O medo real de Jair Bolsonaro não é perder as eleições, mas sair preso do Palácio do Planalto

bolsonaro cabeça quente

As recentes revelações acerca do “presságio” do presidente Jair Bolsonaro de que o ex-ministro da Educação, o pastor presbiteriano e ex-reitor da Universidade Mackenzie, Milton Ribeiro seria alvo de uma ação da Policia Federal causaram um desespero evidente não apenas do chefe do executivo federal, mas em seus assessores mais graduados. O motivo para isso é simples: ao aparentemente antecipar uma operação policial, o presidente da república cometeu o que se denomina de obstrução de justiça“.

Aliás, como as evidências dessa eventual obstrução de justiça estão bem documentadas a partir da intercepção telefônica entre Milton Ribeiro e sua filha, alguém já disse que o caso não se trata de “um batom na cueca, mas de uma cueca no batom”, tão graves são as implicações que a interferência de Jair Bolsonaro e provavelmente também do ministro da Justiça Anderson Torres que é quem tem o comando final sobre a Polícia Federal.

Como os escândalos de corrupção dentro do Ministério da Educação e Cultura (MEC) estão aparecendo aos borbotões e com indicações de que o presidente da república tem envolvimento direto na indicação de seus autores, no caso explicito dos dois pastores da Igreja Assembleia de Deus que foram presos junto com Milton Ribeiro, não é de surpreender que seu comportamento em relação aos resultados das eleições presidenciais esteja se tornando ameaçador. É que certamente cresce em Jair Bolsonaro a preocupação do que o futuro pode lhe reservar, mesmo porque seu governo afundou o país em uma profunda crise econômica, política e social. 

Em suma, o maior medo de Jair Bolsonaro não é mais perder as eleições até no primeiro turno, mas ter que sentir o peso da lei após ser removido pelo voto do cargo que ocupa. Aliás, não estivessem os ricos brasileiros tão felizes com os frutos do governo impopular e antinacional de Jair Bolsonaro, o mais provável é que ele estivesse sentindo repercussões das revelações que se seguiram à prisão do ex-ministro Milton Ribeiro.

A degradação da educação, da ciência e do meio ambiente no Brasil

ciencia brasil

(crédito: Caio Gomez)

Por Mercedes Bustamante- Professor titular do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília, membro da Academia Brasileira de Ciências

“Cupinização silenciosa e invisível.” Assim descreveu a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, o processo de degradação sistemática dos órgãos de fiscalização e controle do meio ambiente. A destruição por dentro, conduzida nos meandros das instituições, está claramente expressa nas taxas crescentes de desmatamento e conversão agrícola em vários biomas, na violação da legislação ambiental e de direitos territoriais de povos indígenas e comunidades tradicionais e comprometimento de recursos naturais e da estabilidade climática.

A cupinização também é aparente no Ministério da Educação e seus órgãos associados, como Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Capes, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), afetando um componente crucial para a redução das desigualdades sociais e econômicas ainda tão agudas no Brasil e que foi extremamente prejudicado durante a pandemia de covid-19. Escolas e universidades públicas atravessaram dois anos sem uma condução efetiva do Ministério da Educação (MEC) para lidar com os desafios impostos por esse choque global. Tal realidade, aparentemente, passou desapercebida no balcão (ou púlpito) de negócios que se instalou nas entranhas no ministério.

Igualmente crucial, a área de ciência e tecnologia é vítima de outra estratégia — a destruição por inanição. A redução drástica de recursos de custeio, bolsas e investimentos mina décadas de políticas que determinaram avanços científicos importantes e a formação de recursos com competências para abrir os caminhos do país diante dos significativos desafios que nos aguardam.

Tais desafios estão, precisamente, na convergência das políticas de educação, ciência e meio ambiente. Em 4 abril, foi lançada a terceira parte do 6o ciclo de avaliação do Painel Intergovernamental para Mudança do Clima (IPCC). Para nos recolocar na rota de atingir a meta de manter o aquecimento global em 1,5oC, estabelecida globalmente pelo Acordo de Paris, precisaremos reduzir pela metade as emissões de gases de efeito estufa até 2030.

Enquanto o mundo como um todo reduziu as emissões em 2020 em função da pandemia de covid-19, o Brasil aumentava suas emissões impulsionadas pelo desmatamento que seguiu impunemente mesmo diante de grave crise sanitária. Em 2021, o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) registrou a maior taxa de desmatamento da Amazônia desde 2006. A conservação de ecossistemas naturais e sua restauração ecológica são precisamente alternativas com grande potencial de mitigação das emissões, custos acessíveis de implementação e inúmeros benefícios como conservação da biodiversidade, segurança hídrica e alimentar.

