Relatório põe Brasil no centro da crise climática e diz que é hora de puxar o freio de emergência nas emissões de metano

Gado no Pará

O Brasil tem mais de 70% de suas emissões de metano ligadas à agropecuária 

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Um relatório divulgado nesta terça-feira (23) pelo Climate Crisis Advisory Group, organização formada por 19 especialistas de 12 países, aponta que o corte das emissões de metano é a ação mais rápida e barata para conter o aquecimento global ainda nesta década. O grupo internacional de cientistas descreve as ações do tipo como um “freio de emergência” capaz de evitar até 0,3°C de aquecimento se as emissões forem reduzidas em 45% até 2030. 

O documento alerta que, embora as atenções globais estejam voltadas para o dióxido de carbono (CO₂), o metano é responsável por cerca de 30% do aquecimento já registrado e tem efeito mais de 80 vezes mais potente do que o CO₂. Por permanecer pouco mais de uma década na atmosfera, cada corte nas emissões gera efeito imediato de resfriamento, perceptível em poucos anos.

O Brasil ocupa posição central nesse desafio. O país concentra mais de 70% de suas emissões de metano na agropecuária, principalmente na criação de gado. Resíduos e energia completam o quadro. Para os autores, essa configuração coloca o Brasil simultaneamente como um dos maiores riscos e uma das maiores oportunidades globais de liderança. O programa federal “Zero Metano”, lançado em 2022, é citado como carente de metas claras e mecanismos robustos de monitoramento, com risco de se tornar apenas simbólico se não for integrado a políticas agrícolas e de uso da terra mais amplas.

O estudo apresenta medidas de baixo custo já disponíveis. Na energia, recomenda banir a queima e o descarte de metano em poços de petróleo e gás, adotar monitoramento rigoroso de vazamentos e garantir transparência nos relatórios de emissões. Na agricultura, propõe limites estritos para grandes propriedades de gado e laticínios, incentivo a ações que diminuam a produção de metano e sistemas de manejo de esterco que permitam gerar biogás em pequenas propriedades. No setor de resíduos, pede coleta universal, desvio de orgânicos de aterros e incentivo à compostagem e ao uso de bioenergia.

Para a ecóloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília e integrante do grupo, o momento é de transformar o desafio em oportunidade. “A oportunidade de combater a mudança do clima por meio da redução das emissões de metano é também uma oportunidade de reformular nossos sistemas agroalimentares. Isso significa dar mais transparência sobre os impactos da cadeia de produção de alimentos, melhorar a sustentabilidade, garantir água e segurança alimentar, proteger a saúde e promover justiça social”, afirma.

“O metano é o único freio de emergência que temos à disposição. As soluções estão prontas, são acessíveis e trazem ganhos imediatos para a saúde, a segurança alimentar e os meios de vida. Em países como o Brasil, onde a agricultura é parte central da economia, não agir equivale a investir na própria queda”, diz David King, presidente do Climate Crisis Advisory Group.

O Climate Crisis Advisory Group inclui autoridades de destaque em ciência do clima, emissões de carbono, energia, meio ambiente e recursos naturais. Alguns de seus membros também participam de conselhos consultivos governamentais. Sua função é complementar, e não substituir, esses outros papéis. A atuação envolve análises aprofundadas de questões políticas e financeiras, inclusive daquelas que ainda não estão presentes nas agendas governamentais. Todos os cientistas concordaram em dedicar seu tempo de forma voluntária, sem qualquer remuneração.

A lista completa de recomendações inclui:

Energia

  • Proibir o venting, ou seja, impedir que empresas liberem metano diretamente na atmosfera
  • Proibir o flaring rotineiro, encerrando a queima de gás nos poços, prática poluidora e desperdiçadora
  • Detectar e reparar vazamentos com monitoramento regular e reparo imediato em toda a infraestrutura de óleo e gás
  • Garantir transparência por meio de relatórios independentes e robustos sobre emissões, usando as melhores técnicas e tecnologias disponíveis

Agricultura

  • Estabelecer limites rígidos de intensidade de metano em fazendas de gado de corte e leite, com monitoramento e fiscalização
  • Exigir manejo responsável do esterco, com tratamento e armazenamento adequados para evitar liberação de metano, conforme o porte da fazenda
  • Reduzir emissões de ruminantes por meio de práticas alimentares que diminuam significativamente o metano
  • Apoiar pequenos produtores com recursos, capacitação e infraestrutura para cortar emissões e acessar energia limpa
    Reduzir emissões da produção de arroz e da aquicultura com práticas de manejo comprovadas

Resíduos

  • Fortalecer regras de gestão de resíduos, com coleta universal, separação, reciclagem e desvio de materiais do aterro
  • Impedir o envio de alimentos e outros resíduos orgânicos para aterros, direcionando-os para compostagem, biogás ou biochar
  • Apoiar sistemas circulares de alimentos, reformando cadeias alimentares, educando populações para reduzir desperdício na origem, incentivando mudanças na dieta e garantindo acesso a alimentos de baixa emissão
    Trabalhar com comunidades por meio de centros locais, inclusão de trabalhadores informais e infraestrutura acessível para mudanças de baixo para cima
  • Monitorar e capturar o metano de aterros, exigindo acompanhamento rigoroso e sistemas de coleta baseados nas melhores práticas compatíveis com a capacidade local

O relatório completo pode ser acessado no link: http://www.ccag.earth/reports/methane-the-emergency-brake-for-climate-heating


Fonte: Agência Bori

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