Resultados finais do plebiscito grego e a volta da política na economia

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Os resultados finais do plebiscito que ocorreu hoje (05/07) na Grécia mostra que a aposta do Syriza em colocar o debate sobre a dívida da Grécia de volta na arena política foi o catalisador de uma profunda e inequívoca rejeição à imposição da lógica rentista tão defendida no Brasil.

Agora que o povo grego se colocou no plano objetivo na vanguarda do debate político que se seguirá nas próximas semanas, vamos ver como se comportam aqueles que anunciavam a derrota de Alexis Tsipras e do Syriza. E mais ainda como ficarão aqueles que dizem que obedecer a lógica rentista é a única saída possível para o Brasil. No mínimo deveriam ficar envergonhados.

Syriza mostra ao PT que existem alternativas ao estelionato eleitoral: povo grego diz sonoro não à austeridade da troika

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A população da Grécia acaba de dar um sonoro não às políticas de austeridade que estavam sendo impostas pela troika (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia, Banco Central Europeu) para continuar asfixiando a economia grega. A margem da derrota imposta à troika não deve ter sido prevista nem pelos mais otimistas membros da coalizão governista comandada pelo Syriza. Há que se ressaltar que a aposta no referendo foi uma manobra arriscada do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras que, confrontado pela intransigência do FMI e da Comissão Europeia comandada por Angela Merkel, resolveu fazer um movimento imprevisto no tabuleiro político da Europa.

Um detalhe que foi explorado pela imprensa corporativa brasileira, sempre alinhada com os esforços de submissão dentro do Brasil, é que a imensa maioria dos 240 bilhões de euros colocados nas contas da dívida da Grécia sequer chegou a tocar o solo grego. Na verdade, todo esse dinheiro foi colocado em bancos europeus, principalmente alemães, que tinham especulado centenas de bilhões de dólares na Grécia e perderam.

Confrontados com o plebiscito proposta por Tsipras, os gerentes da dívida inicialmente desdenharam e tentaram ignorar a decisão grega de ouvir a população sobre o pacote de austeridade. Entretanto, com o passar dos dias e com a resistência da coalizão governista grega, os chefões europeus rapidamente passaram a agir como o lobo mau em frente da casa dos três porquinhos e começaram a fazer as ameaças de sempre.

Neste domingo (05/07), os gregos decidiram rejeitar a ameaças do lobo mau e decidiram rejeitar mais uma rodada de inaceitáveis cortes em direitos sociais que não teriam qualquer efeito na solução da crise financeira grega. E a vitória da rejeição foi por uma diferença impressionante (60 a 40). Este resultado não só deixa dúvida do nível de rejeição do povo grego à austeridade imposta pela troika, mas como coloca o governo comandado pelo Syriza na condição de alterar todo o balanço político da Europa. De quebra, os gregos indicam que não se importam com a ameaça de expulsá-los da União Europeia. Colocando tudo isso junto, a vitória do Não é de uma grande importância histórica.

Há ainda que se ressaltar a grande lição que o Syriza está dando ao PT. É que diferente de Dilma Rousseff, Alexis Tsipras se negou a realizar o estelionato eleitoral e vem governando exatamente ao longo das linhas com que se comprometeu para ser eleito.  Ainda que isto não torne Tsipras um revolucionário no sentido dado pelos revolucionários marxistas, é certo que no estado de miséria intelectual e política que reina no mundo, Tsipras está cumprindo um papel que o torna extremamente relevante. 

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E Tsipras, ainda poderá tomar para si a fase frase de Jorge Lobo Zagallo para dizer à troika: vocês vão ter que me engolir!

Jürgen Habermas: A escandalosa política grega da Europa

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O texto abaixo é de Jürgen Habermas e foi divulgado no jornal Le Monde, no passado dia 25 de Junho. Apesar de eu ter a consciência de que é talvez demasiado longo para ser publicado num blogue, julgo que merece sê-lo e aqui fica a tradução. Para quem não disponha de tempo para o ler na íntegra, deixo um conselho: não perder a última secção («Intransigência»).

O resultado das eleições na Grécia exprime a escolha de uma nação onde uma grande maioria da população se colocou numa posição defensiva face à miséria social, tão humilhante como esmagadora, provocada por uma política de austeridade, imposta ao país a partir do exterior. A votação propriamente dita não permite nenhum subterfúgio: a população rejeitou a continuação de uma política cujo falhanço sofreu brutalmente, na sua própria carne. Com a força desta legitimação democrática, o governo grego tentou provocar uma mudança de política na zona euro. Ao fazê-lo, entrou em choque com os representantes de dezoito outros governos que justificam recusas referindo-se, friamente, ao seu próprio mandato democrático.

Lembramo-nos dos primeiros encontros em que noviços arrogantes, levados pela exaltação do triunfo, se entregavam a um torneio ridículo com pessoas bem instaladas, que reagiam umas vezes com gestos paternalistas de um bom tio e outras com uma espécie de desdém rotineiro: cada uma das partes gabava-se de desfrutar do poder conferido pelo seu respectivo «povo» e repetia o refrão como papagaios. Foi ao descobrir até que ponto a reflexão que então faziam, e que se baseava no quadro do Estado-nação, era involuntariamente cómica, que toda a opinião pública europeia percebeu o que realmente fazia falta: uma perspectiva que permitisse a constituição de uma vontade política comum dos cidadãos, capaz de colocar no centro da Europa marcos políticos com consequências reais. Mas o véu que escondia esse deficit institucional ainda não foi realmente rasgado.