Igualmente, a mensagem clara sobre a necessidade de abandonar combustíveis fósseis, em especial o carvão, não encontrou eco no governo federal. Recentemente, foi sancionada uma lei que obriga a compra de eletricidade gerada por termelétricas a carvão mineral, localizadas em Santa Catarina. A lei determina a contratação da energia produzida a partir de fonte extremamente poluente até 2040, uma década após o prazo em que deveríamos estar contribuindo para o esforço global de redução das emissões.

O relatório destaca como ciência e tecnologia foram fundamentais para reduzir o custo de energias renováveis como solar e eólica e de baterias, e traz ainda um novo capítulo sobre inovação, desenvolvimento e transferência de tecnologia. Um sistema de inovação bem estabelecido, orientado por políticas bem projetadas, pode contribuir para a mitigação, adaptação e alcance das metas de desenvolvimento sustentável e, ao mesmo tempo, evitar consequências indesejadas. No entanto, mais uma vez, caminhamos na direção contrária. Vamos a um futuro incerto, menos preparados e mais dependentes de alternativas desenvolvidas por outros países em função do estrangulamento de nossa ciência.

A transição para economias de baixo carbono implica em profundas mudanças na estrutura econômica e consequências distributivas dentro e entre países. A equidade e justiça social continuam sendo elementos centrais para a solução da crise climática. Transições justas devem abrir oportunidades de empregos adequados a essa nova realidade, mas demandam novas habilidades e a capacitação de recursos humanos e instituições. A educação em um mundo sob aquecimento global deve contribuir para o debate da sustentabilidade e a justiça ambiental. A antecipação de novas necessidades demanda a identificação das questões certas, bons dados e estatísticas e uma visão de política pública educacional que preconize a construção desse futuro e não as cartilhas do passado.

Entre as lições da pandemia que o IPCC elencou para a mudança climática estão: o valor do gerenciamento de risco prospectivo, o papel da avaliação científica, ações preparatórias e a importância de instituições. Exatamente o oposto que os três últimos anos trouxeram para a educação, ciência e meio ambiente no Brasil.

(Artigo endossado pela Coalizão Ciência e Sociedade que reúne pesquisadores de todas as regiões brasileira)


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Este artigo foi inicialmente publicado pelo Correio Braziliense [Aqui!].

Cobrança de propina no MEC: em depoimento no Senado Federal, prefeitos dão detalhes do esquema

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Em audiência pública que ocorreu nesta 3a. feira (05/04) na Comissão de Educação do Senado, prefeitos de três municípios confirmaram aos senadores que foram abordados por pastores que pediam o pagamento de propina em troca da liberação de verbas do Ministério da Educação (MEC). A intermediação, segundo eles, teria sido feita pelos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos, ligados à Igreja Ministério Cristo para Todos, de Goiânia (GO) (ver vídeo abaixo).

A questão fica óbvia é que o esquema instalado no Ministério da Educação e Cultura (MEC) era bem organizado e vinha drenando recursos públicos que deveriam estar chegando nas escolas brasileiras que vivem um período particularmente delicado em face dos efeitos da pandemia da COVID-19.

A coisa é tão escrachada que qualquer alegação de que o governo Bolsonaro não possui mecanismos de apropriação ilegal de recursos para fins privados (ainda que sob a capa de beneficiar igrejas evangélicas) não passa de propaganda enganosa.

 

 

Contra corte no orçamento da UFRJ, alunos protocolam petição com quase 240 mil assinaturas no Ministério da Educação

Abaixo-assinado engajou apoiadores por meio da plataforma Change.org; estudantes protocolaram documento no MEC, nesta quinta-feira (16)

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O protocolo foi feito por estudantes da APG (Foto: Arquivo pessoal)

Alunos da Associação de Pós-Graduandos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (APG-UFRJ) protocolaram no Ministério da Educação (MEC) um abaixo-assinado com quase 240 mil assinaturas em defesa do orçamento da universidade. O protocolo foi feito, na tarde desta quinta-feira (16), por Marcelo Acácio, diretor de políticas institucionais da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), e Emerson Oliveira, diretor da APG-UFRJ e mestrando em Linguística e Línguas Indígenas (PROFLLIND).

