Estará Campos preparada para a próxima grande inundação? Tudo indica que não!

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Enquanto assistia a cenas estarrecedoras de cidades inteiras sendo engolidas pelas águas dos rios no RS, me coloquei a pensar o que acontecerá aqui em Campos dos Goytacazes se tivermos uma combinação semelhantes de fortes chuvas nas bacias do Paraíba do Sul e do Muriaé nos próximos anos.  Como já se ensaiou em anos recentes com a elevação do nível dos rios e a entrada de suas águas em partes da cidade, também pudemos ver diferentes prefeitos ostentando impecavelmente limpos jalecos da Defesa Civil como se fossem uma criança indo pela primeira a um desfile de Sete de Setembro.

Mas e o orçamento destinado à Defesa Civil? E os investimentos na manutenção de diques e barragens? E a limpeza de canais com a necessária recomposição das matas ciliares? E, mais ainda, os planos para iniciar o urgente processo de adaptação climática, começando por Santo Eduardo?

Cerca de 90% da população de Santo Eduardo foi atingida pelas fortes chuvas  Folha1 - Geral

Quem assiste hoje de forma aliviada e condescendente às cenas que mostram a desgraça do povo pobre do Rio Grande do Sul deveria estar tomado com o mesmo de alarde e urgência daqueles que hoje estão com água até o pescoço ou abrigados em ginásios de esportes sabendo que não terão mais casas para onde voltar quando as enchentes finalmente retrocederem porque elas foram levadas pelas águas?

Uma coisa é certa: a desgraça dos gaúchos não é algo natural, mas foi produzido por um sistema que despreza os conhecimentos científicos e os alertas sobre a necessidade de se mudar as formas de usar a paisagem natural e de se investir na conservação ou construção de estruturas de adaptação climática.

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05/09/2023, Enchente do Rio Taquari na cidade de Lajeado (RS). Foto: marcelocaumors/Instagram

E sim, quem hoje acha que está fora de perigo precisa saber que esse é um sentimento ilusório e que nas próximas chuvas o Rio Grande do Sul poderá ser aqui.

Campos dos Goytacazes, uma cidade em que não pode chover

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As cenas caóticas que ocorreram na cidade de Campos dos Goytacazes foram uma espécie de repeteco macabro do que vivenciamos ao longo de 2022, trazendo caos e prejuízos para os campistas. Ao ler as reações que foram publicadas na mídia campista surgiram um outro tipo de repeteco que foi associar mais este episódio à causas naturais, puras e simples. Entretanto,como já escrevi e declarei sobre os efeitos de chuvas; o que aconteceu e continuará acontecendo não é o resultado casual do comportamento da natureza.

Uma primeira coisa é que o padrão de chuvas intensificadas está relacionado às modificações climáticas ocasionadas pelas emissões de gases estufa que resultaram na alteração no ritmo e intensidade das precipitações. Assim, dizer que essas chuvas são algo natural e, consequentemente, imutáveis não reflete aquilo que a ciência já determinou.

A segunda coisa é que eu já havia antecipado é que o tipo de isolamento asfáltico que foi aplicado recentemente em partes da área central iria aumentar a chance de inundações naquela área, basicamente porque foi aumentado o grau de impermeabilização das ruas. 

A terceira coisa é que apesar de todo o dinheiro que já foi retirado do bolso dos campistas pela concessionária Águas do Paraíba para tratamento de esgotos, pouco ou quase nada foi feito para viabilizar a remoção mais eficiente das águas da chuva, na medida em que poucas áreas tiveram suas redes de coleta ampliadas.

A quarta coisa é que em determinadas áreas,  escondidas pelo pavimento, existem lagoas fantasmas que fazem hoje o papel de bloquear a saída da água da superfície, causando inundações sempre nas mesmas áreas.  A localização dessas antigas lagoas que foram aterradas para dar vazão a um modelo destrutivo de urbanização está em direta relação com os pontos de inundação, algo que continua a ser solenemente ignorado pelas autoridades municipais.

O somatório disso tudo é o que o mestre em Políticas Sociais, André Moraes Vasconcellos Martins,  já identificou como sendo o produto da aplicação de formas tradicionais de governar que, por sua vez, determinam formas de gestão completamente inadequadas para a atual conjuntura histórica . A persistência dessas formas tradicionais de governar resultará em um ciclo interminável de inundações nos próximos anos, essa é a verdade.

