A enigmática menção de Damares Alves aos ciganos vivendo no Brasil

Especial dia dos CiganosComunidades ciganas sofrem com discriminação e falta de acesso a serviços como educação e saúde nas Américas. Foto: EBC.

Muita coisa já se escreveu sobre os significados visíveis e ocultos das falas dos presentes na famigerada reunião ministerial de 22 de abril.  Até aqui a pior repercussão nacional e internacional está sendo, pasmem, a fala do ministro (ou seria anti-ministro?) do Meio Ambiente que falou em aproveitar a distração causada pela pandemia da COVID-19 para “passar a boiada” (ou o rodo se preferirem) na legislação ambiental existente no Brasil.

Entretanto, uma fala mais pontual da ministra Damares Alves, do ministério que supostamente deve defender as mulheres, as famílias e os direitos humanos.  É uma referência incompleta, e errada, em relação ao número de ciganos vivendo no Brasil (ver imagem abaixo).

Damares e ciganos

A referência é incompleta porque ela começa a falar sobre os ciganos, mas é interrompida. É errada porque Damares Alves fala que existiriam um milhão e quinhentos mil ciganos vivendo no Brasil, enquanto que os números oficiais falam em um terço disso, ou seja, 500 mil indívuos. 

Se vivêssemos sob um governo que queira ressaltar as diferenças para proteger os invisibilizados, eu até relevaria esse “pequeno erro” de contagem de 1 milhão de pessoas. Mas o fato é que não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, os chamados ciganos (que ainda preservam parte de sua identidade nômade onde quer que estejam no planeta) são vítimas de duras perseguições, e tratados como verdadeiros párias pelas classes dominantes.

Há ainda que se lembrar que os ciganos foram especialmente visados pelo regime nazista comandado por Adolf Hitler e também foram alvo das mesmas táticas de extermínio a que foram submetidos os judeus porque também eram julgados como “racialmente inferiores“. A crueldade contra os povos ciganos na Europa sob domínio direto ou indireto do regime nazista foi tão ampla que, na língua utilizada por uma parte da população cigana, o holocausto cigano recebeu o nome de “Baro Porrajmos” que pode ser traduzido em português como Grande Consumação da vida humana, mas também pode esta relacionada ao estupro.

Holocausto-CIgano-2Ciganos são detidos para deportação, pelo governo alemão, em 22 de maio de 1940. Foto: Bundesarchiv, R 165 Bild-244-48 / CC-BY-SA 3.0

Mas voltando ao presente no Brasil, se eu fosse um dos 500 mil ciganos vivendo no Brasil, eu ficaria com a orelhas bem em pé em relação à enigmática menção que lhes fez a ministra Damares Alves na reunião ministerial de 22 de abril. É que dificilmente ela mencionou os ciganos para expressar preocupação com as difíceis condições que a invisibilidade social lhes impõe no Brasil. 

Em tempo, o Instituto Cigano do Brasil já fez publicar uma nota de repúdio não à Damares Alves, mas ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, também durante a reunião de 22 de abril, proferiu a lapidar frase “odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré””.  O Instituto Cigano considera que “manifestações deste tipo são injustas, covardes e causam grande sofrimento o nosso Povo Cigano e os Indígenas. É um ataque à dignidade humana, além de desrespeito a etnias pertencentes ao povo diverso do Brasil“.   É provável, ao menos eu espero isso, que o Instituto Cigano também preste atenção na fala de Damares Alves. Afinal, não pode significar nada de bom para os ciganos que tenham sido lembrados duas vezes na mesma reunião e por ministros tão “ilustres” como Damares e Weintraub.

The Intercept revela que título de mestre de Ricardo Salles na Universidade de Yale é “fake news”

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Os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura) vestidos de índio durante uma visita a um cultivo ilegal de soja em uma terra índigena no Mato Grosso.