O abaixo-assinado foi lançado em maio como forma de protesto ao corte no orçamento da universidade. Segundo artigo da reitora Denise Pires e do vice-reitor Frederico Leão, publicado naquele mês, o orçamento discricionário aprovado pela Lei Orçamentária para a UFRJ em 2021 é 38% do empenhado em 2012. De acordo com a APG, somando-se isso ao bloqueio de 18,4% do orçamento aprovado, o funcionamento da UFRJ ficaria inviabilizado.

“Os vetos presidenciais à Lei Orçamentária Anual (LOA) e o bloqueio de créditos do orçamento em 2021 inviabilizam a educação pública, universal e de qualidade no país. O maior bloqueio de verbas ocorreu no Ministério da Educação, com R$ 2,7 bilhões (19,7% das despesas aprovadas)”, destaca a Associação de Pós-Graduandos da UFRJ no texto da petição. Os alunos também apontam que o orçamento das universidades vem sendo “radicalmente reduzido há tempos” e que, no atual governo, a situação se agravou criticamente. 

A petição, que segue aberta na plataforma Change.org, aponta que a educação brasileira pública, gratuita e de qualidade enfrenta ataques e um processo de desmonte. Segundo o manifesto, isso faz com que toda a sociedade saia perdendo e seus efeitos sobre a educação superior aprofundem as desigualdades educacionais e sociais, ameaçando a democratização do ensino e distanciando a juventude do direito inalienável à educação.

Mobilização foi lançada em defesa da universidade (Foto: Arquivo pessoal)

“Um país sem educação, pesquisa e investimentos básicos e fundantes para o seu desenvolvimento, tende a reproduzir um projeto estarrecedor de estagnação que o levará ao eterno subdesenvolvimento social, aprofundando desigualdades seculares e estratificando repulsantes violências”, enfatiza o abaixo-assinado. No texto, os estudantes ainda ressaltam que em meio à crise sanitária global, a Ciência e as Universidades se mostram fundamentais. 

A APG chama o ataque ao orçamento de “golpe do governo Bolsonaro” à universidade e à educação como um todo e, diante disso, manifesta repúdio por meio do abaixo-assinado. “Nós nos posicionamos contra o desmonte da educação, da democracia e da liberdade de ensino, pautas concretas que vêm sido colocadas em prática e ameaçam cada vez mais a construção de uma sociedade crítica, justa e igualitária no país”, declaram os estudantes. 

Faculdade em SP teria usado professores de fachada em curso de pós-graduação

Metade dos professores que aparecem em certificado com suspeita de fraude afirmou à Pública que não ministrou o curso

Faculdade em SP teria usado professores de fachada em curso de pós-graduação  - Agência Pública

  • Campos Salles foi denunciada ao MPF
  • Situação pode levar à responsabilização civil, administrativa e até criminal
  • Em nota, instituição diz que abriu procedimento administrativo

Por Rute Pina e Thiago Domenici para a agência Pública

Amanda* se espantou quando viu seu nome listado ao lado de outros nove professores em um diploma da pós-graduação das Faculdades Integradas Campos Salles (Fics). O nome da professora estava registrado em um certificado do curso de especialização em educação infantil, ministrado de outubro de 2018 a outubro de 2019 na instituição, localizada em São Paulo.

“Eu levei um baita susto porque eu nunca dei aula na pós-graduação. Eu não tinha nem conhecimento daquele curso”, diz a professora, que tem titulação de mestre na área de educação. Ela conta que trabalhou por quatro anos na faculdade, mas, por mais da metade do período do curso em que teria lecionado, já estava fora da instituição.

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A reportagem da Pública teve acesso ao certificado que atribuiu aulas que não foram ministradas pelos professores

A Agência Pública entrou em contato com os dez professores que aparecem no diploma sob suspeita de fraude na Fics. Metade confirmou à reportagem que nunca deu aula no curso mencionado – alguns, como Amanda, nem sequer haviam lecionado na pós-graduação. “Fomos usados como laranjas porque eles precisam de mestres e doutores”, avalia a docente.

Também o nome da professora Cimara Apóstolico é um dos que aparecem no corpo docente do curso de educação infantil. Segundo o certificado, ela teria dado a disciplina “Leitura e palavra: a criança como sujeito de educação no ensino infantil”, com duração total de 50 horas. Mas a professora negou à Pública ter ministrado tais aulas. “Eu não lecionei em momento algum na pós-graduação da Campos Salles. Só lecionei na graduação, em vários cursos. Mas, em 2018 e 2019, eu nem tinha horário para lecionar em mais nada. Então, com certeza, não fui eu. Usaram a titulação por alguma razão”, diz.