A eleição grega introduziu grãos de areia na engrenagem de Bruxelas: foram os próprios cidadãos que decidiram a necessidade urgente de propor uma política europeia alternativa. Mas é verdade que, noutras paragens, os representantes dos governos tomam decisões entre eles, segundo métodos tecnocráticos, e evitam infligir às suas opiniões públicas nacionais temas que possam inquietá-las.

Se as negociações para um compromisso falharem em Bruxelas, será certamente sobretudo porque os dois lados não atribuem a esterilidade dos debates ao vício na construção dos procedimentos e das instituições, mas sim ao mau comportamento do parceiro. Não há dúvida de que a questão de fundo é a obstinação com que se agarra uma política de austeridade, que é cada vez mais criticada nos meios científicos internacionais e que teve consequências bárbaras na Grécia, onde se concretizou num fracasso óbvio.

No conflito de base, o facto de uma das partes querer provocar uma mudança desta política, enquanto a outra se recusa obstinadamente a envolver-se em qualquer espécie de negociação política, revela, no entanto, uma assimetria mais profunda. Há que compreender o que esta recusa tem de chocante, e mesmo de escandaloso. O compromisso não falha por causa de alguns milhares de milhões a mais ou a menos, nem mesmo por uma ou outra cláusula de um caderno de encargos, mas unicamente por uma reivindicação: os gregos pedem que seja permitido à sua economia e a uma população explorada por elites corruptas que tenham um novo começo, apagando uma parte do passivo – ou tomando uma medida equivalente como, por exemplo, uma moratória da dívida cuja duração dependesse do crescimento. Em vez disso, os credores continuam a exigir o reconhecimento de uma montanha de dívidas, que a economia grega nunca poderá pagar.

Note-se que ninguém contesta que uma supressão parcial da dívida é inevitável, a curto ou a longo prazo. Os credores continuam, portanto, com pleno conhecimento dos factos, a exigir o reconhecimento formal de um passivo cujo peso é, na prática, impossível de carregar. Até há pouco tempo, persistiam mesmo em defender a exigência, literalmente fantasmagórica, de um excedente primário de mais de 4%. É verdade que este passou para o nível de 1%, mas continua irrealista. Até agora, foi impossível chegar a um acordo – do qual depende o destino da União Europeia – porque os credores exigem que se mantenha uma ficção.

Claro que os «países credores» têm motivos políticos para se agarrarem a esta ficção que permite, no curto prazo, que se adie uma decisão desagradável. Por exemplo, temem um efeito dominó em outros «países devedores» e Angela Merkel não está segura da sua própria maioria no Bísesundestag. Mas quando se conduz uma má política, é-se obrigado a revê-la, de uma forma ou de outra, se se percebe que ela é contra-produtiva.

Por outro lado, não se pode atirar com toda a culpa da um falhanço para cima de uma das duas partes. Não posso dizer se o processo táctico do governo grego se baseia numa estratégia reflectida, nem ajuizar sobre aquilo que, nesta atitude, tem origem em constrangimentos políticos, inexperiência ou incompetência do pessoal encarregado dos assuntos. Não tenho informação suficiente sobre as práticas habituais ou sobre as estruturas sociais que se opõem às reformas possíveis.

O que é óbvio, seja como for, é que os Wittelsbach não construíram um Estado que funcione. Mas estas circunstâncias difíceis não podem no entanto explicar por que motivo o governo grego complica tanto a tarefa dos que tentam, mesmo sendo seus apoiantes, discernir uma linha no seu comportamento errático. Não se vê nenhuma tentativa racional de formar alianças; é caso para perguntar se os nacionalistas de esquerda não se apegam a uma representação um tanto etnocêntrica da solidariedade, se só permanecem na zona euro por razões que relevam do simples bom senso – ou se a sua perspectiva excede, apesar de tudo, o âmbito do Estado-nação.

A exigência para uma corte parcial das dívidas, que constitui a base contínua das suas negociações, não é suficiente para que a outra parte tenha pelo menos confiança para acreditar que o novo governo não é como os anteriores e que agirá com mais energia e de forma mais responsável do que os governos clientelistas que substituiu.

Mistura tóxica

Alexis Tsipras e o Syriza podiam ter desenvolvido o programa de reformas de um governo de esquerda e «ridicularizar» e os seus parceiros de negociações em Bruxelas e em Berlim. Amartya Sen comparou as políticas de austeridade impostas pelo governo alemão a um medicamento que contivesse uma mistura tóxica de antibióticos e de veneno para matar ratos. O governo de esquerda teria tido perfeitamente a possibilidade, na linha do que entendia o Prémio Nobel de Economia, de proceder a uma decomposição keynesiana da mistura de Merkel e de rejeitar sistematicamente todas as exigências neoliberais; mas, ao mesmo tempo, devia ter tornado credível a intenção de lançar a modernização de um Estado e de uma economia (de que tanto precisam), de procurar uma melhor distribuição dos custos, de combater a corrupção e a fraude fiscal, etc.

