Investigação revela que Walmart, Costco e Kroger vendem nos EUA, carne da JBS que está ligada à destruição da Amazônia

Walmart, Costco e Kroger estão vendendo carne bovina importada do Brasil pela subsidiária Sampco da JBS.Walmart, Costco e Kroger estão vendendo carne bovina importada do Brasil pela subsidiária Sampco da JBS. Fotografia: Brendan McDermid / Reuters

Por Andrew Wasley e Alexandra Heal para o “The Guardian”

Três das maiores redes de supermercados dos Estados Unidos vendem carne brasileira produzida por uma polêmica empresa de carnes ligada à destruição da floresta amazônica , revelou uma investigação.

As gigantes do setor alimentício Walmart, Costco e Kroger – que juntas totalizaram vendas líquidas de mais de meio trilhão de dólares no ano passado – estão vendendo carne bovina brasileira importada da JBS, a maior empresa de carnes do mundo , que está associada ao desmatamento .

A carne bovina brasileira foi identificada como um dos principais impulsionadores do desmatamento na Amazônia, onde trechos de floresta são derrubados para pastagens usadas na pecuária. A Amazônia é um amortecedor crucial na estabilização do clima regional e global. Especialistas dizem que preservar as florestas tropicais do mundo é essencial para evitar a intensificação da emergência climática .

Pesquisa do Guardian, do Bureau of Investigative Journalism e da agência de análise de dados sem fins lucrativos C4ADS apurou que, nos últimos anos, a subsidiária da JBS Sampco Inc importou para os Estados Unidos milhares de toneladas de carne bovina brasileira, destinada a cadeias de supermercados e outras empresas de alimentos.

Os produtos incluem carne desfiada e enlatada (corned), bem como carne congelada e bifes. Em dezembro, a carne desfiada da marca Sampco, produzida em uma fábrica da JBS em São Paulo, estava sendo vendida online tanto pelo Walmart quanto pela Costco, e os dados de envio apontam as exportações da JBS de carne enlatada brasileira sendo fornecida para venda nas lojas Kroger.

Entre julho de 2017 e novembro de 2019, a Sampco importou mais de 5.000 remessas de produtos bovinos brasileiros, totalizando 7.884 toneladas, mostram os recordes obtidos pelo C4ADS.

Em resposta a essas descobertas, os ativistas pediram às cadeias de supermercados que tomassem medidas rápidas para livrar as cadeias de suprimentos de produtos associados ao desmatamento.

“Os supermercados precisam ir além de sua retórica de sustentabilidade, estabelecendo requisitos estritos para seus fornecedores, proibindo o desmatamento, monitorando seus fornecedores para conformidade e cancelando contratos com os piores infratores como a JBS”, disse Lucia von Reusner, diretora sênior de campanha da organização internacional de campanha Mighty Terra.

Costco se recusou a responder perguntas, mas apontou para suas políticas de sustentabilidade , que afirmam: “Nossa intenção não é obter carne de regiões de alto risco de desmatamento até que sistemas abrangentes de rastreabilidade e monitoramento estejam em vigor.”

Um porta-voz do Walmart disse: “O Walmart leva essas alegações a sério e analisará as alegações feitas. Acreditamos que as florestas saudáveis ​​sustentam a biodiversidade, sustentam a subsistência e desempenham um papel importante na mitigação das mudanças climáticas. O Walmart está trabalhando com fornecedores na certificação, monitoramento, apoio a regiões de compras sustentáveis, promovendo ações colaborativas e defendendo políticas eficazes. ” 

JBS, gigante da carne do Brasil, se compromete com fornecedores ligados ao desmatamento

Um porta-voz da Kroger disse: “Levamos o desmatamento a sério, conforme demonstrado pelo nosso compromisso de não desmatamento , e continuamos a envolver nossos fornecedores na busca por este compromisso e para garantir que nenhum desmatamento ocorra em nossas cadeias de fornecimento relevantes.”

As exportações de carne bovina da JBS foram vinculadas a fazendas envolvidas em 300 km2 de desmatamento por ano. A empresa abate quase 35 mil cabeças de gado por dia no Brasil.

Um porta-voz da JBS disse: “A falsa alegação de que as exportações da JBS estão ligadas ao desmatamento é irresponsável e baseada em análises superficiais e imperfeitas da correlação entre a concentração do desmatamento em nível municipal e a localização de nossas fábricas. Correlação não é causa ”.

Os ativistas disseram que as últimas revelações destacaram a necessidade urgente de leis americanas que combatam o desmatamento. Até o momento, não houve nenhuma proposta significativa nos Estados Unidos para uma legislação federal proibindo as importações agrícolas relacionadas ao desmatamento tropical, ao contrário da Grã-Bretanha e da UE, onde o ímpeto por novas regras recentemente ganhou força .

“Os EUA são cúmplices em impulsionar o desmatamento global por meio de suas vendas de produtos de carne bovina do Brasil”, disse Sarah Lake, vice-presidente e diretora da Mighty Earth para a América Latina. “O governo Biden tem a oportunidade de fazer avançar uma legislação para restringir a importação de produtos ligados ao desmatamento, assim como a UE, o Reino Unido e a França já estão fazendo.”

Brian Schatz, senador democrata pelo Havaí, disse antes da pandemia de COVID-19 que planejava introduzir essa legislação . E na semana passada, um projeto de lei foi apresentado à assembléia estadual da Califórnia exigindo que empreiteiros forneçam produtos ao estado para garantir que eles não estejam vinculados ao desmatamento no exterior.

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Este texto foi escrito originalmente em inglê e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Um debate urgente: o papel dos frigoríficos na persistência da COVID-19 no Brasil

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Postei hoje mais uma notícia vinda da China sobre a descoberta de carregamentos de carne bovina vinda do Brasil contaminados pelo Sars-Cov-2, o vetor causador da pandemia da COVID-19.  Ao mesmo tempo, se olharmos para informações acerca do comportamento econômico dos maiores frigoríficos brasileiros vamos ver que, ao contrário da maioria dos setores de economia, eles estão surfando na onda da pandemia. O caso do segundo frigorífico brasileiro, o  Marfrig, é uma confirmação direta disso, na medida em que o grupo acaba de divulgar lucros milionários, com vendas turbinadas para os mercados globais.  Os ganhos do Marfrig em um ano de pandemia mortal são estonteantes, representando um ganho 6 vezes maior para o terceiro trimestre de 2020 em relação ao ano anterior.

Pois bem, uma mente minimamente inquieta poderia se perguntar sobre como andam os níveis de contaminação dos trabalhadores de setor da carne animal em meio a esta pandemia letal. Aí eu indico que os interessados façam uma busca no Google usando as seguintes palavras “pandemia, coronavírus, contaminação e frigoríficos”.   Para quem não estiver interessado em Googlar, mas quer saber o que anda saindo na imprensa empresarial e na alternativa sobre o assunto, eu posso resumir dizendo que o grau de contaminação por coronavírus continua forte nos frigoríficos, que vem optando por não reforçar as medidas de segurança dos seus empregados. Um exemplo de matéria que fala sobre o assunto foi publicada pelo jornal El País com a manchete que diz “Como frigoríficos propagaram o coronavírus em pequenas cidades do país“.  Um aspecto particularmente importante que a jornalista Rute Pina mostra nessa matéria de jornalismo investigativo é o papel que os frigoríficos tiveram no processo de interiorização da pandemia da COVID-19. 

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Um dos aspectos chaves do papel ocupado pelos frigoríficos na difusão acelerada do coronavírus é o fato quem em suas plantas normalmente estão empregados habitantes de diferentes municípios localizados nas regiões de entorno das plantas de abate de animais. Ao serem infectados no ambiente de trabalho, os trabalhadores voltam para as suas cidades onde jogam o papel involuntário de propagadores do coronavírus. Isso ocorre porque a maioria dos frigoríficos não faz o nível de testagem que seria necessário e, tampouco, disponibiliza os equipamentos de proteção individual que permitiriam aos trabalhadores realizarem suas tarefas com uma condição mínima de segurança. Em outras palavras, os lucros fabulosos do Grupo Marfrig acontecem às custas da saúde de seus trabalhadores e das áreas onde eles vivem. 

Desta forma, os frigoríficos funcionam como “super spreaders” de coronavírus ao facilitar a contaminação de seus empregados que se tornam dispersores de uma doença mortal. 

Mas para conseguirem fazer o que estão fazendo, os frigoríficos estão contando com ajuda célere do governo Bolsonaro, principalmente por meio da inação dos ministérios da Saúde e da Agricultura. Esses dois ministérios deveriam estar fiscalizando de forma próxima o que está acontecendo dentro das plantas industriais. Mas em vez de garantir a sanidade do ambiente de trabalho, o que se vê é uma forma objetiva de “licença para contaminar”.  Em julho, apesar das informações em contrário, representantes do Ministério da Agricultura rejeitaram a pressão vinda da China por testagem da produção de carne animal sob o pretexto de “não existir embasamento científico para o risco de contaminação  nesse tipo de ambiente.

corona risco

Por outro lado, há que se notar o papel majoritariamente “passa pano” da mídia corporativa que aborda de forma frouxa o papel dos grandes conglomerados de carne animal na persistência da pandemia no Brasil. A cobertura que ainda ocorre é cada vez mais exígua dando a entender que o problema da contaminação dos trabalhadores nas plantas de abate de animais em todos os cantos do território brasileiro. 

