Porto Central: o sonho do Brasil em águas profundas construído sobre alicerces instáveis

Por Monica Piccinini para “The Canary”

No final de 2024, as dragas começaram a cavar no fundo do mar na costa de Presidente Kennedy, uma pequena cidade no sul do Espírito Santo, antes conhecida por suas praias tranquilas. Este é o local escolhido para o Porto Central, o próximo megaporto do Brasil e um dos projetos logísticos privados mais ambiciosos da história do país.

Os promotores descrevem o Porto Central como “um dos maiores complexos portuários industriais da América Latina”, um projeto destinado a redefinir o futuro das exportações do Brasil. No entanto, por trás das promessas de empregos e progresso, a tensão está crescendo ao longo deste trecho tranquilo da costa. Os críticos estão questionando quem realmente se beneficia dessa iniciativa ambiciosa e quem arca com os custos ocultos.

O Porto Central se estende por 2.000 hectares, uma área aproximadamente do tamanho de 2.800 campos de futebol, com um canal de acesso de 25 metros de profundidade capaz de hospedar navios gigantes VLCC (Very Large Crude Carrier). Um único VLCC pode transportar aproximadamente dois milhões de barris de petróleo bruto.

O projeto abrigaria até 54 terminais que atendem petróleo e gás, agronegócio, minerais, contêineres e até energia renovável. A construção é dividida em cinco fases, com investimento total estimado em torno de R$ 16 bilhões (aproximadamente US$ 2,9 bilhões).

Porto Central — Uma cidade à beira-mar

A atração do Porto Central é a geografia. Situada no meio da costa do Brasil, promete reduzir o transbordo e encurtar as rotas de exportação de petróleo e gás, grãos e minério de ferro.

Vários grandes patrocinadores, incluindo a TPK Logística S.A., a empresa holandesa Van Oord e a subsidiária europeia da empresa norte-americana Modern American Recycling Services (M.A.R.S.), estão apoiando o vasto projeto do Porto Central, um centro de águas profundas projetado para ligar os campos de petróleo do pré-sal do Brasil, o agronegócio e as indústrias de mineração diretamente às rotas comerciais globais.

O argumento é claro e simples: reduzir os custos de transbordo, encurtar as rotas de exportação e competir com gigantes marítimos como Roterdã, Cingapura e Xangai.

A Fase 1 envolve quatro componentes principais: dragagem de 60 milhões de m3 do fundo do mar (o equivalente a 25.000 piscinas olímpicas); construção de um quebra-mar sul com pedreiras 26 km para o interior; construção de um terminal de granéis e líquidos em águas profundas para transbordo de petróleo; e desenvolver uma área traseira de 65 hectares para montar dutos e fundações. A implementação começou no final de 2024, com capacidade operacional total planejada para o final da década.

No entanto, sob a demonstração de confiança na engenharia, existe uma teia emaranhada de riscos.

Dragando danos

As apostas socioambientais são imensas. O relatório de impacto ambiental (RIMA) do Porto Central traça uma lista de riscos raramente vistos em tal concentração: dragagem do fundo do mar que pode aumentar a turbidez sufocando corais e peixes, alterando o fluxo de sedimentos, acelerando a erosão costeira.

Espécies protegidas, incluindo tartarugas marinhas, golfinhos e até baleias migratórias, usam esse trecho da costa para se alimentar e se reproduzir. Ruído, tráfego de navios e luz artificial ameaçam esses ritmos.

Pescadores artesanais, agricultores familiares e comunidades quilombolas, muitos dos quais operam à vista do local de dragagem, correm o risco de perder áreas de pesca e renda. Programas de compensação anteriores para projetos semelhantes se mostraram inconsistentes.

Em 2023, o Ibama emitiu uma licença de instalação (LI) para o Porto Central referente à Fase 1 do projeto, exigindo monitoramento e mitigação extras. Ambientalistas alertam que a capacidade de fiscalização permanece limitada.

Vozes

Vozes locais alertam que os custos ecológicos e sociais do Porto Central podem superar em muito suas promessas. O professor, ambientalista e ativista José Roberto da Silva Vidal, que vem acompanhando o impacto do projeto em Presidente Kennedy, falou com profunda preocupação

É de partir o coração ver o que está acontecendo com nossa terra e mar à medida que o Porto Central avança. As florestas de restinga estão sendo derrubadas, as rochas são destruídas e a água que sustenta a vida aqui está ameaçada. Cada novo caminhão, cada máquina aumenta os danos, liberando mais emissões em uma atmosfera já frágil. Chamar isso de progresso ignora a verdade que todos enfrentamos – o planeta está nos alertando e, no entanto, continuamos optando por desviar o olhar.

Na linha de frente contra o projeto Porto Central, a organização não-governamental REDI, dá voz a famílias de pescadores e comunidades ribeirinhas cujas vidas e tradições estão em risco.  A FASE  do Espírito Santo está com eles, apoiando as comunidades locais, defendendo suas terras e águas e exigindo responsabilidade daqueles que promovem projetos destrutivos.

Marcos Pedlowski, pesquisador e professor associado da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), expressa profunda preocupação com o potencial impacto do Porto Central na pequena e frágil cidade de Presidente Kennedy. Suas preocupações se baseiam em quase duas décadas de pesquisa e experiência em primeira mão vivendo entre os atingidos pelo Porto do Açu, outro projeto de grande porte localizado a menos de 100 km do Porto Central:

Presidente Kennedy é um lugar pobre e tranquilo, despreparado para um projeto desse tamanho. Quando milhares de trabalhadores chegarem, a vida aqui mudará da noite para o dia, e não para melhor. Veremos mais tensão social, mais prostituição, mais álcool e drogas. A violência aumentará e a comunidade terá que lidar com as consequências.

Ele adverte que esses riscos sociais estão ligados a realidades políticas mais profundas:

Já convivemos com a corrupção e o policiamento pesado no Espírito Santo. Quando você adiciona um projeto como o Porto Central a essa mistura, você está preparando o terreno para uma injustiça ainda maior.

Para Pedlowski, o que está acontecendo em Presidente Kennedy é parte de uma história maior, que ele já viu se desenrolar antes ao longo da costa do Brasil:

Estes são o que eu chamo de portos de sacrifício. Os investidores sabem os danos que vão causar: a erosão, a poluição, o deslocamento de pescadores e famílias quilombolas. Mas os lucros falam mais alto. Por trás de todas as promessas, o que realmente está em jogo é a aquisição da terra e do mar, com o Estado trabalhando de mãos dadas com o poder corporativo.

Um ímã para combustíveis fósseis

Alguns dos clientes confirmados do Porto Central dificilmente são verdes. A empresa assinou contratos com a Petrobras (2021), a norueguesa Equinor (2024), a chinesa CNOOC (2024) e a espanhola Repsol Sinopec (2025), para lidar com petróleo bruto e derivados.

José Maria Vieira de Novaes, CEO do Porto Central, descreveu o petróleo como “uma das âncoras do projeto”, citando previsões do governo de exportações em expansão e infraestrutura existente limitada.

“Os terminais existentes não conseguem absorver o que está por vir”, disse ele à Folha Business em 2022.

Enquanto o Brasil se compromete a descarbonizar, seu mais novo megaporto é potencialmente construído para acelerar o combustível fóssil por toda parte.

Quem lucra?

No coração do Porto Central está a TPK Logística S.A., de propriedade da Organização Polimix, um dos principais conglomerados brasileiros de concreto, agregados e logística. A Polimix é controlada por Ronaldo Moreira Vieira, e José Maria Vieira de Novaes é um dos sócios da TPK Logística.

De acordo com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), Ronaldo Moreira Vieira está listado no banco de dados conhecido como Panama Papers. Estar listado como “ativo” nesse banco de dados significa que a entidade estava operacional no momento do vazamento de 2016, evidência de envolvimento na estruturação offshore. Embora não seja prova de ilegalidade, a revelação convida ao escrutínio sobre a transparência e a propriedade efetiva.

Um presidente com 13 empresas

José Maria Vieira de Novaes, por sua vez, usa muitos chapéus. Registros corporativos mostram seu nome vinculado a 13 empresas, da Agropecuária Limão Ltda à Kennedy Energia Solar Ltda e  à Praia Kennedy Empreendimentos Ltda, que controlam coletivamente mais de R$ 388 milhões (aproximadamente US$ 72 milhões) em capital social.