Assim, quanto mais cedo o prefeito Wladimir Garotinho determinar a realização de estudos que possam tratar do problema das inundações dentro da complexidade existente, melhor. Ah, sim, e não vai ser aumentando o uso de pavimentos asfálticos altamente impermeáveis que o problema será reduzido, muito pelo contrário. E antes que eu me esqueça: o primeiro passo que o prefeito deveria dar neste momento seria reverter a inexplicável extinção da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. É que no meio deste caos todo o que emerge é a falta de políticas municipais de cunho ambiental. Desta forma, o quanto antes o prefeito se mover doe um modelo baseado no conceito de “governar é asfaltar” para  o de “governar é respeitar os limites ambientais”, melhor.

Campos dos Goytacazes sente o peso das mudanças climáticas em meio à formas tradicionais de governar

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A tarde desta segunda-feira (19/12) está sendo marcada por chuvas intensas no município de Campos dos Goytacazes e os seus efeitos já podem ser sentidos em diversas partes da cidade, incluindo os que já inundam tradicionalmente e outros que normalmente aguentam mais a chegada de grandes quantidades de água em pouco espaço de tempo, como é o caso da Avenida Sete de Setembro (ver vídeo abaixo).

Como a previsão meteorológica está prevendo que o pico de precipitação será amanhã, não fica difícil imaginar que a Defesa Civil Municipal terá momentos de trabalho intenso, pois há a possibilidade de que as águas adentram residências e obrigam seus moradores a procurem abrigo em outros locais.

Ainda que chuvas intensas ocorram no município, o fato é que estamos presenciando um padrão relativamente singular de chuvas ao longo de 2022, e que tudo indica teremos um versão especialmente chuvoso.

Prever o que estar por vir não chega a ser complicado, pois continuamos vivendo de forma relativamente despreocupados em meio a uma inegável mudança do padrão de chuvas. Mas o problema é que o governo municipal (como o de resto a maioria dos municípios brasileiros) também vive alheio ao que está acontecendo com o clima. Tanto isso é verdade que não há qualquer processo de emergência funcionando, inclusive para acurdir os motoristas campistas que neste momento se encontram ilhados em ruas tomadas pelas águas.

Essa forma antiquada de governar, gosto sempre de lembrar, já está claramente identificada na dissertação de mestrada defendida no Programa de Políticas Sociais da Uenf pelo cientista social André Moraes Barcellos Martins sob o título “ O desafio da gestão urbana em Campos dos Goytacazes no contexto das mudanças climáticas: entre a construção da resiliência e a persistência de fórmulas tradicionais de governar“. Mas mais d oque observar a visão ultrapassada de gestão municipal que perpassa as elites governantes de Campos dos Goytacazes, Barcellos Martins apontou os caminhos para modernizar a forma de governar e melhorar preparar o governo municipal para enfrentar os efeitos quase apocalípticos das mudanças climáticas.

Resta saber se uma hora dessas alguém vai tomar a sério esse estudo feito na Uenf e que já poderia estar sendo usado para impedir a repetição das cenas que cada uma dessas mega chuvas causa na vida da cidade.

Google e Serviço Geológico do Brasil lançam sistema de previsão de enchentes baseado em Machine Learning

Parceria entre as duas instituições permite a chegada do Sistema de Alerta de Inundações ao Brasil, com informações detalhadas sobre inundações ribeirinhas

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A chegada do Sistema de Alerta de Inundaçõesbaseado em Inteligência Artificial e Machine Learning, ao Brasil, foi anunciada nesta terça-feira, dia 29, pelo Google e pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB-CPRM), vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), durante oFórum Understanding Risk, organizado pelo Banco Mundial, em Florianópolis (SC).

A tecnologia, que já é utilizada em outros países, como Índia e Bangladesh agora estará disponível também no Brasil, Colômbia, Sri Lanka e também em 15 países africanos, incluindo Chade, Nigéria, República do Congo e África do Sul. No Brasil, a novidade se junta às soluções do Google de alerta contra desastres ambientais, como os Alertas SOS e os Avisos Públicos.

O Sistema de Alertas de Inundações combina conjuntos de dados como níveis de água dos rios, indicadores meteorológicos e imagens de satélite, o poder computacional e a experiência em aprendizado de máquina para desenvolver sistemas automatizados de previsão e alerta de inundações em escala global.

O Google fornece essas previsões e alertas para indivíduos em risco, governos parceiros e organizações sem fins lucrativos (ONGs) em diversas regiões do mundo. No Brasil, o Sistema será implementado em duas etapas, em parceria com a SGB-CPRM:

  • Emissão de alertas de inundações ribeirinhas em tempo real para mais de 60 localidades em todo o Brasil – mostrando onde as inundações estão ocorrendo em tempo real;
  • Emissão de alertas com previsões de inundações geradas pelo time de hidrologia do SGB-CPRM e pelos sistemas do Google em áreas selecionadas do Brasil.