Um aspecto que me parece curioso com a detecção continuada do coronavírus nas cargas exportadas nos países receptores é que não se tem notícia que algo similar esteja sendo feito nos estados que importam a carne produzida principalmente na Amazônia e na região sul do Brasil. Aí o consumidor que vai aos grandes estabelecimentos varejistas é até obrigado a usar máscaras quando está comprando, mas sem qualquer garantia de que não está adquirindo produtos que contenham o coronavírus.  O fato é que está mais do que provado que se a testagem for ampliada, o mais provável é que encontremos mais evidências da presença do Sars-Cov-2 no que estamos trazendo para dentro de casa, sem sequer levarmos em conta a possibilidade de que o produto esteja contaminado.

A verdade é que com a chegada da segunda onda da pandemia da COVID-19, vamos ter que ampliar todos os cuidados para não estarmos nos contaminando de forma inadvertida.  Isso quase certamente passará por cobrar mais controle sobre a gravidade com que a pandemia está ocorrendo dentro das plantas de produção de carne animal.

Carne bovina brasileira testa positivo para coronavírus em Shanxi, norte da China

carne brasileira

Três lotes de carne bovina importada do Brasil continham o coronavírus em sua embalagem interna em Taiyuan, província de Shanxi do norte da China, disseram autoridades locais na terça-feira. Os 20 produtos de carne bovina em questão foram lacrados antes de entrarem no mercado.

Durante uma inspeção de carnes congeladas importadas e produtos aquáticos em Taiyuan na segunda-feira, três amostras da embalagem interna de carne bovina importada do Brasil enviadas de Zhengzhou na província de Henan na China central apresentaram coronavírus, de acordo com o comunicado divulgado pelo Center for Disease Controle e prevenção em Taiyuan.

Medidas de emergência, incluindo rastreabilidade de alimentos, investigação e isolamento de pessoal e desinfecção do local foram imediatamente tomadas pelas autoridades locais. Os testes de ácido nucléico do coronavírus foram realizados em todos os contatos e cargas no mesmo veículo, e os resultados foram todos negativos.

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Este artigo foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal Global Times [Aqui!].

Coalizão Brasil lança estudo de rastreabilidade da cadeia de carne bovina no país

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É possível monitorar a origem da carne na Amazônia e no Cerrado – essa é a principal conclusão do estudo de rastreabilidade da cadeia de carne bovina que a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura lança hoje, durante evento na Climate Week de Nova York, a qual ocorre paralelamente à Assembleia Geral da ONU e visa chamar a atenção para a urgência da ação climática.

Mediante a integração de informações entre a Guia de Transporte Animal (GTA), o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os respectivos mecanismos legais que permitam sua validação conjunta, e seguindo as exigências estabelecidas pelos acordos firmados no âmbito do Sistema Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia de Bovinos e Bubalinos (SISBOV) e pelos Termos de Ajuste de Conduta (TACs) entre o Ministério Público Federal (MPF) e os processadores de carne operando na Amazônia Legal, o Brasil tem como garantir produção de carne bovina livre de desmatamento ilegal.

“Em todo o mundo cresce uma legítima pressão pelo direito de saber a origem e as condições de produção daquilo que consumimos. Ninguém quer comprar produtos feitos em condições humanas degradantes, por exemplo. Tampouco aceita-se que a produção seja feita às custas do meio ambiente”, compara André Guimarães, co-facilitador da Coalizão Brasil. “Assim como o agronegócio brasileiro é altamente competitivo em produtividade, somos igualmente competitivos na capacidade de produzir sem desmatamento ilegal e o que este estudo mostra é que temos como provar isso”, ressalta Marcello Brito, também co-facilitador da Coalizão Brasil.

O estudo foi elaborado pela consultoria Agrosuisse e contou com a coordenação da Força-Tarefa (FT) Rastreabilidade da Carne da Coalizão, formada por representantes das seguintes organizações: Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC), Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), EQAO, Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto Arapyaú, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), JBS, Marfrig, Partnerships for Forests – P4F, Solidaridad Network, The Nature Conservancy (TNC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Vicente e Maciel Advogados e WWF Brasil.

Não é de hoje que o consumidor busca entender de onde vem a carne que consome. Os esforços para implantação de um sistema de rastreabilidade na cadeia da carne bovina no Brasil iniciaram-se no ano 2000, resultando na criação do SISBOV em 2002 e dos TACs com frigoríficos em 2009. Este ano, grandes players do setor anunciaram medidas adicionais para garantir que seus produtos estejam livres do desmatamento ilegal. Para subsidiar propostas à melhoria destes sistemas, a Coalizão Brasil investiu no estudo “Rastreabilidade da Cadeia da Carne Bovina no Brasil: Desafios e Oportunidades”, que engloba 42 recomendações para fortalecimento do controle da qualidade ambiental da carne.

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“A indústria de proteína animal já trabalha no sentido de tornar sua produção a mais sustentável possível e este relatório é um elemento a mais para nos ajudar nessa agenda”, comenta Márcio Nappo, Diretor de Sustentabilidade da JBS e líder da FT Rastreabilidade da Carne, da Coalizão. “Temos confiança que haverá grande adesão dos produtores a essa transformação de nossa atividade, pois se trata de uma mudança que nos garantirá mais mercados consumidores e também a preservação ambiental necessária para o sucesso de nossa atividade”, completa.

Embora confirme a complexidade da cadeia brasileira da carne bovina, bem como a necessidade de aperfeiçoamentos dos controles de rastreabilidade e monitoramento de forma a atender as demandas dos mercados interno e externo, além dos avanços na área tecnológica, o relatório constata o desenvolvimento de inovações capazes de garantir a disponibilidade das informações e dados necessários para permitir a melhoria dos sistemas de controle e rastreabilidade da produção. O estudo também considerou o contexto da cadeia da carne bovina no mundo e no Brasil, comparando a situação dos sistemas de rastreabilidade e monitoramento nacionais com os demais países que produzem carne para exportação, bem como os resultados do SISBOV e dos TACs. Os TACs foram um primeiro passo importante, mas não suficiente para tornar efetivos os controles da indústria sobre suas cadeias de fornecimento. O Brasil precisa de sistemas mais robustos de rastreamento para separar as “maçãs podres” dos produtores sérios.

O estudo recomenda estabelecer etapas para o trabalho. Na primeira, o incentivo para que fornecedores de animais tenham condições de atender às exigências de controle de qualidade ambiental da carne, o que poderia resultar em uma lista de fornecedores “premium”. Numa segunda etapa, o controle da qualidade ambiental da carne poderia ser incorporado na legislação e normas do setor. Nesse contexto, caberia aos atores da cadeia estabelecer sistemas de governança das iniciativas que apoiassem as novas normas, incluindo a adoção, por parte da indústria, de uma base de dados única como diretriz para o controle de fornecedores “premium”, bem como a obrigação contratual de que estes fornecedores usem a mesma base de dados para controlar suas compras de animais. Estas obrigações devem ter como contrapartida a premiação da qualidade ambiental da carne.

“A grande indústria produtora de proteína animal já firmou compromissos internacionais de sustentabilidade que exigem práticas, sistemas e ferramentas mais apurados e consistentes, como as recomendações deste relatório apontam. Agora é preciso ir para ação e implementar esses compromissos”, analisa Bianca Nakamato, analista de Conservação do WWF-Brasil e também líder da FT. “Demonstrar que a produção não está atrelada à degradação ambiental dos biomas brasileiros e não submete seres humanos a condições degradantes é requisito básico para o setor atender cada vez mais o que é exigido pelo mercado internacional e pelos consumidores brasileiros”, completa.

O relatório recomenda ainda consolidar o monitoramento da cadeia com a integração das informações dos GTAs, CAR e do Licenciamento Ambiental por meio da criação de bases de dados territoriais baseadas em critérios do Protocolo de Monitoramento de Fornecedores de Gado e a atuação integrada das agências de vigilância sanitária estaduais, visando ao efetivo controle sanitário e ambiental da carne. Difusão de tecnologia, estabelecimento de metas e prazos, regularização fundiária dos produtores participantes dos projetos de integração vertical e incentivo ao acesso a programas de crédito direcionados à adoção de boas práticas agropecuárias e à Linha de Crédito do Plano Agricultura de Baixo Carbono (ABC) também são recomendações do relatório. A comunicação ao consumidor, por sua vez, ficaria por conta do varejo.

“Rastreabilidade da Cadeia da Carne Bovina no Brasil: Desafios e Oportunidades” é resultado da iniciativa Amazônia Possível, lançada na Climate Week de Nova York de 2019, quando se elegeu o combate à ilegalidade a maior urgência para o desenvolvimento sustentável da região, com foco especial na rastreabilidade da produção de proteína animal.

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· Estudo completo em português

· Sumário executivo em português

· Estudo completo em inglês

· Sumário executivo em inglês

Sobre a Coalizão Brasil

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multissetorial que se formou em 2015 com o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade, o estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e à geração e distribuição de riqueza a toda a sociedade. Mais de 200 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil já aderiram à Coalizão Brasil – coalizaobr.com.br

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A loteria do carbono: A cegueira da Europa para a pegada de carbono da carne brasileira

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O excesso de dependência da Europa na carne bovina do estado de Mato Grosso em particular, e a ausência de due diligence por parte dos produtores e comerciantes de carne, deixa a Europa não apenas cegamente cúmplice na crescente crise de desmatamento do Brasil, mas também exposta a níveis significativos de emissões embutidas nas importações.