Demorou 7 anos mas alguém foi atrás do suposto título de mestre que o ainda ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles, teria obtido na prestigiosoa Universidade de Yale. Esse alguém foi o jornalista Leandro Demori do “The Intercept Brasil” que publicou hoje uma matéria demonstrando que se alguém detém um título de mestre em Direito Público concedido pela Universidade de Yale, esta pessoa não é Ricardo Salles; o mesmo que foi condenado por ter sido flagrado cometendo atos de improbidade para beneficiar mineradoras enquanto era o secretário estadual de Meio Ambiente de Saulo.

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Como o próprio Leandro Demori adianta na matéria, Ricardo Salles não é o único ministro do governo Bolsonaro a ser pego com, digamos, “embelezamentos” no seu currículo acadêmico. Caso pior ainda é o da ministra Damares Alves que dizia ser mestre em Educação e em Direito Constitucional e Direito da Família para depois se descobrir que ela sequer possui um diploma de graduação.

Aliás, o governo Bolsonaro nem pioneiro no abrigo a personalidades que foram pegos com problemas na suas titulações. Em 2013, a ministra da Educação da Alemanha, Annete Schavan, teve que renunciar ao cargo porque ficou comprovado que ela havia plagiado outros documentos acadêmicos na confecção de sua tese de doutorado na Universidade de Dusseldorf.  Já em 2018, a vez de renunciar por irregularidades cometidas durante a obtenção de seu título de mestre foi a ministra da Saúde da Espanha, Carmen Montón  que também foi acusada de possível plágio em trabalho final na Universidade Rei Juan Carlos de Madri.

A diferença entre os casos aludidos acima é que depois de serem flagradas em situação embaraçosa, as ministras da Alemanha e da Espanha saírem rapidamente de seus cargos. Enquanto isso, aqui no Brasil sob o governo Bolsonaro, a ministra Damares Alves desconversou ao dizer que sua titulação era de natureza religiosa, e Ricardo Salles está até agora brincando de estátua para não ter que responder aos questionamentos sobre seu, agora sabemos todos, inexistente título de mestre pela Universidade de Yale.

O interessante é que eu conheço bem o campus da Universidade de Yale, onde frequentei um colóquio semanal que debatia assuntos ligados aos estudos agrários.  E tendo frequentado aquele ambiente austero que é frequentado pela elite estadunidense, realmente não consigo imaginar Ricardo Salles gastando sola de sapato pelas ruas de New Haven. Mas mesmo assim, e independente dos casos fora do Brasil, não deixa de beirar o vexame termos ministros, no caso um estratégico como o do Meio Ambiente, cujos acadêmicos não resistem a uma simples verificação. 

E, mais, o caso de Ricardo Salles deveria servir de alerta para a mídia corporativa checar melhor a capacitação acadêmica de seus colaboradores.  Mas pelo jeito não há muito interesse nisso, desde que o colaborador escreva aquilo que o proprietário do veículo deseja ver escrito. Essa é a mais trágica verdade.

Finalmente, quem desejar ler o artigo de Leandro Demori na íntegra, basta clicar [Aqui!]

 

Socialismo que nada, o verdadeiro alvo do governo Bolsonaro é o Iluminismo

Por isso, os ataques ao direito à educação pública e ao ingresso em universidades

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A imagem acima mostra a Xilogravura de Flammarion, onde um homem medieval com seu bastão, vestido como um peregrino, que olha para o céu como se estivesse encoberto por uma cortina, ele olha como se quisesse conhecer o outro lado da Terra, o que está oculto, o que há além do próprio planeta Terra.

Em uma entrevista que concedi ao jornal português Diário de Notícias no dia 11 de janeiro de 2019, expressei minha preocupação com que eu considero um ataque ideológico contra a ciência no Brasil por parte do governo Bolsonaro.

Pois bem, um amontoado de declarações vindo de diversos dos ministros instalados em cargos chaves para o desenvolvimento social, econômico e cultural do Brasil me fazem agora pensar que o ataque a que me referi vai além da ciência.  É que estão sob ataque também as escolas e universidades, bem como os mecanismos que foram criados para a defesa do meio ambiente.

