Com Pedro Paulo é assim: para os servidores, perda de direitos e precariedade, mas para a sogra….

Em mais uma de suas matérias magistrais, o jornalista Ruben Berta publicou hoje um daqueles petardos reveladores sobre a hipocrisia e o cinismo que cercam  a atuação de determinados personagens no parlamento brasileiro. O centro da matéria se refere a uma informação curiosa: a sogra do deputado Pedro Paulo (PSD/RJ), um dos mentores da reforma administrativa, é empregada no gabinete de um dos seus principais aliados políticos na Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro.

O “emprego” rende à sogra de Pedro Paulo o montante de R$ 7.400,00 para que ela atua como “assessora cultural” em meio às suas outras atividades como empresária.

Há que se lembrar que as proposições, se aprovadas, representarão um rigoroso retrocesso de direitos para os servidores públicos e implicarão em um grave aumento do nível de precarização dos serviços públicos nas três esferas de governo.

Pelo jeito, com Pedro Paulo, a coisa vai assim: para a sogra tudo, para os servidores nada.

A universidade brasileira é refém do produtivismo

Exame de uma universidade sem dinheiro e sem projeto. Pesquisas são repetitivas ou rendidas a modismos. Cai a renovação teórica, busca-se financiamento privado e pontuação. Com saberes apartados da sociedade, portas são abertas ao mercado

Por Michel Goulart da Silva para “Outras Palavras” 

Pode-se afirmar que o fundamento que estrutura o meio acadêmico brasileiro é o da precarização, ou seja, a maior parte dos profissionais que produzem conhecimento científico o fazem em condições de extrema dificuldade. Não há muitas das condições básicas para a realização das atividades, seja em termos de estrutura física ou de pessoal, fazendo com que o pesquisador e seus colaboradores encontrem grandes dificuldades para realizar seu trabalho.

Os professores das universidades públicas, onde é realizada a maior parte das pesquisas, encontram dificuldades como a escassez de tempo para se dedicar à pesquisa e à extensão, combinada a uma extensa carga horária de aulas. Os professores das instituições privadas, com poucas exceções, não são incentivados a fazer pesquisa nem a atuar na pós-graduação. Os técnico-administrativos, além de gastar a maior parte do seu tempo em tarefas operacionais, sofrem com todo tipo de preconceitos e marginalização, tornando praticamente impossível a dedicação a outras atividades do espaço acadêmico, como pesquisa e extensão. Os centros de pesquisa públicos são poucos e, a despeito de produzirem importantes pesquisas, não conseguem dar conta das necessidades demandadas pela sociedade.

Outro aspecto a ser considerado se refere à materialização da precarização na condição dos estudantes. Como os docentes têm dificuldades de tempo e de estrutura para realizar suas pesquisas, acabam sendo os estudantes os responsáveis por realizar parte dmerco trabalho, cabendo ao coordenador do projeto se limitar a uma orientação genérica ou simplesmente colocar o nome no artigo final. Esse elemento se manifesta em especial numa divisão de tarefas em que a pesquisa dos orientadores é dividida em partes que os discentes assumem, independentemente do seu nível de formação. Com isso, grande parte das dissertações e teses desenvolvidas no interior dos grupos de pesquisa acabam sendo não o produto do interesse dos pesquisadores em formação, mas fragmentos de uma investigação cujos resultados estão voltados para os interesses e para o currículo do docente que coordena o projeto.

Os discentes, a despeito da enorme responsabilidade que acabam assumindo, inclusive eventualmente de docência, recebem bolsas cujos valores não condizem com suas necessidades vitais e mesmo de apoio às suas pesquisas. Em meio à necessidade de aquisição de bibliografia, de viagem para pesquisas e eventos, além de necessidades primordiais, como se alimentar e pagar aluguel, os valores pagos pelas bolsas vão sendo corroídos pela inflação sem que haja qualquer política de reajuste permanente. Um fator ainda mais degradante se refere ao fato de que, em um cenário de crise econômica e desemprego, para esses pesquisadores em formação a bolsa muitas vezes não está ligada a um projeto de vida e carreira como pesquisador, mas apenas à necessidade imediata de sobrevivência.

Em meio a isso, se coloca a supervalorização da titulação, onde a obtenção do doutorado não é encarada como uma fase da formação do pesquisador, mas um objeto de poder que pode ser utilizado como uma forma de distinção dentro do ambiente acadêmico. Nas universidades o título de doutor pode representar também o ponto mais elevado dentro da burocracia universitária, ocupando cargos de direção ou mesmo a reitoria. O docente doutor pode orientar pesquisadores de todos os níveis de formação, pleitear todos os tipos de financiamento e acessar todos os cargos e órgãos disponíveis na instituição. Muitos doutores fazem questão não apenas de ressaltar sua titulação, mas de destacar que isso os torna especiais e, por isso, mais importantes que todos os demais profissionais que atuam na instituição, inclusive em comparação até mesmo com técnico-administrativos que possuem doutorado. Essa relação de poder e detenção de status é uma demonstração de que “o capital universitário se obtém e se mantém por meio da ocupação de posições que permitem dominar outras posições e seus ocupantes”.

Para que seja relevante, o título de doutor dos pesquisadores precisa estar acompanhado de uma rede de financiamento e alianças que possibilitem à instituição obter mais e mais recursos. Em função disso, não importa a relevância da pesquisa ou o papel que possui o pesquisador em sua área, mas somente a capacidade que ele tem de obter recursos, sejam públicos ou privados, e as redes de contatos em que está inserido. Para a maior parte das instituições vale mais a pena ter um pesquisador que, embora sem grandes contribuições em sua área de pesquisa, possua amigos influentes em outras universidades e centros de pesquisa.