Até 20,8 milhões de toneladas de gases de efeito estufa (GEE) poderiam ter sido emitidos no Brasil para produzir carne bovina importada por apenas cinco países europeus em 2019, equivalente à pegada climática anual de 2,4 milhões de cidadãos da UE – o dobro da população de Bruxelas.

Estimativas ainda mais conservadoras sugerem que as emissões poderiam ter chegado a 2,6 a 4,9 milhões de toneladas de CO2e (tCO2e), equivalente à pegada anual de até 465.000 europeus.

As descobertas fazem parte de uma nova análise do Earthsight, A Loteria do Carbono: Estimativa das pegadas de carbono embutidas nas importações europeias de carne bovina brasileira , e destacam como os importadores devem tomar medidas concretas para obter carne bovina não ligada ao maior fator de contribuição na intensidade de carbono da produção de carne bovina – desmatamento.

Enquanto as emissões globais de GEE deverão cair este ano devido à desaceleração da atividade econômica após a pandemia de Covid-19, o Brasil deverá contradizer essa tendência e ver um aumento entre 10 e 20 por cento, principalmente por causa dos níveis crescentes de desmatamento.

O desmatamento na Amazônia brasileira tem aumentado a cada ano desde 2017, e 30% em 2019. As desmatamentos nos primeiros seis meses de 2020 aumentaram 24% em comparação com o mesmo período de 2019, atingindo 2.544 km², a segunda maior quantidade em qualquer semestre desde 2010. 2020 viu o pior início da temporada de incêndios no Brasil em uma década , com as queimadas no bioma Amazônia correndo o risco de ultrapassar as de 2019, que aumentaram 85% em 2018.

O desmatamento responde por quase metade do total de emissões de GEE do Brasil, com a agricultura e pecuária, atividades intimamente ligadas à perda de floresta, respondendo por mais um quarto. Em 2018, a pecuária foi responsável por quase um quinto de todas as emissões no Brasil – se o desmatamento para a pecuária for levado em conta, essa participação sobe para 45 por cento.

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Calculando o carbono

Quantificar a verdadeira escala das emissões de carbono atreladas às importações europeias de carne bovina brasileira é um grande desafio. Há poucas evidências de que produtores ou importadores verifiquem consistentemente se a carne que comercializam vem de gado vinculado ao desmatamento ou de pastagens degradadas e de alta emissão, enquanto o envolvimento de fornecedores indiretos desconhecidos permanece irrestrito na indústria frigorífica brasileira.

No cálculo da faixa de emissões possíveis, a pesquisa ilustra a falta de transparência do setor e os riscos que os importadores correm ao comprar carne bovina do Mato Grosso e de outros estados com alto índice de desmatamento.

Embora o Trase , uma plataforma de transparência da cadeia de suprimentos, e estudos anteriores tenham estimado a pegada de carbono embutida nas importações de carne bovina brasileira da Europa, a análise da Earthsight fornece estimativas sobre o comércio mais recente usando métodos diferentes. As estimativas da Earthsight não se limitam às emissões do desmatamento, mas também incluem as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) de todo o ciclo de produção de carne bovina, incluindo mudança no uso da terra, insumos agrícolas, pecuária, rebanho e emissões de solo, abate e transporte até o ponto de exportação.

A análise se baseia em estudo recente do Instituto Escolhas, que calculou a pegada média de emissões da carne bovina produzida em cada estado brasileiro ao longo de uma década, inclusive para diferentes tipos de sistemas representativos de manejo de rebanho e qualidades de pastagens.

O Instituto Escolhas estimou que a pegada de carbono média nacional da produção de carne bovina, entre 2008 e 2017, variou de 25kg a 78kg CO2e (emissões de carbono equivalente) por quilo de carne bovina, dependendo do desmatamento. Em contraste, o CO2e médio por quilo de carne bovina produzida na UE foi estimado em cerca de 22 kg.

A análise da Earthsight empregou amplamente as estimativas estaduais do Instituto Escolhas em uma variedade de manejo de rebanho e tipos de pastagem, incluindo médias estaduais e pastagens degradadas e estáveis.

A combinação das estimativas de emissões médias estaduais produzidas pelo Instituto Escolhas com os dados das exportações brasileiras possibilitou o cálculo das pegadas de carbono embutidas nas remessas recebidas pelos países selecionados e suas empresas importadoras.

carne 3As importações europeias de carne bovina brasileira estão expostas ao enorme desmatamento e ao risco de emissões de carbono da pecuária. Crédito: Shutterstock

Os cinco maiores países importadores da Europa

Quase toda a carne bovina (96 por cento) enviada para a Europa veio de instalações em apenas cinco estados: Mato Grosso, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul.

Mato Grosso foi o maior fornecedor estadual para os cinco países, respondendo por 33% do total.

Os cinco principais países de destino da carne bovina desses cinco estados – Itália (29.650 toneladas), Reino Unido (28.030 toneladas), Holanda (22.084 toneladas), Espanha (9.466 toneladas) e Alemanha (8.060 toneladas) – não se classificam na mesma ordem ao avaliar as emissões de carbono que essas importações podem ter produzido.

As importações para a Itália tiveram a maior pegada de carbono incorporada média – sem ou com desmatamento – variando de 244.440 a 1,1 milhão de tCO2e ao usar estimativas de emissões médias baseadas no estado. A Itália foi seguida pela Holanda (162.407 a 633.124 tCO2e), Espanha (94.208 a 451.298 tCO2e), Alemanha (63.364 a 224.623 tCO2e) e o Reino Unido (50.031 a 152.294 tCO2e).

A estimativa mais alta combinada de 2,6 milhões de tCO2e é equivalente às emissões de carbono de 2018 de 298.148 europeus. As exportações de Mato Grosso, lar de áreas da Amazônia e do Cerrado e o estado mais desmatado que domina o comércio para a Europa, sozinhas respondem por 2,2 milhões de tCO2e, ou 85 por cento.

A pole position da Itália não se deve apenas a seus grandes volumes de importação, mas também – e principalmente – sua dependência da carne bovina de Mato Grosso, que tem estimativas de emissões médias consideravelmente mais altas por quilo de carne bovina do que os outros quatro estados fornecedores de importações europeias. Quase metade de todas as importações italianas (14.279 toneladas) vêm do estado.

Se toda a carne importada para a Europa fosse derivada exclusivamente de pastagens estáveis ​​(pastagens de baixa produtividade sem capacidade de remover carbono da atmosfera) em cada estado, a média superior de emissões embutidas totais (quando o desmatamento está envolvido) sobe para 4,9 milhões de tCO2e – quase o dobro ao aplicar as médias estaduais. Esta é a pegada climática de 465.000 europeus.

No entanto, se 35% da carne bovina dos frigoríficos mato-grossenses veio de gado criado em pastagens degradadas (pastagens de alta emissão devido à degradação do solo e que estão mais associadas a áreas recentemente desmatadas) e o restante de Mato Grosso e dos outros quatro estados foram estimados usando as médias estaduais, a pegada de carbono total embutida nas importações europeias de carne bovina brasileira pode chegar a 20,8 milhões de tCO2e. Isto é equivalente à pegada climática anual de 2,4 milhões de cidadãos da UE.

Esse aumento dramático ocorre porque um quilo de carne bovina produzida em Mato Grosso a partir de gado criado em pastagens degradadas associadas ao desmatamento gera a impressionante quantidade de 1.695 kg CO2e.

Os resultados mostram que o volume de comércio raramente determina as pegadas de carbono, mas que a origem do gado, as ligações com o desmatamento e os tipos de pastagem são os fatores mais importantes. Os importadores com menores volumes de comércio podem ter pegadas de carbono desproporcionalmente altas por causa de suas práticas de abastecimento.

Pegadas de carbono da empresa

Tal como acontece com a análise a nível de país, as emissões embutidas estimadas da Europa estão dramaticamente concentradas nas importações de relativamente poucas empresas.

Ao considerar as estimativas baseadas em médias estaduais, apenas duas empresas (Silca e JBS) respondem por quase um quarto das emissões estimadas, oito empresas são responsáveis ​​por mais da metade e 27 respondem por 80 por cento.

Algumas empresas europeias têm pegadas de carbono incorporadas mais altas do que alguns países destinatários.

Quando calculada usando as emissões médias superiores em nível estadual, a empresa italiana Silca tem uma pegada maior (375.000 tCO2e) do que a Alemanha (224.623 tCO2e) ou o Reino Unido (152.294 tCO2e). O grupo brasileiro JBS (221.538 tCO2e), o conglomerado alemão de alimentos Tonnies (199.411 tCO2e) e a empresa italiana Bervini Primo (181.660 tCO2e) também têm emissões embutidas mais altas do que o Reino Unido.

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Quando calculada com base em toda a carne importada proveniente de gado criado em pastagens estáveis ​​associadas ao desmatamento, a pegada de carbono estimada de empresas individuais aumenta consideravelmente. Com essa medida, as emissões de carbono embutido da JBS quase triplicam, colocando a empresa acima da Silca como a importadora com maior pegada embutida.

Da mesma forma, se as importações da JBS de Mato Grosso também fossem todas derivadas de pastagens degradadas ligadas ao desmatamento, suas importações para a Europa incorporariam emissões 22 vezes maiores (5 milhões de tCO2e) do que abaixo da média estadual superior nos cinco estados.