Várias dessas empresas operam na mesma região do porto. Alguns são ativos no setor imobiliário e de energia, os mesmos setores que devem se beneficiar da ascensão do Porto Central. Essa sobreposição pode permitir que Novaes se beneficie indiretamente da expansão da infraestrutura do Porto Central, um potencial conflito de interesses que confunde a linha entre o bem público e o ganho privado.

Perigos e mitigação

O Ibama já exigiu que o Porto Central realizasse estudos adicionais de sedimentos e ruídos antes de avançar nas principais fases da construção. Embora a empresa afirme operar sob “padrões ambientais internacionais”, as ONGs locais a acusam de antecipar a aprovação total.

A lista de alguns dos perigos potenciais parece uma lista de verificação ambiental do inferno: destruição de habitats marinhos por dragagem, perturbação da nidificação de tartarugas e migração de mamíferos marinhos, erosão de praias devido a alterações no fluxo de sedimentos, poluição por derramamentos de óleo, resíduos e esgoto, ruído e vibração de máquinas pesadas que perturbam a vida selvagem e os residentes, salinização das águas subterrâneas, introdução de espécies invasoras via água de lastro, acidentes e derramamentos durante a transferência de navio para navio, destruição de manguezais, erosão de longo prazo ao longo da costa de Presidente Kennedy.

Porto Central x Porto do Açu: um conto de dois megaportos

Tanto o Porto Central quanto o Porto do Açu, localizados a menos de 100 km de distância ao longo da costa sudeste do Brasil, compartilham grandes visões, terminais em águas profundas e de exportação e zonas industriais que prometem empregos e crescimento.

O Açu, lançado em 2013 em São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro, amadureceu e se tornou um porto funcional e um hub de energia. No entanto, pesquisas acadêmicas revelam cicatrizes profundas: deslocamento de famílias de pescadores, salinização de lençóis freáticos e compensação social não cumprida. Os trabalhos de pesquisa descrevem a perturbação da comunidade e a degradação ambiental como legados de longo prazo do projeto.

Carlos Freitas, ambientalista da ONG REDI, diz que a história que se repete em Presidente Kennedy é dolorosamente familiar. Seu grupo tem trabalhado com famílias de pescadores e agricultores nos assentamentos do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) perto do Morro da Serrinha, onde a extração para a construção do Porto Central já interrompeu vidas.

O que aconteceu no Porto do Açu está acontecendo novamente aqui – as mesmas promessas, o mesmo silêncio sobre os danos. Eles chamam isso de progresso, mas o que vemos é destruição disfarçada de desenvolvimento.

Ele explica que as reuniões da empresa são convocadas com apenas alguns dias de antecedência, deixando pouco espaço para uma participação real. Enquanto isso, explosões da pedreira assustam os animais, causam abortos espontâneos de gado e abalam as casas das famílias de agricultores.

As pessoas estão sendo enganadas com conversas sobre empregos e crescimento, enquanto explosões sacodem suas terras e os animais fogem. Nos assentamentos do MST, as famílias estão vendo suas plantações e animais sofrerem. O Porto Central não está trazendo vida para esta região – está tirando.

Isso ilustra um dilema brasileiro compartilhado, a rápida industrialização sem governança ou salvaguardas ecológicas.

Logística

Por trás da promessa de progresso está a incerteza. O projeto conta com ligações logísticas nacionais inacabadas, incluindo a ferrovia EF-118 entre a capital capixaba, Vitória e Rio de Janeiro, a EF-352 ligando os estados do Espírito Santo, Minas Gerais e Goiás, e melhorias nas rodovias BR-101 e BR-262. Sem eles, o Porto Central pode se tornar um gargalo. Os promotores do porto insistem que o compromisso do governo estadual garantirá a conclusão, mas a história da infraestrutura do Brasil está repleta de ferrovias paralisadas.

Acrescente a isso o desafio climático, já que o aumento do nível do mar e as tempestades mais fortes podem testar as defesas do porto antes mesmo de estar operacional. 

Ambição e responsabilidade

O Porto Central resume o eterno paradoxo do Brasil: vasto potencial, governança frágil.

Poderia, em teoria, ancorar o futuro do Brasil no comércio global. No entanto, sem transparência, supervisão e gestão socioambiental rigorosa, corre o risco de se tornar mais um alerta, de lucro para poucos e poluição para muitos, uma encruzilhada entre desenvolvimento e destruição.

Com estruturas de propriedade se estendendo para jurisdições de sigilo offshore e liderança vinculada a uma constelação de empresas privadas, a responsabilidade permanece ilusória.

Se o Porto Central se tornará a Roterdã do Brasil, ou seu próximo escândalo de desenvolvimento, dependerá menos da engenharia do que da ética.

Para muitos moradores, a questão não é se o Porto Central vai crescer, mas a quem servirá quando isso acontecer.

O Porto Central não respondeu a um pedido de comentário.

Imagem em destaque no site do PortoCentral


Fonte: The Canary

Vazamentos de óleo em cadeia: contaminações e impunidade na Baía da Guanabara

Mancha de óleo na Baía da Guanabara atingiu colônia de pescadores em Jurujuba, Niterói Foto: Márcia Foletto

Por Camiela Pierobon para o “Nexo”

No dia 1º de outubro de 2024, um caminhão-tanque carregado com emulsão asfáltica colidiu com um caminhão-bitrem que transportava gasolina e óleo diesel, no quilômetro 130 da BR-116. A colisão ocorreu sobre o Rio Suruí, na comunidade de Suruí, em Magé — uma área de manguezal habitada historicamente por famílias de pescadores artesanais e catadores de caranguejo. O que poderia parecer um caso isolado, no entanto, revela as conexões entre acidentes cotidianos e os impactos de uma engrenagem maior: a da indústria petroquímica, marcada por recorrentes vazamentos de petróleo, óleos e produtos químicos nos corpos hídricos que chegam à Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. Ainda não se sabe exatamente quanto material foi lançado no rio, que deságua diretamente na Baía. Estimativas apontam entre 20 e 50 mil litros de substâncias derivadas da indústria petroquímica foram despejadas nas águas e lamas do manguezal. Esse não foi um evento inédito: em 2018, o mesmo Rio Suruí já havia sido contaminado por outro acidente envolvendo um caminhão-tanque que derramou óleo diesel em suas águas.

Uma das primeiras pessoas a se deparar com o acidente foi Rafael Santos Pereira, presidente da ACAMM (Associação de Caranguejeiros e Amigos do Mangue de Magé) — e um dos principais interlocutores da pesquisa Pescando Plásticos, realizada junto ao Centro de Estudos Brasileiros Behner Stiefel da Universidade Estadual de San Diego, sobre os efeitos da indústria petroquímica na vida cotidiana dos pescadores artesanais da Baía de Guanabara. Em nossa conversa, Rafael chamou atenção para um dado importante: a colisão entre os caminhões não aconteceu em um dia qualquer. O 1º de outubro marca o início do defeso do caranguejo-uçá, período em que a captura é proibida por lei devido ao ciclo reprodutivo da espécie. Naquele momento, os corpos dos caranguejos estavam moles e expostos, sem a proteção rígida da carapaça, o que os tornava extremamente vulneráveis à contaminação. As fêmeas estavam carregadas de ovas, o que reforça a gravidade do impacto ecológico no processo reprodutivo da espécie. O episódio nos leva a refletir sobre os efeitos de longa duração que vazamentos de óleo — muitas vezes classificados como de pequeno porte — podem provocar em ecossistemas frágeis e interdependentes como os manguezais.

A colisão entre os caminhões não foi o único evento ocorrido em 2024. Em abril, um vazamento de tolueno — substância altamente tóxica derivada do petróleo — no rio Guapiaçu em Guapimirim interrompeu a captação de água no Sistema Imunana-Laranjal, responsável pelo abastecimento de cerca de dois milhões de pessoas em cidades da região metropolitana do Rio de Janeiro, como Niterói, São Gonçalo, Itaboraí e parte de Maricá. A contaminação aconteceu nas proximidades do ponto de captação do sistema, obrigando a Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) a suspender temporariamente o fornecimento, gerando dias de incerteza e desabastecimento para a população urbana. Embora tenha ganhado alguma repercussão pública, um ano e meio depois, os responsáveis ainda não foram identificados nem responsabilizados.

