Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, Brasil; o presidente honorário da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, Brasil; e professora de Biologia Molecular da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo, Brasil.


Este escrito originalmente em inglês foi publicado pela Science [Aqui!].

Agrotóxicos como questão estratégica a ser resolvida pelo governo Lula

lula agrotóxicos

Uma das áreas em que o governo de Jair Bolsonaro foi efetivo foi o do desmantelamento da legislação ambiental, incluindo a que regulava a aprovação de agrotóxicos. Nessa área, com a ajuda fundamental da ministra Tereza Cristina, o governo Bolsonaro literalmente passou o rodo nos brasileiros. O resultado dessa ação concertada entre fabricantes, latifundiários e membros do parlamento é que hoje estamos todos submetidos a um impacto inédito decorrente da ampla utilização de agrotóxicos banidos em outras partes do mundo.

Muito se fala do impacto que o latifúndio agro-exportador teve no desmatamento da Amazônia e do Cerrado, mas bem menos é abordado sobre a relação entre desmatamento e a transformação do Brasil em uma espécie de piscina química onde são despejados produtos que estão banidos em seus países de origem por serem tão perigosos que não compensam mais os eventuais ganhos que trazem na produção agrícola.

A verdade é que a questão da transformação do Brasil no principal mercado mundial de venenos agrícolas está na raiz da hegemonia política alcançada pelos latifundiários que hoje correm livres para desmatar e envenenar regiões inteiras da Amazônia, o que só é possível por causa de um grande acordo político com Jair Bolsonaro.

O presidente eleito Lula da Silva sinalizou no seu discurso da vitória um vago compromisso com uma nova forma de produzir alimentos, um que se baseie nos conceitos elaborados e sintetizados no que conhecemos como sendo “agroecologia”.  Provavelmente a maioria não se ateve a essa parte do discurso vitorioso, mas ela é uma questão extremamente estratégica.  É que além de todo o discurso de que o “agronegócio” brasileiro alimenta o mundo ser falacioso (pois não é nem próximo de ser verdade), o que temos em termos de produção agrícola não chega em sua maioria no prato dos brasileiros.  Dados sobre a produção, aliás, mostram que uma porcentagem altamente significativa do principal grão produzido no Brasil, a soja, serve apenas como alimentação de porcos na China.

Assim, alimentar os brasileiros com comida saudável certamente entra em choque com o atual modelo agrícola ancorado no veneno e no alto nível de financiamento público. Reverter isso pode parecer secundário, mas é central. É que além de se defrontar com os representantes do latifúndio nacional, o governo Lula terá que se defrontar com o poder das grandes transnacionais produtoras de venenos agrícolas (por exemplo: Bayer/Monsanto, Basf, Syngenta/ChemChina, DowDupont) que gozaram de ampla liberdade durante o governo Bolsonaro para realizar seu lobby pró-veneno.

A boa notícia é que há cada vez mais um acordo em torno da necessidade de se reverter não apenas a forma de produção de alimentos no mundo, mas também dos mecanismos de circulação e distribuição.

O que os holofotes precoces sobre Lula nos dizem sobre a mídia corporativa brasileira

lula cop27

A recente viagem do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva ao Egito, onde irá participar da COP-27, a bordo de um jatinho de propriedade de um grande empresário foi motivo para uma incontável quantidade de artigos e notas nos principais veículos da mídia brasileira. Pelo que entendi da reação da mídia corporativa, o uso de um jatinho privado seria uma espécie de prova de que Lula se desviou precocemente das boas práticas e se valeu de um amigo rico para evitar o uso de um avião de carreira.
Contraditoriamente a essa cobertura que aparentemente procura “chifre em cabeça de cavalo” (afinal há que se lembrar que Lula neste momento ainda não ocupa cargo público!), a cobertura dada pela mídia internacional vai no sentido de explicitar a situação de quase júbilo que a volta de Lula à presidência da república gerou em governantes, membros da sociedade civil e, inclusive, de membros da imprensa que fazem a cobertura de grandes eventos multilaterais. No caso da chegada de Lula à COP-27, importou pouco o veículo que o levou, e muito mais a volta do Brasil aos esforços multilaterais de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas globais.

Essa discrepância de tratamento não apenas revela um padrão provinciano e paroquial da mídia brasileira ao retorno de Lula ao cargo de presidente, mas também a opção de o tratar por padrões de comportamento que jamais foram aplicados a Jair Bolsonaro. Como todos notaram, em quase quatro anos de governo e múltiplas peripécias com o dinheiro público em férias extravagantes, o presidente cessante fez praticamente o que bem lhe deu na telha, sem que houvesse o mesmo mínimo de cobrança que agora é precocemente aplicado a Lula.

E não se enganem a ponto de pensar que este é um momento passageiro, pois podemos esperar uma cobertura muito ajustada do mandato de Lula. É que os donos da mídia corporativa brasileira deram toda a liberdade para Jair Bolsonaro agir porque estavam lucrando com as políticas econômicas de Paulo Guedes. Em certo sentido, o tratamento com trejeitos de uma caçada que agora é dispensada a Lula antes de qualquer coisa revela uma opção de relacionamento com um governo que dificilmente será de esquerda, mas, tampouco, será tão de direita quanto o de Jair Bolsonaro.