Em vez disso, ele limitou-se a um papel de moralizador – um blame game. Dadas as circunstâncias, isto permitiu que o governo alemão afastasse, de uma penada, com a robustez da Nova Alemanha, a queixa justificada da Grécia sobre o comportamento mais inteligente, mas indigno, que o governo de Kohl teve no início dos anos 90.

O fraco exercício do governo grego não altera o escândalo: os homens políticos de Bruxelas e de Berlim recusam assumir o papel de homens políticos quando se reúnem com os seus colegas atenienses. Têm certamente boa aparência, mas, quando falam, fazem-no unicamente na sua função económica, como credores. Faz sentido que se transformem assim em zombies: é preciso dar ao processo tardio de insolvência de um Estado a aparência de um processo apolítico, susceptível de se tornar objecto de um procedimento de direito privado nos tribunais. Uma vez conseguido este objectivo, é muito mais fácil negar uma co-responsabilidade política. A nossa imprensa diverte-se porque se rebaptizou a «troika» – trata-se, efectivamente, de uma espécie de truque de mágico. Mas o que ele exprime é o desejo legítimo de ver surgir a cara de políticos atrás das máscaras de financeiros. Porque este papel é o único no qual eles podem ter de prestar contas por um falhanço que se traduziu numa grande quantidade de existências estragadas, miséria social e desespero.

Intransigência

Para levar por diante as suas duvidosas operações de socorro, Angela Merkel, meteu o Fundo Monetário Internacional no barco. Este organismo tem competência para tratar do mau funcionamento do sistema financeiro internacional. Como terapeuta, garante a estabilidade e age portanto em função do interesse geral dos investidores, em especial dos investidores institucionais. Como membros da «troika», as instituições europeias alinharam com esse actor, a tal ponto que os políticos, na medida em que actuam nessa função, podem refugiar-se no papel de agentes que operam no estrito respeito das regras e a quem não é possível pedir contas.

Esta dissolução da política na conformidade com os mercados pode talvez explicar a insolência com a qual os representantes do governo alemão, que são pessoas de elevada moralidade, negam a co-responsabilidade política nas consequências sociais devastadoras que no entanto aceitaram como líderes de opinião no Conselho Europeu, quando impuseram o programa neoliberal para as economias.

O escândalo dos escândalos é a intransigência com a qual o governo alemão assume o seu papel de líder. A Alemanha deve o impulso que lhe permitiu ter a ascensão económica de que se alimenta ainda hoje à generosidade das nações de credores que, aquando do acordo de Londres, em 1954, eliminaram com um simples traço cerca de metade das suas dívidas.

Mas o essencial não é o embaraço moral, mas sim o testemunho político: as elites políticas da Europa já não têm o direito de se esconder atrás dos seus eleitores e de fugirem a alternativas perante as quais nos coloca uma comunidade monetária politicamente inacabada. São os cidadãos, não os banqueiros, que devem ter a última palavra sobre questões que dizem respeito ao destino europeu.

A sonolência pós-democrática da opinião pública deve-se também ao facto de a imprensa se ter inclinado para um jornalismo de «enquadramento», que avança de mão dada com a classe política e se preocupa com o bem-estar dos seus clientes.

FONTE: https://observatoriogrecia.wordpress.com/2015/06/29/a-escandalosa-politica-grega-da-europa/

Grupos de intelectuais lança carta de apoio à Grécia

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Carta de apoio para a Grécia

Um grupo de acadêmicos reconhecido internacionalmente, incluindo o ex-Arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, escreveu uma carta para apoiar os gregos e apelar à União Europeia para retomar os princípios da democracia. Eis o que diz a carta:

“Nos últimos cinco anos, a União Europeia (UE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) impuseram uma política de austeridade sem precedentes na Grécia. E essa política falhou. A economia encolheu em 26%, o desemprego aumentou para 27%, o desemprego dos jovens chegou a  60%,   e proporção da dívida em relação ao PIB passou de 120% para 180%. A catástrofe econômica levou a uma crise humanitária, com mais de 3 milhões de pessoas vivendo na linha de pobreza ou abaixo dela.

Neste contexto, o povo grego elegeu o governo liderado pelo Syriza em 25 de janeiro, com um mandato claro para pôr fim à austeridade. Nas negociações que se seguiram, o governo do Syriza deixou claro que o futuro da Grécia é na zona do euro e na UE. Os credores, no entanto, insistiram na continuação de sua receita fracassada, se recusando a discutir uma diminuição da dívida – que o FMI  considera comoinviável – e, finalmente, em 26 de junho, emitiu um ultimato para a Grécia por meio de um pacote inegociável que consolidaria austeridade. Isto foi seguido por uma suspensão de liquidez aos bancos gregos e a  imposição do controle de capitais.

Nesta situação, o governo do Syriza pediu ao povo grego para decidir o futuro do país em um referendo a ser realizado no próximo domingo. Acreditamos que este ultimato para o povo grego e para democracia deve ser rejeitado. O referendo grego dá à União Europeia uma oportunidade de reafirmar o seu compromisso com os valores do Iluminismo – igualdade, justiça, solidariedade – e aos princípios da democracia sobre o qual assenta a sua legitimidade. O lugar onde nasceu a democracia dá à Europa a oportunidade de compromisso com seus ideais no século 21.