Alguns dos maiores importadores por peso estão fora do ranking das 10 pegadas de carbono médias. Os exemplos mais marcantes são a Marfrig (segundo maior importador por peso e entre os três maiores frigoríficos do Brasil), Princes (Reino Unido) e Bolton Group (Itália). Essas empresas, embora sejam grandes importadoras, podem ter uma classificação mais baixa em emissões de carbono incorporado porque quase toda a carne bovina é proveniente de frigoríficos de São Paulo e do Rio Grande do Sul.

Esses estados apresentam níveis significativamente mais baixos de desmatamento – e, portanto, menores emissões de carbono por perda florestal – em comparação com Mato Grosso e os estados do Cerrado de Goiás e Mato Grosso do Sul.

No entanto, é improvável que a carne embarcada dos estados do sul esteja livre de desmatamento, já que parte desse gado pode vir de estados do Cerrado ou bioma amazônico.

Além disso, Princes e Bolton são grandes compradores de carne enlatada e outros tipos de carne enlatada. As instalações de exportação no sul provavelmente fornecem parte da carne fresca que eles transformam nesses produtos altamente processados ​​de matadouros mais ao norte, que estão mais intimamente ligados a fazendas na Amazônia ou Cerrado.

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Além disso, embora as empresas que importam exclusiva ou predominantemente de São Paulo e do Rio Grande do Sul possam parecer expostas a emissões embutidas mais baixas, se as pastagens estáveis ​​ligadas ao desmatamento desempenharem um papel importante em suas cadeias de abastecimento, suas emissões podem aumentar dramaticamente. É exatamente isso que se observa com Marfrig, Princes e Bolton.

Gigantes do frigorífico brasileiro

A forte ligação entre o desmatamento e a quantidade de carbono embutido na produção de carne bovina é preocupante não só por causa de suas consequências ambientais, mas também por causa dos níveis de ilegalidade que provavelmente estão contaminando as cadeias de abastecimento de carne. Um relatório publicado no início deste ano pela MapBiomas mostrou que 99 por cento de todo o desmatamento ocorrido no Brasil em 2019 era ilegal.

As mesmas empresas brasileiras que abatem gado e exportam carne bovina também estão entre os maiores importadores da Europa. Isso poderia facilitar o cumprimento das leis de due diligence, uma vez que essas empresas já teriam dados relacionados, mas também poderia levantar questões sobre a confiabilidade de tais sistemas se as empresas fiscalizassem suas próprias práticas, especialmente considerando o histórico dessas empresas no Brasil.

JBS, Minerva e Marfrig , os três maiores exportadores e entre os principais importadores da Europa, há anos estão vinculados ao desmatamento ilegal na Amazônia e em outros lugares e são repetidamente criticados por não conseguirem monitorar seus fornecedores indiretos.

A Earthsight pediu às 10 empresas que importam os maiores volumes de carne bovina para a Europa, e a várias outras notáveis, que detalhem as descobertas do monitoramento das emissões de carbono que realizam. Apenas Marfrig respondeu. A empresa forneceu uma pegada de carbono estimada para sua carne bovina variando de 48 a 99kg CO2e / kg carne bovina. A aplicação dessas estimativas em relação às importações da Marfrig em 2019 (10.145 toneladas) revela uma gama de pegadas de carbono embutidas significativamente superior às estimativas calculadas para a empresa a partir dos valores do Instituto Escolhas.

A Marfrig disse que “busca estreitar a relação entre os produtores e a Marfrig, incentivando a adoção de boas práticas pecuárias, que contribuam para o desenvolvimento sustentável das fazendas e garantam uma produção mais segura e com menor impacto ambiental”. A empresa acrescentou que monitora a pegada de carbono de sua produção de carne bovina com base em métodos internacionalmente reconhecidos.

carne 6Abatedouro Mafrig em Mato Grosso, Brasil. Crédito: Alamy

A Europa vai agir?

Cerca de 25 por cento das  emissões de carbono embutidas nos produtos  consumidos na Europa são emitidas no exterior. À medida que a UE embarca em seu New Deal Verde e busca finalizar o acordo comercial Mercosul-UE que aumentará dramaticamente o comércio com o Brasil, garantir que as emissões associadas ao consumo europeu não sejam terceirizadas para outros países será crítico.

Até o momento, não há requisitos para que as empresas coloquem carne brasileira (ou qualquer produto agrícola de qualquer país) nos mercados europeus para realizar due diligence sobre o desmatamento ou impactos ambientais mais amplos desses produtos, muito menos para parar de fornecê-los onde os impactos e riscos envolvidos são compreendidos e considerados inaceitáveis.

Enquanto os compradores europeus não tiverem sistemas adequados de devida diligência, eles correm o risco de comprar de empresas ligadas ao desmatamento que geram enormes emissões climáticas.

A UE está emitindo sons positivos sobre a introdução de due diligence obrigatória para desvincular o desmatamento do consumo de commodities agrícolas e se afastar das  promessas corporativas voluntárias falhas  atualmente em jogo. 

Qualquer  lei deve ser robusta o suficiente  para garantir transparência e responsabilidade no setor.

O Reino Unido também anunciou recentemente sua intenção de aprovar leis exigindo que as empresas exerçam a devida diligência na pegada de desmatamento de produtos agrícolas usados ​​e comercializados no Reino Unido, incluindo carne bovina. No entanto, o modelo proposto parece lamentavelmente inadequado, pois se aplicaria apenas ao desmatamento ilegal, não se aplicaria a todas as empresas que importam commodities florestais de risco usadas no Reino Unido e enfraquece as iniciativas existentes e os compromissos governamentais já em vigor. 

Sistemas de rastreabilidade e dados relevantes sobre o uso da terra já existem no Brasil que poderiam fornecer uma due diligence abrangente, mas uma mistura de barreiras regulatórias e a falta de incentivos impediram que fossem usados ​​com efeito total para desvincular as cadeias de abastecimento de carne da destruição ambiental.

Nenhum sinal de mercado – seja dentro ou fora do Brasil – existe atualmente para incentivar a integração dos sistemas e capacidades de rastreabilidade existentes no Brasil. Até que isso aconteça, parece que a loteria do carbono e do desmatamento embutidos nas importações de carne bovina brasileira pela Europa persistirá.

Para ver os resultados completos da pesquisa, consulte o  relatório em PDF . 

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela Earthsight [Aqui!].

‘As maçãs podres do agronegócio’: pesquisadores defendem estudo da Science com críticas à produção brasileira

Para grupo, não há como ocultar a gravidade do desmatamento ilegal, do descumprimento explícito do Código Florestal e das invasões de terras públicas no Brasil

desmatamentoEstudo avalia que em Mato Grosso, somente 3% dos imóveis possuíam de fato uma autorização para desmatar (Marcelo Camargo/ABr)

Um grupo de cientistas do Brasil se uniu para escrever uma carta em defesa do estudo liderado pelo pesquisador Raoni Rajão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicado em julho na revista Science. O estudo, intitulado As maçãs podres do agronegócio, na tradução em português, levantou que pelo menos 17% da carne e 20% da soja produzidas nos biomas Amazônia e Cerrado e exportadas para a União Europeia estariam “potencialmente contaminadas” com o desmatamento ilegal.

A pesquisa despertou forte polêmica, sendo questionada por vários segmentos do agronegócio, entre entidades de produtores, representantes do governo e consultores. Essa reação, entretanto é “contraproducente”, de acordo com a carta assinada por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, além da Fundação Florestal do Estado de São Paulo (SMA-FF) e também pelo climatologista Carlos Afonso Nobre, que já atuou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e colaborou com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

Para eles, “não há como ocultar a gravidade do desmatamento ilegal, do descumprimento explícito do Código Florestal, das invasões de terras públicas e protegidas, da apropriação de recursos naturais, dos incêndios criminosos, entre outros problemas associados ao mau uso da terra sob a ótica equivocada de expansão crescente e contínua das fronteiras de produção agropecuária. Tais problemas demandam soluções para as quais a Ciência pode, mais uma vez, ser uma importante aliada dos produtores rurais”.

De acordo com os cientistas signatários do documento, a reação do agronegócio ao estudo “despreza as contribuições científicas passadas e atuais para a eficiência e a sustentabilidade da agropecuária”. Além disso, assinalam que “vale lembrar que o Brasil só é uma potência agropecuária hoje, em grande parte, devido aos avanços científicos e tecnológicos”. Ainda segundo o documento, todos os avanços no setor agropecuário – inclusive os ligados à sustentabilidade – foram conquistados com “ciência robusta e ancorada em pesquisas sérias e auditadas”.

Desta forma, reafirmem, a pesquisa liderada pelo professor Rajão e publicada na Science seguiu os mesmos e sérios preceitos. “Como é a prática nessa revista, o estudo passou por um rigoroso escrutínio de vários editores e revisores”, lembram os cientistas, que continuam: “Eles auditaram a metodologia usada, os resultados obtidos e avaliaram se as afirmações contidas no artigo estavam sustentadas na ciência, na realidade de campo e nas análises feitas pelos pesquisadores”.

Ainda de acordo com a carta, as conclusões do estudo publicado na Science “convergem com as de muitos artigos científicos e de levantamentos regulares de dados oficiais feitos no Brasil”. E ainda “são conservadores” em relação à área de fato ilegalmente desmatada no País para a expansão do agronegócio. Segundo os cientistas, o estudo do professor Rajão olha para desmatamentos “comprovadamente ilegais”, e “qualifica provavelmente menos propriedades ilegais do que uma análise mais direcionada apontaria”.

