
A recente decisão do governo Bolsonaro de cortar em torno de 40% do orçamento de 2019, sob a batuta do ministro Abraham Weintraub, está sendo recoberto pelo discurso manjado de que está se atacando gastos desnecessários e acabando com a “balbúrdia” que estaria imperando nas melhores instituições de ensino do Brasil. Além disso, como declarou o ministro da Casa Civil na GloboNews, Onyx Lorenzoni, além dos problemas de desvios éticos e morais, as instituições federais de ensino seriam perdulárias e ineficientes.
Esse discurso, entretanto, não sobrevive a um exame mínimo da realidade. As universidades e institutos federais concentram algumas das mais ranqueadas instituições de ensino da América Latina e ali é de onde sai a maior parte da pesquisa científica que ocorre no Brasil.
Além disso, ao contrário do que apregoam o presidente da república e seus ministros, as instituições federais de ensino não são ninhos de esquerdistas tresloucados, o que é demonstrado pelo relativo silêncio que ali imperou durante toda a crise política que levou ao golpe parlamentar que derrubou Dilma Rousseff e lançou o Brasil em uma interminável crise política e econômica.
Então por que tamanho ataque a centros de excelência acadêmica e principais garantidores da produção científica nacional, bem como de formação de quadros profissionais qualificados? A resposta em minha opinião não tem nada a ver com os discursos de ocasião e os falsos moralismos que são apresentados como justificativa para o que está sendo feito e que poderá levar ao desmantelamento do sistema nacional de pesquisa.
O que está em jogo é primeiramente de cunho econômico. A crescente dívida pública está impondo uma necessidade do deslocamento de fatias cada vez maiores do orçamento da União para saciar a fome incontrolável dos bancos e dos grandes especuladores do mercado financeiro. E esta fome não foi saciada sequer com a imposição da PEC do Teto (ou da Morte como preferem outros) que congelou investimentos públicos por 20 anos.
É essa a real razão dos cortes orçamentários que estão sendo feitos não apenas na educação federal, mas em outros setores estratégicos como os da saúde pública e o da habitação popular. Aliás, esse é outra característica do governo Bolsonaro: cria-se o cenário de confusão em torno de um aspecto pontual, enquanto se aprofundam ataques ainda mais amplos a setores para os quais não se chama a atenção.
Mas algo ainda mais importante é que desmanchar o sistema federal de ensino tem perfeita consonância com a imposição de um projeto de vida subordinada e dependente do consumo que estão sendo descartados nos países do núcleo duro do Capitalismo, a começar pelos EUA. Em outras palavras, o desmanche das universidades e institutos federais é apenas outra peça na destruição de um projeto de nação independente no qual ciência e tecnologia são ferramentas de alavancagem para modelos mais autônomos de desenvolvimento.
No caso das universidades e institutos federais esse ataque pode se provar um verdadeiro tiro pela culatra. É que nos últimos anos, em que pese os enxugamentos orçamentários feitos tanto sob a batuta de Dilma Rousseff como a de Michel Temer, o problema não tinha chegado aos níveis alarmantes de agora. Ao provocar a ameaça do colapso, o que o mestre (e não doutor como foi anunciado por Jair Bolsonaro) Abraham Weintraub está fazendo é um verdadeiro desserviço ao Brasil. É que nessas instituições não estão apenas os principais quadros intelectuais que o Brasil possui, mas também segmentos das classes médias que deram ampla sustentação à eleição de Jair Bolsonaro.
Uma coisa que posso afiançar, como docente de uma universidade estadual que está há mais de 4 anos sob o que pode ser visto como um torniquete orçamentário, é que a capacidade de resiliência das nossas instituições públicas de ensino é maior do que dão créditos até muitos que estão dentro delas. Assim, ainda que a situação que se apronta no horizonte seja muito negativa, o que poderá ocorrer é um processo de aglutinação que se perdeu no tempo, mas que marcou a resistência ao regime militar de 1964.
Como os quadros do governo Bolsonaro, a começar por Abraham Weintraub, são, convenhamos, intelectualmente raquíticos, o que está sendo provocado com esses cortes orçamentários poderá ser equivalente a cutucar a onça com a cara curta. É que já se sabe a partir do minguado currículo vitae de Abraham Weintraub que ele não terá como formular uma ação estratégica que seria necessária para alcançar o objetivo maior de destruir o sistema federal de ensino. Com isso, o que deverá vir pela frente nos próximos meses é um processo crescente de embates onde, muito provavelmente, o ministro que ostenta uma produção acadêmica menor do que a de muitos alunos de graduação será cada vez exposto pelo que ele realmente é, uma fraude. A ver!