“Eu levei um baita susto porque eu nunca dei aula na pós-graduação”, afirmou uma professora à reportagem
A professora Silvia*, no entanto, afirmou que deu aula em todos os cursos da pós-graduação, mas não especificou se também no curso suspeito de fraude.

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Eu levei um baita susto porque eu nunca dei aula na pós-graduação”, afirmou uma professora à reportagem

A professora Silvia*, no entanto, afirmou que deu aula em todos os cursos da pós-graduação, mas não especificou se também no curso suspeito de fraude.

O curso teria sido oferecido pela universidade na modalidade EAD, ainda que o diploma obtido pela Pública, validado pelo Ministério da Educação (MEC), não especifique a modalidade. De acordo com um ex-aluno que prefere não se identificar, todo o curso de pós-graduação teria ocorrido sem a presença de professores, com uso de apostilas virtuais acessíveis por uma plataforma on-line – situação que não condiz com os critérios estabelecidos pelo MEC para o funcionamento de pós-graduações lato sensu.

A Resolução CNE/CES nº 1, que regula o setor, determina que metade do corpo docente dos cursos de especialização seja constituído de professores portadores de título de mestre ou de doutor, “obtido em programa de pós-graduação stricto sensu reconhecido”. Sem considerar condições extraordinárias, como a pandemia, outra exigência estabelecida pela norma é que “os cursos a distância deverão incluir, necessariamente, provas presenciais e defesa presencial de monografia ou trabalho de conclusão de curso”, o que, segundo o estudante procurado pela reportagem, não ocorreu.

Denúncia no MPF

Em julho de 2020, foi aberto um processo administrativo na Prefeitura de São Paulo para apurar irregularidades no curso oferecido pela Campos Salles, após uma notificação da Diretoria Regional de Educação. O procedimento, no entanto, foi arquivado por fugir à competência do município.

Mas, em março deste ano, suspeitas de fraude na instituição foram denunciadas ao Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo, pelo gabinete do deputado estadual Carlos Gianazzi (Psol) e pela Rede de Educadores do Ensino Superior em Luta.

De acordo com o ofício entregue à Procuradoria, os indícios “sugerem um manuseio intencional, por parte da mantenedora, da atribuição de disciplinas e/ou cursos aos seus profissionais docentes, com o intuito de maximizar as notas de avaliação dos seus cursos, cujos critérios de pontuação passam também pela análise de títulos de todos os docentes vinculados à instituição e aos cursos oferecidos”.

A advogada Beatriz Branco, assessora jurídica do mandato de Giannazi, explica que, no caso de comprovada a utilização de professores de fachada, a instituição pode ser responsabilizada nas esferas civil, administrativa e até criminal.

“No âmbito civil, os professores que tiveram seus nomes utilizados indevidamente podem pleitear danos morais e exigir a retirada de seus nomes dos diplomas já emitidos. Caso ainda possuam vínculo trabalhista, a demanda pode também ir para a Justiça do Trabalho”, diz a advogada. O uso de informações falsas poderia acarretar também suspensão da oferta de cursos na instituição e, no âmbito penal, em investigação criminal na Polícia Federal ou no Ministério Público.

Procurado, o MPF não respondeu até a publicação sobre o andamento da denúncia.

fcs 3José Cícero da Silva/Agência Pública

Coordenação de cursos

A denúncia entregue ao MPF que cita “Falsificação de documento público” apontou também irregularidades na coordenação dos cursos de pós-graduação da universidade e no regime de contratação dos professores.

As Faculdades Integradas Campos Salles têm 127 cursos de especialização cadastrados no MEC, entre presenciais e EaD. A Pública constatou que 31 cursos são oferecidos com regularidade e, antes da pandemia, presencialmente. Destes, oito são coordenados por Luci Ana Santos da Cunha e 17 por Fabio Cristiano de Moraes – ou seja, dois professores são responsáveis pela coordenação de 80% dos cursos de pós-graduação oferecidos pela instituição. Luci, também funcionária pública, ainda acumula a coordenação dos cursos de pós-graduação com as atividades de jornada integral no ensino superior, como ministrar disciplinas em cursos regulares da instituição. Seus nomes também constam no certificado suspeito e denunciado ao MPF. Procurados, eles não retornaram até a publicação.