Um exemplo disso é a proposta da ministra Damares Alves que propõe a adoção de um modelo ainda pouco claro do chamado “home schooling” (ou seja, educação dentro de casa).  Essa proposta atenta contra quase um século (se levarmos o “Movimento da Escola Nova” que foi liderado por Anísio Teixeira na década de 1930) de luta para que seja garantido o direito de que cada brasileiro ter acesso a uma educação pública, laica e a co-educação (i.e., a mesma educação para ambos os sexos). Como um liberal da época, em um pais marcado por profundas desigualdades educacionais, Anísio Teixeira, inspirado no modelo norte-americano, acreditava que todo brasileiro e brasileira deveria ter acesso à escola, pois esta instituição seria capaz de desenvolver as habilidades individuais.

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Ministra Damares Alves, vestindo rosa, com o presidente Jair Bolsonaro.

Com sua proposta de “home schooling”, o que Damares Alves parece avançar é a sua visão de que “meninos vestem e meninas vestem rosa” e de que “as mulheres nasceram para serem mães e que o modelo ideal de sociedade as deixaria apenas em casa, sustentadas pelos homens.”.  Portanto, do alto da sua posição de ministra, Damares Alves avança sua visão de sociedade patriarcal onde cabe à mulher apenas os papéis de reprodutora e cuidadora da prole. Além disso, a proposta desconsidera os múltiplos papéis que a escola desempenha em um país como o Brasil, de possibilitar que os trabalhadores e seus filhos possam se apropriar do conhecimento produzido pela Humanidade e, também, de ser um local de extrema importância no qual muitas mulheres (dados de 2015 apontam que 28,5 milhões de famílias brasileiras eram monoparentais e comandas por mulheres) possam trabalhar e deixar seus filhos em casa.

Não bastasse as ideias retrogradas de Damares Alves, temos ainda as manifestações do ministro da Educação, Ricardo Vélez-Rodriguez, de que “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual, que não é a mesma elite econômica [do país]. Apesar de tentar de desvencilhar do real significado desta posição ao dizer que elite intelectual não é sinônimo de elite econômica, a pergunta que Vélez-Rodriguez é de como ele consegue separar uma coisa da outra em um país onde prevalece uma das concentrações mais abjetas de riqueza no planeta (estando no grupo de 10 países com extrema concentração de riqueza no mundo). Uma única certeza desse projeto de “universidade para as elites” é que se essa ideia vencer, teremos um “branqueamento” das salas de aula a partir do impedimento de que jovens negros e pobres possam almejar educação universitária no Brasil.  Isto se trata de impor um profundo retrocesso, e vai na contramão das políticas educacionais que vem sendo executadas a partir da década de 1990, no qual uma parcela expressiva das classes subalternas teve a oportunidade de ter acesso ao ensino superior.

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Ministro Ricardo Vélez-Rodriguez, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, defende que universidades sejam para a “elite intelectual”.

Como professor de uma universidade pública desde 1998, sou testemunha viva do esforço realizado por centenas de jovens que chegaram ao nível universitário com graves deficiências de formação, as quais foram superadas com grande esforço pessoal e dedicação. E muitos desses jovens são hoje exemplos concretos de alta capacidade intelectual, condição que só puderam alcançar por causa da existência de uma universidade criada por demanda popular no interior do estado do Rio de Janeiro. Essa universidade, a Uenf, é, inclusive, um dos últimos tributos de outro grande líder na luta pela educação pública no Brasil, o antropólogo Darcy Ribeiro, e um dos testemunhos materiais da importância da escola pública no processo de desenvolvimento econômico nacional.

Mas o que a junção das ideias de Damares Alves e Ricardo Vélez-Rodriguez evidencia é que o alvo real dos planos de desmanche do governo Bolsonaro não é uma suposta, mas inexistente, herança socialista deixada pelos parcos anos em que o PT comandou o governo federal. O alvo real são as ideias do Iluminismo do Século do Século XVIII acerca do papel da ciência e da educação no desenvolvimento de uma sociedade que pudesse almejar condições mais dignas de existência de Humanidade.