Etienne Balibar
Costas Douzinas
Barbara Spinelli
Rowan Williams, ex-arcebispo de Canterbury
Immanuel Wallerstein
Slavoj Zizek
Michael Mansfield
Judith Butler
Chantal Mouffe
Homi Bhabha
Wendy Brown
Eric Fassin
Tariq Ali

FONTE: http://www.theguardian.com/business/live/2015/jun/29/greek-crisis-stock-markets-slide-capital-controls-banks-closed-live

Um fantasma ronda a Europa

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Por Jacques Sapir*

Alexis Tsipras, em um gesto que pode ser descrito como “gaullista”, decidiu convocar um referendo em 5 de julho, solicitando o povo soberano para decidir em que objetos diferentes para os credores da Grécia. Ele tomou esta decisão para o que só pode ser chamado de ameaças, pressões e ultimatos que ele havia sido confrontado durante os últimos dias de negociações com a “troika” – o Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Ao fazê-lo, ele deliberadamente voltou para a arena política como um parceiro de negociação da “Troika” queria manter o domínio técnico e contabilidade. O movimento provocou uma reação do Eurogrupo de extrema gravidade. É medido no comunicado divulgado no sábado, que em uma nota de rodapé na página confirma a expulsão de fato da Grécia do Eurogrupo. Temos aqui um abuso de poder que foi cometido em 27 de junho, à tarde. O que agora está em jogo não é apenas a questão do futuro econômico da Grécia. Esta é a pergunta da União Europeia, e da tirania da Comissão e do Conselho, a quem se faz abertamente.

A declaração de Alexis Tsipras

O texto da declaração feita por Alexis Tsipras, na noite de 26-27 junho na TV estatal grega é um exemplo de probidade democrática. No comportamento de seus interlocutores, particularmente o que ele chamou de um ultimato, o primeiro-ministro grego pede a soberania popular. O texto, a partir deste ponto de vista é extremamente claro:

“Depois de cinco meses de negociações, os nossos parceiros nos apresentaram um ultimato, o que contraria os princípios da UE e prejudica a reconstrução da sociedade e da economia grega. Estas propostas violam completamente o acervo europeu. Sua finalidade é a humilhação de um povo inteiro, e eles se manifestam principalmente obsessão FMI para extrema austeridade. (…) A nossa responsabilidade na afirmação da democracia e da soberania nacional é histórico naquele dia, e que a responsabilidade obriga-nos a responder ao ultimato Com base na vontade do povo grego. Propus ao Conselho de Ministros para organizar um referendo, a proposta foi aprovada por unanimidade.”

Este texto curto, cheio de seriedade e determinação, provavelmente entrará para a história como uma das afirmações que são um crédito para a democracia. Este texto também diz que a raiva, frio e determinou que permeia seu autor. E talvez esta seja a principal falha do Eurogrupo e as instituições europeias: é de ter transformado um torcedor da Europa em um forte opositor das instituições europeias.

Os ensinamentos da declaração de Alexis Tsipras

Você deve ler atentamente este texto, que não é a de circunstâncias. Na verdade, podemos ganhar com esta declaração curta em três pontos importantes.

A primeira é que o desacordo entre o governo grego e os seus parceiros, desde o início era político. O BCE e a Comissão Europeia têm  consistentemente buscado uma capitulação do governo grego, que Tsipras chamou de “a humilhação de todo um povo.” O que a União Europeia procura, através do Eurogrupo é para cauterizar o processo aberto pela eleição de janeiro 2015 na Grécia. Este é demonstrar não só na Grécia, mas que na verdade é muito mais importante na Espanha, Itália e França, que podemos “sair do quadro de austeridade” como um foi organizado pelos Tratados como foi afirmado sobre a eleição de 25 de janeiro, Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia.

O segundo ponto importante desta afirmação é que, pela primeira vez um líder legalmente eleito declara que as instituições europeias apresentam propostas que, na sua substância e na forma “absolutamente violem o acervo europeu”. Esta é uma carga muito grave. Isso significa que as instituições europeias que, supostamente, são garantes da democracia ato contrárias a ela. Isso também significa que as mesmas instituições cuja legitimidade só existe por delegação da legitimidade dos Estados-Membros têm comportamentos que violam a legitimidade e a soberania de um dos referidos Estados-Membros. Isso significa, portanto, que as instituições da União Europeia têm formado Tyrannus ab exercitio ou um poder que, enquanto derivada de procedimentos legítimos, no entanto, resultou numa tirania. Isso é desafiar radicalmente qualquer legitimidade para os órgãos da União Europeia.

O terceiro ponto seguinte dos dois primeiros. Ele está contido na parte do texto que diz “A nossa responsabilidade na afirmação da democracia e da soberania nacional é histórica, e que a responsabilidade obriga-nos a responder ao ultimato com base na vontade do povo grego.” Ele agora coloca o problema tanto em termos da dívida, mas com os princípios da democracia como a soberania nacional. E é aqui que se pode falar de um “momento gaullista” no Alexis Tsipras. Ele se atreveu a fazer a pergunta de austeridade e de referendo, e recebeu apoio unânime, incluindo membros da ANEL, o pequeno partido nacionalista aliado ao SYRIZA. Ele, assim, na verdade, subiu para a estatura de um líder histórico do seu país.

