Trigo transgênico, pão envenenado e engano

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Por Sustainable Pulse

O trigo transgênico deu um passo em direção ao cultivo nos Estados Unidos. E embora não haja investigações conhecidas sobre se é seguro comê-lo, na Argentina a polêmica farinha já está sendo consumida. É uma história de agronegócio, violação de direitos e confirmação do escândalo de experimentação na população.

O Departamento de Agricultura dos EUA aprovou o cultivo de trigo transgênico. É mais uma confirmação de como um grupo muito pequeno de pessoas poderosas decide sobre a alimentação, a saúde e o sofrimento de grandes setores da população. O primeiro trigo transgênico do mundo, da empresa argentina Bioceres e da multinacional Florimond Desprez (França), é cultivado com o perigoso agrotóxico glufosinato de amônio [proibido na União Europeia]. Abaixo, uma análise das mentiras e violações de direitos associadas aos OGMs.

O trigo transgênico HB4 é um passo sem precedentes no avanço do agronegócio sobre os direitos das populações. O pão, um alimento tão antigo quanto central na vida das pessoas, está sendo transformado em um produto com riscos à saúde.

Os parceiros de mídia do agronegócio relataram a notícia dos Estados Unidos. Eles até a descreveram como um “marco” para a agricultura nacional. Apenas 24 horas depois, a empresa Bioceres emitiu sua posição no X (antigo Twitter): “A safra de trigo HB4 chegou aos EUA. A tecnologia HB4 é a única tecnologia tolerante à seca no mundo, e esta nova aprovação mostra que a ciência argentina continua liderando o caminho na busca de soluções para os principais desafios globais.”

No entanto, a Infobae, com base em informações da Reuters, ressalta: “De acordo com o grupo industrial US Wheat Associates, antes que o trigo HB4 tolerante à seca possa ser comercializado nos Estados Unidos, medidas adicionais, incluindo testes de campo, ainda são necessárias. ‘Levará anos para a Bioceres concluir as etapas adicionais’, disse a organização.”

O primeiro trigo GM do mundo é um grande passo para o agronegócio e um passo para trás para a população mundial. No momento, ‘apenas’ a população da Argentina é a cobaia com a qual a farinha GM (consumida em produtos como pão, doces, macarrão e empanadas) está sendo testada. A mudança para a desregulamentação nos Estados Unidos é um sinal de alerta para outros países e mercados para onde o grão é exportado.

Há muitas razões para rejeitar (ou pelo menos questionar) o trigo geneticamente modificado:

  • Não há evidências publicamente disponíveis de sua inocuidade para a saúde da população e o meio ambiente.
  • Os supostos ‘estudos’ da empresa Bioceres-Florimond Desprez são confidenciais. Nenhum cientista independente, nem o público, tem acesso a esses artigos.
  • Embora seja anunciado como “resistente à seca”, não há evidências públicas que sustentem essa alegação. Ao mesmo tempo, é cínico que o mesmo modelo (agronegócio) que está no centro da crise climática esteja agora sendo oferecido como parte da suposta solução para o desastre que eles produziram.
  • Estudos oficiais disponíveis mostram que ele é menos produtivo que o trigo convencional.
  • A Comissão Nacional de Biotecnologia (Conabia), o órgão central para aprovações de GM na Argentina, é totalmente dominada pelas mesmas empresas que vendem OGMs. Isso é tão incomum quanto escandaloso: as mesmas pessoas que enviam os pedidos de autorização são as que votam a favor de autorizá-los.
  • O estado argentino não realiza seus próprios estudos independentes para aprovação de OGMs. E os ‘estudos’ das empresas são ‘confidenciais’, secretos.
  • Mais de 1.000 cientistas do CONICET [Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas, órgão do governo argentino] e de 30 universidades públicas denunciaram os riscos do trigo e da farinha transgênicos.
  • O caso da acadêmica Raquel Chan [pesquisadora sênior do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (CONICET), diretora do Instituto Agrobiotecnológico do Litoral, professora titular da Universidade Nacional do Litoral (UNL) e desenvolvedora do trigo transgênico] e do CONICET é emblemático de uma ciência viciada a serviço do setor econômico e com consequências negativas para as pessoas (mais pesticidas, mais desmatamento e mais pressão sobre terras camponesas e indígenas, entre outros).
  • “É uma patente nacional”, comemoram os jornalistas acríticos da Argentina. Mas nem a Bioceres, nem Raquel Chan, nem o CONICET, nem a UNL explicaram como, se é que isso aconteceria, essa patente beneficiaria as instituições públicas da Argentina.
  • Na Argentina, você pode eleger presidentes e legisladores, mas não tem permissão para escolher comer alimentos livres de transgênicos. Não há rotulagem de produtos transgênicos no país. Portanto, por causa de uma decisão tomada por uma dúzia de pessoas (da ciência e da política), toda a população pode estar comendo produtos assados ​​transgênicos sem poder escolher.