Outros vazamentos, de escala muito menor, também ocorrem com frequência. Embora menos visíveis e espetaculares, são percebidos cotidianamente pelos pescadores artesanais que compartilham as informações por meio do aplicativo WhatsApp. É preciso destacar, também, os vazamentos derivados dos furtos de combustível a partir da perfuração dos dutos da Transpetro por grupos de milicianos. As manchas de óleo no espelho d’água, mudanças na coloração e no cheiro da água, além do gosto alterado do peixe, são sinais reconhecidos por quem conhece intimamente a Baía de Guanabara e as espécies que ali habitam. Ainda assim, esses vazamentos raramente são denunciados. Por conta das limitações legais e econômicas é praticamente impossível denunciar ou mesmo obter compensações financeiras por incidentes de pequena escala, mesmo que esses pequenos vazamentos os impactem diretamente. Diante disso, muitos pescadores optam pelo silêncio. Publicizar tais vazamentos pode desencadear desconfiança sobre a qualidade do pescado, afetando diretamente as vendas e, consequentemente, a renda das famílias que dependem da pesca para a manutenção de suas vidas.

A questão dos vazamentos de óleo na Baía de Guanabara envolve múltiplas escalas e temporalidades, refletindo um problema ambiental complexo e persistente

A questão dos vazamentos de óleo na Baía de Guanabara envolve múltiplas escalas e temporalidades, refletindo um problema ambiental complexo e persistente. O episódio mais emblemático diz respeito aos grandes desastres que deixaram marcas profundas na história da baía. Lembremos aqui do vazamento ocorrido em 18 de janeiro de 2000, quando aproximadamente um milhão e trezentos mil litros de óleo combustível foram despejados nas águas, cobrindo todo o fundo da Baía de Guanabara com uma densa camada de petróleo. O óleo se espalhou por cerca de 40 km², atingindo áreas protegidas, como a Área de Proteção Ambiental  (APA) de Guapi-Mirim, um ecossistema vital para a fauna e flora local.

O desastre dos anos 2000 permanece como uma ferida aberta na memória dos pescadores artesanais, que ainda hoje sentem os impactos psicológicos, sociais e ambientais decorrentes do vazamento. Para essas comunidades, o episódio não é apenas um registro histórico, mas uma realidade vivida que atravessa gerações, afetando a biodiversidade, a produtividade das espécies marinhas e, consequentemente, suas formas de subsistência e de vida compartilhada.

Na perspectiva dos pescadores, o desastre resultou em diversas violações. A primeira delas diz respeito ao próprio vazamento: mais de duas décadas depois, os pescadores afirmam que os impactos socioambientais ainda são sentidos. Os manguezais, segundo eles, nunca se recuperaram totalmente, e diversas espécies de peixes e crustáceos não voltaram a atingir a mesma diversidade e abundância de antes do desastre.

No caso dos caranguejeiros de Magé, a lembrança do vazamento de 2000 não é apenas simbólica — ela se materializa no próprio ato da “cata” do caranguejo. Ao “bracearem” — termo utilizado para descrever o gesto de afundar o braço na lama até alcançar os caranguejos em suas tocas —, é comum que encontrem resíduos de óleo a cerca de um metro de profundidade. Nas reflexões compartilhadas por eles, ainda que o desastre tenha ocorrido há 25 anos, suas consequências seguem presentes. As florestas de manguezal, segundo relatam, não conseguem se regenerar plenamente. As raízes não ultrapassam certa profundidade, o que impede o desenvolvimento saudável das árvores. Embora programas de reflorestamento estejam em curso, os pescadores observam que essas áreas se mantêm como “florestas eternamente jovens”: as árvores crescem até certa altura, os troncos permanecem finos, e, antes de amadurecerem, caem — dando lugar a novas árvores, que repetem o mesmo ciclo.

A segunda violação ocorreu no processo de compensação financeira. A Petrobras, como empresa responsável pelo derramamento de óleo, foi legalmente obrigada a fornecer indenizações aos pescadores pelos danos causados. No entanto, a grande maioria dos pescadores artesanais com quem conversei afirma que nunca recebeu essas indenizações. Eles relataram que apenas as grandes organizações de pesca foram convocadas para negociações, mas essas entidades não representam a maioria dos pescadores artesanais e não têm capilaridade na Baía de Guanabara. Além disso, denunciam que essas organizações cadastraram trabalhadores de outras áreas, como motoristas de ônibus e pedreiros, para receber as indenizações, enquanto os pescadores artesanais foram negligenciados nesse processo. Alguns pescadores acreditam que houve apropriação indevida desses recursos por parte dessas entidades. Esse é um tema que merece investigação aprofundada, tanto para responsabilizar os culpados se de fato houver, quanto para esclarecer as dúvidas sobre o que ocorreu naquele período.

Ampliar a compreensão sobre as responsabilidades da indústria petroquímica nos vazamentos de óleo implica considerar não apenas os grandes desastres ambientais que ganham destaque na mídia, mas também os de menor escala, como os envolvendo caminhões, furtos de combustível e os pequenos vazamentos que muitas vezes passam despercebidos do público mais amplo. Embora isoladamente esses episódios possam parecer pouco significativos, seu efeito acumulado ao longo do tempo representa uma ameaça concreta e contínua às bacias hidrográficas, aos ecossistemas sensíveis dos manguezais e à vida das comunidades pesqueiras que dependem desses ambientes para sua subsistência. Essa acumulação silenciosa contribui para o desgaste ambiental e social que se perpetua e se amplifica, muitas vezes invisível para o grande público. Reconhecer e investigar essas múltiplas escalas de impacto é fundamental para responsabilizar de forma justa os agentes envolvidos, promover a reparação das comunidades afetadas e orientar políticas públicas que protejam os territórios e assegurem a sustentabilidade desses ecossistemas vitais para a região metropolitana do Rio de Janeiro.

Camila Pierobon é pós-doutoranda PIPD/CAPES no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ). Integra os grupos de pesquisa NuCEC (Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia/UFRJ) e ResiduaLab (Laboratório de Estudos Sociais dos Resíduos/Uerj). A pesquisa que deu origem a este texto foi realizada com apoio do Centro de Estudos Brasileiros Behner Stiefel, da Universidade Estadual de San Diego.


Fonte: Nexo

Pescadores vão protestar na ALES por justiça aos atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP

Ato na Assembleia Legislativa vai distribuir três toneladas de peixe durante audiência sobre repactuação

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Por Elaine Dal Gobbo para “Século Diário”

Os atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, crime cometido pela Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce em novembro de 2015, vão distribuir três toneladas de um peixe chamado valinha, em frente à Assembleia Legislativa. A manifestação será nesta quarta-feira (10), durante a audiência pública “Os impactos e a revitalização da Bacia do Rio Doce”, quando serão discutidos os impactos do crime socioambiental e a necessidade de reparação, com a participação dos atingidos no processo de repactuação em curso.

A audiência pública será realizada pela Comissão Parlamentar Interestadual de Estudos para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Doce (Cipe Rio Doce), puxada pelo gabinete da deputada estadual Janete de Sá (PSB), atual presidente do colegiado.

O presidente do Sindicato dos Pescadores e Marisqueiros do Espírito Santo (Sindpesmes), João Carlos Gome da Fonseca, o Lambisgoia, afirma que a repactuação está acontecendo “a portas fechadas”, com a Renova, Ministério Público Federal (MPF), Governo Federal, os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, e as Defensorias Públicas de ambos os estados, mediados pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região.Embora o MPF e as defensorias atuem em defesa dos direitos das comunidades, os próprios atingidos cobram participação ativa da repactuação.

“Ninguém melhor do que os atingidos para saber os nossos problemas, a nossa realidade. Queremos participar para saber o que está se passando. Está todo mundo com medo, pois as consequências do crime vão ficar e os atingidos têm que ser indenizados por isso”, cobra Lambisgoia.

O pescador informa que na repactuação é discutida a possibilidade de pagamento de uma indenização de cerca de R$ 140 bilhões por parte das empresas, a serem destinados para os governos federal e dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, o que não dá garantia de que o recurso chegará aos atingidos. “O que vão fazer com esse dinheiro? Onde está o atingido nessa história? Tem gente que foi atingida e ainda não foi reconhecida”, aponta Lambisgoia.