Neste ponto, os pesquisadores discordam de críticas de consultorias do agronegócio, que argumentaram, ao rebater o estudo, que a ilegalidade de áreas desmatadas está “superestimada”, ao deixar de incluir nas análises algumas premissas, “como as autorizações de supressão (florestal) concedidas pelos Estados”. “É importante esclarecer que os números mostrados por este estudo na Science são conservadores”, reafirma a carta. “Por exemplo, visto a ausência de dados de autorizações de supressão de vegetação para todos os Estados, o estudo considerou todos os desmatamentos que respeitam as regras da reserva legal como ‘potencialmente legais’.”

Sob este aspecto, a carta menciona que o estudo avalia que em Mato Grosso – um dos poucos Estados que dispõem de dados -, por exemplo, somente 3% dos imóveis possuíam de fato uma autorização para desmatar, o que tornaria legal a retirada da floresta. “Ou seja, muito do desmatamento que o estudo considerou como ‘potencialmente legal’ na verdade tende a ser ilegal por não ter autorização, como mostra este exemplo do Mato Grosso”, dizem os pesquisadores.

Outro argumento utilizado pelos consultores do agronegócio e que não é factível, conforme a carta agora publicada pelos cientistas, é o de que as propriedades qualificadas no estudo do professor Rajão como “ilegais” poderiam estar compensando passivos florestais em suas propriedades em outras áreas, dentro do mesmo bioma. “Não poderiam, pois, de acordo com o Código Florestal a compensação não pode ser usada para viabilizar novos desmatamentos em propriedades que já tenham passivos”, dizem os pesquisadores.

Um dos signatários da carta, o pesquisador em Sustentabilidade de Cadeias Produtivas na Universidade Católica de Louvain, Tiago N. P. Dos Reis, lembra ainda que o mecanismo de compensação ambiental só pode ser feito em propriedades que desmataram antes do marco temporal definido pelo Código Florestal, de julho de 2008.

“Depois desta data o Código não permite o uso do mecanismo de compensação”, diz. Daí o argumento dos consultores não ser fundamentado, opina ele, reforçando o “conservadorismo” do estudo do professor Rajão. “O estudo publicado na Science foi conservador porque considerou de fato ilegais apenas aqueles produtores que já tinham passivo ambiental (antes de julho de 2008) e mesmo assim continuaram desmatando, ou seja, continuaram atuando na ilegalidade”, explica Reis. “Já para aqueles que tinham ativo florestal e excedente de reserva legal e desmataram depois de julho de 2008, o estudo não considerou como ‘ilegais’, embora eles possam ter desmatado ilegalmente caso o tenham feito sem autorização, o que é muito provável, mas que o estudo desconsiderou.”

Assim, na carta, os pesquisadores são enfáticos (apesar de repetirem que os números de propriedades ilegais do estudo de Rajão serem subestimados): “Logo, as propriedades que o estudo classifica como ‘ilegais’ são indiscutivelmente ilegais, e muitos desmatamentos que o estudo considera como ‘legais’ são potencialmente ilegais. O argumento da superestimativa, portanto está equivocado”.

A carta defende, ainda, que a crítica honesta ao estudo “é essencial para o progresso do conhecimento científico” e que Raoni Rajão e equipe usaram “dados públicos, metodologia aberta, transparente e replicável”. “Todos os resultados do artigo estão disponíveis e acessíveis para avaliação na própria revista Science e no site do Centro de Sensoriamento Remoto da UFMG”, dizem. “Dessa forma, é possível checar as premissas e auditar os dados e cálculos realizados.”

Adicionalmente, os cientistas lembram que “as críticas feitas à boa ciência por parte minoritária do agronegócio, sem argumentos robustos e embasamento, representam uma tentativa de usar o conhecimento científico somente quando for conveniente ou quando esses conhecimentos confirmam suas percepções e visões de mundo” dizem. “No entanto, cabe esclarecer que a Ciência não funciona assim.” E acrescentam: “Confrontar achados científicos com especulações e inverdades pode parecer uma resposta fácil, mas só nos mantém mais afastados das soluções reais e necessárias”.

Por fim, sentenciam que “não há trilha viável” para o agronegócio brasileiro se não forem equacionados seus equívocos e inconsistências legais, ambientais e sociais”. E dizem ainda que “uma grande parte do agronegócio está buscando se adequar de forma responsável às demandas da sociedade por sustentabilidade. Esta parte encontrará apoio no bom conhecimento científico”.

Os pesquisadores que assinam o documento são a professora titular da UnB em Ecologia de Ecossistemas, Mercedes Bustamante; o pesquisador em sustentabilidade de cadeias produtivas na Universidade Católica de Louvain, Bélgica, Tiago N. P. Dos Reis; o pesquisador Gerd Sparovek, coordenador do Laboratório de Geoprocessamento e Inteligência Estratégica e Espacial da USP e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo; o professor de Sistemática e Ecologia da Esalq/USP, Ricardo Ribeiro Rodrigues; o pesquisador e climatologista Carlos Afonso Nobre, que teve atuação no Inpe e no IPCC;.

A íntegra da carta pode ser lida [Aqui!

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Este texto foi inicialmente publicado no “Portal Dom Total” [Aqui!]

Nordea retira investimentos e cessa relações com a JBS por causa da falta de compromisso ambiental

Investidores descartam gigante de carne brasileira JBS

Principal casa de investimento exclui maior produtor mundial de carne por falta de compromisso com questões de sustentabilidade

 

guardian 1Os investidores estão cada vez mais preocupados com a sustentabilidade. Foto: Ricardo Moraes / Reuters

Por Dom Phillips no Rio de Janeiro, para o “The Guardian”

O braço de investimentos do maior grupo de serviços financeiros do norte da Europa retirou a JBS, a maior processadora de carne do mundo , de seu portfólio. A empresa brasileira agora está excluída dos ativos vendidos pela Nordea Asset Management, que controla um fundo de €230 bilhões, de acordo com Eric Pedersen, seu chefe de investimentos responsáveis.

A decisão foi tomada há cerca de um mês, sobre os vínculos do gigante da carne com fazendas envolvidas no desmatamento da Amazônia, sua resposta ao surto de COVID-19, escândalos de corrupção anteriores e frustrações pelo envolvimento com a empresa em tais questões. “A exclusão da JBS é bastante dramática para nós, porque é de todos os nossos fundos, e não apenas daqueles rotulados como ESG”, disse Pedersen.

o termo ESG representa os padrões “ambientais, sociais e governamentais ” usados ​​para avaliar a sustentabilidade e o impacto social de uma empresa para os investidores. Um terço dos investimentos da Nordea Asset Management são classificados como ESG, disse Pedersen. A Nordea foi uma das 29 instituições financeiras internacionais que administravam US $ 3,7 trilhões em fundos que alertaram o governo brasileiro no mês passado sobre o aumento do desmatamento. No ano passado, a Nordea suspendeu a compra de títulos do governo brasileiro após a crise na Amazônia.

Somente no ano passado, cinco reportagens do The Guardian, do Bureau of Investigative Journalism, da agência brasileira Réporter Brasil, do Greenpeace e da Anistia Internacional, vincularam a JBS ao gado fornecido pelas fazendas da Amazônia envolvidas no desmatamento.

Embora a empresa tenha avançado no controle de seus “fornecedores diretos” – as fazendas das quais seus matadouros obtêm gado -, é incapaz de controlar seus “fornecedores indiretos”. São fazendas de criação ou criação de gado que vendem para fazendas que, por sua vez, abastecem matadouros da JBS. Em alguns casos, as “fazendas limpas” têm links para “fazendas sujas” – ou são administradas pelas mesmas pessoas, como no caso mais recente revelado na segunda-feira.

A JBS e os outros produtores de carne em larga escala do Brasil, Minerva e Marfrig, estão sujeitos a controvérsias sobre o suprimento de gado na Amazônia há mais de uma década.

Em 2009, após um relatório devastador do Greenpeace , JBS, Marfrig, Minerva e outras empresas se comprometeram a parar de comprar de qualquer fornecedor direto envolvido no desmatamento. Em dois anos, eles prometeram verificar se seus fornecedores indiretos também não estavam envolvidos no desmatamento – mas essa promessa ainda não foi cumprida. No mesmo ano, a JBS, Minerva e Marfrig assinaram acordos semelhantes com os promotores federais .

Em 2017, a JBS foi multada em US $ 7,7 milhões pela agência governamental ambiental Ibama por comprar mais de 49.000 bovinos de áreas desmatadas ilegalmente no estado do Pará, na Amazônia – algumas de fornecedores indiretos. Como resultado, o Greenpeace desistiu do acordo, mas o acordo com os promotores federais ainda permanece. Em julho de 2019, uma investigação publicada pelo The Guardian, pelo Bureau of Investigative Journalism e pela Reporter Brasil constatou que os matadouros da JBS no mesmo estado compraram gado de fazendas pertencentes à AgroSB Agropecuária SA, uma poderosa empresa de pecuária.

