TCE suspende licitação para administração da ZPE do Açu, receita estimada totaliza R$ 1 bilhão

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Por Ralfe Reis

O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro suspendeu, nesta  quarta-feira (20), a Licitação – Seleção Pública de Administradora da Zona de Processamento de Exportação do Açu, elaborada pela Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro – CODIN. A decisão é do conselheiro Marcelo Verdini Maia, e a Representação que culminou na suspensão é do Secretário Geral de Controle Externo – SGE do próprio tribunal.

O certame tem como objeto a seleção de empresa ou consórcio que constituirá pessoa jurídica para exercer, em regime de exclusividade, a administração da Zona de Processamento de Exportação do Açu, incluída a implantação, manutenção e exploração das competentes atividades e serviços necessários para o seu funcionamento, no valor mínimo de outorga de R$ 52.145.842,151 (cinquenta e dois milhões cento e quarenta e cinco mil oitocentos e quarenta e dois reais e quinze centavos), com prazo de execução de 20 (vinte) anos. A licitação ocorreria nesta quinta feira (21).

Segundo o edital de Seleção Pública, a receita bruta estimada totaliza R$ 977.500.196,00 (novecentos e setenta e sete milhões quinhentos mil cento e noventa e seis reais) e o investimento previsto é de R$ 139.088.493,52 (cento e trinta e nove milhões oitenta e oito mil quatrocentos e noventa e três reais e cinquenta e dois centavos).  A Zona de Processamento de Exportação, localizada no município de São João da Barra, criada em 2017, conta com área total de 182,167436 hectares e perímetro de 5.333,10 metros, assim como, segundo as informações constantes no sítio eletrônico da CODIN, foi prevista no projeto a implementação de áreas de desenvolvimento industrial e diferentes intervenções de infraestrutura necessárias ao desenvolvimento dos trabalhos autorizados pelo Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação.

De acordo com o CAD-Desestatização da Corte de Contas, foram identificadas diversas irregularidades no instrumento convocatório, entre elas:

1. AUSÊNCIA DE INDICADORES DE DESEMPENHO VINCULADOS AO SISTEMA REMUNERATÓRIO;

2. DIVULGAÇÃO INADEQUADA DA MODELAGEM ECONÔMICOFINANCEIRA;

3. INCONSISTÊNCIAS NA TAXA INTERNA DE RETORNO;

4. INCONSISTÊNCIAS NA PREVISÃO DE CESSÃO OU TRANSFERÊNCIA DO CONTRATO;

5. INCOMPATIBILIDADES NUMÉRICAS NA MODELAGEM ECONÔMICOFINANCEIRA;

6. IMPROPRIEDADE NAS PREMISSAS DO CÁLCULO DO SPREAD DE RISCO DO PROJETO;

7. NÃO PREVISÃO DE REVERSIBILIDADE DOS BENS DA CONCESSÃO;

8. INSUFICIÊNCIA DE ESTIPULAÇÕES NO TERMO DE CESSÃO DE POSSE DE IMÓVEL

O conselheiro Marcelo Verdini acompanhou o relatório da SGE e do CADDesestatização, além do relatório do Corpo Instrutivo para conceder a liminar suspendendo o certame:

O Corpo Instrutivo ressaltou também que a redação do edital e da minuta do Contrato deverão ser complementadas, uma vez que não estabelecem expressamente os requisitos relacionados à possibilidade de cessão ou transferência do objeto do Contrato e a previsão da reversibilidade dos bens da concessão, bem como que o modelo de Termo de Cessão de Posse de Imóvel foi omisso em pontos relevantes acerca dos efeitos da adesão por parte do cessionário. Após a leitura dos autos e consulta acerca da matéria tratada, resta evidente  a relevância da completa implementação do projeto referente à Zona Processamento de Exportação, inclusive no que tange aos aspectos relacionados ao potencial de geração de receitas ao Estado em diferentes segmentos produtivos, assim como é incontestável o vulto dos recursos envolvidos na contratação. Cumpre ressaltar que tampouco passa despercebido o fato de o processo administrativo ter se iniciado em 2020, o que indica que foram realizados planejamentos por parte da Administração a fim de instrumentalizar o edital. No entanto, tendo em vista a importância dos apontamentos realizados pelo Corpo Técnico deste Tribunal e diante do caráter técnico dos aspectos destacados pela CAD – Desestatização, que detém a expertise para o exame da matéria, há de considerar os impactos ao objeto decorrentes do prosseguimento do certame com as potenciais falhas indicadas.

Nesse contexto, haja vista que a concessão, ou não, de tutela provisória, de natureza cautelar, exercida em sede de cognição sumária, tem por base a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo do dano, conforme dispõe o art. 300 do Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/15) e o art. 84-A do Regimento Interno desta Corte, considero presente o requisito do fumus boni iuris necessário à concessão da medida. 