Ele destaca que até hoje há pontos nos quais os trabalhadores estão impedidos de pescar, como na zona 58, região de Regência, em Linhares, norte do Estado, na qual os rejeitos de minério desembocaram. Além disso, para reconhecimento do pescador como atingido, a Renova “impõe limites que não existem”, como a criação de categorias dentro da profissão, a exemplo das de pescado formal, pescador de fato e pescador de subsistência, sendo que, explica Lambisgoia, há somente duas categorias: pescador artesanal, com cadastro no Governo Federal, e pescador profissional, cadastrado na Capitania dos Portos.

Outra pauta que continua urgente é a grave contaminação da água, do pescado e outros alimentos ao longo de toda a bacia do Rio Doce e de todo o litoral capixaba, como bem confirmou o último relatório da Aecom do Brasil, perita judicial oficial do caso.

Atingidos, principalmente o litoral norte capixaba, organizam ônibus que sairão de várias cidades para ir à Assembleia nesta quarta, fora as pessoas que irão de carro próprio. Em Minas Gerais, os atingidos também se organizam para vir ao Estado somar forças com os capixabas. A pescadora e ilheira Joelma Fernandes Teixeira, de Governador Valadares, afirma que sairão ônibus de municípios mineiros como Aimorés e Rio Doce. “Queremos reivindicar nossos direitos. A repactuação, ao nosso ver, é um mistério, tem que ter transparência”, defende.

Joelma lamenta a falta de punição para a Samarco/Vale-BHP. “São nove anos de impunidade. Queremos justiça. Se a gente matar um tatu para comer, a gente vai preso, mas a Vale comete um crime, mata a flora, mata a fauna, um rio inteiro, tira as pessoas de suas casas, e não acontece nada. A pesca, biblicamente, é a profissão mais antiga do mundo. Respeitem os pescadores e ilheiros”, protesta.

Avanços

Os atingidos tiveram alguns avanços recentemente, como decisões judiciais recentes favoráveis aos atingidos que foram prejudicados pelo Novel – sistema simplificado de indenizações da Fundação Renova, reconhecidamente com cláusulas ilegais de quitação geral de danos – e pelo não cumprimento da Deliberação 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF), que obriga a inclusão de todas as comunidades atingidas nos programas de compensação e reparação de danos da Renova, desde a Praia de Carapebus, na Serra, até Conceição da Barra.

O avanço das ações internacionais, em Londres e na Holanda, também pode ser considerado um fator de pressão às mineradoras, para que cedam e fechem logo um acordo, diante das negativas recentes dos governos.


Fonte: Século Diário

Portal Viu produz reportagem mostrando as dúvidas que persistem sobre incidente do tolueno na Baía da Guanabara

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Depois de um mês da tragédia ambiental no Sistema Imunana-Laranjal, que abastece os municípios de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Ilha de Paquetá e Rio de Janeiro, as autoridades governamentais, de proteção ao meio ambiente e a Polícia Civil ainda não descobriram quem foi o responsável pelo vazamento do solvente químico tolueno no manancial.

O desastre chegou a provocar a interrupção na captação de água pela Cedae no dia 3 de abril, após ser detectada altas concentrações da substância tóxica no sistema hídrico.

O Portal Viu produziu uma excelente reportagem sob a batuta da competente jornalista Cláudia Freitas que segue publicada abaixo.

Em leilão do pré-sal, manifestantes exigem o fim dos novos projetos de petróleo e gás

Um mês após vender imagem de defensor do meio ambiente, na COP26, governo Bolsonaro ignora impactos às comunidades e estimula a piora da crise climática

unnamed (42)Pescadores da Baía de Guanabara erguem faixas contra a exploração de petróleo e gás, durante protesto em frente ao hotel Windsor Barra, no Rio de Janeiro, onde a ANP realizou, nesta sexta-feira, leilão de excedentes do pré-sal. Crédito: Lucas Landau/350 .org

Na manhã desta sexta-feira (17/12), ambientalistas da 350. org e pescadores artesanais de oito associações da Região Metropolitana do Rio de Janeiro fizeram um protesto em frente ao Windsor Barra Hotel, na capital fluminense, para pedir o fim dos novos projetos de petróleo e gás na costa brasileira.

A ação ocorreu ao mesmo tempo em que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizou, dentro do hotel, a licitação dos volumes excedentes da cessão onerosa das áreas de Sépia e Atapu, no pré-sal da Bacia de Santos.

Os pescadores levaram para a porta do hotel um barco e redes de pesca, para lembrar aos executivos das empresas participantes do certame que as comunidades pesqueiras do Grande Rio de Janeiro sofrem diariamente com os impactos da extração, do transporte e do refino de petróleo e gás.

“Os lances das empresas no leilão de hoje serão, amanhã, os impactos que nos atingem, como os vazamentos de óleo e a contaminação dos recursos pesqueiros”, diz Alexandre Anderson, liderança nacional dos pescadores artesanais e presidente da Associação dos Homens e Mulheres da Baía de Guanabara (Ahomar), organização sediada em Magé.

O desastre é a regra

Um dos danos provocados pelo setor de petróleo e gás na região é a contaminação frequente de trechos da Baía de Guanabara por óleo e produtos químicos utilizados pelas companhias. Pequenos e grandes vazamentos, bem como descargas intencionais dessas substâncias, são constatados quase semanalmente pelos pescadores.

“As falhas, as más condutas e a falta de manutenção são a regra, e não a exceção, nas operações dos terminais e das refinarias no Rio de Janeiro”, afirma Alexandre Anderson.

Na percepção dos pescadores, a quantidade e a qualidade dos peixes vem diminuindo progressivamente na região, como resultado da poluição, com impactos para a renda de milhares de famílias e para a alimentação dos moradores de toda a região metropolitana.

Também prejudicam a atividade dos pescadores artesanais as restrições impostas pelas companhias de petróleo e gás à circulação de pequenos barcos em algumas áreas da baía. Muitas vezes ilegal, a limitação das áreas de deslocamento ocorre justamente em áreas tradicionais da pesca artesanal.

Quando denunciam as irregularidades que testemunham, os pescadores acabam sendo alvos de ameaças anônimas e nem sempre veem as autoridades tomarem providências. Segundo associações da categoria, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro tem se destacado pelo seu trabalho de apoio às comunidades, mas os processos legais de reparação ou correção de uma ilegalidade muitas vezes são lentos e insuficientes.

Até hoje, por exemplo, as comunidades pesqueiras percebem os danos do pior vazamento da história na Baía de Guanabara, em janeiro de 2000. À época, um rompimento no duto que conectava a Refinaria Duque de Caxias, ligada à Petrobras, ao terminal da Ilha D’Água provocou o despejo de 1,3 milhão de metros cúbicos de óleo e graxa no mar.

Impedidos de trabalhar durante meses, os pescadores receberam indenizações inferiores à perda de renda que tiveram, e os pagamentos só começaram a ser feitos mais de 13 anos depois do desastre. Muitos pescadores ainda esperam pela compensação. Além disso, os moradores das áreas afetadas contam que a fauna marinha da região sente os impactos até hoje.

“Quando ocorre um vazamento, grande ou pequeno, o dano para o meio ambiente e para quem depende do mar dificilmente é compensado. Até porque não há compensação financeira que pague a impossibilidade de trabalhar e de exercer suas atividades culturais, duas grandes honras do pescador”, afirma Alexandre Anderson.

 

Crédito: Lucas Landau/350. org

Impactos climáticos

Outro dano provocado pelos setores de petróleo e gás às comunidades vulneráveis, incluindo os pescadores artesanais, é o agravamento da crise climática, que afeta mais intensamente as famílias de baixa renda e aquelas que dependem diretamente do equilíbrio ambiental para realizar seu trabalho.

Relatório divulgado em agosto pelo painel de cientistas do IPCC apontou que a intensidade e a frequência dos extremos climáticos já aumentou e deve continuar se elevando, nos próximos anos, em consequência do aquecimento global, que tem na queima de petróleo, gás e carvão sua principal causa.

Contrariando a imagem que tentou vender na mais recente conferência do clima da ONU (COP26), de defensor da sustentabilidade, o governo brasileiro agrava a emergência climática, ao colocar à disposição das empresas de petróleo e gás novas áreas de extração.

“Um mês depois da COP26, o Brasil contradiz todo o seu discurso ambiental e convida empresas que estão sob pressão global para reduzir suas operações a seguir extraindo combustíveis fósseis com o seu apoio. É como se o país estivesse pedindo ao mundo para não ser levado a sério”, afirma Ilan Zugman, diretor da 350 .org na América Latina.