Lula promete priorizar clima e ciência em meio à crise

Lula_Brazil_MAINLula da Silva prometeu apoio à ação climática, à ciência. Copyright: Fórum Econômico Mundial , (CC BY-NC-SA 2.0).

Mas reviver a ciência, a tecnologia e a inovação e enfrentar as crises ambientais não será uma tarefa fácil, após vários anos de cortes orçamentários recorrentes em educação e ciência sob o presidente Jair Bolsonaro.

O manifesto de Lula promete acabar com o desmatamento na Amazônia, conter as emissões de gases de efeito estufa, apoiar a agricultura de baixo carbono e a agricultura familiar, reconstruir os órgãos de fiscalização e controle do desmatamento e acabar com a mineração ilegal em terras indígenas.

“Será importante uma estratégia econômica que inclua a promoção da ciência e a exploração sustentável dos recursos naturais.”

Luiz Antônio Elias, ex-secretário executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Brasil

“O Brasil está pronto para retomar sua liderança na luta contra a crise climática”, disse Lula a apoiadores em São Paulo após sua vitória nas eleições. “O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva.”

A política ambiental foi uma grande vítima do governo Bolsonaro, instaurado em janeiro de 2019.

De 2019 a 2022, o desmatamento na Amazônia brasileira cresceu 56% em comparação com o período de 2016 a 2018, segundo artigo de Paulo Artaxo , professor de física ambiental da Universidade de São Paulo.

Houve também um aumento de 80% no desmatamento em áreas protegidas, como terras indígenas e áreas de conservação. Além disso, houve uma escalada recorde de incêndios.

A ciência de forma mais ampla também sofreu um grande golpe sob Bolsonaro. Em 2014, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico teve um orçamento de cerca de 4,6 bilhões de reais (US$ 900 milhões), enquanto em 2022 esses recursos cairão para US$ 480 milhões no orçamento de seu governo. E mais da metade desse valor foi destinado ao pagamento da dívida pública porque, segundo o governo Bolsonaro, os recursos para a ciência não estavam sendo utilizados.

Além disso, uma medida provisória emitida por Bolsonaro em agosto impõe limites ao uso de parte dos recursos do Fundo, medida que antes era proibida por lei.

“Foram anos de intensa deterioração dos investimentos em ciência e tecnologia, e a vitória de Lula traz a perspectiva de recuperação”, diz Renato Janine, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ao SciDev.Net .

“No entanto, como [Bolsonaro] promulgou vários mecanismos legais usando o veto presidencial (ou seja, sem possibilidade de alteração pelo legislativo), será necessário revogar essas leis e medidas provisórias.”

O financiamento e o investimento em universidades federais e institutos de pesquisa também caíram por cento desde o fim da presidência de Dilma Rousseff, de R$ 10,3 bilhões (cerca de US$ 2 bilhões) para cerca de US$ 900 milhões, mostram números oficiais.

Os orçamentos das principais agências de fomento à pesquisa do Brasil — o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — também caíram por cento nesse período, impactando a oferta de bolsas para mestrandos e doutorandos.

A biomédica Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências, diz que as vagas de pesquisa apoiadas são cruciais para o avanço da ciência.

“Mais de 90 por cento da ciência brasileira é feita em universidades e institutos públicos de pesquisa”, disse ela ao SciDev.Net . “Sem educação não há ciência, e o novo governo terá que levar isso em conta.”

Janine diz que o governo Lula terá que tomar decisões difíceis, pois ele herda uma crise econômica. O presidente eleito, que tomará posse em 1º de janeiro de 2023, já disse que sua prioridade será acabar com a fome que assola 33 milhões de pessoas, o equivalente a mais de 15% da população.

“Existe uma expectativa de soluções rápidas, mas infelizmente não podemos esperar que sejam tão rápidas”, disse o presidente da SBPC.

Nader concorda: “O dano é muito grande. Vamos precisar de pelo menos um ou dois anos para nos organizarmos.”

O economista Luiz Antônio Elias, ex-secretário-executivo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação nos governos Lula e Dilma Rousseff, acredita que será fundamental reconstruir o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação “com uma visão integrada da política científica”.

O “ programa de reconstrução e transformação do Brasil ” de Lula reconhece que a reconstrução do sistema será “pela inovação tecnológica e social, bem como pelo uso sustentável das riquezas do país, pela geração de empregos qualificados e pelo combate às mudanças climáticas e ameaças à saúde pública”.

“Será importante uma estratégia econômica que inclua a promoção da ciência e a exploração sustentável dos recursos naturais”, acrescenta Elias.

Para Janine, aproximar a ciência da sociedade será fundamental. “Precisamos mostrar às pessoas o quanto a ciência é importante para o desenvolvimento do país, e como ela está presente em seus alimentos, roupas e celulares”, disse.

Em seu primeiro discurso como presidente eleito, Lula prometeu a retomada das conferências nacionais, incluindo uma de ciência e tecnologia, para facilitar a participação social no planejamento de políticas científicas.

Este artigo foi produzido pelo escritório da América Latina e Caribe da SciDev.Net e editado para ser conciso e claro [ Aqui!].