Profissionais do setor educacional consultados pela reportagem avaliam que coordenar tantos cursos seria uma tarefa sobre-humana. “O máximo que já vi na vida foram três cursos coordenados pelo mesmo profissional, e já era uma situação atípica”, avalia um professor que atua como coordenador numa universidade privada de São Paulo e prefere não se identificar. Apesar de não ser uma situação irregular, o coordenador vê com estranheza um único profissional coordenar 17 cursos.

Demissões e sucateamento

Em 2015, o grupo Campos Salles foi assumido por uma nova gestão. Para oferecer cursos a distância, a instituição teria comprado, em 2019, a plataforma e o material didático da multinacional britânica Pearson, que oferece em seu catálogo “soluções digitais” para mais de 300 disciplinas no ensino superior. Segundo relato de professores, a faculdade começou a aplicar o conteúdo externo da empresa para alunos em recuperação, mas teria expandido a utilização do material para os cursos regulares.

Amanda lembra que, no mesmo ano, a universidade iniciou um processo de demissões de professores. “A faculdade como um todo tinha um sistema bem precarizado de trabalho. Eu cheguei a dar aula para uma turma com quase 120 alunos presencialmente”, relata. Com a demissão de professores com vínculo CLT, a faculdade teria começado a contratação de professores como pessoas jurídicas.

“Eles não pagaram a gente por nada disso porque compraram essa apostila. Passam essa apostila para o aluno ler e um formulário do Google para responder, e ele está em conteúdo de especialização. Sem ter aula nenhuma, sem ter professor nenhum”, diz a professora. Mas, segundo ela, nem tudo pode ser automatizado: “Fomos usados porque eles precisam dos nomes de mestres e doutores para o MEC, né?”.

Segundo os relatos, outro problema que seria de conhecimento da instituição é um suposto histórico de calotes e atrasos de pagamento de salários dos professores. Cimara Apostólico, que está afastada da instituição há quase dois anos, conta que os professores ficaram sem receber por seis meses em 2014.

“Eles não tinham condições de pagar. As instituições de maneira geral passaram por vários ajustes. Aí, a gente vê lá o preço do curso, R$ 100. Alguma coisa está acontecendo, né? E o que está acontecendo, na verdade, é um sucateamento do salário do professor, uma desvalorização. Eles mandaram embora muitos professores, ficaram poucos na casa, recebendo um salário que não é um salário de professor universitário”, diz a professora. “A gente tem a responsabilidade na formação de um indivíduo que também vai formar outros.”

Desde 2015, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que abrange a cidade de São Paulo e as regiões de Guarulhos, Osasco, ABC paulista e Baixada Santista, já recebeu 73 novos processos trabalhistas contra a Associação Educativa Campos Salles, mantenedora da instituição de ensino. Só neste ano, 11 novos casos chegaram à Justiça do Trabalho.

Em setembro do ano passado, a Pública já havia relatado casos de outras universidades privadas que, em meio à pandemia, davam aulas on-line com 300 alunos e demitiram milhares de docentes, muitos por pop-up.

Outro lado

Em nota enviada à Pública, as Faculdades Integradas Campos Salles informaram a instauração de um procedimento administrativo para averiguar a existência de vícios formais ou materiais, “não apenas em relação à expedição do referido Certificado, mas também em relação à situação acadêmica e administrativa de toda a atuação discente e docente no curso”.

“Em toda a história da Fics, essa é a primeira vez que recebemos uma denúncia nestes termos, onde, havendo irregularidades, serão aplicadas as sanções previstas em nosso regimento e também na legislação pertinente”, diz nota enviada à reportagem. Sobre os “supostos indícios de manuseio intencional para maximização de notas em nossos cursos”, a instituição informou que os programas de pós-graduação lato sensu não possuem indicadores de qualidade vinculados à titulação.

“No desenvolvimento de nossos cursos, empregamos diversos tipos de conteúdos síncronos e assíncronos, com materiais próprios e de terceiros, constando em nossos certificados os professores que lecionaram aulas síncronas e assíncronas, presenciais ou à distância, professores responsáveis por seu desenvolvimento ou professores que atuam na construção conceitual das disciplinas de suas cátedras dos eixos de formação dos cursos participantes dos Núcleos de Desenvolvimento Estruturantes (NDE), Colegiados de Curso (CONCUR) e do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE)”, afirma a nota da faculdade.