Zugman lembra também que os dois campos vendidos nesta sexta-feira ficaram sem ofertas no primeiro leilão da cessão onerosa, em 2019, e voltaram ao mercado, desta vez, com preços 70% inferiores aos originais.

“O governo entregou Atapu e Sépia quase de graça às empresas porque sabe que o mundo já está caminhando em direção ao fim do petróleo e do gás. Ao invés de correr para tentar obter as migalhas da velha economia, o Brasil poderia se tornar referência em energias renováveis e atrair investimentos em setores que geram emprego e distribuem renda”, diz Zugman.

No protesto desta sexta-feira, estiveram presentes as seguintes organizações: Associação dos Homens e Mulheres da Baía de Guanabara (AHOMAR), Associação de Caranguejeiros e Amigos do Mangue de Magé (ACAMM), Associação dos Pescadores da Vila dos Pinheiros e região da Baía de Guanabara, Associação dos Trabalhadores na Pesca de Magé e Guapimirim (ATPMG), Associação dos Pescadores Livres dos Bancários (APELONEAS), Sindicato dos Pescadores Profissionais e Pescadores Artesanais do Estado do Rio de Janeiro (SINDPESCA-RJ), Grupo de Pescadores Unidos por uma Pesca Justa de São Gonçalo, Liga dos Pescadores do Rio de Janeiro (LIPESCA) e 350 .org.
 

Crédito: Lucas Landau/350. org

Ao construir barragens no Mekong, a China está secando seus vizinhos

Visto do lado tailandês, de frente para as colinas cobertas de selva da costa do Laos, o grande rio fronteiriço parece fluir inalterado, encarnação líquida do curso eterno das coisas: a melancolia e a beleza do Mekong cujo fluxo, aparentemente tão lento, dá a impressão que carrega com sua costumeira majestade suas águas café com leite.

Ilusão e grave erro de julgamento: o Mekong não é mais o que era, o rio está em perigo. E com ela os seus peixes, a sua vegetação e a vida dos pescadores para os quais é, em memória viva, o rio nutritivo por excelência. Uma única figura dá uma ideia da abundância dos recursos do rio e ilustra a importância que tem para as populações que vivem ao longo das suas margens: ali são capturados 2 milhões de toneladas de peixes todos os anos. Um recorde mundial que nenhuma outra bacia iguala no resto do planeta.

“Olhe para o meio do rio”, diz Chaiwat Parakun , um pescador de longa distância da vila de Ban Muang (província de Nong Khai, norte da Tailândia), apontando para manchas de grama que se projetam da superfície marrom. “Considerando que entramos na estação das chuvas, todos deveriam estar submersos nessa época. Mas não: o Mae Nam Kong [Mekong em tailandês] é pelo menos três metros mais baixo do que sua altura normal. “ Estamos então no início de agosto e levará semanas para que, no início de setembro, o nível do rio finalmente alcance níveis quase normais.

mekong 2Apesar do início da estação chuvosa, o nível do Mekong continua baixo em Sangkhom, na província de Nong Khai (Tailândia), em agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

A Bacia do Baixo Mekong, que inclui Tailândia, Camboja, Birmânia, Laos e Vietnã, experimentou sua pior seca em 40 anos em 2019. No Camboja, as águas do lago Tonle Sap , alimentadas pelo Mekong, também estavam, em agosto, muito baixas devido ao atraso da famosa “virada” bianual do rio, que vê seu curso sendo revertido em um fenômeno benéfico de pulsação regulatória. . A participação humana, apenas no Camboja, é enorme: o cambojano médio obtém cerca de 60% de sua ingestão de proteínas pescando no lago e no rio que o atravessa …

O principal culpado apontado pela maioria dos especialistas não é a mudança climática: é a China. Desde o início deste século, levada pelo ímpeto que a impulsiona a construir cada vez mais infraestruturas e assombrada na sua memória coletiva pelos desastres provocados na sua história pelas cheias, construiu em casa nada menos que onze barragens no o Lancang Jiang (Mekong, em chinês), esse “rio turbulento” que nasce em seu território, nas alturas tibetanas, e depois deságua no vizinho Laosiano.

Conseqüências: as flutuações do quarto grande rio da Ásia são agora imprevisíveis, as barragens tendo perturbado seu equilíbrio ecológico. As estruturas fazem com que o lodo se acumule em lagos de represamento e evitam que nutrientes valiosos, geralmente carregados pelo fluxo, fluam rio abaixo. Em 2019, para surpresa dos moradores, o rio café com leite tornou-se um rio azul: são os nutrientes que normalmente dão à água a sua cor castanha.

“Direto para o desastre”

Laos, um pequeno país que se tornou muito dependente do império do norte, está seguindo o exemplo, agravando a situação: no final de 2019, a abertura de uma primeira barragem na parte laosiana do Mekong foi sentida com raiva e amargura, a jusante, por pescadores tailandeses.

mekong 3Construção do dique Dan Muang, projeto de desvio de água do Mekong para irrigar o nordeste da Tailândia, em Phon Phisai, em agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Do lado tailandês, chegou a hora da mobilização dos cidadãos. Pescadores e moradores se organizaram em uma associação de defensores da integridade do Mekong. O descontentamento está se espalhando na província de Isan (nordeste da Tailândia), nos 64 tambon (“townships”) às margens do rio. Uma mobilização que aliás não é tão nova: “Durante anos, sobretudo desde 2010, procuramos fazer ouvir as nossas vozes junto das autoridades com base no que observamos e sobre os desenvolvimentos negativos em curso”, explica o ativista Chanarong Wongla, encostado na grade que corre ao longo do rio na grande cidade de Chiang Khan (província de Loei ocidental).

Como que para demonstrar que a sobrevivência do Mekong é uma questão global, ele veste uma camiseta preta com as palavras em inglês impressas em branco: “Todas as vidas importam, aqui eu não consigo respirar”, uma referência ao slogan agora conhecido em todo o mundo, em memória do afro-americano George Floyd, que morreu sufocado abaixo do joelho de um policial branco em 25 de maio em Minneapolis (Minnesota).

Infelizmente, nota Chanarong, as autoridades permaneceram até agora bastante indiferentes à “asfixia” da vida do rio e aos sinais de alarme lançados pelos pescadores. Seja sob o atual governo do primeiro-ministro Prayuth Chan-o-cha , herdeiro de uma junta militar recente, ou governos eleitos democraticamente antes. “Apresentamos um relatório de 180 pontos, explica ele ,“ o essencial sobre as flutuações erráticas do rio, a erosão das margens, o desaparecimento gradual de certas espécies de peixes ”.

Ao lado dele, Thong-in Rueng Kham, 65, acaba de voltar da pesca. O veterano acena com a cabeça quando um pôr do sol incendeia toda a paisagem, acrescentando um toque dramático adicional a uma declaração que soa como um toque de morte: “Estamos caminhando para o desastre”, observa ele calmamente. “Quando eu era jovem e ia pescar com meu avô, podíamos trazer cerca de 40 peixes por dia. Há cerca de dez anos, os pêssegos ainda eram bons; agora, ficamos felizes quando pegamos dez; às vezes não aceitamos nada. “

mekongDa esquerda para a direita: o bagre, espécie em declínio devido à queda do nível da água do Mekong que impede os peixes de subirem o rio durante a época de desova. Sompron Ruankham, 56, manteve suas atividades pesqueiras para sustentar sua grande família. Saman Ruankham, 58, é a única mulher pescadora em Chiang Khan, região de Loei (Tailândia). Pertencente a uma família que exerce esta atividade há várias gerações, iniciou esta profissão aos 17 anos. Um pescador no Mekong, o maior reservatório de peixes de água doce do planeta. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Os bons dias das capturas milagrosas acabaram: Thong-in não se lembra mais da última vez em que pegou um pla buek, o famoso “bagre gigante do Mekong”, ( Pangasianodon gigas ), um dos maiores peixes de água doce do mundo. E que, como o nome sugere, só se encontra nas águas do rio. “Meia dúzia de espécies [de mais de mil, das quais 700 são migratórias no Mekong] parecem ter desaparecido das águas onde pesco  ”, explica.