Esses alertas estarão disponíveis na Pesquisa Google, no Mapas e na nova plataforma de informações sobre enchentes do Google – FloodHub, lançada em 22 de outubro (g.co/floodhub). Ao longo dos próximos meses, a cobertura dos alertas e previsões será expandida para outras regiões do país. A parceria de sucesso entre Google e o SGB-CPRM fornece um modelo para outras organizações desenvolverem projetos ambiciosos de adaptação a riscos climáticos.

Serviço Geológico do Brasil

O Serviço Geológico do Brasil (SGB) opera Sistemas de Alerta Hidrológico em 17 bacias hidrográficas ao longo do território brasileiro, com monitoramento automático de chuvas e níveis de rios, mapas de riscos hidrológicos, e envio de boletins de monitoramento e alerta com previsões de inundação. As informações deste monitoramento são enviadas periodicamente aos órgãos de defesa civil, agentes públicos estaduais e municipais, além da população de modo geral.

Reconhecido como serviço essencial à sociedade, os Sistemas de Alerta do SGB-CPRM consistem no monitoramento e previsão de níveis de rios, gerando e disseminando informações hidrológicas para subsidiar a tomada de decisões por parte da população e dos órgãos relacionadas à mitigação dos impactos de eventos hidrológicos extremos, com atuação já consolidada nacionalmente e executada em parceria com as defesas civis municipais e estaduais.

Inundações

A tecnologia do Google em parceria com o SGB/CPRM chega em momento propício. Isso porque nos últimos anos o Brasil tem sofrido ainda mais com as enchentes, que costumam acontecer de maneira grave entre os meses de dezembro e janeiro. O sistema de previsão de enchentes pode ajudar governos locais, entidades e a população a se prevenir contra desastres naturais.

Segundo relatório das Nações Unidas, o Brasil é um dos países com população mais exposta a riscos de inundações ribeirinhas no mundo. Entre 2000 e 2019, mais de 70 milhões de pessoas foram afetadas por enchentes no país.

As inundações ceifam dezenas de milhares de vidas e geram danos econômicos em todo o mundo anualmente. Seus impactos são particularmente graves para indivíduos e regiões com poucos recursos. A previsão precisa e acessível tem o potencial de diminuir as fatalidades e os danos relacionados, principalmente na economia.

No ano passado, o Google enviou 115 milhões de notificações e alertas de inundações para 23 milhões de pessoas na Índia e em Bangladesh, direcionando-as para alertas de enchentes na pesquisa e nos mapas do Google, ajudando a salvar inúmeras vidas.

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Chuvas intensas alertam para a importância dos investimentos em drenagem urbana nas cidades brasileiras

Soluções práticas e viáveis para evitar essa repetição de erros já existem, como explica o diretor e coordenador da Câmara Técnica de Gestão de Recursos Hídricos da ABES-SP, Luís Eduardo Grisotto. Entre elas, o especialista destaca que a infraestrutura de drenagem e o manejo de águas pluviais urbanas minimizariam os riscos em grande parte das regiões brasileiras.

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O mundo está em transformação. Nas últimas décadas, assistimos a um singular aumento de eventos climáticos catastróficos, alertando para uma situação nunca antes percebida. Somente no ano passado, vimos recordes históricos de temperatura elevada no Canadá, inundações na Alemanha, incêndios recorrentes na Califórnia, Europa, Austrália. No Brasil, além dos incêndios, outro fantasma que traz o alerta para a influência das questões do clima na natureza é o de uma nova crise hídrica, que afetou – e ainda afeta – os reservatórios em boa parte do país.

E agora, neste verão, chegou a vez das chuvas torrenciais e contínuas nas regiões Sudeste e Nordeste, especialmente nos estados da Bahia, de Minas Gerais e São Paulo, cujos efeitos têm sido desastrosos para muitas comunidades e, também, para o meio ambiente. Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden, no sul da Bahia algumas cidades registraram quase 770mm de chuva somente em dezembro, o que corresponde a cinco vezes a média histórica para a região. Igualmente, em São Paulo, de acordo com dados da Climatempo, a cidade recebeu durante o mês de janeiro de 2022 pouco mais de 378 mm de precipitação, 30% a mais que a média histórica, contando com registros diários também significativos, de quase 70mm.

