Reprodução de tuíte da revista “Veja São Paulo” – 1º.julho.2014
Na versão do romance “A menina que roubava livros” para o cinema, as salas de exibição se iluminam com a luz das imagens das imensas fogueiras queimando livros na Alemanha nazista.
Nos tempos de barbárie, nos anos 1930 e 40, os mesmos algozes que incineravam seres humanos vivos em fornos dos campos de concentração eram os censores que destruíam bibliotecas inteiras e proibiam a leitura de um sem-número de obras.
Aqueles tempos se foram, mas parecem ter deixado saudade em alguns intolerantes.
Entre as 18h e as 19h desta terça-feira (1º de julho), a conta da revista “Veja São Paulo” (@VejaSP) no Twitter informou: “Livro encontrado pela polícia em mochila de manifestante na Praça Roosevelt”.
Abaixo da legenda, uma fotografia mostrava a biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.
No fim da noite, o tuíte foi apagado pela @VejaSP. Entre as dezenas de pessoas que generosamente me informaram do episódio, houve quem copiasse e me enviasse a foto, reproduzida lá em cima.
Escrito por mim e editado pela Companhia das Letras, o livro foi lançado em outubro de 2012. Já teve 38 mil exemplares impressos e recebeu seis prêmios literários e jornalísticos. Vai virar filme dirigido por Wagner Moura e produzido pelo diretor estreante e a produtora O2, de Fernando Meirelles.
Trocando em miúdos: durante um protesto pacífico, a Polícia Militar do Estado de São Paulo apreendeu a biografia “Marighella” que um manifestante carregava na mochila.
O ato na praça Roosevelt, na capital paulista, reuniu centenas de manifestantes que reivindicam a libertação de dois ativistas presos.
Apesar do caráter pacífico do protesto, a PM deteve dois advogados e no mínimo outras quatro pessoas, disparou balas de borracha, lançou bombas de gás e empregou, também contra repórteres, spray de pimenta (leia reportagem da ‘Folha’ clicando aqui).
Manifestantes tiveram as mochilas revistadas e o conteúdo exposto, inclusive o livro.
Por que os policiais militares procederam assim?
É crime ler a biografia de Carlos Marighella (1911-1969)?
Abre-se uma caça às bruxas a quem pretende, gostando ou não do personagem, conhecer a trajetória do revolucionário brasileiro?
Durante décadas, certa historiografia oficial se empenhou em eliminar Marighella da história do Brasil.
Mas livros sobre ele só eram apreendidos durante a ditadura instaurada em 1964.
A PM paulista poderia esclarecer se adotou a política _inconstitucional_ de recolher livros.
Em caso positivo, o que faz com os volumes? Queima-os, como os nazistas?
Ou o procedimento só se aplica à biografia de Marighella?
Se fosse outro o livro não teria sido subtraído do cidadão?
Quem determina, em flagrante ofensa à lei e à democracia, que livro é ou não autorizado?
Por que exibiram a biografia como “troféu de guerra”?
Não está em questão se o livro é bom, ruim ou mais ou menos _cada leitor tem sua opinião, legítima. Ou se o personagem vale ou não uma missa. Mas, sim, o direito à difusão de conhecimento histórico, bem como a liberdade de expressão e o acesso à informação.
Estamos em 2014, mas às vezes não parece.
FONTE: http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2014/07/02/pm-apreende-marighella-em-protesto-queimara-livros-como-os-nazistas/