O futuro não tem nada de bom: “O nível do rio às vezes é tão baixo que os peixes não sobem mais seu curso e não têm mais espaço para botar ovos”, acrescenta o pescador Chaiwat Parakun, da aldeia de Ban Muang. . Ele dá um exemplo muito específico: “Todos os anos, o período de pla rak kluay [o que significa que os últimos peixes subindo o rio chegaram para desova] é um ponto de viragem na temporada. Agora tudo é imprevisível: esse movimento de chegada dos peixes pode ocorrer mais cedo, ou mais tarde .  “

A responsabilidade da China pela degradação de um rio que é o maior reservatório de peixes de água doce do planeta e cujo maná de água sustenta 66 milhões de residentes em quatro países de sua bacia inferior – incluindo um terço de Tailandês – acaba de ser destacado por estudo publicado em abril . Este último, financiado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, já é objeto de acirrado debate em um momento de tensões sem precedentes entre China e Estados Unidos: segundo este relatório, a China teria, em 2019, retido um volume água considerável atrás de suas represas construídas no Mekong. Sem se preocupar com a seca pode causar a jusante.

Pior, também diz o estudo do Eyes on Earth, centro americano de pesquisas sobre questões relacionadas à água, as negativas de Pequim, que consistem em afirmar que a China também havia sido, ao mesmo tempo, vítima da seca, era uma mentira: De acordo com Alan Basist, co-autor do relatório, citado recentemente no New York Times, “Os dados de satélite não mentem: o planalto tibetano estava repleto de água como o Camboja e a Tailândia enfrentaram [em 2019] em situações de extremo estresse ”. Para o especialista, não há dúvida de que os chineses causaram a seca ao reter água para abastecer suas usinas e “regular o fluxo de seus rios”. Outro relatório de abril do centro de pesquisas dos Estados Unidos Stimson Center confirma essa tese.

Ritmos do rio interrompidos

“Mais água liberada das barragens chinesas durante a estação seca e menos durante a monção: era a ‘cooperação’ ideal que a Tailândia, Laos, Vietnã e Camboja tinham o direito de esperar com a China”, observou esta primavera em um editorial amargo no jornal Bangkok Post. Na verdade, a China parece ter feito o oposto. “

mekong 4Pescadores entre ilhotas que a queda no nível do Mekong permite emergir no meio do rio, em Sangkhom (Tailândia), em agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Em 5 de julho, o diário chinês em inglês Global Times, uma das vozes da propaganda externa do regime, persistiu em argumentar que “a China é um dos países que mais sofreu com uma forte seca. o que contradiz as alegações de pesquisadores estrangeiros que o acusam de ter causado essa seca nas nações localizadas a jusante do Mekong ”. O diário passava a dizer que não havia “relação de causa e efeito” entre as barragens e os fenômenos observados a jusante: “Cientistas [chineses] observaram que o aumento das temperaturas e uma menor abundância de As chuvas foram as responsáveis ​​pela seca ”, martelou a autora do artigo.

A indiferença do Império do Meio aos destinos de seus pequenos vizinhos não causa apenas seca, mas também, se necessário, enchentes: a proliferação excessiva de barragens alterou o ritmo do rio, de acordo com as decisões chinesas que feche ou abra as válvulas à vontade. Tanto que, a jusante, pode estar seco quando deveria estar úmido e vice-versa.

Na pequena aldeia tailandesa de Ban Muang, de frente para a costa do Laos onde, neste domingo de agosto, ressoam as vozes de um karaokê ensurdecedor, o pescador Chaiwat Parakun observa, com beicinho desiludido: “Desde o início, nós sabíamos que as barragens teriam um efeito negativo. Não pensamos que seria tão ruim. “ Todos os pescadores reunidos ao longo do rio reagem da mesma forma para qualificar as autoridades chinesas: “ Mentirosos! “

mekong 5Os pescadores estão alertando as autoridades sobre a seca causada por barragens na China e no Laos em Chiang Khan em agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Se os chineses são os primeiros responsáveis, eles foram ajudados em sua tarefa: no outono de 2019, os laosianos colocaram em serviço em casa uma primeira grande barragem no Mekong, erguida na província de Xayaburi. A produção de 1.285 megawatts de eletricidade a partir desta estrutura de 32 metros de altura, construída pela empresa tailandesa CK Power, será usada principalmente para fornecer para a Tailândia.

É aqui que o sapato aperta, para os pescadores do reino: eles se revoltam contra as conquistas chinesas, mas também se emocionam com as consequências em suas vidas das barragens construídas por empresas de seu próprio país. “E ainda temos eletricidade suficiente na Tailândia”, diz Chanarong Wongla.

Frenesi de construção

Os laosianos não parecem parar: em janeiro, os governantes anunciaram um novo projeto de barragem, que será construída a dois quilômetros da fronteira com a Tailândia, no distrito de Sanakham, e cuja produção hidrelétrica também deverá ser adquirida pela Tailândia. O reservatório, cujas obras poderiam ter começado no final deste ano se o Covid-19 não tivesse atingido, será construído pela empresa chinesa Datang Hydropower a um custo de pouco mais de US $ 2 bilhões (1, 7 bilhões de euros).

mekong 6A eclusa Huai Luang, construída pelos tailandeses para irrigar o nordeste do país, em Phon Phisai, na província de Nong Khai, em agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Do alto de um observatório recém-construído com vista para o Mekong, pode-se ter uma ideia da região onde será construída a futura barragem hidrelétrica de Sanakham: a partir desse lugar preciso, o Mekong passa a servir de fronteira entre os Tailândia e Laos, resultado do tratado assinado em 1893 pelo antigo reino do Sião e da Indochina Francesa (que incluía o Laos). O reservatório será construído mais a montante, atrás de uma curva invisível do rio, onde este ainda deságua em território do Laos.

Obcecado com seu projeto de se tornar a “bateria do Sudeste Asiático”, o que lhe permitiria vender sua eletricidade em grande escala aos países vizinhos e assim garantir a continuidade do seu desenvolvimento, o pequeno Laos sem litoral ( 7 milhões de habitantes) está em frenesi de construção: além de Xayaburi em 2019, os laosianos inauguraram em janeiro a grande barragem de Don Sahong, no sul do país, na fronteira com o Camboja.

Cerca de cinquenta barragens no total estão atualmente em construção no Laos, apesar das opiniões às vezes críticas da Comissão do Rio Mekong, um comitê consultivo regional que reúne Tailândia, Laos, Camboja e Vietnã, com sede em Vientiane, capital de … Laos. A China não queria fazer parte desta comissão. De acordo com Martin Burdett, colaborador do International Journal of Hydropower and Dams , o Laos “tem capacidade hidrelétrica para fornecer 6.500 megawatts por ano e até agora desenvolveu apenas 5% desse potencial”.

mekong 7Chanarong Wongla é o responsável pelo empreendimento comunitário de turismo agrícola às margens do rio Mekong, em Chiang Khan (Tailândia), no dia 1º de agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Além disso, “mais de 130 barragens estão planejadas para todos os países da bacia hidrográfica inferior”, segundo a ONG Mekong Open Development. O número parece desproporcional. Ainda é possível que, dentro de vinte anos, vários projetos sejam cancelados e o frenesi diminua.

Será que a mobilização dos pescadores e a magnitude agora sentida do impacto das barragens começariam a fazer as autoridades tailandesas reagirem? O vice-primeiro-ministro ex-general Prawit Wongsuwan, que também atua como presidente do Comitê Nacional do Mekong, disse em 4 de agosto que pediria às “autoridades envolvidas” que encontrassem os meios de “Mitigar as possíveis consequências ambientais do projeto da barragem de Sanakham” no Laos. O número dois no governo disse estar “preocupado” com o “impacto” dessa barragem.

