Na América Latina, a questão climática preocupa, mas não gera divisão política

05.05.2024 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Sobrevoo em Canoas, Canoas - RS.  Foto: Ricardo Stuckert/PREm 2024, chuvas intensas inundaram cidades inteiras, afetando pelo menos 2,4 milhões de pessoas no sul do Brasil. Crédito da imagem: Ricardo Stuckert/Presidência da República do Brasil , sob licença Creative Commons CC BY-SA 2.0 .

No Chile, incêndios florestais no início de 2024 causaram mais de 130 mortes, no que foi considerado o pior desastre do país desde o terremoto de 2010. Pouco depois, no sul do Brasil, chuvas intensas inundaram cidades inteiras, afetando pelo menos 2,4 milhões de pessoas.

Também no ano passado, o rio Paraguai, que atravessa o país, atingiu seu nível mais baixo em 60 anos, e a Venezuela perdeu sua última geleira. Enquanto isso, as ilhas caribenhas de Granada foram duramente atingidas pelo furacão Beryl, um furacão de categoria 5 considerado o mais perigoso já registrado no Atlântico.

Diante desses eventos extremos recorrentes, a maioria dos latino-americanos disse estar preocupada: mais de 85% dos entrevistados acreditam que as mudanças climáticas podem ter efeitos negativos em 25 anos ou menos, e mais de 88% esperam que as consequências sejam graves.

Os resultados dessa pesquisa — publicados em um artigo recente na revista Nature Communications — são baseados nas respostas de 5.338 pessoas na Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Peru e México — países que, de acordo com o estudo, são responsáveis por mais de 80% das emissões de carbono da região.

Além de identificar qual parcela da população latino-americana está preocupada com as mudanças climáticas, os pesquisadores buscaram entender quais fatores podem estar associados às percepções de risco em relação a esse fenômeno.

“É necessário trazer a questão climática para as conversas cotidianas, para além do ‘nicho ambientalista’, usando uma linguagem acessível, regional e localmente relevante.”

Renata Guedes, Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), Brasil

As percepções de risco das mudanças climáticas são construções subjetivas por meio das quais as pessoas entendem os danos ou prejuízos potenciais resultantes das mudanças no clima.

Os resultados indicam que, na América Latina, essa percepção de risco é motivada mais por emoções do que por ideologias políticas, diferentemente do que é observado em estudos semelhantes conduzidos em países ricos, particularmente nos Estados Unidos e na Europa Ocidental.

O estudo mostra que a preocupação é o fator mais importante associado à percepção do risco climático. Em segundo lugar, está a vulnerabilidade percebida das pessoas às mudanças climáticas.

Esses fatores também exercem mais influência do que aspectos cognitivos, visões de mundo culturais e normas sociais na região.

Polarização

Segundo Guilherme Fasolin, doutorando em Ciência Política pela Universidade Vanderbilt (EUA) e primeiro autor do artigo, a pesquisa mostra que a polarização política observada em alguns países latino-americanos ainda não chegou à arena climática.

“Na prática, isso significa que a forma como as pessoas pensam sobre as mudanças climáticas e seus riscos na região ainda não se baseia em uma dinâmica de ideologia política”, explicou o pesquisador ao SciDev.Net .

Fasolin ressalta que, para que uma questão como o risco climático seja percebida como uma causa ideológica pela população, as elites políticas devem dar-lhe esse significado, algo que, de modo geral, ainda não ocorreu na América Latina.

“A ideologia por si só é um tanto abstrata para as pessoas. Em outras palavras, sem elites políticas que deem sentido a essas ideologias — pensando em questões específicas como as mudanças climáticas e seus riscos — provavelmente não veremos divisões na região relacionadas ao posicionamento político das pessoas”, explica ele.

É o oposto do que acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, onde a agenda climática está claramente ligada à ideologia política: os democratas liberais são mais favoráveis a medidas de combate às mudanças climáticas, enquanto os republicanos conservadores são céticos ou questionam a influência humana no aquecimento global.

Diferenças entre países

Embora o estudo tenha considerado todo o conjunto de respostas, os pesquisadores reconhecem diferenças entre os países incluídos na amostra.

Fasolin cita o caso do Brasil, onde a ideologia política pode estar mais intimamente associada à percepção de risco climático, especialmente devido à gestão de Jair Bolsonaro — uma figura política de direita — como presidente do país de 2019 a 2022.

“Há efeitos da ideologia política, mas são menos intensos do que nos Estados Unidos”, disse Renata Guedes, pesquisadora sênior do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), ao SciDev.Net . Ela conduz o estudo Mudanças Climáticas na Percepção dos Brasileiros , em colaboração com o Programa de Mudanças Climáticas da Universidade Yale e o Ipec Inteligência, instituto brasileiro de pesquisa de mercado e pesquisas de opinião.

De acordo com o último estudo, realizado em 2022 e publicado em 2023, 85% dos brasileiros que se identificam como de extrema esquerda no espectro político dizem que a maioria dos cientistas acredita no aquecimento global, em comparação com 68% daqueles que se identificam com a direita.

“No Brasil, a ideologia pode influenciar alguns aspectos da percepção climática, mas a preocupação generalizada e a confiança na ciência permanecem altas em todos os grupos sociais, reforçando o padrão latino-americano observado em outros estudos regionais”, acrescenta Guedes.

Comunicação

Para Fasolin, o panorama na América Latina é favorável, visto que a agenda climática ainda não foi capturada pela política partidária. Entender esse contexto é essencial para a elaboração de estratégias de comunicação eficazes .

Entre essas estratégias, a pesquisadora do ITS menciona a necessidade de descentralizar a comunicação, transmitir mensagens com valores compartilhados, promover a educação climática transversal e dar visibilidade ao consenso científico por meio de vozes confiáveis e influenciadores climáticos .

“É preciso trazer a questão climática para as conversas cotidianas, para além do ‘nicho ambientalista’, usando uma linguagem acessível, regional e com referências locais”, conclui Guedes.


Fonte: SciDev.Net

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