Essa necessidade de busca por financiamento impacta na escolha do que é produzido na instituição, ainda que a pesquisa seja irrelevante em sua área do conhecimento ou apresente uma baixa qualidade teórica e metodológica. O critério passa pela publicidade que a pesquisa possa alcançar e pela sua capacidade de ser vendida ao mercado. Esse processo tem relação direta com a crise na qual se encontra o sistema capitalista, que:

“[…] reflete-se numa crise dos valores burgueses, da moralidade, da religião, da política e da filosofia. O pessimismo que aflige à burguesia e aos seus ideólogos neste período se manifesta na pobreza de seus pensamentos, na trivialidade de sua arte e no vazio de seus valores espirituais. Expressa-se no espantalho filosófico pós-modernista, que se imagina superior a toda filosofia anterior, quando, na realidade, é absolutamente inferior”.

Muitas das pesquisas se tornam meras repetições umas das outras, com pequenas variações, dentro de grupos de pesquisas ou como parte de redes. Produz-se uma grande quantidade de teses, dissertações e artigos que basicamente discutem os mesmos assuntos, apresentando pequenas mudanças nos objetos ou nos problemas a serem discutidos. Não há uma preocupação efetiva em ensaiar novas metodologias e perspectivas, mas somente em chegar a um produto, o que obviamente é garantido por uma metodologia conhecida e utilizada de forma repetida e recorrente. Não se trata aqui de experimentos variados que levam a um novo conhecimento, podendo contribuir inclusive para uma renovação daquele campo de pesquisa, mas de um conhecimento pronto que basicamente vai sendo repetido à exaustão e, dessa forma, garantir a produção em grande escala de dissertações, teses e artigos.

Uma consequência dessa repetição de métodos e procedimentos é um completo desdém pelo debate teórico. Evita-se produzir reflexões que exijam a leitura aprofundada de clássicos e um denso debate epistemológico, e que poderiam apontar para novas interpretações ou mesmo para construções teóricas inovadoras. O caminho mais comum é partir de algum referencial pronto, normalmente algum autor ou um campo da moda na Europa ou nos Estados Unidos, e aplicar na pesquisa. Muitos pesquisadores apenas se alongam em citações que, com sorte, talvez façam sentido dentro da lógica do texto. Como consequência, a ciência “se converter numa rotina de simples absorção e arquivamento de ideias, de mera repetição de procedimentos conhecidos e sancionados, dos quais apenas se esperam os resultados seguros e rendosos que não podem faltar”. Torna-se, assim, praticamente impossível a construção de um referencial teórico que apresente inovações e novos olhares para os objetos de pesquisa.

Essa situação acaba se mostrando mais grave na pós-graduação, onde se estruturou uma avaliação quantitativa do trabalho realizado, embasada num sistema de controle que inicia nos projetos em andamento, passa pelas orientações e trabalhos em eventos, chegando à publicação de artigos e livros, exigindo uma coerência temática e metodológica que é medida não por critérios teóricos e metodológicos ou pela relevância para a área de conhecimento, mas, em última instância, por palavras-chave ou número de citações. Os pesquisadores, as instituições a que estão vinculados, os periódicos e os livros são categorizados e ranqueados, sendo sua classificação um critério determinante na definição da distribuição de recursos. Entende-se que essa “adoção do modo quantitativo de avaliação das produções cientificas, e o fato de que ele passa ser visto como razoável, decorre do processo de mercantilização ao qual a ciência está sujeita no capitalismo”.

Esse cenário de pressão pela produtividade está associado às mudanças na forma de organização do trabalho, na medida em que o capitalismo necessita cada vez mais que a técnica e a tecnologia garantam a diminuição nos custos de produção. No sistema capitalista, “a grande indústria tem de incrementar extraordinariamente a força produtiva do trabalho por meio da incorporação de enormes forças naturais e das ciências da natureza ao processo de produção”. Cabe à pesquisa um papel decisivo nesse processo, na medida em que possibilita a incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo, exigindo-se resultados rápidos, inovadores e com impactos práticos. Como parte do processo de “reorganização econômica, a esfera de natureza simbólico-cultural altera-se, para constituir-se de valores e signos próprios da produção econômica, no contexto de tecnificação da política e da cultura”. Consequentemente, diante de dificuldades estruturais, de pressão pela produtividade, e de avaliações com critérios arbitrários, criam-se formas de garantir dados estatísticos de produção. Nesse sentido:

“[…] a pressão produtivista gera o efeito perverso do agir instrumental e do abandono do essencial (o processo em si, gerador de conhecimento e enriquecedor da formação intelectual) pelo aparente, isto é, o resultado espelhado na pontuação. Em outras palavras, privilegia-se a quantidade sem se importar com a qualidade”.

Esse problema se manifesta no comércio de publicações. O mercado das revistas acadêmicas e as parcerias com empresas fazem com que se deixe de lado a possibilidade de produção de conhecimentos que possam ter um caráter socialmente refletido e que apontem para uma perspectiva minimamente crítica. Construiu-se um complexo sistema de indicadores e estatísticas que mede não a qualidade ou a importância do conhecimento produzido, mas a quantidade de textos que o pesquisador produz. Não importa o conteúdo desses textos, se repetem integralmente o que foi escrito antes ou mesmo se não tem alguma relevância, mas sim as citações que faz e as que possa vir a obter. Os textos podem não apresentar nenhuma contribuição para sua área do conhecimento, mas tornam-se importantes dentro da realidade paralela do mundo acadêmico, importância essa completamente subjetiva e que somente faz sentido para um grupo específico de profissionais. O objetivo desses artigos produzidos em grande quantidade não é a apresentação de reflexões realizadas a partir de uma pesquisa com efetiva contribuição para seu campo de estudo ou a intervenção para a solução de um problema da sociedade, mas a obtenção de resultados que sejam mensuráveis por um sistema de avaliação definido com critérios arbitrários e desconhecido pela esmagadora maioria das pessoas de fora da universidade.