Procurado, o MEC não respondeu até a publicação

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Este texto foi inicialmente publicado pela agência Pública [Aqui!].

O MEC sob o império de Provérbios 23:13-14

milton2O pastor Milton Ribeiro, o novo indicado para ocupar o cargo de ministro da Educação (Foto: Divulgação)

Falo pouco sobre o assunto, mas sou descendente de uma linhagem de educadores que teve início com minha avó materna que passou mais de três décadas em uma escola rural oferecendo o que tinha de melhor para ensinar desde o filho dos meeiros até os dos fazendeiros.  Tendo iniciado sua labuta lá pelos meados da década de 1930, a minha avó fez uso de um instrumento que aterrorizou crianças por muito tempo nas escolas brasileiras, a palmatória (ver imagem abaixo no momento em que uma criança era castigada em uma escola da Bahia no século XIX).

palmatória

Dita uma lenda familiar que a palmatória que minha avó usou acabou tendo um destino inglório após a sua morte junto com outros documentos que ela guardou por mais de três décadas. No momento da morte da minha avó, a palmatória não era mais do que uma relíquia histórica, e se me lembro bem o instrumento de punição era guardado apenas como um a lembrança e nada mais.

Eis que agora, em pleno século XXI, o governo Bolsonaro vai ter no comando do Ministério da Educação e Cultura, um pastor presbiteriano que parece acreditar na “Lei da Vara”, tal como aparece em Provérbios 23:13-14  (ver vídeo abaixo).

A quem estiver surpreso com a escolha, e com a rápida aprovação pela bancada evangélica e pela chamada “ala ideológica” do governo Bolsonaro, eu diria que o pastor (é assim que ele se apresenta no vídeo acima) Milton Ribeiro está à altura do que se pode esperar do presidente Jair Bolsonaro e sua suposta cruzada (que é só suposta mesmo) em nome dos valores da família.

Mas mais do que um acordo doutrinário, basta olhar o currículo Lattes de Milton Ribeiro, que não possui nenhuma indicação de que ele é capaz de pensar fora da caixa (usando um termos em voga no chamado “empreendedorismo”) religiosa à qual ele pertence.  Uma coisa incrível é que Milton Ribeiro, tendo atuado como reitor e vice reitor da Universidade Mackenzie consegue ter uma produção acadêmico aquém daquela apresentada por todos os que ocuparam até aqui o cargo de ministro da Educação no governo Bolsonaro (notem que os anteriores não era nenhum primor acadêmico, a começar por Vélez Rodrigues, passando por Abraham Weintraub, e desembocando em Carlos Alberto Decotelli!). Em outras palavras, Milton Ribeiro não apenas mantém um padrão acadêmico medíocre, mas como deverá manter a postura de guerra cultural que Abraham Weintraub cumpriu até fugir espetacularmente para os EUA.

Aos que defendem a educação pública de qualidade fica a lição de que sob este governo não há o que esperar de melhor, mas que sempre é possível cumprir a Lei de Murphy que estipula que “nada está tão ruim que não possa piorar”.  Desta lição deve decorrer a realização de que não haverá tempo fácil para conter o desmantelamento de nossas escolas e universidades públicas enquanto o governo Bolsonaro perdurar. 

Para fazer essa defesa haverá a clara necessidade de não temer a vara que está sendo posta sobre as costas dos educadores brasileiros.  É que o custo de qualquer vacilação vai ser alto, especialmente para as crianças pobres que são obrigadas a frequentar um sistema público de ensino cada vez mais sucateado.  Aliás, como em tantas outras esferas dentro do governo Bolsonaro onde o discurso pela família se mistura com a busca de lucros privados a partir do público, árvores recém-derrubadas na Amazônia já devem estar sendo serradas para garantir a volta triunfal da palmatória. A ver!

MEC ao léu: Renato Feder pede para sair sem ter entrado

feder paranáApós rejeição implacável ao seu nome por “olavistas” e “militares, Renato Feder usa Twitter para declinar convite para ser o próximo ministro da Educação

A situação seria cômica se não fosse extremamente trágica. É que neste domingo, o secretário estadual de Educação do Paraná, Renato Feder, gerou mais uma situação humilhante para o governo Bolsonaro ao declinar via sua página na rede social Twitter o convite que teria sido feito a ele pelo presidente Jair Bolsonaro (ver imagem abaixo).

renato feder declina

A situação de um convite ser “declinado” via redes sociais é insólita, e mostra o desprestígio do convite e de quem o fez. Em um passado não muito distante, o convite para ocupar um ministério seria celebrado e tratado com mais cuidado, e a situação que está posta é rara, mesmo para um país com um sistema político chegado à excentricidades como é o brasileiro.

