Em certame da ANP neste 17/6 foram arrematados 19 dos 47 blocos na Foz do Rio Amazonas, 11 na Bacia de Santos, 3 na de Pelotas e 1 em Pareci. Áreas próximas a Fernando de Noronha não tiveram procura
Manifestação contra o leilão reuniu indígenas, ambientalistas e trabalhadores no Rio. Foto: Instituto Arayara
Cida de Oliveira
O leilão do governo brasileiro que pretendia entregar 172 áreas para exploração de petróleo e gás nesta terça-feira (17) acabou relativamente frustrado. Embora dirigentes da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) tenham avaliado como “extremamente positivo”, o certame conseguiu entregar apenas 34 do total de blocos ofertados. A princípio, o objetivo era conceder os 332 blocos disponíveis. Mas só os 172 receberam propostas ou garantias de oferta e por isso foram incluídos no certame.
Os maiores compradores foram a Petrobras, ExxonMobil, Chevron e CNPC arremataram 19 dos 47 blocos ofertados na Bacia da Foz do Amazonas, com valor total de R$ 844 milhões. O evento do governo brasileiro, realizado a cinco meses do início da conferência do clima da ONU em Belém (COP30), leiloou também 11 blocos na bacia de Santos (SP), 3 na de Pelotas (RS) e uma na de Parecis, que fica em terra, em região se estende pelos estados de Rondônia ao Mato Grosso. E só não entregou blocos na bacia Potiguar, no litoral dos estados do Rio Grande do Norte e Ceará, porque não apareceram interessados.
O certame foi realizado em hotel na Barra da Tijuca, no Rio, sob protestos de ambientalistas, lideranças sindicais e indígenas dos povos Manoki e Paresi (MT), Kariri (PB), Tupi Guarani e Guarani Mbya (SP), Pankararé (BA) e Karao Jaguaribara (CE). Com faixas contra o chamado “Leilão do Juízo Final”, o grupo numeroso protestou contra a exploração de petróleo em territórios indígenas, sem a devida consulta livre, prévia e informada, conforme assegurado na convenção internacional 169, da OIT, assinada pelo Brasil.
Além dos movimentos, foram desprezados também os argumentos do Ministério Público Federal (MPF) no Pará, que pediu a suspensão do leilão ou a exclusão dos blocos da Foz do Amazonas. E ainda os alertas e apelos de entidades socioambientalistas do Brasil e do Exterior.
Foz do Amazonas
A área que atraiu mais interesse é a bacia da Foz do Rio Amazonas, na região amazônica, onde estão 230 territórios tradicionais e 28% de todas as terras indígenas do país, já sob pressão da cadeia do petróleo. Não à toa foi alvo de disputa inclusive no centro do governo. De um lado, o presidente Lula, que defendeu abertamente, em diversos eventos, a exploração principalmente nessas áreas em busca de desenvolvimento local e mais empregos. E de outro, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que defendeu que a decisão de exploração da foz do Amazonas cabe ao Ibama, órgão vinculado à pasta que comanda. Ela acabou voto vencido em meio à grande pressão pela abertura de poços de petróleo na região, que atende também a interesses políticos do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Para o MPF, entre outros problemas estão a falta de estudos ambientais necessários e de consulta prévia a comunidades locais, comuns também aos povos indígenas com territórios na região abarcada pela bacia de Perecis, que teve um bloco arrematado.
Os argumentos do MPF inclui ainda a fragilidade da base legal referente ao aval governamental. Isso porque uma manifestação conjunta assinada pelos ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia sobre o tema expiram nesta quarta-feira (18). Este aspecto, aliás, é questionado também pelo Instituto Arayara, que ingressou com cinco ações civis em quatro estados contra o leilão, além de outras ações junto às comunidades atingidas.
Respiro para Fernando de Noronha e Atol das Rocas
A ANP conseguiu conceder 11 blocos da bacia de Santos (SP) e 3 de Pelotas (RS). E a exemplo do leilão de outubro de 2021, fracassou novamente ao não conseguir interessados em arrematar os da bacia Potiguar, no litoral entre os estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Com isso, o arquipélago de Fernando de Noronha (PE) e o Atol das Rocas (RN), com suas riquezas de biodiversidade e importância ambiental reconhecidas internacionalmente, se livraram mais uma vez da ameaça e seguem protegidos dos impactos inerentes à atividade petrolífera.
O Leilão do Juízo Final ficou marcado também como um evento de implicações apocalípticas, sobretudo para as ambições do governo brasileiro de se consolidar como exemplo socioambiental para o planeta. E a busca pelo aumento da produção de petróleo expõe as contradições de um país que recentemente criou planos e legislações climáticas ambiciosas, visando afastar o Brasil dos combustíveis fósseis.