Nesse cenário, de precarização do trabalho da pesquisa e de atribuição de pouca relevância ao conteúdo que se produz, a adesão aos modismos acaba sendo o caminho seguido por pesquisadores em qualquer nível de formação. Os pesquisadores acabam ou adotando os temas mais comuns do momento ou incorporando métodos e teorias mais utilizados por seus pares, na medida em que isso facilita tanto a obtenção de recursos e bolsas, como a publicação em revistas. O pesquisador deixa de ser um profissional que procura novos caminhos para seu trabalho, onde poderia encontrar saberes ainda pouco conhecidos e nada explorados, para permanecer estagnado em um lugar lotado e totalmente desgastado. Outro aspecto tem relação com o fato de esses métodos, teorias e objetos de moda normalmente expressarem interesses privados que, mesmo quando não influem de forma direta sobre o financiamento da pesquisa, determinam a importância que se deve dar ao trabalho do pesquisador.

Essa busca por estar na moda e em harmonia com os temas e teorias dominantes nos meios acadêmicos também tem como consequência o fato de se evitar quaisquer polêmicas. Se há divergências teóricas, deve-se ou fazê-las da forma mais cordial possível ou até mesmo evitar torná-las públicas, embora a produção do conhecimento necessite do debate e da crítica para apontar não apenas limitações do trabalho realizado, como indicar possíveis caminhos a serem seguidos. Nos diversos campos, dominam teorias, temas e métodos quase consensuais, parecendo que todos falam a mesma coisa, ainda que com pequenas variações na forma. O meio acadêmico atualmente existente, com raras e marginalizadas exceções, não é constituído por um espaço de debate aberto e saudável, mas por um comodismo que aceita passivamente os modismos dominantes e a precarização estrutural.

Nos últimos anos, algumas vozes têm se levantando para denunciar os problemas enfrentados pelos pesquisadores, enfatizando especialmente cortes de verbas para fomento, dificuldades estruturais e a ameaça de perda de bolsas. Contudo, de forma geral, essas críticas não apresentam uma análise da lógica perversa do meio acadêmico e do fato de que sua precarização não se limita a um projeto de governo, mas constitui-se em uma estratégia diretamente ligada aos interesses do capital, que tem como objetivo a completa transformação do conhecimento em mercadoria. Deve-se ressaltar que:

“[…] as atividades intelectuais de produção da ciência e da tecnologia não se constituem processos autônomos, independentes da realidade concreta onde se efetivam. A ciência revela-se historicamente como instrumento de poder. Ela passa a atuar junto às forças produtivas de forma cada vez mais decisiva, ampliando cada vez mais sua potência econômica”.

O Estado, diante das variações no modo e nas relações produções, adapta as políticas educacionais e de pesquisa aos interesses do capital, priorizando ora investimentos com recursos públicos, ora a entrega da educação à gestão privada, com ou sem recursos do Estado. Portanto, a despeito de todas as mediações possíveis, em última instância, a educação sob o capitalismo é funcional à produção de valores de troca e à exploração do trabalho. Com isso, a possibilidade de avanço na produção do conhecimento mostra-se incapaz de romper as barreiras da sua mercantilização, exigindo das organizações trabalhadores ações que se coloquem no sentido de romper essa bolha perversa.

Referências

  1. BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. 2ª Florianópolis: Editora da UFSC, 2011, p. 115.
  2. Alan Woods. Reformismo ou revolução. São Paulo: Editora Marxista, 2009, p. 67.
  3. Álvaro Vieira Pinto. Ciência e existência: problemas de filosofia da pesquisa científica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 255.
  4. Marcos Barbosa de Oliveira. A mercantilização da ciência: funções, disfunções e alternativas. São Paulo: Scientiae Studia, 2023, p. 38.
  5. Karl Marx. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 460.
  6. Valdemar Sguissardi; João Reis Silva Jr. Novas faces da educação superior no Brasil: reforma do Estado e mudança na produção. 2ª ed. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista: USF, 2001, p. 80.
  7. Antonio Ozaí da Silva. A corrida pelo Lattes. In: Waldir José Rampinelli; Valdir Alvim; Gilmar Rodrigues (Org.). Universidade: a democracia ameaçada. São Paulo: Xamã, 2005, p. 89.
  8. Maria de Lourdes Pinto de Almeida. A pesquisa acadêmica no século XXI. Campinas: Mercado de Letras, 2012, p. 93.
 

Michel Goulart da Silva

Historiador pela UDESC. Doutor em História pela UFSC. Servidor público, atuando na reitoria do IFC, em Blumenau.


Fonte:  Outras Palavras

A Uenf está sendo corroída pela precarização e ficando muito aquém das tarefas deixadas por Darcy Ribeiro

Uenf-Aérea-542x360

O incêndio que ocorreu no último 17/05 e consumiu a sala que abrigava uma secretaria no prédio do Centro de Ciências do Homem é apenas o sinal de uma profunda precarização que vem sendo imposta à universidade criada por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola.  Nascida sob demanda da população de Campos dos Goytacazes, entretanto, é o principal instrumento de desenvolvimento econômico do interior do estado do Rio de Janeiro, tendo gerado um ciclo de formação de profissionais e dinamizado a economia do município de Campos dos Goytacazes em um patamar muito acima do que os bilhões produzidos pelos royalties do petróleo.

Mas se a Uenf é isso tudo, por que precarizá-la a ponto de inviabilizar sua capacidade criativa e de inovação e reduzi-la a mais uma instituição que não gera potencial de desenvolvimento? Uma explicação muito provável tem a ver com a indiferença dos governos estaduais com as necessidades das regiões Norte e Noroeste Fluminense, e também dos grupos de poderes locais que não querem que mais pessoas estejam capacitadas para articular novas formas de governança que possam abalar os arranjos oligárquicos que guiam a política em nível municipal.