Com a recusa de Renato Feder, o governo Bolsonaro está com pelo menos dois ministérios importantes sem um ocupante definitivo,  Saúde e Educação, justamente quando eles são chamados a ocupar um papel relevante no combate à uma pandemia letal como é a da COVID-19.

Por outro lado, o tratamento displicente que o presidente Bolsonaro dispensa à indicação dos ministros dessas duas pastas deixa claro que estas duas áreas não são vistas como estratégicas, o que é deixado explícito por essa sucessão de vexames que tem sido a tentativa de encontrar um substituto para um ministro que teve um desempenho para lá de pífio, como foi o caso de Abraham Weintraub no MEC.

Um detalhe mórbido sobre essa recusa pública de Renato Feder foi a oposição que seu nome sofreu de duas alas, ideológica e militar, que se debatem para saber quem determina as linhas de ação do governo Bolsonaro. É que aparentemente, Feder foi rejeitado simplesmente por não ser truculento ou direitista o suficiente. Como eu disse no início desta postagem, a situação do governo Bolsonaro seria cômica se não fosse trágica.

Finalmente, desconfio que neste momento há algum militar engalanado engraxando o sapato e engomando o terno para assumir o MEC. Temporariamente, é claro.

Carlos Alberto Decotelli mostra no Lattes como fazer do limão, uma limonada

limonadaCarlos Alberto Decotelli fez dos limões, uma limonada

Fala-se o que se falar de Carlos Alberto Decotelli, o brevíssimo terceiro ministro da Educação do governo Bolsonaro, mas ele é um homem que sabe fazer dos limões que o destino atira em sua vida belas limonadas.

Demitido após apenas cinco dias no cargo de ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, atualizou no dia de ontem o resumo biográfico do seu currículo vitae na Base Lattes para incluir a importante informação de que “entre 25 e 30 de junho de 2020, atuou como Ministro da Educação do Brasil” (ver imagem abaixo).

decotelli limonada

Uma coisa é certa: da próxima que eu me sentir deprimido por causa de algum sobressalto em minha vida, vou lembrar do professor Decotelli e seu exemplo de fabricante de limonadas.

Com Renato Feder, Bolsonaro mantém ministro com zero impacto acadêmico e perfil privatista no MEC

O presidente Jair Bolsonaro informou hoje que o atual secretário estadual de Educação do Paraná, Renato Feder, será o próximo ocupante da chefia do MEC, mantendo um perfil que se repete desde a indicação do professor Ricardo Vélez Rodriguez que é o de ter a pasta ocupada por personagens com baixíssimo ou nenhum impacto acadêmico. No caso de Renato Feder, ao contrário da versão mitômana de Carlos Alberto Decotelli, a visita à Base Lattes mostra que Feder não possui qualquer preocupação com seu perfil acadêmico, pois a currículo que lá está depositado não é atualizado desde Dezembro de 2002 quando ele sequer tinha terminado o seu mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo (ver imagem abaixo).

renato feder

Mas o perfil acadêmico de impacto inexistente não é o problema real de Renato Feder.  O pior mesmo são suas ideias privatistas e contra a educação pública (ver abaixo sequência de imagens com o que pode ser considerado o pensamento Feder em estado puro).

Ainda que agora Feder esteja dizendo que abandonou parte das suas ideias, que foram apresentadas no livro “Carregando o Elefante – como transformar o Brasil no país mais rico do mundo” publicado em parceria com Alexandre Ostrowiecki em 2007 (ver foto dos dois em uma performance na empresa Multilaser na qual os dois são sócios) (ver imagens abaixo).

 Mas como já dizia o profeta Jeremias “o leopardo não pode mudar a variedade das suas manchas”. E isto ficou verificado na atuação de Feder como secretário estadual de Educação do Paraná. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública do Paraná (o APP Sindicato), Renato Feder marcou sua gestão por um enfoque no “controle das ações das equipes escolares, por meio do desenvolvimento da tecnologia, criação das funções dos tutores (professores lotados nos núcleos regionais de educação que desenvolvem a função de verdadeiros capatazes dos seus iguais), das avaliações externas e da retirada de autonomia das unidades escolares“.