Mas por que nossas cidades sofrem, cada vez mais intensamente, com as chuvas?

Entre as respostas, Luís Eduardo Grisotto, diretor da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES (Seção ABES-SP) e coordenador da Câmara Técnica de Gestão de Recursos Hídricos desta seção, explica que, a despeito de um processo planetário de mudanças climáticas aparentemente em curso (e que tem afetado o regime e a intensidade das precipitações), há um conjunto igualmente importante de elementos que ajudam a explicar esse “sofrimento”. “Entre os fatores, podemos ressaltar os problemas ligados ao descontrole do processo de urbanização e as decorrentes mudanças nas condições de uso e ocupação do solo, sobretudo em áreas ambientalmente sensíveis; as ocupações em áreas de espraiamento natural das águas (as chamadas várzeas), muitas delas irregulares; a canalização de cursos d’água ou a deficiência de estruturas de drenagem; a impermeabilização de ruas e calçadas (ou das próprias edificações); o acúmulo de lixo e entulho em áreas urbanas e cursos d´água; ou a remoção da cobertura vegetal das margens dos rios e córregos”.

Segundo Grisotto, esses são exemplos que, reconhecidamente, têm grande importância na redução da infiltração das águas de chuva e, portanto, no aumento do volume e da velocidade do escoamento superficial dessas águas, alterando o regime hidráulico e de drenagem natural (o chamado “hidrograma de cheias”).

O diretor da ABES-SP salienta, ainda, que os efeitos diretos desse processo são bastantes conhecidos, com destaque para as inundações, para o solapamento de margens e o assoreamento de corpos hídricos. “Além disso, o excesso acumulado de chuvas também é responsável por amplificar as instabilidades geotécnicas, aumentando (ou provocando) eventos de deslizamentos e escorregamentos de encostas, que quase sempre se traduzem em grandes tragédias, como a que ocorreu recentemente no Parque Paulista em Franco da Rocha e em outros 27 municípios da Grande São Paulo”, aponta.

Embora o estudo desses fenômenos e a identificação de áreas com risco potencial de prejuízos à população sejam imprescindíveis, historicamente, a infraestrutura de drenagem e o manejo de águas pluviais urbanas não têm sido priorizados no Brasil. “Consideramos que eles têm sido os `primos pobres´ do saneamento. A falta de planejamento e de investimentos continuados, somadas às dificuldades dos municípios para a implantação de obras ou para a operação e gestão desses serviços, são fatores que deprimem, há décadas, os sistemas de drenagem urbana”, destaca Grisotto.

O especialista avalia que ainda que a aprovação recente do novo marco legal de saneamento sinalize e inspire mudanças relevantes nesse segmento, a mitigação da maior parte dos problemas com inundações ainda parece distante. “É nesse sentido que a ABES, por meio de suas Câmaras Temáticas de Drenagem e de Recursos Hídricos, busca contribuir e mudar essa realidade”, ressalta, e, acrescenta: “por meio de debates, eventos, notas técnicas e informação qualificada, a entidade reúne especialistas e ideias para ampliar a segurança da população diante de eventos extremos, atuando, também, na discussão de soluções e de programas de investimento, em propostas voltadas à maior resiliência e aprimoramento dos serviços de drenagem, além de fomentar o desenvolvimento tecnológico e a convivência harmônica das cidades com suas águas, contribuindo para a melhoria do clima, da paisagem, da qualidade e disponibilidade hídrica e, claro, da sustentabilidade ambiental e urbana”, pontua Luís Eduardo Grisotto.

Sobre a ABES  

Com 55 anos de atuação, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES é uma associação com fins não econômicos, que reúne no seu corpo associativo cerca de 10.000 profissionais do setor.  

A força da ABES está em seus associados.  

A ABES tem como missão ser propulsora de atividades técnico-científicas, político-institucionais e de gestão que contribuam para o desenvolvimento do saneamento ambiental, visando à melhoria da saúde, do meio ambiente e da qualidade de vida das pessoas.   

É a associação brasileira que reúne a diversidade de profissionais e organizações do setor: empresas públicas e privadas, governos, prestadores de serviços, fornecedores, universidades e profissionais de diversas faixas etárias e várias áreas relacionadas ao saneamento, além da engenharia.  

ABES, há 55 anos trabalhando pelo saneamento e pela qualidade de vida dos brasileiros. www.abes-dn.org.br.  