Entretanto, o que vem afogando a Uenf é o uso abusivo do chamado Programa de Recuperação Fiscal que asfixia financeiramente a instituição ao não possibilitar, por exemplo, que salários altamente defasados sejam colocados em um patamar de competividade com o que é praticado em outras instituições universitárias. Como agora sequer se há o acréscimo por tempo de serviço, é quase impossível atrair professores doutores de outras partes do Brasil e, menos ainda, de outros países. Essa foi a fórmula que possibilitou que a Uenf funcionasse em nível de excelência em anos iniciais, a ponto de se tornar uma referência de qualidade para outras universidades brasileiras.

uenf 30 anos

Um problema que vem aprofundando o nível de desgaste do projeto revolucionário elaborado por Darcy Ribeiro é que tem faltado à Uenf a atuação de lideranças capacitadas para manter a respeitabilidade que foi obtida nos seus primeiros anos. As diferentes reitorias que foram se sucedendo desde 1999, quando foi eleito o primeiro reitor, terminaram possibilitando a ascensão de uma visão altamente populista de integração com a sociedade regional,  a qual pode ser sintetizada na ideia de que bastaria abrir os gramados do campus Leonel Brizola para a realização de confraternizações e atividades esportivas para que a Uenf cumpra seus desígnios históricos. Com isso, o máximo que se tem conseguido é difundir a ideia de que a Uenf seria uma espécie de “Ibirapuera dos campistas”, e não o poderoso motor de desenvolvimento científico e tecnológico que Darcy Ribeiro idealizou e colocou para funcionar com os recursos alocados pelo governo de Leonel Brizola.

Disse recentemente em uma assembleia dos professores que é urgentemente necessário que a categoria retome urgentemente a primazia da ação política que possibilitou que a Uenf tenha chegado até onde chegou. Sem a liderança de um grupo altamente capacitado não há como qualquer instituição universitária atingir seus objetivos estratégicos, e a Uenf não é exceção. Caberá aos seus quadros mais capacitados garantir que, entre outras coisas, o governo do Rio de Janeiro decida pagar salários que sejam compatíveis com o papel de liderança que a Uenf deve exercer para catapultar as regiões Norte e Noroeste para um ciclo de desenvolvimento que finalmente as faça superior décadas de atraso econômico e social.

E eu lamento dizer:  ou os docentes assumem o papel de liderança que o modelo institucional lhes exige ou a Uenf nunca chegará a cumprir a trajetória pensada por Darcy Ribeiro. É que não se cumpre desígnios mais desafiadores aceitando projetos de mediocridade e de subalternidade que podem até soar “moderninhos” e “antenados” com as modas do momento, mas que são intrinsecamente desprovidos de substância.  Ou alguém acha que um punhado mal arrumado de conversas ocas sobre o papel de start ups e do uso de inteligência artificial resolverão o abissal atraso econômico e social que envolve o Norte e Noroeste do Rio de Janeiro?

Anffa protocola Ação Coletiva em objeção a contratações temporárias de químicos e farmacêuticos

Foi protocolada na última quarta-feira (01/11) a Ação Coletiva de nº 1106632-47.2023.4.01.3400 em oposição à contratação temporária de químicos e farmacêuticos pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa)

charge-reforma-adm

Por Juliana Procópio para a ANFFA

Conforme noticiado pelo Anffa Sindical, um ofício alertando para a inconstitucionalidade da Portaria Conjunta MGI/MAPA nº36 que noticiou a contratação de 39 pessoas para “atender necessidade temporária de excepcional interesse público”, de acordo com os termos do próprio documento, foi enviado ao ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e ao secretário de Defesa Agropecuária, Carlos Goulart. Na mesma oportunidade, o presidente do Sindicato, Janus Pablo, solicitou o cancelamento do processo seletivo simplificado.

Confrontando as informações da Portaria, Pablo foi categórico ao informar que “inexiste o suscitado acúmulo de processos de registro de produtos de uso veterinário, agrotóxicos e bebidas. Da mesma forma, atribuições relativas aos processos de registro de agrotóxicos e demais produtos são procedimentos intrinsecamente relacionados a atribuições cujo exercício, por lei, é privativo dos servidores titulares do cargo de Auditor Fiscal Federal Agropecuário.” (relembre aqui).

Ainda assim, foi designada na última semana a Comissão de Seleção do Processo Seletivo Simplificado de Contratação de Profissionais Temporários pelo Mapa, e na última quarta-feira, publicado o Edital nº 5, que regulamenta o processo seletivo simplificado, em oposição ao que pleiteava o Anffa Sindical. Dessa forma, a Diretoria de Assuntos Jurídicos (DAJ) do Sindicato, em colaboração com o escritório Torreão Braz elaborou e protocolou a petição inicial da Ação Coletiva por entender que “os Auditores Fiscais Federais Agropecuários estão na iminência de ter as atribuições legais, privativas de seus cargos, usurpadas por profissionais não investidos na respectiva Carreira.”

A equipe jurídica destacou que a já demonstrada inexistência de acúmulo de processos de registros de produtos de uso veterinário, agrotóxicos e bebidas torna os motivos da Portaria nº 36 inidôneos e ilegítimos para justificar a contratação pretendida e acrescentou que as competências de exercício de tais atividades são típicas de Estado, já que constituem manifestação do exercício do Poder de Polícia Administrativa.

Também foi demonstrado que, ainda que existisse o represamento de processos administrativos indicado pela Administração Pública, a contratação de servidores temporários jamais poderia viabilizar a usurpação de atribuições privativas da Carreira de Affa, isso porque tal represamento não seria decorrente do incremento de pedidos, mas sim da ausência de quantitativo de pessoal para fazer frente à demanda do setor agropecuário nacional no âmbito do Mapa, o que invariavelmente exige quadro específico permanente de servidores.

Desse modo, foi solicitada ao juízo da 16ª Vara Cível do Distrito Federal, a anulação da Portaria nº 36 por desvio de finalidade e vício de inconstitucionalidade, já que no primeiro caso a contratação em questão supõe necessidade inexistente para aumentar, sem concurso público, a força de trabalho disponível para o exercício de atividades e demandas cotidianas, em desrespeito aos princípios de finalidade e motivação do art 2º da Lei nº 9.784/1999, e no segundo, o Ato Administrativo desobedece ao art 37, II, da Constituição Federal, que trata das admissões de pessoal na Administração Pública.

Consequentemente, pede também pela suspensão da contratação temporária autorizada pela Portaria 36. O pedido foi solicitado em caráter de urgência, diante do grave prejuízo ao interesse público firmado nas atividades atreladas à defesa agropecuária.

