Frigorífico em Barra do Garças polui solo, ar, águas. Sema-MT local e SIF são coniventes
Barra do Garças (MT) – Uma manobra burocrática executada pela diretoria da JBS S/A contrariou as determinações do Ministério Público Estadual de Mato Grosso (MPE-MT) e mantém em pleno funcionamento a planta frigorífica da empresa em Barra do Garças (MT). Apesar de ter sido embargada, a indústria não paralisou o abate nem um minuto sequer e segue praticando uma série de irregularidades ambientais que vão de poluição atmosférica ao lançamento de efluentes sem tratamento direto no rio Araguaia.
O embargo havia sido determinado pela agencia regional da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso (Sema-MT) no município, no dia 27 de março, após uma força tarefa de fiscalização articulada pelo MPE-MT ter flagrado um cemitério clandestino de bovinos dentro da área de reserva ambiental do frigorífico. Além do cemitério bovino irregular, a fiscalização constatou ainda que o incinerador da unidade estava desativado há pelo menos oito anos e que não há filtros de lavagem de gases no incinerador de partes moles como olhos, cérebro e outras.
A empresa também foi multada em R$ 6 milhões naquela ocasião. Apenas a unidade de Barra do Garças já acumula mais de R$ 10 milhões em multas por repetidos crimes e irregularidades ambientais diversas.

Enquanto a promotora Helen Ulian Kuriki, titular da Promotoria Ambiental em Barra do Garças acreditava que a indústria estava embargada até que a sua diretoria apresentasse um Plano Emergêncial de Destinação Adequada para as carcaças bovinas impróprias ao consumo humano e também um Plano de Descontaminação e Recuperação da Área Degradada (PRAD), que tem de cerca de dois hectares e que era usada como “cemitério” para os animais descartados pelo frigorífico, a indústria seguiu funcionando como se nada tivesse ocorrido.
A chicana burocrática que burlou o embargo, levada a cabo pela assessoria jurídica e pela direção da JBS Friboi S/A contou com a conivência do representante do Serviço de Inspeção Federal (SIF) naquela unidade – com apoio e conhecimento da direção regional do órgão federal em Cuiabá – e com a “compreensão” e evidente tolerância de servidores da Sema-MT local e também da capital mato-grossense.
Para “sustar” o embargo, a JBS Friboi propôs, no dia seguinte ao embargo, suspender o sepultamento de bovinos na área do frigorífico, prometendo incinerar as carcaças dos animais mortos durante o transporte ou descartados por problemas de sanidade, em uma caldeira. A medida seria uma saída temporária até que a empresa pudesse construir um novo incinerador, já que o existente na unidade está desativado há quase uma década, conforme admitiu ao MPE-MT, o gerente industrial da unidade, Leandro Serraglio.
O fabricante da caldeira, a H.Bremer, de Rio do Sul (SC), consultado pela reportagem do portal Brasil Notícia, informou que o equipamento não é projetado para a incineração de material orgânico úmido como animais de médio a grande porte ou de resíduos de difícil combustão.
As caldeiras, ainda conforme o fabricante, têm especificações técnicas rigorosas de manuseio e utilização para terem o máximo desempenho. O seu uso para outras finalidades que não sejam a geração de calor e vapor não é recomendado pela indústria. A incineração de materiais que não os recomendados pela fábrica, pode acarretar riscos que vão de perda de potencia e queda de produtividade, danos definitivos ao equipamento e até a geração de poluentes nocivos à saúde da população, já que a mesma não possui filtros para vapores tóxicos, mas apenas para particulados originados da combustão de lenha e outras biomassas vegetais.
A iniciativa emergencial proposta pela direção da JBS Friboi, portanto, não seria tecnicamente viável e nem ambientalmente recomendável. No entanto, os médicos veterinários Luciano Frosi e Eduardo Mesquita Freire, fiscais federais do SIF na unidade, bem como o gerente regional da Sema-MT, Cléber Fabiano Ferreira, aceitaram e endossaram a queima dos animais na caldeira sem exigir, antes de concordarem com a medida, sequer um laudo ou uma consulta prévia formal ao fabricante do equipamento sobre eventuais riscos ou limitações para tal procedimento.
Confrontada com as informações de que a empresa não havia paralisado o abate, que a alternativa cogitada para incinerar os bovinos não seria tecnicamente viável e que por isso os sepultamento de animais dentro da área do frigorífico pode também não ter sido suspenso, a promotora Helen Kuriki mostrou-se indignada. A representante do MPE-MT disse que vai requisitar formalmente uma análise da viabilidade técnica do procedimento, bem como um laudo do fabricante da caldeira e o acompanhamento de um fiscal in loco na incineração de carcaças bovinas no equipamento.