Ecocídio no Cerrado: inundações severas no Brasil como resultado do agronegócio

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Por Norbert Suchanek, Rio de Janeiro, para o JungeWelt

Semanas de chuva contínua e três rompimentos de barragens inundaram grande parte do centro e leste do Brasil e já causaram pelo menos 45 mortes. Mais de 133 mil pessoas perderam suas casas nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí, Bahia, Pará, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. A Bahia é o estado mais atingido, com pelo menos 24 vítimas mortais das enchentes, cerca de 100.000 pessoas forçadas a abandonar suas casas.

A mídia corporativa e os políticos dos estados afetados culpam as chuvas excepcionalmente fortes por esta época do ano e pelas mudanças climáticas globais. Mas isso é apenas meia verdade. O desastre da inundação também é caseiro.

De fato, o desmatamento contínuo das savanas do cerrado do planalto central brasileiro e das altas planícies do Nordeste, e sua conversão em monoculturas em grande escala, particularmente nas plantações de soja, perturbaram gravemente o equilíbrio hídrico da região.

No Brasil, o Cerrado é conhecido como o “Berço das águas”, pois o bioma abastece oito das doze principais bacias hidrográficas do Brasil e grandes rios como o Xingu, o Rio Tocantins e o Rio São Francisco. Mas mais de 50% dos originalmente cerca de dois milhões de quilômetros quadrados do Cerrado já foram desmatados. Somente entre agosto de 2020 e julho de 2021, outros 8.531 quilômetros quadrados foram sacrificados para agronegócios, segundo os últimos números do instituto de pesquisas espaciais INPE, responsável pelo monitoramento florestal via satélite. Pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental  (IPAM) analisaram o  desmatamento na região da frente agrícola do Matopiba que é formada pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. De acordo com estatísticas agrícolas oficiais, a área de soja no Matopiba se multiplicou de cerca de 600.000 hectares em 1995 para cerca de 8 milhões de hectares hoje. E esses são os estados que foram mais atingidos pelas recentes enchentes.

O ecossistema do Cerrado, extremamente rico em espécies, é composto em grande parte por plantas com um sistema radicular complexo e profundo que se estende até 20 metros de profundidade. Eles são adaptados à alternância extrema de chuvas fortes na estação chuvosa e períodos prolongados de seca. Apenas um terço das árvores e arbustos são visíveis na superfície. Dois terços dessas plantas são subterrâneas e podem, assim, reter grandes quantidades de água da chuva e equilibrar o balanço hídrico. Não é o caso das monoculturas que estão se espalhando na região, como a soja ou o milho com suas raízes superficiais. Sua capacidade de armazenamento de água é significativamente menor.

Quando chove, a maior parte da água, enriquecida com solo superficial e  agrotóxicos, vai direto para os rios. Um estudo publicado em 2014 pela Universidade de São Paulo mostrou um aumento de cinco vezes no escoamento superficial devido a monoculturas ou pastagens de gado na região do Cerrado. Nas fases sem cobertura do solo, ou seja, após a colheita e até a semeadura, o escoamento superficial chega a ser até 20 vezes maior do que em áreas de cerrado não desmatadas. O aumento das inundações e assoreamento dos reservatórios são as consequências “naturais”. Acrescente-se a isso a crescente impermeabilização do solo devido à construção de estradas em andamento para o transporte da safra de soja aos portos de exportação e às cidades que se tornam cancerígenas devido ao êxodo rural – e a catástrofe é perfeita.

inundaçãoPessoas em uma rua inundada no sudeste do Brasil, Foto: dpa/Eugênio Sávio

“Se somarmos os efeitos das mudanças climáticas globais ao avanço do cultivo da soja em áreas de alto valor ecológico, vemos que as situações catastróficas na Bahia, Tocantins e Piauí não são nada naturais”, comenta o geógrafo  Marcos Pędłowski, do Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense em seu blog: “O que estamos presenciando hoje é uma combinação particularmente drástica de eventos climáticos extremos e a consolidação de um modelo agrícola predatório que empurra os mais pobres para áreas periféricas onde normalmente não há infraestrutura urbana”.

Pędłowski acrescenta que “curiosamente, a cobertura das corporações midiáticas brasileiras sobre os tsunamis nas cidades direta ou indiretamente afetadas pela safra de soja no Matopiba oculta essas conexões e apenas oferece aos leitores ou telespectadores uma narrativa de catástrofe em que apenas o tema das mudanças climáticas é discutido, e isso apenas vagamente mencionado.”

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Este texto foi originalmente escrito em alemão e publicado pelo jornal “JungeWelt” [Aqui!].