Para Rogério Ferreira, diretor de Assuntos Jurídicos do Sindicato, essa atuação é imperiosa na defesa dos interesses da carreira, uma vez que a concessão de atribuições restritas aos Auditores Fiscais Federais Agropecuário a profissionais temporários constituem burla à realização de concursos públicos, os quais têm sido exaustivamente reivindicados pela categoria.


color compass

Este texto foi originalmente publicado pela ANFFA [Aqui!].

Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários emite nota sobre contratação temporária para acelerar registros de agrotóxicos

precario

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa) comunicou em nota oficial no dia de ontem (10/10)  que “recebeu com surpresa” o anúncio feito pelo Governo Federal para a contratação temporária de 39 profissionais (químicos e farmacêuticos), para desenvolver atividades relacionadas aos registros de produtos de uso veterinário, agrotóxicos e bebidas no âmbito da pasta. 

O Sindicato esclareceu ainda que o registro de produtos veterinários está cumprindo todos os prazos regulamentados e os registros de bebidas são realizados de forma automatizada. Além disso,  o Anffa reiterou que para o registro de agrotóxicos – produto formulado – é imprescindível a avaliação de Auditores Fiscais Federais Agropecuários engenheiros agrônomos a fim de garantir a celeridade ao processo. Diante deste cenário, o Anffa apontou que “não há justificativa para as contratações anunciadas na portaria e questiona também o fato de já haver um concurso público em andamento, para os cargos de químicos, farmacêuticos e agrônomos, além de médicos veterinários e zootecnistas – com provas a serem aplicadas em fevereiro de 2024“.
 
A nota do Anffa do informou ainda que sua Assessoria Jurídica está acompanhando os desdobramentos da portaria e que já solicitou ao Conselho de Delegados Sindicais uma agenda, para esta semana, a fim de debater o assunto.

Ah, sim, antes que eu me esqueça. Esta ação de precarização do governo federal tem como objetivo claro ampliar ainda mais o número já enorme de agrotóxicos genéricos registrados e sendo vendidos no Brasil, enquanto estão banidos nos países das empresas fabricantes.

Precarização e desumanização do trabalho docente durante a pandemia, o caso da UENF

pandemia

 Ilustração por César Berje

Por Luciane Soares da Silva*

Neste texto vou adotar um olhar mais distanciado e trabalhar em uma escala que parte do governo federal e chega até a administração das Universidades, em especial a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Este método é possível ao observarmos discursos cotidianos sobre alinhamentos em diferentes esferas do poder quanto as suas formas de atuação. Devemos começar pelo óbvio: a constatação do custo de milhares de vidas pela incompetência do governo federal, pelo negacionismo científico e principalmente, pela perseguição aos cientistas. Seguem tentando interferir na autonomia das Universidades Federais, desqualificam o trabalho de institutos sérios, contingenciam verbas para pesquisas. O caso do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) nos servirá como exemplo. O constrangimento de Ricardo Galvão, a frente do INPE, é parte das arbitrariedades constantes de um governo sem qualquer plano eficaz para o Brasil no combate ao desmatamento na Amazônia. Mas também sem qualquer eficácia nas ações de combate a pandemia de COVID 19. Se foram desenvolvidos respiradores na Paraíba e em São Paulo, se as Universidades, Fundações e Institutos trabalharam constantemente em pesquisas na tentativa de conhecer e desenvolver formas de combate ao Coronavírus, tudo isto foi feito na contramão das ações do governo federal.

Descendo na escala, chegamos em março de 2021 testemunhando governos estaduais e municipais pressionando professores e comunidade pela volta às aulas presenciais. Sabemos que as crianças podem transmitir o vírus para familiares e mesmo aos educadores com este retorno, mesmo que a escola tente assegurar as condições ideais de imunização, o risco é alto e os resultados já são públicos:

  • “Professora da rede estadual é a primeira vítima da COVID-19 na volta às aulas em São Paulo”
  • “Professores denunciam 209 casos de COVID-19 na volta às aulas. Doria fecha sete escolas”
  • “ Com nove professores do IFAM mortos pela COVID, docentes querem aula só após a vacina”
  • “ Após 12 dias internado, professor morre em decorrência da COVID-19”.
  • “Vocês vão mandar suas crianças de volta para as aulas?”
  • “No Amazonas 64 professores morreram de COVID-19 desde janeiro, diz Sinteam”.

No caso de São Paulo, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), responsabiliza a gestão de Doria e o secretário de Educação pela morte da professora Maria Tereza Miguel de 32 anos. Mesmo com denúncia de salas pouco ventiladas, álcool gel vencido e outras irregularidades, as aulas foram iniciadas. Observação importante: a presença dos alunos não é obrigatória. Mas a obrigatoriedade está posta para os professores.

Chegamos ao terceiro momento deste texto. Nas palavras do ex secretário municipal da educação de São Paulo, Alexandre Schneider, “é preciso haver diálogo entre os governantes e quem está no chão da escola”. Esta recomendação poderia ser útil para a definição dos calendários acadêmicos em cada instituição de ensino superior no país, observando singularidades e recursos. A maioria delas adotou o ensino remoto, com disciplinas e equipamentos. Mesmo existindo um consenso sobre as dificuldades de acesso, avaliação e questões pedagógicas específicas desta modalidade remota, também existem muitas críticas. Dentre elas, as condições de trabalho docente.

Temos visto docentes adoecendo pelo excesso de trabalho, pelas reuniões de planejamento, pelas pressões para seguir produzindo durante a pandemia. No caso da Uenf, vivemos um caso exemplar das formas de precarização e desumanização que atingem a Ciência e Educação no Rio de Janeiro. Depois de um ano experimental, docentes decidiram em seus colegiados, adotar medidas já em vigor nas demais Universidades. Avaliação por nota e frequência. O que poderia ser um tema de exercício de diálogo e fortalecimento dos laços internos, se transformou em uma arena de “cancelamentos” e insultos públicos. O resultado disto é uma exposição lamentável da Universidade nas redes sociais como se a tragédia envolvendo uma pandemia não fosse o suficiente.