É essa aversão ao pensamento iluminista que está explicita nas manifestações e projetos que estão sendo gestados pelo governo Bolsonaro. Entender isso e a gravidade do retrocesso que está se montando em diversas áreas essenciais é fundamental para que possamos sair da posição expectante para outra de natureza pró-ativa em defesa da ciência e da educação pública.

Finalmente, imaginemos quão trágico é, em pleno Século XXI, estarmos em uma batalha de vida ou morte para a nação brasileira por ideias que já deveriam ter sido abraçadas desde o Século XVIII. Mas é por é isso mesmo que não há espaço para a dúvida, hesitação ou, menos ainda, resignação. 

Circulando entrevista concedida em Lisboa ao jornal “Diário de Notícias”

Hoje (11/01) foi publicada uma longa entrevista que concedi à jornalista Filomena Naves do jornal português “Diário de Notícias” onde foram abordadas várias questões relacionadas à situação da Amazônia e da ciência brasileira sob a batuta de Jair Bolsonaro e seus ministros, digamos, portadores de opiniões excêntricas sobre várias questões, a começar pelo tema das mudanças climáticas e pela necessidade de controlar o desmatamento que vem crescendo de forma acelerada na maior porção de floresta tropical do planeta.

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Quem desejar ler a íntegra desta entrevista, basta clicar [Aqui!]

Ao atacar Marcos Pontes, Silas Malafaia dá testemunho de porque ciência e religião devem ficar sob os cuidados de quem entende

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A imagem acima mostra a Xilogravura de Flammarion, que é assim chamada porque a sua primeira aparição foi documentada em 1888 no livro L’atmosfera: météorologie populaire (“A Atmosfera: Meteorologia Popular”), de autoria de Camille Flammarion. Ela mostra um homem medieval com seu bastão, vestido como um peregrino, que olha para o céu como se estivesse encoberto por uma cortina, ele olha como se quisesse conhecer o outro lado da Terra, o que está oculto, o que há além do próprio planeta Terra.

Uma das poucas declarações lúcidas pronunciadas por um membro do governo Bolsonaro foi dada pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que rebateu as declarações da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, de que “que a igreja evangélica perdeu espaço na História ao “deixar” a Teoria da Evolução entrar nas escolas sem ser questionada.” [1]. Fontes, enquanto o responsável pelas questões relacionadas à ciência e tecnologia do governo Bolsonaro, rebateu de forma educada dizendo algo que deveria ser senso comum entre qualquer cidadão do Século XXI ao afirmar que “… do ponto de vista da ciência, são muitas décadas de estudo para formar a Teoria da Evolução desde o início. Ou seja, não se deve misturar ciência com religião.”

Essa declaração do ministro da Ciência e Tecnologia que nada tem de extraordinária causou um posicionamento do Pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo   e apoiador de primeira hora da candidatura de Jair Bolsonaro, que usou sua página oficial na rede social Twitter para tentar ensinar a Marcos Fontes a diferença entre “lei” e “teoria” para, em seguida, questionar a validade da Teoria da Evolução de Charles Darwin (ver imagem abaixo) [2].

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Uma nota inicial é que por cerca de 17 anos fui o encarregado de ministrar a disciplina “Fundamentos da Metodologia da Pesquisa” no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense.  E a enunciação das principais diferenças entre “leis”, “teorias”, “hipóteses”, “conceitos” e variáveis” era uma dos primeiros conteúdos que apresentava aos participantes da referida disciplina. A razão para isso era e é bem simples: a maioria dos leigos em ciência não sabem diferenciar uma coisa da outra, o que contribui para a criação de graves distorções na produção de conhecimento científico. É que quem não sabe o básico do básico em termos de formação do conhecimento científico, não terá como produzir ciência.