Além disso, coloca em xeque sua credibilidade internacional, como lembrou o Instituto Arayara. “A ausência de consulta às comunidades e o avanço sobre áreas sensíveis abrem caminho para judicialização e protestos globais”, afirmou a organização em diagnóstico do risco socioambiental desse 5º Ciclo da Oferta Permanente da ANP. O documento, que conta com a participação de observatórios do setor de petróleo e gás, destaca a sobreposição de muitos blocos a áreas de altíssima sensibilidade ambiental e sociocultural, o que acende um alerta entre cientistas, ambientalistas e comunidades tradicionais.
Contra o Acordo de Paris
Já a organização WWF e o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) lembraram que essas novas licenças de exploração petrolífera, na prática, contrariam o Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário. O tratado estabelece metas globais para a redução das emissões de gases do efeito estufa e para limitar o aquecimento global a patamar abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais. Isso para conseguir limitar o aumento a 1.5°C.
Riscos e desastres ambientais são inerentes à extração petrolífera. Foto: Wikimedia Commons
Os riscos de vazamento e derramamento de petróleo devido à extração e o transporte ao longo da costa brasileira são questões também apontadas pelas organizações. Em especial na região da Foz do Rio Amazonas, onde estão ecossistemas marinhos ricos e vulneráveis, há graves impactos socioeconômicos às comunidades locais. Para completar, segundo as entidades, que revisaram pesquisas científicas sobre o tema, faltam no país ações de monitoramento e rastreamento de derramamento de óleo ao longo da costa. E as medidas nesse sentido, quando são tomadas, têm sido ineficazes nas áreas afetadas.
Além disso, as organizações chamam atenção para o aspecto econômico: a maioria dessas novas reservas deverá levar mais de uma década para entrar em operação comercial. Ou seja, começará a produzir após o pico da demanda por petróleo e gás, previsto para os próximos quatro anos, antes que comecem a decolar as políticas climáticas acordadas na COP28, sediada em Dubai, em 2023. Na ocasião os governos concordaram em triplicar a capacidade de energia renovável. E de dobrar a eficiência energética até 2030, para além da transição dos combustíveis fósseis nos sistemas de energia. A China, por exemplo, maior importadora de petróleo do mundo, já atingiu platô na demanda por combustíveis derivados do petróleo.
Prejuízos a curto prazo
As entidades estimam que, em meio a essa dinâmica, a produção desses novos poços terá início tarde demais, muito provavelmente ficando encalhado. E as operadoras, que não deverão conseguir recuperar seu investimento, buscarão atenuar suas perdas caso os preços de mercado permanecerem acima de seus custos operacionais por barril de petróleo extraído. “Portanto, uma primeira medida racional para o governo seria suspender todas as novas licenças de exploração”, defendem a WWF e outras organizações em documento publicado na última semana.
Outra preocupação das organizações no campo econômico, com impactos sociais, é que a Petrobras planeja investir US$ 97 bilhões em petróleo e gás entre este ano e 2029. A justificativa é que “o setor de petróleo e gás é crucial para uma transição energética justa, inclusiva e equilibrada e para a segurança energética do país”. “O valor é seis vezes maior que seus gastos com descarbonização e diversificação de seus negócios. Isso vai na contramão do que espera a sociedade sobre a empresa brasileira”.
Aliás, conforme pesquisas de opinião, os brasileiros em geral defendem que a gigante brasileira tenha papel de liderança na transição para a energia renovável. Ou seja, de deixar para trás a produção de combustíveis fósseis causadores do aquecimento global e, por tabela, das mudanças climáticas. No entanto, para as organizações, a empresa está atrasada em relação àquelas com melhor desempenho climático no setor de petróleo e gás. “O governo brasileiro pode traçar um caminho mais seguro restringindo a expansão do petróleo e do gás, redefinindo o mandato da Petrobras e transferindo os fluxos financeiros do petróleo e do gás para a energia limpa”, defendem.
Por isso, as entidades recomendam que o governo brasileiro tome medidas para prevenir prejuízos decorrentes do encalhe. É o caso de brecar a emissão de licenças de exploração de combustíveis fósseis, além de eliminar gradualmente as licenças de desenvolvimento, “começando com os ativos com maior probabilidade de se tornarem encalhados sob vias de baixo carbono”. E que incentive a Petrobras a transferir os fluxos financeiros do petróleo e gás para a energia limpa. Que impeça novos campos com exploração em andamento, o que pode evitar perdas entre US$ 12 e 35 bilhões em ativos encalhados para a Petrobras, isso dependendo da velocidade da transição energética. Além disso, que crie condições para diferentes tecnologias e empresas de energia por meio da reforma dos subsídios aos combustíveis fósseis e das regulamentações de sustentabilidade das instituições financeiras.
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