Observamos em vários momento que o descumprimento dos ritos internos de autonomia dos colegiados (a não nomeação de reitores é só um exemplo), fere de morte a democracia interna das Universidades. O discurso populista que nega o que todos já sabem, torna-se uma forma perigosa de construção da realidade pois o voto perde qualquer efeito jurídico real. Nós já vimos isto na história. Nós sabemos como inicia. E sem dúvida a tragédia consiste nesta repetição meias verdades ad nauseam em redes sociais. É uma forma de rebaixamento de toda comunidade acadêmica. O placar só tem perdedores. O ideal de uma formação crítica e de excelência fica em um horizonte distante.

Um cotidiano exageradamente atribulado

 Docentes nas redes públicas e privadas de ensino tem vivido infortúnios simultâneos: a busca das condições para o domínio de uma modalidade de ensino para a qual não foram preparados, a perda de colegas e familiares, um cansaço constante que gera quadros de ansiedade e depressão e por fim, a total desumanização de seu ofício. No caso da Uenf, a animosidade exposta nas redes sociais como se estivéssemos em uma “vendeta”, explicita os resultados cognitivos acumulados após as jornadas de junho de 2013 e do golpe de 2016. Temos uma geração (ou uma boa parte dela) tomada pelo imediatismo, fascinada por uma forma de comunicação pelas redes e que abre mão das formas de construção participativa (as Assembleias). O mais grave é pensar neste processo de desumanização do docente como parte das formas de administração em voga nos governos Federais (intervenção e destruição da ciência), Estaduais (cortes de salários e ataque aos docentes, lembremos da Bahia) municipais (pressão pela volta presencial das aulas).

Mas que debate deveríamos fazer?

 Para aqueles que sonhavam com a Petrobras no Norte Fluminense ou mesmo com a carreira docente, o debate deveria ser outro. Defender o servidor público é, em minha avaliação como docente com uma década de trabalho na Uenf, a única saída realmente vitoriosa neste momento. Vejam aí os efeitos da propaganda em uma era pós verdade. O que realmente deveria importar é exatamente o que está sob ataque daqueles que são o foco da política pública de educação.

Estas formas de ataque, de insulto, feitas aos docentes seguem a lógica em vigência na era Bolsonaro. A da declaração de Paulo Guedes “o hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita”. Fomos chamados de algo parecido recentemente. Mas o que esperam nossos alunos em um futuro próximo?

Aprofundando esta análise, e concluindo, é o próprio ideal de Ciência que sai ferido de morte quando seus instrumentos são destruídos. Nós, no ensino Fundamental, Médio e Superior vivemos a sala de aula. Trabalhamos utilizando nossos recursos, recebemos alunos que precisam de cestas básicas, acesso a tratamentos diversos, atenção e acolhimento. Em que momento fomos demonizados e em que bases este processo de demonização se sustenta?

Em meio a tantas mortes diárias, projetos contínuos de privatização (como o da Eletrobras), volta do país ao mapa da fome, violência contínua contra as mulheres, desmatamento da Amazônia e morte de indígenas, as instituições de ensino poderiam ter como vitória a construção do Brasil que queremos. No caso da Uenf, fundada por Darcy Ribeiro, não é uma opção, é uma obrigação. Do contrário, o que vemos são apenas pequenas vitórias na derrota. Nós professores, já vimos tempos piores e melhores. E por isto, a despeito das tentativas de destruição da nossa categoria, seguimos fortes. E lutaremos pela manutenção de vidas, aguardando a derrota do projeto destes governos em todas as suas escalas. Todas.

Dedico este texto ao professor de Geografia Celso Roth, 40 anos, vítima da COVID-19, professor da Escola Municipal Camilo Alves, Esteio, Rio Grande do Sul. Assim como ele, professores que não possuíam comorbidades, pressionados ao retorno para sala de aula, vieram à óbito nestas semanas.

*Luciane Soares da Silva é é docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense  (Uenf), onde atua como chefe do Laboratório de Estudo da Sociedade Civil e do Estado (Lesce), e também participa da diretoria da Associação de Docentes da Uenf (Aduenf).

Greve dos entregadores de aplicativos expõe a ultra precarização do trabalho no Brasil

greve

 

Este 1 de julho está sendo o palco da primeira greve nacional dos trabalhadores precarizados que atuam no Brasil, com a ocorrência de atos em diferentes parte do Brasil (ver vídeo abaixo diante da Assembleia Legislativa de Minas Gerais em Belo Horizonte).

Há que se notar que este movimento, que ocorre por fora das estruturas sindicais que ainda não se ajustaram ao modelo de ultra precarização associado à disseminação de aplicativos que escondem corporações multinacionais que extraem o máximo que podem do valor do trabalho dos seus supostos “colaboradores”. 

Esse é um descompasso que terá de ser superado para que a energia que está sendo mostrada no dia de hoje seja potencializada, de forma a obrigar que a jurisprudência vigente, a qual não reconhece estes trabalhadores enquanto tal, seja modificada, de forma a responsabilizar as corporações que operam remotamente essa nova forma de superexploração do trabalho, obrigando-as a melhorar os salários pagos e a garantir o oferecimento de direitos trabalhistas que hoje são negados.

Aproveitando o ensejo, sugiro a leitura do livro organizado pelo professor Ricardo Antunes intitulado “Riqueza e miséria do trabalho no Brasil IV“, um dos muitos que esse profícuo intelectual já produziu ou ajudou a produzir sobre a escalada da precarização do trabalho em tempos de plataformas digitais.

riqueza e miséria do trabalho no brasil iv

Enquanto isso, ao longo do dia de hoje, que se boicote o uso de estabelecimentos que estão rendidos à superexploração propiciada pelo uso de aplicativos. 

Capitalismo precário dá as condições ideais para o coronavírus aumentar sua letalidade

covid precariado

Muita tinta tem se gasto para imprimir artigos científicos e livros sobre os impactos da financeirização do Capitalismo neste início de Século XXI.  Uma quantidade menor de publicações trata da questão da precarização das relações de trabalho, e me lembro imediatamente do excelente “O privilégio da servidão” do sociólogo e professor da Unicamp, Ricardo Antunes.