Desastre ambiental no Brasil: Jair Bolsonaro passeia de jet ski em vez de enviar ajuda

Inundações severas no Brasil. O presidente Bolsonaro está de férias. Bahia aceita ajuda da Argentina

chuvas bahiaMorador de Dario Meira na Bahia tentou na última terça-feira resgatar alguns pertences a cavalo

Por Frederic Schnatterer para o JungeWelt

O chefe de estado da ultradireita Jair Bolsonaro passou os dias próximos ao Ano Novo no estado brasileiro de Santa Catarina. Enquanto outras regiões do país sofriam fortes inundações,  Jair Bolsonaro se divertia no jet ski ou no parque de diversões, como mostram as imagens da TV. Para interromper as férias, o presidente finalmente foi movido por dores abdominais na segunda-feira. Ele deu entrada em um hospital de São Paulo na madrugada (hora local) para tratamento.

De acordo com as autoridades locais, no domingo, o estado de emergência foi declarado para 153 comunidades no estado da Bahia, devido ao recorde de chuvas, e 124 vilas e cidades no leste de Minas Gerais. A emissora de notícias latino-americana Telesur informou que pelo menos 31 pessoas já morreram nas enchentes . Além disso, há dezenas de feridos  e dezenas de milhares de pessoas tiveram que deixar suas casas para chegar a um local seguro. Diversos meios de comunicação noticiaram que as chuvas estão diminuindo novamente, principalmente na Bahia. Para as demais regiões do Brasil, porém, a previsão é de fortes chuvas nos próximos dias.

Na quinta-feira, o Bolsonaro – já de férias – recusou uma oferta de ajuda da Argentina, país vizinho ao sul. Ignorando a situação dramática, ele afirmou através do Twitter que o suporte “não era necessário” no momento. Em sua “live” diária, que é transmitida semanalmente nas redes sociais, ele agradeceu ao presidente argentino Alberto Fernández pela oferta. Ao mesmo tempo, porém, afirmou que “dez pessoas não nos ajudariam no momento e podem causar ainda mais dificuldades”. O embaixador da Argentina no Brasil, Daniel Scioli, já havia se oferecido para usar dez chamados capacetes brancos na Bahia, que poderiam, por exemplo, tratar água potável, desinfetar áreas ou aconselhar as autoridades locais.

O governador do Partido dos Trabalhadores (PT) da Bahia, Rui Costa, que já havia afirmado que foi “a pior catástrofe da história baiana”, condenou a oposição de Bolsonaro. Ele anunciou também no Twitter que seu estado aceitaria o auxílio argentino, independentemente da atitude do governo federal. E acrescentou: “Falo a todos os países do mundo: a Bahia aceitará qualquer ajuda neste momento – diretamente, sem que passe pelos canais diplomáticos oficiais”. Costa descreveu 21 milhões de euros oferecidos pelo governo federal para dar conta das consequências das chuvas como “totalmente inadequados”.

Bolsonaro afirmou que o motivo da rejeição da ajuda argentina não se deveu a divergências ideológicas com o governo de Buenos Aires, e que Brasília em geral estava aberta a ofertas semelhantes. Grande parte do público brasileiro não acredita nisso. Fernández é conhecido por criticar duramente o governo brasileiro e é considerado amigo do ex-presidente de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva. O político do Partido dos Trabalhadores (PT), que governou o Brasil de 2003 a 2010 e foi afastado impedido de participar das eleições de 2018 com a ajuda de uma acusação que agora foi claramente identificada como politicamente motivada, deve concorrer contra Bolsonaro nas eleições presidenciais de outubro. Enquanto o apoio à ultradireita continua diminuindo e, segundo a última pesquisa do Datafolha de 17 de dezembro, é de apenas 21%, enquanto Lula deve receber 47% dos votos.

Lula ainda não anunciou oficialmente sua candidatura. Na sexta-feira, porém, ele se dirigiu aos seus compatriotas no estilo de um futuro chefe de Estado. Em saudação de Ano Novo, disse que em 2022 trabalhará para garantir “que todos os brasileiros possam levar uma vida com dignidade e que tenhamos de volta um país que nos enche de orgulho”. Lula também expressou solidariedade aos moradores das regiões inundadas.

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Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo jornal “JungeWelt” [Aqui!].