Um dos “feitos” de Renato Feder enquanto secretário estadual de Educação do Paraná foi contratar, com dispensa de licitação, de uma rede afiliada da TV Record  para transmitir vídeo-aulas para alunos da rede estadual durante a pandemia de Covid-19.  Um detalhe curioso marcou essa contratação com dispensa de licitação: a empresa contratada não possuía sinal de transmissão em quase a metade do estado, o que deixou, segundo o site “The Intercept“, “mais de 2 milhões de pessoas vivem nas cidades que ficaram no escuro educacional – o que é quase um quinto da população do Paraná”.

Por essas nuances todas, eu me atrevo a fazer um trocadilho medonho que é dizer que com Renato Feder no MEC, as coisas têm tudo para feder.  Assim, para quem esperava algum tipo de refresco nos enfrentamentos em defesa da educação pública, sugiro esquecer e arregaçar as mangas para impedir retrocessos ainda mais graves. A ver!

Abatido por inconsistências em seu currículo, caiu Carlos Alberto Decotelli, o brevíssimo ministro da Educação de Bolsonaro

decotelli demissão

Após míseros 5 dias como ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli apresentou seu pedido de demissão (pedido este que foi rapidamente aceito pelo presidente Jair Bolsonaro), após ter seu currículo acadêmico reduzido a pó por causa de uma série de adições indevidas, a começar por um inexistente título de Doutor pela Universidade Nacional de Rosário.

O caso Decotelli não é apenas um embaraço pessoal, mas para todo o governo Bolsonaro, especialmente para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general da reserva Augusto Heleno, que falhou miseravelmente na tarefa básica de checar a veracidade do currículo de um candidato a ocupar um ministério em que os dois ministros anteriores (Velez Rodriguez e Weintraub) já causaram graves danos ao seu funcionamento.

Mas os problemas causados pela colocação de uma pessoa contumaz em, digamos, embelezar seu currículo acadêmico vão além dele e do governo ao qual ele breve pertenceu em duas coisas ocasiões (lembremos que Decotelli também ocupou rapidamente a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)). 

É que ao cair por ser associado à, no mínimo, ao enriquecimento indevido de currículo, Decotelli também prejudica diretamente os esforços para garantir o acesso de afro-brasileiros a cargos chaves no Brasil.  É que efetivamente existem pouquíssimos afro-descendentes em postos de comando, e quando um consegue chegar logo é abatido por motivos que efetivamente não contribuem para que outros possam ser alçados a cargos de poder, em função do racismo sistêmico (ou estrutural) que existe em nosso país.

Um detalhe correlato, e que não passará despercebido por quem luta pela igualdade racial no Brasil, é que Carlos Alberto Decotelli não foi o único ministro do governo Bolsonaro a ser pego com incongruências entre o declarado e o real no tocante ao currículo acadêmico. Dois casos exemplares são os do ministro (ou seria anti-ministro?) do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que foi pego com um título de mestrado “ghost” de Direito Público na Harvard University e a ministra da Mulher, Familia e Direitos Humanos, Damares Alves, que teve desmentidos seus supostos títulos de “Mestre em Educação e de Direito Constitucional e Direito da Família”.  Entretanto, ao contrário de Carlos Decotelli, tanto Ricardo Salles e Damares Alves continuam firmes e fortes em seus cargos de ministro.

De toda forma, a demissão de Carlos Alberto Decotelli é um exemplo claro de que com em tempos de informações amplamente disponíveis na rede mundial de computadores se torna um risco assumir graus acadêmicos que efetivamente não são possuídos.  O interessante é, que mesmo diante disto, há quem se faça de desentendido e insista em declarar produções científicas inexistentes; existindo casos em que mesmo um erro desse gênero tendo sido avisado em debate público, o docente avisado nunca se deu ao trabalho de corrigir o erro.  Isto para mim sinaliza que o meio acadêmico brasileiro ainda é, no mínimo, muito tolerante com esse tipo de prática. E, por isso, de tempos em tempos, somos pegos com casos similares ao que agora ocorreu com o agora ex-ministro Decotelli.

Mas é bom lembrar que essa tolerância não é universal, como bem demonstrou o reitor da Universidade Nacional de Rosário que foi o primeiro a vir a público para começar a desfazer o castelo de areia acadêmico que Carlos Alberto Decotelli construiu e conseguiu deixar de tempo por muito tempo. Que este caso, e o inglório fim do brevíssimo ministro da Educação sirva de exemplo aos incautos.