Essas fazendas tinham sido abastecidas com gado de outra fazenda pertencente à mesma empresa – uma fazenda com uma longa história de multas e embargos de terra para desmatamento. A AgroSB disse que o desmatamento ocorreu antes de comprar a terra em 2008. A JBS disse que não comprou gado de terras desmatadas ilegalmente ou embargadas contra uso para pecuária e que sua própria auditoria independente de 2018 mostrou que mais de 99,9% de suas compras cumpriu os termos do acordo do Greenpeace. Não afirmou que sua auditoria independente reconheceu que a empresa não era capaz de auditar seus fornecedores indiretos. E no início deste ano uma investigação da Réporter Brasil publicada pelo The Guardian vinculou a empresa a um agricultor cuja fazenda, de acordo com imagens de satélite, havia desmatado extensivamente em 2015. Uma serraria que o agricultor possuía em outro local também possuía uma longa lista de multas. Recentemente, um tribunal retirou as acusações contra ele em outro caso envolvendo o massacre de nove homens.

4351Grandes frigoríficos brasileiros dizem que estão trabalhando para melhorar a transparência em suas cadeias de suprimentos. Foto: Joedson Alves / EPA

A JBS reiterou sua posição anterior de que não comprava gado de fazendas envolvidas em desmatamento, invasão de reservas indígenas, conflitos rurais ou conflitos de terra, e negou que o agricultor tivesse sido um fornecedor. A empresa disse que monitorou mais de 50.000 fazendas potenciais de fornecimento de gado todos os dias e bloqueou mais de 8.000 devido à não conformidade.

A JBS disse ao The Guardian: “A rastreabilidade total de nossa cadeia de suprimentos, incluindo soluções viáveis ​​para monitorar o suprimento indireto, continua sendo uma prioridade. Novas iniciativas foram propostas e estão sendo examinadas com as partes interessadas, além das políticas substanciais que já foram implementadas. ” Em 1º de julho, a JBS introduziu um novo “índice teórico” que usa a produtividade de uma fazenda para calcular se há suspeita de lavagem de gado e agora verifica as fazendas de fornecedores quanto a embargos do Ibama.  A JBS também disse que está trabalhando em uma versão “verde” dos registros de movimentação de gado com o Ministério da Agricultura do Brasil que mostraria o status ambiental das fazendas fornecedoras. A empresa disse que está discutindo o esquema com o ministério desde 2014.

A Marfrig repetiu suas declarações anteriores e disse estar “totalmente consciente dos desafios relacionados à cadeia de produção animal”, destacando seu mecanismo pelo qual os agricultores fornecem informações sobre seus fornecedores. Ele disse que 53% de seu gado amazônico veio de fornecedores indiretos. A Minerva disse que suas compras de gado na Amazônia eram “100% feitas em fazendas monitoradas”, mas que não era possível rastrear completamente os movimentos de gado na Amazônia sem acesso total aos dados do governo, o que não a empresa declarou não possuir.

Em junho deste ano, uma investigação do Greenpeace relatada pelo The Guardian constatou que a JBS, Marfrig e Minerva haviam comprado gado de uma fazenda que fornecia gado de outra fazenda dentro de uma reserva protegida no estado de Mato Grosso, em co-propriedade do mesmo proprietário – acusado de crimes ambientais. De acordo com um relatório do Observer de 2017 , a JBS havia dito que havia bloqueado as compras de fazendas dentro da reserva.

Neste mês, a Anistia Internacional, com a Repórter Brasil, revelou que o gado que era alimentado em pastos estabelecidos ilegalmente em áreas protegidas do estado da Amazônia de Rondônia havia entrado na cadeia de suprimentos da JBS.

A JBS diz que a empresa “está totalmente comprometida em alcançar uma cadeia de suprimentos de carne sem desmatamento e evitar fornecedores irregulares. Reconhecemos que a rastreabilidade indireta do fornecedor continua sendo um problema no nível do sistema no Brasil e estamos trabalhando com as partes interessadas do governo e da indústria para encontrar soluções viáveis. Instamos qualquer pessoa com evidência de negligência a denunciá-la às autoridades competentes. Também operamos uma linha direta de denúncias da empresa para qualquer funcionário entrar em contato se vir ou suspeitar de irregularidades. ”

Mas Pedersen disse que escândalos como esses, e a resposta da JBS a eles, influenciaram a decisão da Nordea de excluir a empresa de seu portfólio.

“Tivemos várias reuniões com eles no Brasil e atualizações regulares por telefone e vídeo e não ficamos impressionados com o nível de compromisso que poderíamos ver do lado deles”, disse ele. “Se não vemos progresso, temos que dar esse passo.”

A sustentabilidade é cada vez mais importante não apenas para investimentos em ESG, disse Pedersen, mas também para produtos padrão. “Também estamos trabalhando com a Minerva e, claro, com a Marfrig”, disse ele. “O bar continua subindo.”

A JBS disse ao Guardian que não comenta o diálogo com seus acionistas.

Em 23 de julho, a Marfrig lançou seu próprio plano ambicioso para monitorar todos os fornecedores indiretos na Amazônia até 2025 e na região de Cerrado no Brasil até 2030, usando chips em gado, monitoramento por satélite, blockchain e mapas de risco, bem como esquemas para ajudar os agricultores anteriormente envolvidos no desmatamento produz de forma sustentável.

“Faltam detalhes de quando será iniciado, qual é a meta por ano, qual sistema será usado”, disse Daniel Azeredo, o promotor federal envolvido nos acordos de 2009 com as empresas de carne, mas enfatizou: “É positivo plano.” Adriana Charoux, ativista florestal sênior do Greenpeace Brasil, disse que os prazos da empresa eram muito longos. “A Marfrig conhecia as raízes desse problema em 2009”, disse ela.

Minerva disse que em julho começou a testar o Visipec , uma ferramenta de rastreamento baseada em nuvem desenvolvida pela Universidade de Wisconsin e pela Federação Nacional da Vida Selvagem dos EUA. Ele disse que monitora mais de 9.000 fornecedores na Amazônia, mas disse que “atualmente não há dados e estatísticas acessíveis … para determinar o número de fornecedores indiretos no Brasil”.

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Esta reportagem foi inicialmente escrita em inglês e publicada pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Motosserras e cadeias de suprimentos: Como grandes empresas de carne e soja podem parar o desmatamento na Amazônia

Eles não cortam árvores da Amazônia, mas seus fornecedores cortam

pasto queimando

As emissões mundiais de dióxido de carbono podem cair 7% este ano devido a bloqueios em resposta à pandemia, segundo a revista Nature Climate Change. O Brasil é uma exceção gritante. Suas emissões aumentarão de 10 a 20% a partir de 2018, quando foram medidas pela última vez, diz o Observatório do Clima, um consórcio de equipamentos de pesquisa. O culpado é o desmatamento. Nos primeiros quatro meses de 2020, foram estimados 1.202 quilômetros quadrados (464 milhas quadradas) na Amazônia brasileira, 55% a mais do que no mesmo período de 2019, que foi o pior ano de uma década. Em agosto, quando os fazendeiros atearam fogo em áreas limpas para prepará-los para pastar, as chamas fugitivas poderiam superar os que chocaram o mundo no ano passado. Os cientistas dizem que a perda de árvores está chegando a um “ponto de inflexão”, após o que as árvores secam e morrem, liberando bilhões de toneladas de carbono na atmosfera.

Ambientalistas culpam o presidente populista do Brasil, Jair Bolsonaro, pela catástrofe. Ele é favorável à desregulamentação para permitir a extração de madeira, mineração e agricultura na floresta e enfraqueceu a aplicação das leis ambientais. Menos atenção foi dada ao papel de grandes empresas como a JBS e a Cargill, intermediárias globais de carne bovina e soja, os produtos que impulsionam o desmatamento (veja Detalhes gráficos).

soja desmata

Grandes empresas do agronegócio compram a maior parte da produção de soja em municípios onde muitas árvores foram cortadas ilegalmente

As empresas não cortam árvores. Em vez disso, são intermediários em cadeias de suprimentos complexas que lidam com soja e carne bovina produzida em terras desmatadas. O processo começa quando os especuladores, que tendem a operar fora da lei, compram ou capturam terras, vendem a madeira, colocam gado para pastar por vários anos e depois a vendem para um produtor de soja. As terras na Amazônia são cinco a dez vezes mais valiosas quando desmatadas, diz  o pesquisador Daniel Nepstad. Não derrubar árvores teria um grande custo de oportunidade. Em 2009, Nepstad estimou que o custo (em termos de produção perdida de carne bovina e soja) seria de US $ 275 bilhões em 30 anos, cerca de 16% do PIB desse ano.

Sob pressão da opinião pública, as grandes empresas tentaram controlar o problema. Em 2009, um relatório contundente do Greenpeace levou JBS, Marfrig e Minerva, gigantes da carne que, juntos, controlam dois terços das exportações brasileiras, a se comprometer a parar de comprar de fornecedores que desmatam ilegalmente. (O código florestal permite que os proprietários limpem 20% de suas terras.) A JBS, que é originária de uma área na Amazônia maior que a Alemanha, diz que bloqueou 9.000 fornecedores, usando satélites para detectar a limpeza. Negociantes de soja como Cargill e Bunge usam esses sistemas para fazer cumprir um acordo de desmatamento zero para a região desde 2008, quando empresas de varejo como McDonald’s e Tesco disseram que não comprariam mais soja amazônica colhida em terras desmatadas.

the economist graph

Esses acordos contribuíram para um declínio acentuado na taxa de perda de árvores até 2012 (ver gráfico). Antes da “Moratória da Soja”, 30% dos novos campos na Amazônia envolviam a derrubada de florestas. Nos oito anos após a assinatura, 99% da expansão da soja ocorreu em terras já sem árvores. Mas, alerta André Vasconcelos, da Trase, uma organização de pesquisa que acompanha as cadeias de suprimentos de commodities, o frenesi do desmatamento sob Bolsonaro pode reverter essa tendência.