Por isso ao ler o tweet do Pastor Silas Malafaia me dividi entre um momento de pasmo e outro de dúvida. O pasmo ficou por conta da ação de um pastor tentando ensinar ciência ao ministro da Ciência e Tecnologia. Já a dúvida ficou por conta do quão certo ou errado o Pastor Silas Malafaia em questionar a “verdade” da Teoria da Evolução ao colocá-la num plano inferior ao ocupado pelas leis da ciência.  E, pior, se o Pastor Silas Malafaia estivesse certo, eu teria que procurar todos os participantes das 17 edições que participaram da disciplina “Fundamentos da Metodologia da Pesquisa” que ofereci na Uenf.

Felizmente hoje existem as chamadas ferramentas de busca na internet, e fiz o que toda pessoa deveria fazer antes de escrever sobre algo que não entende, no caso do Pastor Silas Malafaia, ciência.  

Uma busca rápida com os termos “leis”, “teoria” e “ciência” no Google ofereceu “apenas” 26 milhões de links para serem acessados. Se o Pastor Silas Malafaia tivesse tido a curiosidade de acessar pelo menos um desses 26 milhões de links, ele provavelmente não teria tentando desacreditar a Teoria da Evolução da forma tão tosca quanto tentou.

É que, colocando em miúdos, teorias e leis não estão em condições hierárquicas disparatadas como Malafaia tentou dar a entender.  É que leis e teorias científicas apenas tratam de elementos distintos de construção do conhecimento dito científico, sendo o principal deles o fato de que “enquanto as teorias científicas explicam fenômenos da natureza, as leis são descrições generalistas desses fenômenos.” [3].  

E mais importante: teorias científicas são construídas inicialmente como um modelo ideal da realidade, mas só “sobrevivem” se resistirem a seguidos testes relativos à sua validade e replicabilidade.  Além disso, dado que a ciência assume a possibilidade de aperfeiçoamento mediante à eliminação de erros, teorias podem ser aperfeiçoadas ao longo do tempo ou, simplesmente, serem abandonadas por serem refutadas por outras teorias com maior capacidade de explicação sobre um dado fenômeno.

E quando se fala da Teoria da Evolução, pode-se até não gostar da explicação que ela oferece sobre o processo que origina e afeta a dinâmica evolutiva das espécies que vivem na Terra. Entretanto, a Teoria da Evolução já sobreviveu a basicamente todos os testes concernentes à sua validade e sua aplicação universal. Isso não quer dizer que outra teoria não possa competir por uma explicação melhor. Entretanto, não há como disputar boa parte dos seus postulados teóricos, pois os mesmos já foram extensamente demonstrados empiricamente.  E aí é que mora o maior perigo para leigos que tentem adentrar o domínio da ciência. É que a boa ciência deve resistir tanto à testes teóricos como empíricos, não havendo espaço para o sobrenatural nesse tipo de verficação.

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Charles Darwin (1809-1882), naturalista britânico que convenceu a comunidade científica da ocorrência da evolução e propor uma teoria para explicar como ela se dá por meio da seleção natural e sexual.

Assim, o que parece ficar demonstrado neste ataque de Silas Malafaia a  Marcos Pontes é que parece ser mais prudente que o pastor se atenha à religião e o ministro à questão da ciência. Se ambos fizerem isso, é possível que o produto final seja melhor para ambos. E, principalmente, ninguém passará vergonha por falar do que não entende.

Por fim, aos que se interessarem em conhecer mais sobre o processo de formação e evolução da ciência moderna, sugiro a leitura do livro “A Ciência e a Filosofia dos Modernos” do filósofo italiano Paolo Rossi (atenção para o fato de que não é o mesmo Paolo Rossi, o centroavante que destroçou as esperanças brasileiras no Estádio de Sarriá na Copa do Mundo de 1982!) [4]. Considero esse livro excelente para que se entenda os fundamentos da ciência moderna e sempre recorro a ele quando tenha dúvidas sobre o assunto.

Ciência sob ataque no Brasil: um problema que vai muito além das excentricidades de alguns personagens

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Para a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, a “Igreja Evangélica “perdeu espaço” na história e na ciência quando “deixou” a teoria da evolução “entrar nas escolas”

Se observarmos alguns dos principais personagens que formam a equipe ministerial do presidente Jair Bolsonaro notaremos uma evidente tendência a colocar em dúvida muitos elementos já exaustivamente debatidos e investigados pela ciência.