O golpe do Eurogrupo

A reação do Eurogrupo não demorou a chegar. O Presidente do Eurogrupo Jeroen Dijsselbloem, depois de ter chamado um novo “triste” (triste) este referendo, pediu ao ministro grego, Sr. Yanis Varoufakis, para sair da sala de reuniões. Ao fazê-lo, ele confirmou as opções e métodos antidemocráticos que prevalecem hoje na União Europeia. Além das palavras, há fatos, e estes são extremamente graves. Em um ato que combina a ilegalidade mais gritante com o desejo de impor os seus pontos de vista sobre um Estado soberano, o Eurogrupo decidiu realizar uma reunião na ausência de um representante do Estado grego. Na verdade, o Eurogrupo decidiu excluir a Grécia da Eurozona. Este é claramente um abuso de poder. E aqui é preciso lembrar vários pontos que não são sem consequências jurídica e politicamente.

  1. Não existe Nenhum procedimento para excluir um país da União Económica e Monetária (não real da “zona do euro”) existe atualmente. Se pode haver uma separação, ele só pode ter lugar por acordo e amigável.
  2. O Eurogrupo não tem existência legal. É apenas um “clube” que opera sob a cobertura da Comissão Europeia e do Conselho Europeu. Isto significa que se o Eurogrupo cometeu um ato ilegal – e embora pareça ser assim – a responsabilidade recai sobre ambas as instituições. O governo grego estaria habilitado a processar tanto a Comissão como o Conselho no Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, mas também na Corte Internacional sentado em Haia. Com efeito, a União Europeia é, basicamente, uma organização internacional. Por exemplo, pode ser visto no status e isenções fiscais, funcionários da UE. A regra em qualquer organização internacional é a de unanimidade. O Tratado de Lisboa tem proporcionado uma maioria qualificada de mecanismos, mas estes mecanismos não se aplicam para o euro ou a questões de relações fundamentais entre os estados.
  3. O golpe, porque ele deve ser chamado pelo seu nome, apenas fez o Eurogrupo não é apenas sobre a Grécia. Outros membros dos países da União Europeia, e acredita-se que o Reino Unido ou a Áustria, eles também poderiam contestar perante tanto a justiça europeia e internacional a decisão tomada pelo Eurogrupo. Com efeito, a UE está baseado em regras de direito que se aplicam a todos. Qualquer decisão de violar essas regras contra um determinado país é uma ameaça para todos os membros da União Europeia.
  4. E devemos, portanto, ser claros aqui. A decisão do Eurogrupo poderia significar também, em última análise, a morte da União Europeia. Ou os líderes europeus, medindo o abuso de poder que tenha sido cometido, decidam cancelá-lo ou, se continuarem nesse sentido, eles devem esperar uma revolta do povo, mas também os governantes de alguns países contra a União Europeia. Não está claro o quão bem os Estados que tenham acabado de se recuperar a sua soberania, como a Hungria, a República Checa ou a Eslováquia, aceitarão tais práticas.

Isso revela para iluminar a natureza fundamentalmente não democrática das instituições da UE e do fato de que este último está tentando constituir-se em tirania. O silêncio dos principais líderes de ambos os PS que o ex-UMP (rebatizado “Os republicanos”) fala volumes sobre o constrangimento de uma parte da classe política francesa. Compreensivelmente, sem desculpa.

O espectro da democracia nos corredores de Bruxelas

Na França, por isso, é muito distintamente sente o desconforto que causa a iniciativa de Alexis Tsipras. Se no Partido Socialista ou entre os “republicanos” não pode se opor abertamente tal decisão sem contradizer imediatamente e brutalmente todos os discursos que foram realizadas sobre a democracia. Mas, na realidade, o referendo grego levantou o espectro de um novo referendo, a de 2005, sobre o projeto de Tratado Constitucional da Europa. A forma como a classe política francesa em sua grande maioria, Nicolas Sarkozy, Francois Hollande através do Aubry, Bayrou, Juppé e outros Fillon, foi repudiado pela vitória do “não”, mas tinha contrabandeado quase exatamente o mesmo texto do Tratado de Lisboa foi ratificado pelo Congresso em Versalhes é um dos fatos mais vergonhosos e mais infames da vida política francesa.

Nós não podemos, e não deve prejudicar o resultado do referendo. Mas deve-se ressaltar que ele representa o retorno da democracia em um espaço europeu em que estava ausente. É provável que os partidos da oposição, tanto da Nova Democracia e o partido de centro-esquerda To Potami organizem de protestos para tentar evitar por vários meios legais que ocorra. Estas reações são o comportamento não democrático exemplar que florescem na Europa de hoje. Eles trazem água ao moinho de Alexis Tsipras. Sente-se como atores-europeus neste drama, e agora estão aterrorizados pelo espectro da democracia.

Alexis Tsipras e não deve esperar qualquer apoio de François Hollande, sem ofensa para Jean-Luc Mélenchon. Nosso presidente será sem a menor cerimônia enviado de volta para a sua própria mediocridade. Tsipras não espera nenhum obrigado de Angela Merkel, cuja política é a verdadeira causa desta crise. Mas ele pode esperar o apoio de todos aqueles na Europa que lutam pela democracia e soberania.

Jacques Sapir é economista e lidera o grupo de pesquisa da FMSH, e co-organiza no Instituto de Economia Nacional (IPEN-ASR) o seminário franco-russo sobre os problemas financeiros e monetários do desenvolvimento da Rússia. Você pode ler suas colunas em seu blog RussEurope.