Para mim, a eclosão da COVID-19 oferece uma chance espetacular de revisitarmos a situação do Capitalismo e dos efeitos da precarização das relações de trabalho na piora significativa das condições de vida da maioria da Humanidade que vive de vender sua força de trabalho.  É que a precarização da maioria tem servido apenas para um enriquecimento exponencial de uma fração específica dos capitalistas, que são os donos de bancos e daqueles que vivem de apostar nos múltiplos cassinos do rentismo globalizado.

Se olharmos de perto a forma pela qual a COVID-19 está a devastar sem dar um tiro sequer a maior potência militar que a Terra já conheceu, não poderíamos entender como os EUA estão desabando com um castelo de cartas, se não olhássemos de perto a extrema precarização das condições de vida da classe trabalhadora estadunidense, que em menos de 30 dias de crise já assistiu a uma perda de pelo menos 16 milhões de postos de trabalho, a maioria deles precarizados.  Por cima disso, o que se vê são filas quilométricas de carros que são conduzidos por desempregados, e que estão se dirigindo para pontos de distribuição de alimentos.  Essas filas são o maior testemunho do desabamento do capitalismo precarizado “Made in USA”.

car lines

Mais de dois milhões de pessoas na Califórnia pediram subsídios de desemprego desde meados de março, quando o coronavírus começou a se espalhar rapidamente pelos EUA. 

Mas e o Brasil nessa situação toda? Como já abordei em outras postagens, vivemos, como bem demonstra Ricardo Antunes na obra acima citada, um reinado absoluto da precarização. A opção por precarizar é tal ordem que desde o golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff em 2016 está em curso uma operação desmanche da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) cujos únicos resultados palpáveis têm sido a perda de massa salarial e o aumento no número de desempregados.

Essa sanha precarizadora não foi detida sequer pela COVID-19, pois em plena madrugada, a Câmara de Deputados aprovou a MP 905 com a qual o governo Bolsonaro pretende implantar a chamada “Carteira Verde e Amarela“,  que na verdade é uma mini contrarreforma trabalhista que se concentra em diminuir direitos trabalhistas e aumentar o poder dos patrões sobre a classe trabalhadora.

arton33211

No meio da pandemia, governo Bolsonaro opera para precarizar ainda mais os direitos dos trabalhadores brasileiros

A precarização das relações de trabalho, entretanto, é apenas uma das faces do estabelecimento de uma versão precarizado do capitalismo dependente brasileiro.  É que nessa nova faceta do capitalismo no Brasil, a classe capitalista está operando para precarizar não apenas os serviços públicos para transformá-los em mercadoria, como também se volta para reprimarizar completamente a economia brasileira. A combinação dessas precarizações é que resulta na opção de deixar muitos morrerem por causa da COVID-19, em vez de realizar todas as ações possíveis para minimizar o número de óbitos.

É por causa desse somatório de precarizações que, muito provavelmente, teremos os EUA e o Brasil como os líderes mundiais de casos de infecção e mortes causados pelo coronavírus. A única forma disso não acontecer será multiplicar as ações de base que já estão acontecendo nesses dois países, onde movimentos sociais e ativistas independentes estão organizando a resistência ao coronavírus dentro dos maiores bolsões de precarizados, que são as periferias urbanas.  Essas experiências podem não apenas reduzir a letalidade do coronavírus, mas também pavimentar o caminho para que haja uma resistência efetiva ao processo de precarização da vida que as elites econômicas adotaram para acumular a maior parte riqueza gerada pelos trabalhadores.

Um Brasil precarizado: esse é o legado que nos deixam as políticas neoliberais

precariadoSíntese da destruição socioambiental em curso no Brasil: trabalhador precário enfrenta a inundação em Belo Horizonte para entregar encomendas

Viver em uma cidade de tamanho médio torna possível abrir janelas para a realidade macro de qualquer país.  Por isso, não posso deixar de apontar que o Brasil que emerge como fruto de três décadas é de um país cada vez mais precarizado com pessoas que clamam algum tipo de êxito se conseguirem inserir em alguma forma de subemprego. Aquela outra porção que não possui a possibilidade sequer do subemprego glamourizado (Uber, IFood e outros similares) resta então se dirigir às calçadas para tentar vender algum tipo de guloseima ou simplesmente pedir dinheiro.

Apesar de saber que esse não é um fenômeno genuinamente brasileiro, não posso deixar de me sentir indignado com o destino que é dado a amplos segmentos da nossa população. A eclosão do precariado torna tudo mais difícil para que possamos alcançar um modelo de Nação minimamente democrática e com a possibilidade de dar existência digna aos mais pobres. 

O que temos, pelo contrário, é o aprofundamento da violência estatal e paraestatal que é a contrapartida da precarização do mundo do trabalho e do aprofundamento do apartheid social existente desde os tempos da Colônia. E, pior, sob a aprovação cúmplice dos segmentos da população que se beneficiam dessa forma particular de funcionamento do Capitalismo.  Dos segmentos que ganham com essa sociedade precarizada, não se pode esperar nem formas limitadas de solidariedade social. O que eles querem é que as forças policiais assegurem que possa usufruir tranquilamente das benesses do rentismo sem serem importunados pelos abandonados pelo sistema.

De quebra, desaparecem os clamores pela idoneidade dos governamentais, pois o que se vê agora é a ação óbvia para eximir membros das elites governantes de quaisquer acusações ou imputações por claros de corrupção, a começar pela rachadinhas de gabinete e as parcerias praticamente assumidas com segmentos criminosos como é o caso das milícias.

É preciso que se diga que o governo Bolsonaro e seu ministro banqueiro, Paulo Guedes, representam um aprofundamento das políticas neoliberais iniciadas por Fernando Collor e continuadas por todos os governos que se seguiram. Até aqui, o atual governo está impondo sua política de arrasa quarteirão que destrói as bases de um estado nacional minimamente soberano para impor aqui o reinado completo da especulação financeira que implica na recolonização completa do Brasil, ainda que seja por meio de estatais europeias e chinesas.  

