À espera do pico do El Niño

temperatura

As altas temperaturas dos últimos dias deveriam estar despertando um senso de urgência em todos os governantes brasileiros, mas a maioria deles parece estar entretida com outras coisas.  Já as pessoas que não governam, mas são governadas por eles, tenta sobreviver do jeito que dá, especialmente aqueles que compõe a imensa maioria pobre da população brasileira que não dispõe das condições financeiras para sequer ventilar suas casas.

A questão que esses dias quentes atualizam é a da necessidade de que comecemos um urgente processo de adaptação climática nas nossas cidades, pois a situação ainda vai piorar muito em face da indisposição de se controlar a emissão de combustíveis fósseis que estão na raiz dos problemas climáticos que estamos atravessando.

Tenho me interessado pela questão da adaptação climática, pois já está apontado pela comunidade científica que uma das facetas da crise climática é que ela será sentida de forma diferenciada e se abaterá mais pesadamente sobre os pobres. Basta pensar na capacidade de pagar as contas de eletricidade e água que vão encarecer ainda mais no futuro, ou no espaço reduzido que os pobres têm comparativamente aos ricos dentro de suas casas.  Com casas menores e densamente povoadas, os efeitos das alterações climáticas serão muito mais sentidas pelos pobres.

Mas o que significa adaptação climática?

Mas falando em adaptação climática, o que significaria em um país de características tropicais como o Brasil se tornar mais adaptado? A primeira coisa seria considerar a necessidade de inserir ferramentas de ajuste climático nos chamados planos diretores para que o principal instrumento de gestão municipal possa refletir as demandas de adaptação a um clima em transição para mais quente.

Muitos não conhecem, mas existe uma iniciativa chamada “Programas Cidades Sustentáveis” (PCS) que se apresenta, entre outras coisas, como uma ferramenta para gerir alternativas de adaptação. Ao verificar quantos municípios brasileiros já aderiram, verifiquei que dentre os 5.568 existentes, apenas 290 já se tornaram signatários (ou seja, apenas 5,3%), e 145 concentrados na região Sul (exatos 50%). 

Ainda que se possa considerar que o PCS seja apenas uma das muitas iniciativas do gênero, essa baixa adesão me parece refletir bem o estado da arte da compreensão da maioria dos governantes brasileiros sobre a necessidade de começarmos a internalizar nos planos diretores municipais as prioridades que a mudança climática está impondo de forma inexorável.

Campos dos Goytacazes: um exemplo que combina extrema segregação social, problemas climáticos e despreparo para a adaptação

Agora pensando em Campos dos Goytacazes, cidade onde vivo há quase 26 anos, o que chama a atenção é o fato de que apesar de se ter um prefeito “jovem” no comando do executivo municipal, há uma completa ignorância sobre os problemas que já estão por aqui.

Assim é que a simples análise do atual Plano Diretor Municipal apontará que não há qualquer menção à adaptação climática. Não bastasse isso, o que se assiste nas ruas é a remoção tresloucada das poucas árvores existentes nos espaços públicos, a aplicação de camadas asfálticas escuras, e a imposição de um modelo de cidade segregada que coloca os mais pobres isolados em áreas desprovidas de elementos essenciais como água e esgoto, enquanto que os ricos se isolam em condominados de alto luxo nos quais o governo municipal destina a infraestrutura que é negada aos pobres.

Há ainda que se considerar que sendo a água um dos elementos mais afetados pelo aquecimento global,  uma concessionária privada continua exercendo um controle férreo sobre quem recebe ou não o líquido precioso para suprir necessidades básicas.  Aí já se sabe como fica a situação, pois os mais pobres são aqueles que ficam na ponta de lança de formas draconianas de distribuição e de cobrança.

Não se pode esquecer que um dos primeiros atos do prefeito Wladimir Garotinho foi extinguir a secretária municipal de Meio Ambiente, tornando um mero apêndice de um hipertrofiada secretária municpal de Planejamento Urbano, Mobilidade e Meio Ambiente. Não surpreende então que não haja atual qualquer vislumbre de que estamos evoluindo em termos de planejamento urbano, mobilidade ou, pior ainda, meio ambiente.

Assim, é que chegamos a uma condição em pleno século XXI em que o município de Campos dos Goytacazes continua completamente estagnado no tocante a um ajuste cada vez mais urgente na forma de tratar a questão ambiental.

E o pico do El Niño ainda vai chegar….

Sendo habitante de Campos dos Goytacazes ou de qualquer um dos 5.278 em que os prefeitos continuam alienados da necessidade de adotar políticas de ajuste climático, uma coisa é certa: o atual ciclo de altíssimas temperaturas só deverá se encerrar no primeiro trimestre de 2024, e pior ainda está por vir porque o atual episódio do El Niño ainda nem chegou ao seu pico. 

Assim, ainda que não parece, a questão climática precisa ser pautada de forma direta e inexorável por todos os que se preocupam com a capacidade de nossas cidades de estarem minimamente adaptadas para os impactos mais duros das mudanças climáticas que deixaram definitivamente o domínio do debate teórico dos cientístas para se tornar um elemento central no planejamento urbano.

 

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