FONTE: http://www.lefigaro.fr/vox/politique/2015/06/29/31001-20150629ARTFIG00071-jacques-sapir-referendum-grec-le-retour-de-la-democratie-en-europe.php

Syriza choca FMI e a Eurozona ao anunciar plebiscito sobre acordo da dívida

Ao fazer algo que parece básico em qualquer democracia, isto é, convocar um plebiscito para decidir sobre o novo plano de arrocho proposto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Central Europeu (BCE), o primeiro-ministro Alexis Tsipras conseguiu surpreender quem achava que ele tinha sido empurrado para um beco sem saída. Aliás, um beco onde a única saída seria cometer um estelionato eleitoral e trair o mandato que lhe foi outorgado pela população grega, que foi o de combater os implausíveis planos de austeridade que reduziram a Grécia a um estado de interminável coma financeiro.

As reações dos ministros da Fazenda e dos dirigentes da União Européia tem sido de completa fúria, visto que não aceitam que o povo da Grécia seja consultado sobre algo que governos gregos anteriores aceitaram passivamente, em que pesem os graves prejuízos causados ao país. Imaginem se o exemplo prospero e todos os povos europeus (a começar pelos espanhóis e portugueses) comecem a querer votar neste tipo de assunto!

Essa ação fulminante de Alexis Tsipras deveria servir de lição aos neopetistas que abraçam hoje os planos de austeridade do mesmo FMI que o Syriza rejeita. Como se vê, a saída não é o estelionato eleitoral ou, tampouco, a traição das bandeiras históricas. O caminho é apostar na resistência e na organização da juventude e dos trabalhadores.

Abaixo reações que estão hoje aparecendo na imprensa internacional sobre a decisão de Alexis Tsipras de promover o plebiscito, cinco dias após o prazo limite imposto pelo FMI e pelo BCE para a Grécia se ajoelhar e aceitar mais arrocho e cortes de direitos.

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Alexis Tsipras: FMI tem responsabilidade criminal sobre crise econômica grega

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Enquanto o governo de Dilma Rousseff continua estendendo o tapete vermelho para as medidas neoliberais ditadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras partiu definitivamente para o ataque contra a agência multilateral que comanda as finanças dos Estado-Nação em escala mundial (Aqui!).  

Em pronunciamento feito no dia de hoje ao parlamento grego, Tsipras afirmou que o FMI tem uma responsabilidade criminal sobre a crise da dívida grega, e que a União Européia deveria analisar as responsabilidades do fundo neste processo. Além disso, Tsipras afirmou que as medidas que o FMI visa impor à Grécia são parte de um plano político para humilhar o povo grego que já sofreu o suficiente nos últimos cinco anos de implementação da dura agenda neoliberal imposta pela troika. Em síntese, Tsipras afirmou que é chegada a hora das ações do FMI serem julgadas publicamente pela Europa.

Pode até ser que no final, Tsipras e o Syriza acabem aceitando algum tipo de acordo imposto pelo FMI para evitar a insolvência financeira da Grécia. Entretanto, este pronunciamento pelo menos mostra que já é passado o tempo, ao menos na Grécia, de que as imposições do FMI são tomadas de forma natural. Melhor para os gregos

Por último, o que mais me impressiona nisso tudo é a docilidade do governo Dilma Rousseff às determinações do ministro/banqueiro Joaquim Levy e sua ação preferencial pelos banqueiros. Mas será que eu ainda deveria me impressionar com alguma coisa feita por Dilma e o neoPT?

E se a Grécia entrar em moratória?

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Enquanto aqui no Brasil o congresso do PT termina numa melancólica reafirmação das políticas neoliberais da dupla Rousseff/Levy, na Grécia o Syriza tenta manter o respeito dos seus leitores ao rejeitar mais medidas draconianas das agências multilaterais que procuram impor pela força, o que no Brasil é feito de forma voluntária por um partido que se diz dos trabalhadores.

A recusa do Syriza em aceitar mais desregulamentação dos direitos trabalhistas e restrições ao pagamento de aposentadorias simboliza a recusa a um receituário que já se provou ineficaz e contraproducente. Por isso, o seu governo é alvo dos mais variados e covardes tipos de pressão por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE).

Uma coisa que a mídia corporativa normalmente omite é que a maioria dos desembolsos feitos pelo FMI e pelo BCE serviram para que os bancos gregos pagassem suas dívidas com bancos europeus, principalmente alemães. Assim, o que está por detrás dessa pressão toda não é solidez dos bancos gregos, mas principalmente do sistema bancário europeu. Se nenhum dos outros motivos existentes servisse para justificar a recusa do Syriza em aceitar mais um pacote de maldades contra o povo grego, essa já seria uma razão mais do que justa.

E se o Syriza não piscar, o final desta semana deverá trazer enormes transformações na ordem econômica que mantem não apenas gregos, mas espanhóis e portugueses, enredados num ciclo vicioso de medidas de austeridade levando a mais pobreza e causando mais depressão econômica. A ver!

David Harvey: “O Syriza e o Podemos abriram um espaço político”

Para o geógrafo, os partidos tradicionais tornaram-se incapazes de enfrentar o capitalismo reconfigurado. Mas grupos como o Syriza e o Podemos multiplicam o alcance das “políticas do quotidiano” praticadas pela juventude anti-sistema. Myke Watson entrevista David Harvey, para a Verso Books .