O mais exemplo disso foi o vídeo em que o selfmade man e guru ideológico de Jair Bolsonaro, o duble de filósofo e astrólogo autodidata Olavo de Carvalho, que postou vídeo questionando o heliocentrismo, um fato que já foi demonstrado em diferentes períodos da história da ciência por Galileu Galilei e Albert Einstein [1].

Mas enquanto Olavo de Carvalho emana suas posições anti-ciência do conforto desde Richmond na Virgínia (costa leste dos EUA), dentro do governo Bolsonaro foram postados vários de seus seguidores em posições chaves, a começar pelo Ministério das Relações Exteriores e também no de Educação e Cultura.

Entretanto, mesmo se inexistisse a influência olavista na equipe de governo de Jair Bolsonaro, outras figuras têm usado seus cargos para expressar posições que ou questionam as explicações científicas ou colocam em xeque o simples direito de os brasileiros terem acesso a evidências científicas para formar sua opinião.

Dois exemplos disso são o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que tem colocado em questão a prioridade das mudanças climáticas no tratamento das questões pertinentes à sua pasta [2]. Isto, inclusive, clama a pergunta sobre o que fará o ministro do Meio Ambiente se não vai tratar as mudanças climáticas como um elemento prioritário. Outra que vem se destacando é a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que acaba de ser pega em um vídeo onde apontava a entrada da ciência nas salas de aula como uma derrota para a religião (o que, convenhamos, não deixa de ser verdade) [3].

É importante que se diga que estas declarações anti-ciência não são meras “excentricidades” de pessoas peculiares. O fato é que esse discurso aparentemente excêntrico faz parte de um projeto deliberado de desqualificar a ciência para empurrar o Brasil para formas de exploração do trabalho e das nossas riquezas naturais que não podem ser mais aplicadas nos países do capitalismo central, muito em parte ao que a ciência já verificou teórica e empiricamente.

Em outras palavras, o discurso anticiência visa viabilizar uma forma ainda mais agressiva de capitalismo no Brasil. Por isso, seria um equívoco para os cientistas não se postarem publicamente em defesa das evidências que já existem para uma ampla gama de assuntos, a começar pela questão das mudanças climáticas e do processo de degradação dos biomas florestais existentes no Brasil.

Além disso, apesar das ciências ditas humanas serem frequentemente o alvo do ataque de governos de direita, o que torna as outras ramos da ciência mais imunes a cortes de verbas e perseguições ideológicas, o atual cenário brasileiro é indicativo de que o conhecimento científico será atacado como um todo. É que não há como aplicar um pensamento acientífico sem precarizar e inviabilizar o conjunto das ciências, visto que apesar das divisões esquemáticas, o pensamento científico tende a gerar formas comuns de entender a realidade, a despeito das diferentes aplicações que possam ter em termos disciplinares.

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Galileu Galilei (1564-1642), um dos pais da ciência moderna, quase acabou na fogueira da Inquisição por seus estudos que comprovaram a tese do Heliocentrismo.

Assim, é melhor que os cientistas brasileiros adotem o caminho dos seus congêneres estadunidenses que optaram pela ação política pró-ciência desde o início do governo Trump. Essa política resultou, em outras coisas, em uma forte bancada de deputados na Câmara de Representantes. Mas mais do que isso, houve a repetida realização de marchas pela ciência que mobilizarem milhões de estadunidenses de diferentes idades nas maiores cidades dos EUA.

A verdade é que estamos de um momento crucial para a ciência brasileira, uma espécie de “dá ou desce” para os que desejam que o Brasil chegue a um patamar mais elevado não apenas em termos de sua estatura enquanto Estado-Nação, mas principalmente da possibilidade de que possamos chegar a ser um país menos desigual e menos marcado por graves injustiças sociais como somos agora.