Em meio a toda essa devastação social e econômica, não vejo saídas a partir dos partidos que se reclamam de esquerda de manhã para aplicarem eles mesmos políticas neoliberais de tarde. A única expectativa real para enfrentar o projeto de recolonização do Brasil é que vejamos brotar aqui processos similares aos que já estão acontecendo em outras partes do mundo, onde a juventude e a classe trabalhadora estão reassumindo a direção do combate de massas sem ligar muito para as agendas reformistas dos que se adaptarão a parlamentos cada vez mais subordinados às vontades das elites globais. 

Precarização do trabalho científico cresce na América Latina

trabajo 1As precárias condições de trabalho dos pesquisadores aumentam a desigualdade de gênero, alertaram eles durante o Fórum. Crédito da imagem: CNDH México.

Por Cecilia Rosen

[CIDADE DO MÉXICO] Por que um país como o México deve aumentar o número de pesquisadores, se eles não podem oferecer-lhes um bom emprego após a conclusão dos estudos? Como garantir que o trabalho dos pesquisadores esteja no centro das políticas de ciência, tecnologia e inovação na América Latina? Quais mecanismos e estratégias podem garantir melhores condições de trabalho para as gerações mais jovens?

Essas foram algumas das questões levantadas durante o Primeiro Fórum Latino-Americano de Trabalhadores Científicos, realizado na semana passada (28 de agosto) nesta cidade.

O evento ocorreu na Câmara dos Deputados deste país, com a assistência de legisladores, professores universitários, representantes sindicais e cientistas interessados ​​em discutir as condições que afetam o trabalho de pesquisa na região e que impedem os países de se posicionarem como poderes científicos .

Algumas das questões mais difíceis para as políticas públicas sobre o assunto foram levantadas na mesa sobre precariedade de jovens cientistas, onde foi solicitado a resolver urgentemente o déficit de emprego enfrentado pelos pesquisadores recém-formados hoje.

Segundo dados de 2018 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE ), o México é o primeiro país da América Latina e o sexto do mundo com a maior exportação de migração altamente qualificada. Grande parte da chamada “fuga de cérebros” está ligada à falta de condições de trabalho adequadas para jovens pesquisadores. O México é seguido pela Colômbia, Cuba, Jamaica e Brasil no ranking dos países com maior perda de pesquisadores.

Embora a formação de novos pesquisadores tenha sido uma prioridade para diferentes instituições científicas da América Latina, a inserção laboral de novos médicos é um problema cada vez mais sério. No México, por exemplo, entre 4.000 e 6.000 médicos são treinados por ano – de acordo com os números mencionados no evento – e a principal universidade do país, a Universidade Nacional Autônoma do México, gera desde 2000 apenas 500 novas vagas para pesquisadores.

A definição de um jovem pesquisador está em questão, concordaram os oradores, uma vez que a idade de entrada no mercado de trabalho em ótimas condições está aumentando cada vez mais na ausência de oportunidades para todos.

“Uma das contradições do sistema é que aqueles que são chamados de jovens têm cerca de 40 anos e hoje não tem um emprego estável, não têm condições decentes de trabalho; não têm um emprego em que os direitos sejam totalmente respeitados ”, afirmou Adriana Gómez, membro da Federação Latino-Americana de Trabalhadores Científicos e pesquisadora do Centro de Estudos Antropológicos do Colégio de Michoacán, no México.

trabajo 2Especialistas discutiram o emprego precário de jovens cientistas. Crédito: CNDH México.

Embora o emprego precário de mão de obra qualificada seja um fenômeno global que se acentuou nos últimos 15 anos, diz Gómez, no México essa questão permaneceu invisível para a maioria das instituições e autoridades do setor.

No México, “alguns mecanismos foram criados como paliativos, [incluindo coordenadores de pesquisa temporários e maior apoio a bolsas de pós-doutorado], mas como não é uma política substantiva, bem apoiada e planejada, articulada com planos de desenvolvimento, apenas levou a maior precarização ”, ele acrescentou como parte de seu diagnóstico.

“O emprego precário de cientistas vai muito além do salário: tem a ver com condições de bem-estar, estabilidade, um bom ambiente de trabalho que permita que seja produtivo e contribua para o desenvolvimento da ciência”, disse Gomez.

Falando da precariedade na América Latina, Marcelo Magnasco, representante da Federação de Professores Universitários da Argentina, disse que uma das deficiências está na falta de contratos coletivos que garantam o cumprimento dos direitos trabalhistas.

O sistema universitário latino-americano quase não possui acordos de negociação coletiva que garantam a estabilidade no emprego dos professores universitários. E os trabalhadores científicos ligados à universidade têm ainda menos direitos; muitas vezes eles assinam contratos de 3 ou 6 meses ”, ele ilustrou.

Magnasco disse ainda que em muitos países o trabalho do pesquisador é considerado um hobby e não um emprego. “O apoio científico é baseado em bolsas de estudo, um trabalho precário, porque esse mecanismo é uma espécie de presente”, disse ele.

Ele disse que, no México, por exemplo, o trabalho deve ser realizado em uma estrutura reguladora em que o Congresso, universidades e pesquisadores participam, a fim de garantir a estabilidade no emprego desse setor.

A última intervenção do evento ficou a cargo de Edgar Vargas, membro da Associação Nacional de Estudantes de Pós-Graduação do México. O aluno disse que esta organização está pensando em formar a “Academia Mexicana de Cientistas Precários”, em resposta à falta de inclusão de vozes mais jovens nas instituições acadêmicas tradicionais e em chamar a atenção para a seriedade do problema.

“O resto da sociedade está pedindo uma renovação do sistema científico acadêmico. Os cidadãos confiam nos cientistas, mas essa confiança não é eterna ou livre ”, acrescentou.

Link para o registro audiovisual do evento.

________________________________________________________________

Este artigo foi publicado originalmente em espanhol pela SciDevNet [Aqui!].