De parceiros, cúmplices e povos

O avanço dos OGM na Argentina começou com Carlos Menem [presidente da Argentina de 1989 a 1999] e tem sido política de estado com todos os governos subsequentes. No caso do trigo, Mauricio Macri não avançou com a aprovação do HB4. Foi o governo peronista de Alberto Fernández e Cristina Fernández de Kirchner que, via Julián Domínguez à frente do Ministério da Agricultura, deu o sinal verde final (maio de 2022).

Curiosidades: Em fevereiro passado, o jornal La Nación noticiou que o ex-presidente é acionista da Bioceres. A mesma empresa cujos fundadores incluem Gustavo Grobocopatel (“o rei da soja”) e cujo acionista é o multimilionário Hugo Sigman, que foi apresentado durante a pandemia como um quase benfeitor e produtor de vacinas e fez grandes negócios com a vacina da Covid. Ao mesmo tempo, é um promotor do extrativismo (agronegócio e silvicultura).

Entre os movimentos camponeses, agricultores familiares, povos indígenas, produtores agroecológicos e organizações socioambientais, não há dúvidas: eles não precisam nem querem trigo transgênico. A campanha “Não com nosso pão!” é muito clara: “O trigo transgênico não visa resolver o problema da fome, mas favorecer as exportações do setor agroindustrial. Já vivenciamos isso com a soja transgênica: o que mudou e como isso beneficiou o tecido social argentino?”

Enquanto isso, organizações na América Latina, África e Ásia denunciaram os efeitos nocivos do trigo GM. Em um documento detalhado de 14 páginas, movimentos sociais, camponeses e povos indígenas solicitaram a intervenção de relatores especiais das Nações Unidas (ONU) devido aos riscos à alimentação, à saúde e ao meio ambiente representados pelo Trigo OGM da Bioceres. Eles confirmaram que não há estudos independentes confirmando sua inocuidade, denunciaram o perigoso herbicida glufosinato de amônio e também apontaram que ele é menos produtivo do que o trigo convencional.

“Não ao trigo transgênico. Aliança global busca intervenção da ONU contra o cultivo do trigo transgênico HB4”, é o título do comunicado da organização internacional GRAIN, que relata a forma inusitada – e irregular – com que o trigo transgênico foi aprovado na Argentina, no Brasil e no Paraguai: com base em supostos estudos da empresa que o comercializa e com documentação confidencial.

Ao mesmo tempo, há inúmeros exemplos de cultivo de trigo agroecológico, sem OGM ou agrotóxicos, com muito bons rendimentos e lucratividade.

A história da agricultura tem mais de 10.000 anos. O modelo do agronegócio, filho da chamada “Revolução Verde” (meados do século XX), tem apenas setenta anos, um breve momento na história da produção de alimentos. Tempo suficiente para mostrar que essas [alegações sobre os benefícios do trigo GM] são enganos* que os povos da América Latina não aceitam mais.


Fonte: Sustainable Pulse

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