Um dos meus interesses desde que comecei este blog em 2009 é a situação da universidade brasileira, mormente os aspectos degenerativos impostos pelo produtivismo acadêmico imposto pelas nossas principais agências de fomento, principalmente nas duas últimas décadas. Num afã de colocar o nosso sistema científico (que depende quase 100% da produção vinda de universidades e institutos de pesquisa públicos), assistimos à erupção sem xeques do que eu alcunhei de “trash science“.
Mas a produção de “trash science” (em português claro a produção de lixo científico como se ciência fosse) trouxe impactos que vão muito além da colocação de trabalhos em revistas científicas que ignoram a regra da “revisão por pares” e aceitam em publicar qualquer coisa que seja em troca de um punhado de dólares. É que ao se aceitar tacitamente que o “trash science” seja internalizado como legitimo, as agências de fomento como o CNPq e a Capes contribuem para um verdadeiro vale tudo atinja todos os aspectos da produção de ciência no Brasil, bem como os sistemas de premiação com bolsas e financiamentos de projeto de pesquisa e, por último, o sistema de contratação de docentes e pesquisadores via concursos públicos.
Em função dos amplos efeitos degenerativos que a cultura do “trash science” gera, eu não me surpreendo com a notícia trazida hoje pelo jornalista Maurício Tuffani em seu blog “Direto da Ciência” sobre um imbróglio envolvendo docentes da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que participaram de bancas que aprovaram um sócio num concurso público para docente na Escola Polítécnica da USP, e na sua banca de doutoramento (Aqui!). A notícia pode ser surpreendente para a maioria dos leitores do “Direto da Ciência“, visto que estamos falando de profissionais que atuam nas duas principais universidades brasileiras, mas não a mim.
É que eu já tomei ciência de coisas bem piores na minha própria instituição, envolvendo situações assemelhadas e que não apenas foram aprovadas pelos colegiados internos, mas também solenemente ignoradas pelo Ministério Público quando denunciadas. E novamente notemos que a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) é também muito bem avaliada, inclusive no tocante à suposta qualidade de seu corpo docente.
Mas então diante de qual fenômeno estamos confrontados? Em minha opinião, de uma combinação perversa entre o patrimonialismo que reverbera historicamente na sociedade brasileira com um recobrimento cínico de meritocracia acadêmica que é fornecida pela difusão e legitimação do “trash science” como mecanismo artificial e fraudulento de melhorar o desempenho internacional da ciência brasileira. Não é preciso dizer que considero essa combinação nefasta, visto que não apenas internalizamos o padrão conservador que prevalece historicamente na sociedade brasileira, mas como damos legitimidade a personagens que se especializam na produção de lixo científico que apenas serve para seus fins particulares, inclusive a de facilitar esquemas desvelados pelo “Direto da Ciência“. E o produto mais acabado disso é a formação de uma geração inteira de mestres e doutores sem qualquer condição para alavancar de forma sólida a evolução da ciência brasileira, visto que lhes falta a necessária preparação intelectual para tanto.
E tome “trash science” !