Conhecido pela abordagem não convencional que introduziu no debate sobre o Direito à Cidade e pela sua leitura heterodoxa da obra de Karl Marx, o geógrafo David Havey parece cada vez mais disposto a participar do esforço pela renovação do pensamento e lutas anticapitalistas. A partir de 2011, já examinara atentamente movimentos como a Primavera Árabe, os Indignados e o Occupy. Agora, aos 79 anos, segue com atenção formações políticas que, embora tendo o marxismo como fonte (não única…) de inspiração, diferem em muito dos partidos tradicionais de esquerda — nos programas, práticas e métodos de organização. Volta os olhos, em especial, para o Syriza grego e Podemos espanhol.

Na entrevista a seguir, Harvey fala brevemente — porém de forma incisiva — sobre estes novos movimentos-partidos. Vale a pena reter três pontos suscitados pelo geógrafo: a) Segundo ele, o cenário das lutas políticas e culturais é menos sombrio do que vezes parece. A esquerda histórica perdeu a capacidade de dialogar com os novos movimentos. No entanto, eles multiplicam-se, ao reunir um número crescente de pessoas que, no meio de um mundo desumanizado, “procuram uma forma de existência não-alienada e esperam trazer de volta algum sentido à própria vida”; b) Syriza e Podemos não se definem como anticapitalistas, mas isso é o que menos importa. Eles dão sentido e força à revolta de quem se sente desamparado pela redução dos direitos sociais. Ao fazê-lo desafiam o principal projeto do sistema: uma nova ronda de reconcentração de riquezas, expressa nas políticas de “austeridade” ou “ajuste fiscal”; c) Talvez o calcanhar-de-aquiles das políticas hoje hegemónicas esteja na Europa. Ao empurrarem a Grécia para fora do euro, a oligarquia financeira pode produzir uma tempestade de consequências imprevisíveis. Segue a entrevista (A.M.).

No seu último livro, afirma que Marx optou pelo humanismo revolucionário em vez do dogmatismo teleológico. Onde seria possível encontrar um espaço para a concretização deste humanismo revolucionário?

Isto não é uma coisa que precisamos de inventar – existem muitas pessoas por aí fora em conflito com o mundo em que vivem, que procuram uma forma de existência não-alienada e esperam trazer de volta algum sentido à própria vida. Penso que o problema está na incapacidade da esquerda histórica em saber lidar com este movimento, que pode realmente modificar o mundo. No momento, os movimentos religiosos (como o evangélico) têm-se apropriado desta procura por sentido, o que pode implicar, politicamente, na transformação destes movimentos em algo totalmente diferente. Penso, por exemplo, no ódio contra a corrupção, no fascismo em ascensão na Europa e no radicalismo do Tea Party norte-americano.

O livro encerra com uma discussão sobre as três contradições perigosas (crescimento ilimitado, a questão ambiental e alienação total) e diversos caminhos de mudança. Isto seria um tipo de programa ou a revolta precisa basear-se numa espécie de coligação fluida de diferentes formas de insatisfação?

A convergência entre diversas formas de oposição sempre terá importância fundamental, conforme vimos em Istambul, com o parque Gezi, e no Brasil. O ativismo político é de importância fundamental e, novamente, creio que o problema esteja na incapacidade da esquerda em canalizá-lo. Há diversas razões para isto, mas penso que o motivo principal seja o fracasso da esquerda em abandonar a sua ênfase tradicional na produção em favor de uma política da vida quotidiana. A meu ver, a política do quotidiano é o ponto crítico a partir do qual podem desenvolver-se as energias revolucionárias, e onde já ocorrem atividades orientadas para a definição de uma vida não-alienada. Tais atividades estão antes relacionadas ao espaço de vida do que ao espaço de trabalho. Syriza e Podemos oferecem-nos um primeiro vislumbre deste projeto político – não são revolucionários puros, mas despertaram grande interesse.

O Syriza tem desempenhado um papel trágico, no sentido clássico do termo. Está efetivamente a salvar o euro (que tem sido instrumento de violência de classe) também para defender a ideia de Europa, uma das bandeiras da esquerda nas últimas décadas. Considera que o partido encontrará espaço político ou acabará por fracassar?

Neste caso, afirmar o que seria um sucesso ou fracasso não é fácil. Em muitos aspectos, o Syriza irá fracassar a curto prazo. Mas acredito que a longo prazo terá alcançado uma vitória por ter suscitado questões que não poderiam ter sido ignoradas. No momento, a dúvida gira em torno da democracia e o seu significado, quando você tem Angela Merkel a governar de modo autocrático, a decidir a vida de todos os europeus. Chegará o momento em que a opinião pública irá clamar pela queda dos governos autocráticos. Em último caso, se Merkel e os líderes europeus não mudarem as suas posições e forçarem a Grécia a sair da Europa (como provavelmente farão), as consequências serão bem mais sérias do que hoje se imagina. Políticos normalmente cometem graves erros de julgamento, e eu considero este um desses casos.

No livro prevê um novo ciclo de revoltas. Porém, uma avaliação dos últimos anos terá que reconhecer que a Primavera Árabe foi um desastre e que o Occupy não foi capaz de se transformar numa força política eficaz. Considera que a resposta está num partido como o Podemos, que tem sido capaz de dar expressão política aos protestos de 2011 na Espanha?