A onda de desmatamento mostra que os acordos têm um calcanhar de Aquiles, diz Nepstad. As grandes empresas ainda não estão exercendo o controle que poderiam sobre todos os seus fornecedores. E mesmo se o fizessem, grandes quantidades de soja e, principalmente, carne bovina, são comercializadas por empresas menores, com incentivos mais fracos para convencer os agricultores a mudar o comportamento.

O problema é especialmente grave na pecuária, responsável por aproximadamente 80% do desmatamento na Amazônia, quase todo ilegal. “As vacas se movimentam”, explica Paulo Pianez, da Marfrig. Todas as fazendas de engorda compradas pelos grandes frigoríficos têm, em média, 23 de seus próprios fornecedores, diz Holly Gibbs, da Universidade de Wisconsin. O monitoramento atual não abrange os pecuaristas que criam e pastam gado, por isso perdem 85 a 90% do desmatamento. Fazendas de engorda desonestas também podem “lavar” o gado, movendo-o para fazendas legais – talvez próprias – antes de vendê-las. Um novo relatório do Greenpeace alega que, por meio desse mecanismo, a Marfrig e a Minerva acabaram vendendo carne bovina de fazendas que desmataram uma reserva protegida da Amazônia na fronteira entre o Brasil e a Bolívia. Eles disseram que não sabiam de nenhuma ilegalidade.

O desmatamento causado pela soja afeta mais diretamente o Cerrado, a savana tropical que fica localizada a sudeste da floresta tropical. No Mato Grosso, estado que atravessa a Amazônia e o cerrado, 27% do desmatamento entre 2012 e 2017 ocorreu em fazendas de soja, de acordo com um novo relatório da Imaflora e do Instituto Centro de Vida (ICV), institutos de pesquisa brasileiros e Trase . O estado fornece um terço das importações de soja da UE do Brasil. Noventa e cinco por cento da clareira nas fazendas de soja eram ilegais. Um terço ocorreu na Amazônia, revelando uma lacuna na moratória da soja. Como abrange apenas as terras onde a soja é plantada, um agricultor que ilegalmente limpa outra parte de sua fazenda – digamos, para gado – pode continuar vendendo para comerciantes, que esmagam e exportam a soja.

André Nassar, da Abiove, um órgão de lobby da indústria da soja, destaca que a área de novos campos de soja plantados em áreas desmatadas no cerrado caiu: de 215.000 hectares por ano em 2000-06 para 79.000 hectares em 2013-18 . O setor deve distinguir o desmatamento legal do ilegal, diz ele – não faz monitoramento anual no Cerrado -, mas fazendas em embarque são de responsabilidade do governo. No entanto, a Bunge e a Cargill prometeram obter somente terras que não foram desmatadas, legal ou ilegalmente. Eles perderam o prazo de 2020, mas planejam ter sucesso em 2025 e 2030, respectivamente.

Talvez as empresas se moveriam mais rápido se sentissem mais pressão de clientes e investidores. Uma das razões pelas quais os gigantes da soja parecem mais sérios do que os produtores de carne para reduzir o desmatamento, diz Maria Lettini, da FAIRR, uma rede de investidores preocupados com a sustentabilidade, é que a maior parte da soja é exportada. A União Europeia é o segundo destino depois da China. Mas as empresas lutam para que as pessoas paguem mais por uma “mercadoria oculta”, diz Juliana Lopes, da Amaggi, uma gigante brasileira da soja. “Você sabe que suas roupas são feitas de algodão e seu chocolate é de cacau”, diz ela. Mas poucas pessoas pagam mais por frango feito com soja sustentável, o que explica por que apenas 2-3% é certificado como livre de desmatamento. Rotular melhor poderia ajudar, diz ela.

Em contrapartida, quatro quintos da carne brasileira são consumidos no Brasil. As exportações vão principalmente para a China, Rússia e Oriente Médio, onde alimentar pessoas é uma prioridade mais alta do que salvar árvores. Os investidores, por sua vez, vêem as empresas de carne bovina como negócios não-sexy, com margens finas. Eles não exigiram grandes esforços para reduzir o desmatamento, diz João Paulo Dibo, da Rio Bravo Investimentos, gerente de ativos em São Paulo. Sexy ou não, os produtores de carne estão indo bem. Enquanto os preços das ações no Brasil caíram 18% este ano, a Marfrig viu seu preço subir 27% e o Minerva recuperou o que perdeu no início da pandemia. A jbs, a maior frigorífica do mundo, disse que 2019 foi o ano mais lucrativo de todos os tempos.

Morgan Stanley, Itaú e Santander se recusaram a discutir empresas de soja e carne com o The Economist. Um novo relatório de 58 páginas do Itaú recomenda investir na JBS, Marfrig e Minerva. (Ele não contém a palavra “desmatamento”.) Isso reflete “miopia” no momento em que o investimento em indústria sustentável está se expandindo rapidamente, diz Fabio Alperowitch, da Fama Investimentos. É um dos 230 fundos com mais de US$ 16 trilhões em ativos que assinaram uma carta após os incêndios do ano passado pedindo às empresas que parem o desmatamento. A BlackRock, um dos dez principais acionistas da JBS, não assinou, apesar de estar desinvestindo do carvão.

A turbulência econômica torna improvável que as empresas gastem muito no combate ao desmatamento, diz Marcello Brito, da Associação Brasileira do Agronegócio. “Os acionistas não querem isso”, diz ele.

Apesar desse desânimo, as empresas dizem que estão progredindo. Os frigoríficos afirmam que estão trabalhando para cumprir sua promessa, feita em 2009, de expandir o rastreamento para fornecedores indiretos. Uma idéia é usar licenças de trânsito de animais, que rastreiam as vacinas à medida que o gado é passado entre fazendeiros, para sinalizar o desmatamento. Mas o Ministério da Agricultura ainda não concordou. o Frigorífico Minerva está considerando usar uma ferramenta desenvolvida pela Universidade de Wisconsin, chamada Visipec, para mapear fornecedores, identificar regiões com alto desmatamento e priorizar fornecedores em outras áreas. O Minerva obtém 30% de sua carne bovina através da criação de ciclo completo, o que pode garantir que é livre de desmatamento. As restrições comerciais podem realmente beneficiar as principais empresas, diz seu diretor de sustentabilidade, Taciano Custodio. “Estamos melhor posicionados para nos adaptarmos.”

Mas a mudança dos três principais frigoríficos não garante uma redução no desmatamento, porque eles representam menos da metade do mercado. “Quando bloqueamos um fornecedor, ele pode atravessar a rua e vender para outro matadouro”, diz Márcio Nappo, da JBS. O progresso de toda a indústria exigirá melhor aplicação e incentivos para os pecuaristas. “Temos que tornar a produção sustentável como um todo”, diz Pianez.

Esse sentimento é ecoado na indústria da soja, onde reprimir o desmatamento é logisticamente simples, mas politicamente difícil. Segundo o estudo de Mato Grosso, 80% do desmatamento ilegal ocorreu em 400 fazendas, 2% do total. Eles são “frutos baixos” para a ação, diz Vasconcelos. Mas dois anos de negociações sobre a expansão da moratória para o cerrado pararam. De acordo com os produtores de soja, as empresas multinacionais falharam em arrecadar US$ 250 milhões para lançar um fundo para compensar os agricultores que retêm florestas. “Eles exigem, exigem, exigem, mas não oferecem nada em troca”, reclama Ricardo Arioli.

A Cargill diz que gastará US$ 30 milhões em maneiras de parar o desmatamento em todo o setor. Marfrig e Amaggi estão apoiando uma iniciativa lançada pelo governo de Mato Grosso em 2015 para reduzir o desmatamento por meio de uma “abordagem da paisagem”. Fernando Sampaio, diretor do comitê, que inclui ONGs e empresas, diz que os municípios que reduzem o desmatamento receberão assistência técnica e crédito e mais negócios das grandes empresas, incentivando outras a seguir. Mas embora a taxa de desmatamento no estado entre agosto de 2018 e julho de 2019 tenha diminuído 4% em relação ao ano anterior, a iniciativa parece estar muito aquém de sua meta de acabar com o desmatamento ilegal até 2020: 85% dos 1.685 km2 desmatados foram feitos de forma ilegal.

Entre os maiores obstáculos ao progresso está a falta de cooperação do governo federal. Em um vídeo de uma reunião de gabinete divulgada em abril pelo Supremo Tribunal Federal, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pediu ao governo que “empurre” a desregulamentação enquanto as pessoas se distraem com a pandemia. Uma mudança de regra na Fundação Nacional do Indio permite que os proprietários reivindiquem pedaços de territórios indígenas que aguardam demarcação oficial. Até a moratória da soja na Amazônia parece instável. Aprosoja, um lobby dos produtores, ameaçou abandoná-lo (porque proíbe o desmatamento legal). A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, chamou isso de “absurdo”.

