O mercado de produção predatória é uma esfinge que ameaça devorar a Ciência

Blog_Predatory_Publications

Venho acompanhando desde a criação deste blog em 2011 os descaminhos da produção científica em nível global. Comecei verificando o uso da tática de partilhamento de estudos para aumentar a quantidade de artigos publicados, o famoso Salami Science, vi o surgimento da produção em massa de trash science por revistas predatórias, e agora assisto a efevervescência de um mercado de citações fabricadas. 

Por detrás de tudo isso há o avanço da comodificação da ciência que passou de um mecanismo de compartilhamento do avanço do conhecimento via experimentos científicos para mais um elemento de produção de valor. Nesse processo saímos do controle estrito por grandes editoras situadas normalmente na Europa e nos EUA para um sistema que combina essas mesmas editoras com empreendimentos obscuros que podem estar situados em qualquer parte do mundo, com centenas de pseudo jornais científicos cabendo no disco rígido de algum individuo com espírito, digamos, empreendedor.

Uma nova onda proporcionada pelo avanço dos mecanismos editoriais é a criação de editoras que se ocupam principalmente da produção dos chamados E-books (ou livro eletrônicos) a partir do qual mais lixo científico é disseminado como se fosse algo que refletisse algum tipo de esforço intelectual.  

Mas para existirem, esses mecanismos de divulgação de ciência de baixíssima qualidade precisam de duas coisas: 1) de fregueses interessados em comprar os simulacros de produção científica (sejam eles na forma de artigos, capítulos de livros ou mesmo livros), e 2) agências de fomento que estejam dispostas a premiar os pesquisadores/empreendedores que se disponham a inflar seus currículos com todo tipo de lixo. No da Capes, essa premiação pode se estender a programas de pós-graduação inteiros, desde que se disponham a abrigar essa produção de ciência trash, obviamente.

No caso de país do sul global como o Brasil, a disposição de agências de fomento de premiarem os mais astutos produtores de lixo científico essa leniência serve para encobrir a falta de investimento reais no desenvolvimento científico e tecnológico. Não é à toa que no caso brasileiro tenhamos uma combinação da participação no mercado global de revistas, livros e conferências predatórias com o florescimento de uma versão nacional deste mercado editorial ocupado de disseminar lixo científico. 

O mais interessante é não apenas a indisposição  de pesquisadores supostamente sérios em apontar o dedo para certos personagens conhecidos por produzir dezenas e às vezes centenas de artefatos quesstionáveis que são publicados em veículos de qualidade muito duvidosa, mas principalmente o fato de que toda essa produção ainda resulta não apenas na obtenção de prêmios e financiamentos, mas também na ocupação de cargos institucionais estratégicos, incluindo aqueles relacionados justamente ao treinamento de futuros pesquisadores.

Meta | Comunicação, decifra-me ou te devoro!

Em minha modesta opinião, a ciência mundial arrisca a entrar em colapso se medidas extremas não forem tomadas para modificar rapidamente o cenário atual.  Um caminho que alguns países já estão tomando é alterar os sistemas de premiação, seja na concessão de financiamentos ou na obtenção de estabilidade profissional.  

No caso brasileiro, a saída passa pelo aumento de financiamento para a pesquisa científica qualificada com uma mudança nos mecanismos de avaliação do que é produzido pelos cientistas brasileiros.  A situação brasileira é especialmente difícil porque nas principais universidades e institutos de pesquisa perdura uma espécie de código do silêncio em que não se pode sequer mencionar publicamente a presença de impostores que se ocupam de disseminar lixo científico unicamente para seu benefício pessoal.  Mas se nada for feito, o nosso sistema científico ficará cada vez mais para trás e sem nenhuma contribuição significativa para o progresso nacional.

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