Chuvas extremas causando destruição e morte na Bahia e na Alemanha, o novo normal (anormal) das mudanças climáticas

Em julho de 2021, partes da Alemanha (primeira economia da Europa) foram arrasadas por eventos meteorológicos extremos que causaram inundações catastróficas que destruíram áreas urbanas e agrícolas, causando prejuízos bilionários e dezenas de mortes. Agora, no estertores de um ano já difícil para os brasileiros, o sul do estado da Bahia está vivenciando problemas altamente parecidos com o que a Alemanha vivenciou há cinco meses, mas com um número de mortos e desabrigados bem maior, ainda que o fenômeno esteja circunscrito em uma região relativamente menor (até agora são 20 mortos e 470 mil desalojados).

Aqui temos o encontro de semelhanças e diferenças, pois as chuvas extremas e concentradas no tempo são algo que já foi associado aos novos padrões climáticos causados pelo aquecimento global do planeta. Mas a diferença nos níveis de organização e agilidade das respostas tem a ver com o desmantelamento e o desfinanciamento da máquina pública, o que vem ocorrendo em nome da sustentação do pagamento de uma dívida pública bilionária, e, obviamente, nunca devidamente auditada.

Para piorar o cenário temos um presidente da república que decidiu tirar férias custeadas pelo tesouro federal, e que se omite (mais uma vez) de agir como o líder de estado que eventos extremos requerem. O mais lamentável é que em vez de se preocupar em liderar a resposta federal á catástrofe em curso na Bahia, o presidente Jair Bolsonaro continua se concentrando em espalhar fake news e se colocar como uma barreira para o processo de vacinação contra a COVID-19.

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Enquanto o presidente Jair Bolsonaro goza férias pescando em Santa Catarina, a população do sul da Bahia tente escapar das inundações causadas por chuvas extremas

O fato inescapável é que as mudanças climáticas estão aqui para ficar e eventos como os vistos na Alemanha e agora na Bahia se tornarão o famoso “novo normal”, o que implica em que nos preparemos para a repetição desse tipo de catástrofe causada por eventos meteorológicos extremos. É que se não houver a devida preparação em diferentes escalas espaciais, o que teremos será uma espécie de “ripple effect” (ou efeito cascata) que ampliará a magnitude dos danos, já que os sistemas naturais são feitos de interligações que tendem a exponencializar os impactos de eventos extremos.

Desta forma, se não houver uma mudança radical nas formas de gerir a cidades e os sistemas naturais onde elas estão inseridas (ou sobrepostas), o mais provável é que tenhamos mais repetições de inundações que causarão mais destruição e morte.  E aproveito para apontar que não se trata de um chute aleatório, mas uma informação baseada em incontáveis estudos realizados sobre o impacto das mudanças climáticas sobre as cidades (aliás, sugiro a leitura da dissertação defendida pelo meu orientando André Vasconcellos que fez um estudo sobre o grau de preparação da cidade de Campos dos Goytacazes para a época de mudanças que estamos vivendo).

Caos no Rio Doce: primeiro o TsuLama, agora a inundação

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A situação ambiental na bacia do Rio Doce já não era boa antes do rompimento da barragem do Fundão da Mineradora Samarco (Vale+BHP Billiton), mas piorou consideravelmente após o início do TsuLama. É que somado aos problemas da erosão de encostas e lançamento de rejeitos urbanos e industriais, há agora a carga física dos rejeitos entulhando trechos inteiros da calha principal do Rio Doce, e que causa reverberações no fluxo hídrico de seus tributários.

Se somarmos a situação do rio à ocorrência de chuvas torrenciais, como está ocorrendo nas últimas semanas, a possibilidade é que as cidades situadas à beira do Rio Doce comecem a sofrer com inundações que, por tabela, trarão para o interior delas parte dos rejeitos que escaparam em Bento Rodrigues.

Pois bem, observando jornais mineiros e capixabas já posso dizer que passamos do campo da possibilidade para o da realidade.  Informações divulgadas pela CPRM e pelas redes sociais dão conta de uma abrupta elevação da cota, e de episódios de inundação em várias cidades, incluindo Governador Valadares (MG) e Colatina (ES).

Logo no início do surgimento do TsuLama comentei aqui no blog e em entrevistas a jornalistas que uma das possíveis consequências do aumento da carga de sedimentos na calha dos rios atingidos direta ou indiretamente pelo problema seria justamente a propensão ao aumento de inundações. Para dizer isso me baseei numa monografia que orientei sobre os efeitos do derrame de bauxita em Miraí (MG) e que atingiu o Rio Muriaé, e que teve como consequência direta o aumento de inundações.