Reduzir o desmatamento exigirá consenso sobre questões complicadas, como o destino de dezenas de milhares de colonos pobres em terras públicas na Amazônia, onde metade do desmatamento ocorre. No entanto, ambientalistas dizem que o projeto de “regularização fundiária” atualmente no Congresso também concederia títulos para grandes áreas desmatadas a “grileiros”, enviando a mensagem de que uma nova limpeza também pode ser aprovada. Uma versão anterior do projeto foi rejeitada em 20 de maio, depois que os supermercados britânicos ameaçaram boicotar produtos brasileiros.

Embora ainda fracos, esses ruídos estão ficando mais altos. Eles acrescentam ao argumento de que as empresas devem fazer mudanças não apenas por razões éticas, mas também por razões comerciais. Os supermercados podem acelerar as coisas dizendo aos consumidores de onde vêm a carne e a soja. A integração de agricultores e pecuaristas exigirá o equilíbrio certo de pressão e incentivos. As empresas têm alavancagem, insiste Gibbs. Há uma década, depois da JBS, a Marfrig e a Minerva se comprometeram a eliminar os fornecedores que desmataram, mais de 30 outras empresas de carne bovina assinaram acordos semelhantes. “Se você conseguisse que uma grande empresa desse o primeiro passo, outras seguiriam”,  ela prevê. ■

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Este artigo foi originalmente escrito em inglês e publicado pela revista “The Economist” [Aqui!].

Exportações impulsionam desmatamento no Brasil e Indonésia

Estudo afirma que um terço do CO2 liberado pelo desmatamento está ligado às exportações de commodities, como carne bovina, óleo de palma e soja, e questiona atual método de atribuição de emissões aos países.

    
defaultPlantação de palmeiras para produção de óleo na Malásia, um dos maiores produtores mundiais

A margarina que o cientista Martin Persson passa em seus sanduíches todas as manhãs não lhe tira o sono à noite – mas deixa uma leve sensação de culpa.

Persson, pesquisador da Universidade Chalmers, na Suécia, é vegano, mas ele sabe que seu inocente café da manhã ajuda a destruir florestas a cerca de dez mil quilômetros de distância.

Há muito se sabe que o óleo de palma presente na margarina e outros alimentos cotidianos, assim como a carne bovina e a soja, impulsionam o desmatamento em países como o Brasil e a Indonésia.

Mas agora, Persson e uma equipe internacional de pesquisadores calcularam quanto a demanda externa por commodities impulsiona essa destruição.

O estudo, publicado na semana passada, descobriu que de 29% a 39% do dióxido de carbono liberado pelo desmatamento é causado pelo comércio internacional, que leva agricultores a derrubar florestas para abrir espaço para plantações, pastagens e cultivos que produzam bens frequentemente consumidos no exterior.

Os autores escreveram que, em muitos países ricos, as emissões “embutidas” nas importações – relacionadas ao desmatamento – são maiores até do que as geradas pela agricultura local.

“Os responsáveis não são somente os consumidores dos países onde ocorre o desmatamento – isso também é causado por consumidores em outros lugares”, diz Ruth Delzeit, chefe de meio ambiente e recursos naturais do instituto de estudos econômicos IfW, de Kiel.

Isso é importante para contabilizar as emissões de CO2 e decidir a quem atribuí-las. “A ONU atribui as emissões aos países onde elas são produzidas”, comenta Jonas Busch, economista-chefe do Earth Innovation Institute, que luta contra o desmatamento e pela segurança alimentar em países como Brasil, Colômbia e Indonésia.

Na Alemanha, por exemplo, isso significa que as emissões de uvas cultivadas localmente são computadas como alemãs – mas não as emissões da margarina feita com o óleo de palma importado da Indonésia.

Infografik Abholzung Brasilien Indonesien PT

 

A destruição das florestas e matas da Terra, que retiram e armazenam o CO2 da atmosfera, é um grande obstáculo na luta para conter as mudanças climáticas. O problema se agrava ainda mais, dizem os especialistas, através de cadeias de fornecimento e produção complexas, que distanciam os consumidores dos danos decorrentes da fabricação dos produtos.

Para estimar as pegadas de carbono do desmatamento por país e mercadoria, a equipe de pesquisa na Suécia combinou dados do fluxo de comércio com imagens de satélite de mudanças no uso da terra entre 2010 e 2014. Eles não consideraram a perda florestal de atividades não agrícolas – como mineração, urbanização ou incêndios florestais naturais –, que causam cerca de 40% do desmatamento.

Na África, eles descobriram que quase todas as emissões relacionadas à destruição das florestas permaneceram dentro do continente. Mas, na Ásia e na América Latina, quantidades consideráveis do CO2 liberado através da queima e corte de árvores foram, na prática, exportadas para a Europa, América do Norte e Oriente Médio.

De quem é a responsabilidade?

As diferentes formas de contagem de emissões, ou no lugar onde o CO2 é emitido ou onde os produtos cuja produção o liberam são consumidos, levanta questões difíceis sobre de quem é a responsabilidade.

“Você poderia dizer que a União Europeia [UE] é apenas uma pequena parte do problema”, afirmou Persson, referindo-se à alta parcela de consumo que não deixou as regiões tropicais, mas que foi consumida domesticamente.

A maior parte das emissões de desmatamento teve origem apenas em quatro commodities: madeira, carne bovina, soja e óleo de palma. Na Indonésia e no Brasil, respectivamente o quarto e o quinto país mais populoso do mundo, o óleo de palma e a carne bovina têm enormes mercados domésticos.

Mesmo assim, a contribuição europeia é significativa, ressalva Persson. “Na UE, queremos reduzir nosso próprio impacto nas mudanças climáticas – e essa é uma parte importante do impacto causado por nós”.

Em clara discordância com a contagem tradicional do dióxido de carbono, os pesquisadores estimaram que cerca de um sexto do CO2 liberado por uma típica dieta europeia pode ser ligada ao desmatamento em regiões tropicais, por meio de produtos importados.

“Foi uma surpresa para mim”, comenta Persson. “Sim, importamos muita comida, mas a maioria dos alimentos que consumimos na UE é produzida internamente.”

O Brasil exportou um recorde de 1,64 milhão de toneladas de carne bovina em 2018, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), um aumento de 11% comparado com 1,48 milhão de toneladas exportadas em 2017.

A Indonésia é a maior produtora mundial de óleo de palma, que está presente cada vez mais em produtos do cotidiano, como margarina, barras de chocolate, nutella, sabonetes e shampoo.

“O óleo de palma é uma das mais importantes commodities de exportação, então é possível rastrear os efeitos do desmatamento desse comércio, e isso tem um grande impacto na Indonésia”, diz o cientista Ahmad Dermawan, do Centro Internacional de Pesquisa Florestal (Cifor). .

Além de emitir CO2, a queima e a derrubada das florestas também podem causar deslocamento de pessoas, perda de habitat e inundações. No Brasil, terras indígenas estão ameaçadas por lavouras. Na Indonésia e na Malásia, mais de 100 mil orangotangos foram mortos desde 1999, de acordo com um estudo publicado no ano passado.

Consumo crescente

Os especialistas temem que o desmatamento e a destruição associada a ele continuem aumentando à medida que países emergentes se tornem mais ricos. A Índia já é o maior importador de produtos oleaginosos indonésios. A alta do ano passado nas exportações brasileiras de carne bovina, por sua vez, foi impulsionada por um aumento de 53% na demanda chinesa entre 2017 e 2018, segundo dados da Abiec.

“Podemos ver que as exportações para a Índia e a China aumentarão maciçamente no futuro [à medida que crescerem] sua renda per capita”, informa Delzeit. “Eles se aproximam das dietas ocidentais, o que inclui o aumento do consumo de carne.”

Isso tem efeitos para as nações mais ricas, que podem argumentar que sua contribuição para o desmatamento é proporcionalmente pequena.

“A UE e os EUA estabeleceram um padrão global que está sendo absorvido cada vez mais na China, na Índia e em outros mercados emergentes”, diz David Kaimowitz, diretor de recursos naturais e mudanças climáticas da Fundação Ford. “Se eles veem empresas ou países que importam muito desmatamento em seus produtos sendo criticados publicamente ou responsabilizados, isso não é passado para as suas próprias políticas.”

Os mercados de óleo de palma, soja e carne bovina são dominados por um pequeno grupo de multinacionais, algumas delas com sede na Europa e na América do Norte. “Se a UE puder pressioná-las a mudar suas práticas de produção, isso pode ter efeitos em outros países”, afirma Persson.

Mas uma recente decisão da UE de classificar o óleo de palma em biocombustíveis como insustentável, em parte devido a preocupações da opinião pública sobre o desmatamento, provocou temores de uma guerra comercial entre o bloco europeu e os dois maiores exportadores de óleo de palma do mundo, a Indonésia e a Malásia.

Esses países acusaram a UE de protecionismo por reprovarem o óleo de palma sem abordar as preocupações associadas ao cultivo de óleos vegetais menos eficientes, como a colza.

O ministro da Coordenação da Economia da Indonésia, Darmin Nasution, disse neste mês em Bruxelas ser irônico que a UE, que derrubou uma parcela muito maior de suas florestas, estivesse dando conselhos de gestão florestal a países ricos em árvores. Ele também apontou a contribuição do óleo de palma para o alívio da pobreza.

“O foco da perspectiva europeia é o desmatamento, a mudança do uso da terra e assim por diante”, observa Dermawan. “Mas, da perspectiva da Indonésia, trata-se de pequenos agricultores, desenvolvimento e meios de subsistência. Isso também deve ser discutido e contextualizado.”

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Este texto foi originalmente publicado pela Deutsche Welle [Aqui!]