Outrossim, ante a iminência da realização do certame – designado para o dia 21.07.2022 – resta demonstrado o requisito do periculum in mora, motivo pelo qual decido pelo deferimento da tutela provisória pleiteada, cabendo determinar à CODIN que suspenda a licitação no estado em que se encontra, bem como se abstenha de homologar o resultado, adjudicar o objeto e celebrar o respectivo contrato.

Cabe ressaltar que o exame ora realizado não significa, em absoluto, óbice ao prosseguimento das atividades já implementadas no Porto do Açu, mas sim que os termos previstos no Edital de Seleção que trata da administração da Zona de Processamento de Exportação do Açu deverão ser examinados de
maneira pormenorizada por este Tribunal, tendo em vista os diversos aspectos levantados pelo Corpo Técnico.”, decidiu Verdini Maia.

O conselheiro também determinou a aplicação de multa no valor inicial equivalente a 10.000 UFIR-RJ em caso de descumprimento da medida determinada.

Confira à íntegra aqui: TCE-Decisão-Suspensão AZPE Açu 


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Este texto foi inicialmente publicado pelo Blog do Ralfe Reis [Aqui!].

A ZPE do Açu: mais para miragem do que para oportunidade econômica

A mídia corporativa está divulgando com pompa e circunstância a vinda do presidente “de facto” Michel Temer ao interior do enclave geográfico do Porto do Açu para a assinatura do decreto de criação da chamada “Zona de Processamento de Exportação do (ZPE) do Açu.

A imagem abaixo mostrando a cara pouco animada do (des) governador Luiz Fernando Pezão revela mais do que o discurso ufanista de um presidente que vive atolado nos mais profundos índices de impopularidade acerca do significado real que a ZPE do Açu terá sobre qualquer processo de dinamização da economia de São João da Barra e dos municípios vizinhos.

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É que se olharmos para as características das ZPEs encontraremos que as mesmas não passam de um distrito industrial onde empresas ali localizadas operam com suspensão de impostos, liberdade cambial (não são obrigadas a converter em reais as divisas obtidas nas exportações) e gozam de procedimentos administrativos simplificados.  Em outras palavras, o impacto em termos de geração de renda via impostos é próximo de nada e a renda gerada nas ZPEs sequer tem que ser passada para a moeda nacional do Brasil. Fica tudo em dólar mesmo!

De cara o que fica evidente é que os grandes e únicos ganhadores da instalação das ZPEs são as empresas que ali se instalam e, sobretudo, aquelas que detém o seu controle operacional. Enquanto isso, os eventuais problemas sociais e ambientais ficarão no caso da ZPE do Açu por conta do município de São João da Barra e da já judiada população do seu V Distrito.

Um detalhe a mais nessa fórmula de desoneração das corporações é a necessidade de que a construção das estruturas necessárias para viabilizar uma ZPE acabam ficando por conta da viúva, ou seja de todos nós.  Isto é especialmente verdade numa época em que as corporações privadas, nacionais ou multinacionais, apresentam uma aversão particularmente alta a fazerem investimentos que imobilizem seu capital de forma permanente. Assim, por exemplo,  a construção de ferrovia ou rodovia terá que ser arcada com investimento direto do estado ou via a ampliação da cobrança de impostos, ou não passará de promessa oca.

Esse aspecto da necessidade do envolvimento direto do estado no aporte de recursos para viabilizar as ZPEs é que apesar de existirem 23 autorizadas via decreto, apenas a ZPE do Ceará conseguir lograr estar em funcionamento [1]. Ou seja, assinar decretando criando ZPE é fácil, difícil mesmo é fazer funcionar.

Importante ainda citar a informação postada pelo economista e professor associado do Laboratório de Engenharia de Produção (Leprod) da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Alcimar das Chagas Ribeiro, no blog Conjuntura Econômica Fluminense dando conta que o Porto do Açu não vem servindo como ponto principal lócus de exportação do minério de ferro vindo de Conceição de Mato Dentro (MG), o que teve um forte impacto  negativo no recolhimento de Impostos sobre Serviços do município de São João da Barra [2].

Assim, que se evite o ato incauto de cair na propaganda corporativa que a Prumo Logística Global certamente lançará como consequência da cerimônia de hoje. É que dado o prazo de concretização da ZPE do Açu ser de pelo menos dois anos, o mais provável que quando 2020 chegar, o que sobrará da cerimônia de hoje serão as espumas das águas que circundam o Porto do Açu. A ver!


[1https://www.opovo.com.br/jornal/colunas/opovoeconomia/2017/03/por-que-so-a-zpe-do-ceara-funciona.html

[2] http://site.coneflu.com.br/atividades-portuarias-e-queda-do-iss-em-sao-joao-da-barra-como-explicar/