“Visão muito estreita”

A responsável pela Tailândia da ONG International Rivers, Paiporn Deetes, porém, mostra seu ceticismo: “Podemos ver na declaração do Vice-Primeiro Ministro uma consciência. De minha parte, a verdadeira questão que realmente não fazemos é: por que a Tailândia quer continuar construindo certas barragens quando não precisa de mais eletricidade? Uma das respostas é que faz com que os negócios tailandeses funcionem … ”

mekong 8Desde o comissionamento da barragem de Xayaburi (Laos), Pisamai Ruankham teve que abrir um restaurante para complementar sua renda, em Chiang Kan, em agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Na Universidade de Udon Thani, capital da província de mesmo nome, localizada no Nordeste da Tailândia, o professor Santiprop Siriwattanaphaiboom, que leciona na Faculdade de Ciências e Meio Ambiente, se pergunta por sua vez sobre os motivos do “egoísmo” chinês: “O volume do Mekong, na China, representa apenas 18% do do rio, no total”, explica o especialista;“Os países onde o volume é mais importante em metros cúbicos são na Tailândia e no Laos. Somos, portanto, os primeiros interessados ​​e podemos perguntar: o que querem exatamente os chineses? Usar o potencial da natureza, neste caso o da energia hidrelétrica, para consolidar seu poder político? É também uma estratégia de garantir o controle do rio, em termos de navegação e comércio, mesmo a jusante?  “

mekong 9Os pescadores, agora em dificuldade, enfrentam a queda de sua renda trabalhando nas plantações de borracha em Sangkhom em agosto. JITTRAPON KAICOME PARA “O MUNDO”

Para o professor, o povo tailandês não é ajudado pelo primeiro ministro, Prayuth Chan-o-cha, autor do último golpe de 2014: “A visão dele é muito estreita: ele não vê as conexões entre a ecologia , vida, natureza e meio ambiente dos residentes. “

Mais ao norte, em Nong Khai, bem perto do rio, a ativista Ormboon Teesana, uma senhora na casa dos quarenta, gesticula desanimadamente para o rio, “em um nível tão baixo para uma monção”. Ela traduz a sua consternação numa frase de desilusão, que vai bem com a melancolia do grande rio: “As barragens assentam numa visão da economia que escorrega pelas lágrimas do povo. “

fecho

Esta reportagem foi escrita originalmente em francês e publicada pelo jornal Le Monde [Aqui!].

Pescadores e marisqueiras denunciam perseguição judicial da papeleira Fibria na Reserva Extrativista de Cassurubá

MANIFESTO DOS PESCADORES, PESCADORAS E MARISQUEIRAS DA RESERVA EXTRATIVISTA DA CASSURUBÁ CONTRA A PERSEGUIÇÃO JUDICIAL DA FIBRIA

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Os pescadores e pescadoras, e marisqueiras da Reserva Extrativista de Cassurubá, localizada nos municípios de Caravelas, Nova Viçosa e Alcobaça, estado da Bahia, realizaram dois atos no mar em defesa dos direitos dos pescadores artesanais e ribeirinhos, manifestando o descontentamento das Comunidades Tradicionais que aqui vivem e tiram seu sustento, com todos os impactos ambientais negativos que afetam a manutenção dos seus modos de vida tradicional.

Isso se dá com a empresa de celulose Fibria S.A, que é a responsável pela dragagem do Canal do Tomba e acessos e que tem por objetivo permitir a passagem das barcaças que transportam eucalipto para a sua indústria de celulose em Aracruz/ES. Tal dragagem promove graves impactos ambientais no território tradicional de pesca de aproximadamente 2.000 pescadores artesanais. O processo de dragagem e descarte dos sedimentos resultam em assoreamento do ambiente estuarino, carreamento de material lamoso às praias e recifes de corais, soterramento dos bancos camaroeiros, alteração na dinâmica hídrica estuarina e limitação às áreas tradicionais de pesca, pela hidrovia criada para transporte naval de eucalipto. Além dos impactos causados pelo tráfego das grandes barcaças, causando riscos constantes a navegação de pequenas embarcações pesqueiras, ainda há o envenenamento dos rios da região, causado pela contaminação por herbicidas e defensivos agrícolas utilizados pela monocultura do eucalipto.

A Fibria Celulose S.A, responsável por tal empreendimento, é obrigada a cumprir uma série de condicionantes determinadas pelo IBAMA, já que seus impactos ocorrem em Zona de Amortecimento de uma unidade de conservação federal. Dentre estas condicionantes o Programa de Apoio às Atividades Pesqueiras exige que a empresa financie projetos em caráter indenizatório às comunidades tradicionais da Resex de Cassurubá. No entanto, a empresa está se valendo de artimanhas sorrateiras, ao contratar uma empresa de consultoria, que ao invés de coordenar e orientar a execução dos projetos de maneira participativa, justa e isenta, promove a cooptação de lideranças e associações, no intuito de dividir, enfraquecer e manipular a participação popular.

Neste contesto, quatro extrativistas da Resex Cassurubá, Carlos, Jailton, Alan, Roberto e outras lideranças locais, estão com um forte processo de perseguição e criminalização pela Fibria, e decidem assim enviar um forte sinal ao IBAMA, ICMBio e Fibria Celulose S.A., que não irão mais tolerar o cinismo de falsas lideranças comunitárias associações e cooperativas de fachada, que se valendo da convergência de interesses escusos com o maior poluidor do extremo sul da Bahia promovem o atrofiamento da manutenção da vida já suficientemente dura e sofrida dos irmãos e irmãs do mar e manguezais deste mais belo encanto do Brasil e da Bahia. Neste exato momento, tivemos notícia de que haverá duas audiências amanhã (06/10), nas quais, os pescadores estão sendo processados por uma das entidades ligadas à Fibria, pelo simples fato de denunciarem em uma mídia local as irregularidades que ocorrem na região, que prejudicam a manutenção da pesca artesanal e do equilíbrio ecossistêmico local.

Há um agravante nesse contexto, que é bem visível a influência do poder dessa multinacional de celulose nos municípios de atuação, influência essa política e econômica. A tensão nos últimos dias, tem se agravado e os pescadores estão se sentindo ameaçados e encurralados, pois está em curso um processo generalizado de perseguição dessas comunidades, com o uso de falsas denúncias crimes, calunias, difamações, uso de mídias compradas, atingindo até a gestão da Reserva Extrativista de Cassurubá (que sempre manteve um posicionamento de defesa do modo de vida tradicional das comunidades pesqueiras), a fim de debelar a resistência contra os maus feitos dessa poderosa empresa poluidora.

Movimento Autônomo dos Pescadores de Cassurubá

Pescadores da Guanabara farão protesto durante a procissão de São Pedro

PROCISSÃO MARÍTIMA EM HOMENAGEM A SÃO PEDRO – PADROEIRO DOS PESCADORES(AS) – DIA 29 DE JUNHO (QUINTA FEIRA)

TRABALHADORES DO MAR PROTESTAM CONTRA REFORMA DA PREVIDÊNCIA E PELA DESPOLUIÇÃO DA BAÍA DE GUANABARA

 O Fórum dos Pescadores e Amigos do Mar e o Movimento Baía Viva estarão promovendo um protesto durante a procissão marítima na Baía de Guanabara no dia 29 de Junho (quinta-feira) quando é comemorado o Dia de São Pedro, que é considerado o Padroeiro dos pescadores(as).

 Uma embarcação estará disponível para os movimentos sociais, simpatizantes e parceiros com VAGAS LIMITADAS, SENDO NECESSÁRIO A PRÉVIA CONFIRMAÇÃO DA PRESENÇA pelos telefone/wathsapp: (21) 99734-8088 ou 99700-2616: o barco sairá às 7:30h (da manhã) do Quadrado da Urca, na Zona Sul do Rio de Janeiro.  

 Diante da grave crise econômica do país que tem provocado a perda de direitos da classe trabalhadora e da poluição que tem gerado um forte empobrecimento e o desmantelamento cultural das comunidades pesqueiras, a manifestação nas águas da Baía tem como principais reivindicações:

– Nenhum direito a menos: contra a reforma da Previdência que retira direitos dos trabalhadores(as) do mar e afeta a aposentadoria desta categoria, obrigando a trabalharem por mais tempo. Apoiamos a Greve Geral no dia 30 de Junho convocada por todas as centrais sindicais.

 –  A retomada imediata das obras do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG, atual PSAM – Programa de Saneamento dos Municípios) com prioridade para a conclusão dos troncos coletores de esgotos de diversas ETEs (estações de tratamento de esgotos) que, apesar de construídas a mais de uma década, atualmente tratam um volume irrisório de esgotos, enquanto a Baía de Guanabara recebe 18 mil litros de esgotos por segundo, o que tem contaminado os rios que deságuam na Baía e prejudicado a pesca.

Pescadores e ecologistas exigem também: maior controle e fiscalização das indústrias que diariamente lançam metais pesados e óleo; a implantação da coleta seletiva nos municípios, reflorestamento, proteção da Biodiversidade como o boto-cinza que encontra-se ameaçado de extinção (eram 800 indivíduos em 1990 e atualmente são apenas 38), monitoramento ambiental, redução das áreas de fundeio no interior da Baía – impulsionada pelo Pré-sal – que provocam um aumento das áreas de exclusão de pesca onde os pescadores artesanais são proibidos de trabalhar.