“Vamos checar se tal medida é eficaz de fato, se não há riscos de danos ambientais e se a empresa realmente está agindo no sentido de corrigir-se. Caso seja comprovado que a medida por ela sugerida não é viável tecnicamente, vamos então recorrer buscar o embargo judicial da unidade já que o embargo administrativo e as multas não parecem surtir os efeitos pedagógicos desejados por esta promotoria e os órgãos ambientais não parecem ter força para exigir que a empresa cumpra as normas legais”, revelou a promotora.
Conivência com crime ambiental – Procurado pela reportagem do Brasil Noticia em Barra do Garças para esclarecer porque o SIF não interpôs nenhuma barreira à prática de sepultamento de bovinos na área de preservação da planta industrial e sobre quais foram as os critérios técnicos que sustentaram a convicção dos fiscais federais de que a caldeira poderia ser utilizada como crematório, o médico Eduardo Freire – que assinou sozinho o termo de anuência em favor do uso da caldeira como incinerador – não foi localizado. Já o seu superior imediato, Luciano Frosi, disse que não poderia falar sem autorização de seu superintendente regional, Leandro Machado.
O superintendente do SIF em Mato Grosso, Leandro Machado, por sua vez, defendeu que os fiscais agiram “estritamente dentro do regulamento das responsabilidades do SIF” ao autorizar a cremação dos animais bovinos mortos durante o transporte na caldeira. Conforme Machado, tal procedimento só é obrigatório quando há suspeita de que a morte tenha sido causada por doença infectocontagiosa.
Para ele, as informações técnicas fornecidas pelos diretores da indústria frigorífico sobre a capacidade da caldeira para efetuar o procedimento e as técnicas utilizadas para a movimentação dos animais mortos nas dependências da unidade foram “consistentes” o suficiente para convencer os fiscais do SIF de que não haveria problemas sanitários.
Questionado sobre se, ao endossarem o uso da caldeira para a incineração de carcaças bovinas, mesmo que não contaminadas por doenças infecciosas, os fiscais do SIF não estariam sendo coniventes com um crime ambiental, uma vez que tinham o conhecimento de que o crematório da unidade está desativado há quase uma década – período em que, se algum animal doente tivesse morrido naquela indústria não seria possível cremá-lo no local conforme determina a legislação sanitária e as leis ambientais que regulamentam a atividade dos frigoríficos – Machado preferiu ignorar a pergunta e ser sarcástico em sua resposta.
“O problema ambiental é competência da Sema, não do SIF. Somos responsáveis pela sanidade dos animais que chegam vivos e da carne após o abate e quanto a isto, o frigorífico tem atendido às normas. Quanto aos bois que morrem durante o transporte, após a necropsia, se não for constatada nenhuma doença, a destinação da carcaça não compete ao SIF. Se estavam sendo enterradas e sem licenciamento ambiental para isso, o problema é da industria e da Sema. Onde estavam os fiscais da Sema todo este tempo que não viram isso?”.
Jogo de “empurra-empurra” – O gerente regional da Sema em Barra do Garças, Cléber Fabiano Ferreira, também considera que a incineração dos animais mortos na caldeira não acarretará mais danos ao meio ambiente além do que já foi causado pela empresa. O gestor do órgão ambiental disse que concordou com a proposta da JBS Friboi “porque o SIF não fez nenhuma objeção e aprovou primeiro a medida”.
Questionado se não foi precipitado ao endossar a medida sem uma análise da viabilidade técnica e de riscos para o uso do equipamento que, a própria Sema de antemão sabe que não possui sistema de filtragem de gases, Ferreira insistiu na tese de que a prática seria segura “e provisória” e que “será por pouco tempo”.
O gerente da Sema em Barra do Garças disse que a empresa já teria apresentado o PRAD e também as licenças. “A licença de operação do frigorífico está em dia”, garantiu. No entanto, a licença apresentada à promotora Helen Ulian é uma licença provisória, a Licença de Instalação (L.I), e não a definitiva, a Licença de Operação (L.O.), que nunca foi expedida porque o frigorífico jamais cumpriu integralmente todas as exigências legais necessárias para a conclusão do processo.
Mesmo a L.I. apresentada ao MPE-MT pela JBS, segundo revelou a promotora, pode ser inválida, pois há indícios de que teria sido emitida com data retroativa a fim de favorecer a empresa. A emissão de documentos com data retroativa é crime. Caso seja comprovada as suspeitas da promotora, servidores e gestores da Sema poderão ser processados.
O gerente da Sema também disse desconhecer que haja outras irregularidades na planta industrial, como por exemplo, o lançamento de efluentes in natura da linha vermelha, do lava-jato de caminhões que funciona dentro da unidade e da graxaria direto no rio Araguaia.
FONTE: http://www.pautaextra.com.br/rec_tudo.php?id=1785