O Syriza e o Podemos abriram um espaço político, pois algo novo está a acontecer. E o que seria isto? Não sou capaz de responder. Logicamente aqueles que pertencem à esquerda anticapitalista irão acusá-los de “reformistas”. O que até pode ser verdade, mas também foram as primeiras forças a promover determinadas políticas, e uma vez iniciado este novo caminho, surgirão novas possibilidades. Romper de uma vez por todas com o mantra da “austeridade” e esmagar o poder da troika [FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia, que impõem as políticas económicas nos países europeus em crise] abriria, acredito, um espaço para novas perspectivas, que poderiam ser desenvolvidas adiante. Na atual situação, penso que estes modelos de partidos que vemos surgir na Europa, que começam a definir alternativas de esquerdas atualmente em falta, são as melhores opções. Provavelmente serão populistas – com todos os limites e perigos que o populismo implica –, mas como eu disse, trata-se de um movimento: ele abre espaços, e o modo como utilizamos estes espaços depende da nossa capacidade de perguntar, “Ok, agora chegamos até aqui, o que devemos fazer agora?”.

Você acredita que o neoliberalismo foi apenas um momento de mudança que será superado pela reorganização do capital pós-crise? Ou acha que ele será reforçado com novo vigor?

Eu diria que o neoliberalismo nunca esteve tão forte quanto agora: o que é a “austeridade” efetivamente, senão a transferência de recursos das classes baixas e médias para as classes altas? Se olharmos as informações sobre quem beneficiou com as intervenções estatais desde a crise de 2008, veremos que foi o 1% da população, ou melhor, o 0,1%. É lógico que a resposta para isto depende de como se define o neoliberalismo, e minha definição (um projeto da classe capitalista) talvez seja algo distinta da de outros estudiosos.

Quais foram as novas “regras do jogo” instauradas no sistema capitalista após 1970?

Por exemplo, no caso de um conflito entre bem-estar coletivo e resgate dos bancos, salva-se os bancos. Em 2008, estas regras foram aplicadas de um modo bastante claro: salvaram os bancos. Porém, poderíamos facilmente ter resolvido os problemas daqueles que foram despejados, atendendo a necessidade da população por habitação, e só então ter dado atenção à crise financeira. A mesma coisa ocorreu com a Grécia, a quem foi emprestado um bocado de dinheiro que foi direto para os bancos franceses e alemães.

Por que, então, foi preciso que os gregos atuassem como intermediários na transferência entre os governos e bancos?

A estrutura em funcionamento permite que a Alemanha não tenha que salvar diretamente os bancos alemães, ou a França os bancos franceses: sem a Grécia no meio, teria ficado óbvio o que estavam a fazer. Ao passo que, daquele outro modo, o fato de terem despejado todo este montante de dinheiro faz parecer que a Grécia foi tratada com generosidade, quando na verdade estes fundos foram diretamente para os bancos.

Você mencionou o 1%. Como marxista, considera este dado apenas um slogan eficiente, vê nele algum valor analítico ou acha que só ajuda a desviar a atenção do conceito da luta de classes?

Se aceitamos o materialismo histórico-geográfico, temos que reconhecer que as contradições evoluem constantemente, e o mesmo deve acontecer com as nossas categorias. Ao referir-se ao “1%”, portanto, o Occupy foi bem sucedido ao introduzir este conceito no debate público. É evidente que a riqueza deste 1% aumentou de forma maciça, como mostram Piketty e todos os dados. Por outras palavras, falar sobre o 1% é reconhecer que criamos uma oligarquia global, que não coincide com a classe capitalista, mas que está no centro dela. É como uma palavra-chave que serve para descrever o que a oligarquia global está a fazer, dizer e pensar.

Tradução de Evelyn Petersen.

FONTE: http://www.esquerda.net/artigo/david-harvey-o-syriza-e-o-podemos-abriram-um-espaco-politico/37172

Depois do Syriza na Grécia, Podemos abala estruturas de poder na Espanha

podemos

Enquanto no Brasil vivemos um período de supremacia parlamentar da direita e de manifestações neofascistas pelas principais capitais, a Espanha viveu ontem um dia de terremoto político. O Podemos, um dos partidos nascidos após as massivas manifestações anti-austeridade de 2011.  Os primeiros resultados apontam que o Podemos venceu as eleições para Barcelona e ainda poderá assumir o governo de Madrid em aliança com o PSOE. Essa situação de mudança poderá ter ainda reflexo em Portugal, pois também ali há um processo de reorganização semelhante das forças de esquerda.

Para mim, a principal lição que está sendo dada pelo Syriza e pelo Podemos é que não é necessário amainar discursos para ganhar eleições para se chegar ao poder. O fundamental é ter um programa político que ultrapasse a sustentação do sistema de poder capitalista, e que hoje implica na aplicação de agendas de austeridade e retirada de direitos dos trabalhadores. 

Mas o essencial que essa vitória do Podemos aponta é que não é necessário cair na armadilha de que é preciso votar no mal menor, o que no Brasil é hoje representado pelo PT. Na verdade, a maior preocupação dos trabalhadores e da juventude é ter partidos políticos que reflitam suas necessidades reais de justiça social e democracia. 

Abaixo um vídeo com um dos líderes do Podemos, o professor universitário Pablo Iglesias, em um comício de preparação para as eleições municipais, o qual foi feito em janeiro de 2015. As palavras de Iglesias agora soam como proféticas.