Detalhe do sistema de recife de coral da Foz do Amazonas. Foto: Ronaldo Francini Filho/Greenpeace
Por Carlos Eduardo de Rezende*
Na semana que passou, precisamente no dia 31 de maio de 2023, fui convidado para falar na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara Federal em uma audiência pública sobre a exploração de petróleo na Bacia Sedimentar do Amazonas (ou Foz do Amazonas). Neste dia representei a rede de pesquisadores que compõem o Programa Ecológico de Longa Duração do Grande Sistema Recifal Amazônico (PELD GARS- CNPq) coordenado pelo Nils Edvin Asp Neto (PQ* I D do CNPq) e que faço parte como Vice-Coordenador. Como somos um grupo multidisciplinar, representei vários cientistas, a saber: Ronaldo Francini-Filho (PQ* I D do CNPq), Eduardo Siegle (PQ* I C do CNPq), Claudia Omachi e Michel Mahiques (PQ* I A do CNPq) todos da USP, e, Cristiane Thompson (PQ* I D do CNPq) e Fabiano Thomspson da UFRJ (PQ* I A do CNPq), (Figura 1).
Figura 1: Equipe de Pesquisadores
Nesta audiência tivemos representações do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA), Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climática, Secretários Estaduais de Meio Ambiente dos estados do Amapá e Pará, da Federação Única dos Petroleiros, Instituto Brasileiro de Petróleo, Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, do Ministério de Minas e Energia, Petrobras e Observatório do Clima.
O debate público que vem sendo conduzido por algumas autoridades políticas tem sido realizado de forma enviesada, pois o plano de governo apresentado por Luiz Inácio Lula da Silva tinha o compromisso de cumprir, de fato, as metas de redução de emissões de dióxido de carbono que o país assumiu na Conferência de 2015, em Paris. Além desta meta, este governo se comprometeu com a transição energética e a expansão das fontes de energia limpa e renovável.
O discurso de Lula na COP27, pouco antes da posse presidencial, reafirmou seu compromisso no combate à crise climática e a escolha de Marina Silva, que possui uma longa trajetória de luta pela conservação da Amazônia, trouxe a esperança e alívio diante da catástrofe que foram os últimos anos na Política Ambiental Brasileira. A mudança do nome do ministério para Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, consolidou o caminho para o governo brasileiro voltar a focar na sustentabilidade ambiental, na conservação da biodiversidade e no combate à emergência climática.
O motivo da Audiência Pública foi a solicitação da exploração do Bloco FZA-M-59 que passou por algumas empresas até chegar as mãos da PETROBRAS. O IBAMA fez um parecer técnico extremamente detalhado apontando as lacunas desde o início do processo em 2013 até 2018, e a partir de 2019 transfere a operação para a empresa PETROBRAS.
O IBAMA apontou inúmeras lacunas no processo de licenciamento e nosso grupo aponta para inúmeras falhas na modelagem como ausência das ondas geradas pelos fortes ventos da região que podem levar o óleo para as regiões costeiras em caso de algum vazamento (agudo ou crônico). Outro problema no modelo é a resolução da grade espacial de 7 km que não reconhece as feições costeiras tais como estuários e manguezais que apresentam uma elevada sensibilidade (mais de 80% da área com sensibilidade máxima) identificadas pelas cartas de sensibilidade os derrames de óleo para toda região (cartas SAO).
Neste ponto, ressaltamos a importância da região que possui a maior área contínua de manguezais do país e a segunda do planeta. Os manguezais e estuários possuem uma relevância ecológica e social que tem sido negligenciada durante esta e outras discussões envolvendo o licenciamento de atividades industriais no Brasil. Ignoram que a bioeconomia representa grande importância para as populações tradicionais da região (ex.: a cadeia da pesca do Pargo no Município de Bragança movimenta 100 milhões por ano) e para o país (ex.: produtos naturais marinhos como biofármacos). A região costeira dos estados do Amapá e Pará possuem espaços territoriais protegidos (ex.: Unidades de Proteção Integral e Uso Sustentável, Terras Indígenas e Território Quilombola) e foram negligenciados nos estudos de licenciamento.
Outro ponto que chama atenção é a mudança de posição de alguns políticos que defendiam pautas ambientais e compromissos internacionais e agora afirmam que a exploração e produção do petróleo seriam a grande solução para todas as dificuldades sociais enfrentadas na região, ignorando totalmente as questões ambientais, como se não tivéssemos nenhum risco. Aliás, é importante recordar que a Petrobras teve várias licenças de exploração aprovadas recentemente pelo IBAMA e, portanto, não é uma indisposição do órgão das demandas da empresa. A Petrobras tem experiência anterior na região e sabe que não é uma situação como em outras regiões onde vem operando como na Bacia de Campos e Santos. Na região Amazônica, em 95 poços perfurados no passado, em áreas rasas da Plataforma Continental até 1000 m de profundidade, 27 poços foram abandonados por acidentes mecânicos, 54 sem indícios de óleo e 14 abandonados por logísticas exploratórias. Essas informações, da própria ANP, ressaltam as dificuldades operacionais e mesmo com todas as limitações do modelo, em caso de acidente, a exploração nesta região mais profunda (~ 2800 m) o óleo atingiria rapidamente áreas costeiras internacionais da Guiana Francesa, Suriname, Guiana e chegando até outros países no sul do Caribe.
Ainda sobre a região, a Plataforma Amazônica abriga um extenso sistema de recifes mesofóticos, que são pouco conhecidos e sensíveis: o Grande Sistema Recifal da Amazônia (Francini-Filho et al, 2018; Moura et al, 2016). Os Estudos de Impacto Ambiental realizado pelas empresas não são consistentes e o negacionismo científico junto com notícias falsas estão sendo espalhadas para convencer as partes interessadas sobre os possíveis benefícios econômicos da exploração do petróleo na Margem Equatorial brasileira (Banha et al, 2022). Esse sistema recifal está interconectado com a Floresta Amazônica, estuários e manguezais da região, formando um “megabioma” de extrema importância para milhares de comunidades tradicionais e indígenas locais.
Concluindo, nesta Década das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável, seria importante que nosso congresso estivesse discutindo ações baseadas no conhecimento científico e respeitando os órgãos governamentais responsáveis pelas políticas ambientais que são fundamentais para a credibilidade da política nacional. Toda esta discussão que envolve este falso dilema, mostra o grande descompasso do investimento nas Ciências do Mar Brasileira, pois enquanto a Petrobras detém tecnologia para exploração em águas profundas e ultraprofundas, as ciências marinhas não possuem condições necessárias para estudar a tão conclamada Amazônia Azul embora possua cientistas altamente qualificados.
Observação: PQ significa pesquisador de Produtividade Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Referências
Banha et al (2022) The Great Amazon Reef System: A fact. 10.3389/fmars.2022.1088956
Francini-Filho et al (2018) Perspectives on the Great Amazon Reef: Extension, Biodiversity, and Threats. 10.3389/fmars.2018.00142
Moura et al (2016) Na extensive reef system at the Amazon River mouth. 10.1126/sciadv.1501252
Carlos Eduardo de Rezende é professor titular do Laboratório de Ciências Ambientais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, e Bolsista de Produtividade 1B do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)