O problema das inundações é apenas mais um que decorre do TsuLama, mas é um particularmente importante porque tenderá a ter efeitos de multiplicação no tempo e no espaço. É que parte significativa do material acumulado na calha do Rio Doce irá demorar muito tempo para chegar ao oceano, o que provavelmente causará a repetição de inundações anuais, mesmo em anos em que o montante de chuvas não justifique a ocorrência.

Por essa e outras é que o recente acordo entre o governo federal e os de Minas Gerais e Espírito Santo com a Vale e a BHP Billiton se torna completamente esquisito. É que em vez de oferecer leniência e o controle efetivo da situação às corporações, o caminho que deveria estar sendo adotado deveria ser justamente o oposto, ou seja, a adoção de punições exemplares e o fortalecimento dos órgãos ambientais.

Agora, aos habitantes das cidades próximas do Rio Doce e de seus tributários o caminho é cobrar a responsabilização de quem causou o TsuLama. Do contrário, o tango da impunidade vai continuar, mas quem vai realmente dançar serão os próprios atingidos.

El País faz matéria que expõe o papel da monocultura da soja nas inundações na América do Sul

Desmatamento para plantio de soja contribui para inundações na América do Sul

O El Niño não explica por si só as enchentes que deixaram mais de 160.000 desabrigados no Paraguai, Argentina, Brasil e Uruguai

ALEJANDRO REBOSSIO

O fenômeno do El Niño trouxe mais chuvas que o habitual ao sul da América Latina, mas por si só não explica as enchentes que deixaram mais de 160.000 desabrigados no Paraguai, Argentina, Brasil e Uruguai. A mudança climática torna mais extremo o fenômeno que causou o transbordamento nos rios Paraguai, Paraná e Uruguai, entre outros, mas há mais razões por trás.

MACRI
O presidente argentino, Mauricio Macri, observa os bairros alagados na cidade de Concórdia. EFE

Diversos especialistas atribuem a gravidade das inundações ao desmatamento ocorrido nos últimos anos no Paraguai, sul do Brasil e norte da Argentina para o cultivo de soja transgênica. O ouro verde geneticamente modificado oferecia alta rentabilidade durante os anos de bonança das matérias-primas, entre 2002 e 2014, além de suportar as elevadas temperaturas da região, antes coberta de matas nativas. “O aumento das precipitações e a significativa perda de cobertura florestal na Argentina, Brasil e Paraguai, que figuram entre os 10 países com maior desmatamento no mundo, não permitiu a absorção natural da água”, alertou o Greenpeace em um documento.

O coordenador da campanha de florestas dessa organização ambientalista na Argentina, Hernán Giardini, explica: “Além de concentrar uma biodiversidade considerável, as matas e selvas desempenham um papel fundamental na regulação climática, na preservação das nascentes e cursos d’água e na conservação dos solos. São nossa esponja natural e nosso guarda-chuva protetor. Quando perdemos matas nos tornamos mais vulneráveis às chuvas intensas e corremos sérios riscos de inundações”. Só restam 7% da superfície original de matas da Mata Paranaense ou Missionária, atravessada pelos rios o Uruguai, Paraná e Iguazú, segundo o Greenpeace. “No Paraguai e no Brasil foi praticamente destruída, a maior parte remanescente se encontra na Argentina”, acrescenta a organização ambientalista.

Efeitos do El Niño

“O El Niño é um fenômeno cíclico, faz parte da natureza, mas seus efeitos podem ser agravados pelo desmatamento”, opina Benjamín Grassi, professor de meteorologia da Universidade Nacional de Assunção. “O desmatamento retira a proteção do solo. O tipo de precipitação que temos é torrencial, e muita água em pouco tempo afeta muito um solo nu, porque permite que a água escorra facilmente e danifique estradas, cultivos”, acrescenta Grassi.

Na Argentina, as inundações atingem a região limítrofe com o Paraguai, Brasil e Uruguai, mas também a província central de Córdoba, onde se reiteram as recriminações à soja. “A problemática não está necessariamente vinculada à precipitação pluvial, mas à ascensão dos lençóis freáticos”, afirma o ministro de Água e Ambiente de Córdoba, Fabián López. “Como consequência de diversas políticas agropecuárias, os cultivos de inverno deixaram de ser desenvolvidos, semeou-se menos milho, trigo e alfafa, e mais soja. Isso gerou um desequilíbrio hídrico, nos últimos anos o lençol freático subiu significativamente e está a poucos centímetros do solo”, descreveu o ministro López. Nesses países que produzem metade da soja de todo o mundo, a oleaginosa não trouxe só bonança.

FONTE: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/12/28/internacional/1451335126_237090.html?id_externo_rsoc=Fb_CM