Passado 10 meses das Olimpíadas de 2016, para a qual o Governador do Estado Pezão (PMDB) prometeu ao Comitê Olímpico Internacional (COI) a “despoluição de 80% da Baía de Guanabara”, lamenta-se que este prometido “Legado Olímpico Ambiental” não tenha se efetivado. Ou seja, a prometida despoluição da Guanabara (ainda) não saiu do papel!

– Pagamento pela PETROBRAS da indenização financeira determinada pela Justiça pelo vazamento ocorrido no dia 18 de Janeiro de 2000 de 1,8 milhões de litros de óleo nas águas da Baía num oleoduto que liga a REDUC (Refinaria Duque de Caxias) ao Terminal da Ilha D´Água, vizinho à Ilha do Governador. A produtividade pesqueira na Baía foi reduzida em 90% devido a este desastre ambiental. Já se passaram 17 anos e até hoje a petroleira se nega a indenizar as comunidades pesqueiras pelos prejuízos que vem sofrendo ao longo do tempo. Já são 16 anos de Impunidade sem qualquer responsabilização dos que provocaram este Crime Ambiental.

Na época, o duto desta unidade da PETROBRAS NÃO TINHA LICENÇA AMBIENTAL para operar e a extensa rede de dutos e gasodutos da REDUC também não tinha sequer Sistema de Desligamento Automático em caso de vazamentos, o que contribuiu decisivamente para ampliar o impacto do desastre ambiental.

A própria Justiça reconheceu que, ao longo de todo este período (17 anos!), a PETROBRAS vem adotando sucessivas manobras protelatórias para não efetuar o pagamento das indenizações de milhares de pescadores(as) o que, na prática, tem servido para perpetuar uma situação de Impunidade Ambiental e de injustiça social.

– Políticas públicas para a pesca e aqüicultura, com participação das comunidades, e destinação de recursos financeiros da União Federal, do Estado e dos municípios para implantar: fábricas de gelo, escolas de pesca, aquisição de novas embarcações, capacitação profissional, projetos de aquicultura, saneamento básico das comunidades pesqueiras que oram excluídas do PDBG/PSAM.

MPF quer suspensão da operação do Porto Sudeste (RJ) até solução para famílias da área

Com capacidade de movimentação de 50 milhões de toneladas de minério por ano, terminal opera a menos de 30 metros de vila de pescadores

baia-sepetiba

O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro (RJ) ingressou com ação civil pública contra a empresa MMX Porto Sudeste LTDA e o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para suspender a Licença de Operação do empreendimento no município de Itaguaí (RJ), até que seja encontrada uma solução para as 25 famílias que atualmente residem na Vila do Engenho, Ilha da Madeira, a menos de 30 metros do terminal. Na ação, protocolada hoje na Justiça Federal do Rio de Janeiro, o MPF alega que a empresa deixou de cumprir obrigação estabelecida na Licença de Instalação do Porto, consistente na realocação de todos os moradores da Vila do Engenho, e que a operação de empreendimento desta magnitude e natureza é incompatível com a permanência da população residente na área, em razão da comprovada emissão, durante as operações, de gases e partículas altamente prejudiciais à saúde, dentre os quais dióxido de enxofre (SO2); dióxido de nitrogênio (NO2); partículas inaláveis (PM10), partículas totais em suspensão (PTS), hidrocarbonetos (HCT) e monóxido de carbono (CO).

Confira aqui a íntegra da ação civil pública.

Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela empresa concluiu que a realocação das famílias é a única alternativa viável para o desenvolvimento do empreendimento, em razão da proximidade das casas com o terminal. Das 320 famílias que inicialmente habitavam a vila, remanescem apenas 25, que se recusam a deixar a área por discordarem dos valores propostos de indenização. O INEA foi também acionado como corresponsável pelo dano ambiental, uma vez que, mesmo ciente da situação, expediu a licença de operação do Porto. “A condicionante de realocação da população atingida foi indevidamente considerada como atendida pelo Inea, que literalmente abandonou as famílias da vila à própria sorte, pois, dolosamente, assentiu com a operação de um terminal de carga de minério de grande porte a menos de 20 metros de onde, ainda hoje, habitam idosos, crianças, homens e mulheres”, alerta o procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, autor da ação.

Para Suiama, “a manifesta ilegalidade do ato administrativo autorizativo da operação do terminal reveste-se de especial gravidade e urgência ante o fato inexorável de que, com a operação do terminal, todos os moradores remanescentes da Vila do Engenho sofrerão impacto direto em seu direito fundamental à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Diante dessa situação, o MPF requereu a concessão de tutela judicial antecipada para suspender os efeitos da licença de operação até que haja o cumprimento integral e efetivo da condicionante de relocação de todos os moradores da Vila do Engenho. A ação postula, ainda, o pagamento de indenização pelos danos patrimoniais e morais causados ao meio-ambiente e à população residente, em decorrência de atividade industrial nociva à saúde e aos demais direitos assegurados às comunidades tradicionais pela Constituição e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Audiência de mediação

Antes de ajuizar o caso, o MPF buscou a via do diálogo para resolver a situação, promovendo audiência de mediação entre a empresa e os moradores da Vila do Engenho. Na ocasião, os moradores disseram que aceitam serem indenizados para deixarem suas casas, desde que o valor ofertado seja equivalente àquele pago pela Porto Sudeste a outros moradores da área, que deixaram suas casas no passado. A empresa, contudo, ofereceu valores inferiores durante a mediação, equivalentes a R$ 1 mil por metro quadrado de área nua e R$ 4 mil por metro de área construída. “É importante frisar que não é objeto desta ação coletiva o arbitramento do justo valor devido a título de indenização, para desocupação voluntária das casas da Vila do Engenho. O que se discute na ação é o risco de dano à vida e à saúde de mais de 70 pessoas, e também do meio ambiente no qual eles estão inseridos”, ressaltou Suiama.

FONTE: Assessoria de Comunicação Social, Procuradoria da República no Rio de Janeiro

Multinacional alemã polui e adoece quem vive na Baía de Sepetiba

Desde o dia 26 de junho deste ano, os pescadores fazem mobilizações chegando a paralisar a obra em várias ocasiões

tkcsa

Por Sandra Quintela*

Localizada na Baía de Sepetiba, zona oeste do Rio, a Companhia Siderúrgica do Atlântico, formada pela multinacional alemã ThyssenKrupp em parceria com a Vale do Brasil (TKCSA), tem sido a responsável por uma série de impactos socioambientais na região. Desde desmatamento de manguezais até o cerceamento do direito ao trabalho dos pescadores da Baía de Sepetiba (ocasionado pelo aumento do tráfego de navios, da área de exclusão de pesca e de outras intervenções no ecossistema). Uma ladainha não seria suficiente para contar todas as violações.

O mais impressionante é que até a presente data a TKCSA não tem licença de operação definitiva. O empreendimento funciona através de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) assinado entre a empresa e órgãos do governo estadual.

Soleira submersa

Camuflada pelo guarda chuva da Associação das Empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz (Aedin), a TKCSA é a principal beneficiada pela soleira submersa que está sendo construída no Canal do São Francisco e tem impedido o trânsito das embarcações que passam pelo Rio para a pesca na Baía de Sepetiba. Em certos períodos do dia, a barragem cria uma “correnteza” que não permite a passagem dos barcos. A obra também funciona sem licença ambiental e não há estudos preliminares de impacto gerado à pesca na região. Além do problema da pesca, moradores alertam para o perigo de enchentes decorrentes da intervenção.

Desde o dia 26 de junho de 2015, os pescadores fazem mobilizações chegando a paralisar a obra em várias ocasiões. Hoje, apesar de um processo de negociação aberto entre os pescadores e a Aedin, mediado pela Defensoria Pública, as empresas não aceitaram os termos da proposta e a obra a continua.

Crise pra quem?

Junto dos pescadores e moradores da região perguntamos: Crise hídrica para quem? Quem deve pagar essa conta? A TKCSA não é legal e desde que chegou a Santa Cruz em 2006 vem produzindo injustiças, poluindo e adoecendo quem vive no entorno. Enquanto isso, mulheres e homens continuam resistindo e lutando pra viver e trabalhar a despeito da poeira tóxica, das megaobras e da conivência do poder público. 

*Sandra Quintela é economista e coordenadora do Pacs  

FONTE: http://brasildefato.com.br/node/32629