A criminalização de Junho de 2013 como um sintoma

jun2013

Por Aline Moreira Magalhães para o “Le Monde Diplomatique”

Tornou-se corrente em meios de esquerda localizar o início do bolsonarismo nas manifestações que começaram a ocorrer em junho de 2013 no Brasil. Em suma, nesse período teria se forjado o “ovo da serpente” – para usar uma expressão amplamente adotada – do poder bolsonarista e do alastramento da violência fascista no país. Esse discurso é cada vez mais intensificado conforme os eventos se desenrolam, como o impeachment de Dilma em 2016, a ascensão de Bolsonaro ao poder, o transcorrer excruciante de seu governo, e a ameaça de golpe que ora se abate sobre o governo Lula 3. Essa narrativa, mais do que tentar invisibilizar um evento histórico e sua real composição social, encobre os pressupostos centrais da atuação de um vasto e complexo campo de esquerda no Brasil. Se junho de 2013 demarcou, de fato, um antes e depois, que antes e depois seria esse? Um antes “sem bolsonarismo” e um depois “com fascismo” e tendo Bolsonaro como porta voz? É necessário ir além da conveniência e seletividade argumentativa para apontar com alguma justeza o que efetivamente ocorreu.

O que se chama de Jornadas de Junho de 2013 se trata, em verdade, de uma eclosão de um longo período de mobilizações nacionais – porém concentrados em número e intensidade no Rio de Janeiro e em São Paulo – que durou pelo menos dois anos, se arrastando de maneira mais errática até 2016.1 Mas mesmo se nos ativermos às manifestações de Junho de 2013, sua composição, que chegou a milhões de pessoas participando de atos, era heterogênea a ponto de haver conflitos entre manifestantes com posições ideológicas opostas em sua primeira semana. Como foi o caso do conflito entre os que já vestiam camisa da seleção brasileira e os que vestiam camisas vermelhas e empunhavam bandeiras de partidos da esquerda parlamentar, rasgadas em episódios que deflagraram brigas durante os atos. As manifestações já nesse junho eram majoritariamente compostas por setores populares: professores e estudantes da rede pública de ensino, trabalhadores precarizados, moradores de rua e de comunidades pobres urbanas. Provas disso não faltam a quem se disponha a procurar por imagens na internet. Em uma delas, emblemática desse Junho especificamente, é o dia 20 na Avenida Presidente Vargas, Rio de Janeiro, em que manifestantes, dentre os quais homens negros periféricos, enfrentam um caveirão2 que tentava reprimir e conter a manifestação. 

Manifestantes enfrentam o Caveirão no Rio de Janeiro, em 20 de junho de 2013. (Foto: Daniel Marenco)

Essa cena não foi isolada: enfrentamentos semelhantes e protagonizados pelo mesmo setor social ocorreram em diversos outros atos nos dois anos que se seguiram. Não tardou, assim, para o setor que vestia verde e amarelo se destacasse como divergente a essas bandeiras e táticas e passasse a convocar atos próprios. Ambos os setores, os que empunhavam bandeiras de esquerda, e os que falavam apenas em corrupção vestindo camisa da seleção, passaram a convocar atos separados, em dias e locais diferentes. Isso apenas algumas semanas depois dos meados de junho. 

No entanto, suas dimensões em termos de frequência, intensidade e quantidade de pessoas agregadas se distanciavam abissalmente. Durante dois anos de maneira quase ininterrupta, os atos da esquerda ocorriam duas vezes por semana no mínimo, agregavam de 500 a 20 mil pessoas, eram impreterivelmente reprimidos pela PM, assim como entravam em rota de colisão com ela. Nesse mesmo período, os que hoje são identificados como germe do bolsonarismo, por sua vez, realizavam atos quinzenais ou mensais e suas aglomerações variavam de 100 a 2 mil pessoas. Como ocorre até hoje, esses atos não só não eram reprimidos nem contidos como eram quase aplaudidos pelas PMs, caso pudessem fazê-lo. Tratavam-se de colegas marchando lado a lado, praticamente.

Os atos organizados e convocados pela esquerda procuravam promover pautas de esquerda: de defesa de direitos sociais básicos prescritos pela Constituição, como o acesso à mobilidade e moradia urbana, à educação e saúde de qualidades e públicas. Os atos também rechaçavam duramente a violência policial, reivindicando o fim da PM, e denunciavam o extermínio da população negra, a ponto de ter invertido a narrativa midiática: “vândalo é o Estado”. Defendia, sobretudo, a participação e consulta populares em torno de todas as pautas que afetavam diretamente a sociedade, indo contra a resolução a portas fechadas, que é o procedimento rotineiro estatal quando se trata de assuntos de grande impacto social no Brasil, como a venda de bens e serviços públicos. Por isso alguns dos atos mais duramente reprimidos ocorriam quando o objetivo era interceder uma reunião parlamentar ou votações em assembleias legislativas específicas que definiriam a vida de grande parte dos moradores e trabalhadores das cidades. Os manifestantes e as manifestações de rua adensaram e/ou impulsionaram também as próprias mobilizações de sindicatos, como dos professores, de garis, de motoristas de ônibus, metroviários, de entregadores de aplicativos. 

Em sequência e no bojo desses acontecimentos, outros se desenrolaram, mas para se ater às alternâncias de poder de Estado: Dilma foi deposta em um golpe articulado no Congresso Nacional, em grande medida porque não encaminhou as reformas de interesse do empresariado nacional conforme desenhadas naquele momento, em virtude da efervescência das ruas, e em meio à uma crise econômica3 pela qual não passou seu antecessor.  

O golpe parlamentar de 2016 abriu então caminho para ascensão de uma nova fração da burguesia ao poder no Brasil, encabeçada pela família Bolsonaro, e enraizada em alguns valores caros à formação nacional brasileira, como a aversão violenta e o desprezo a tudo ou quase tudo o que se desloca estética e existencialmente do que é irradiado pela elite nacional e seu padrão de consumo. Essa fração tem características específicas ainda a ser examinadas por estudos mais depurados, mas pode-se dizer que ela se caracteriza principalmente pela premissa de que mais pessoas querem ser ricas ou ter acesso a bens ostentados pelos ricos; que querem se igualar, ou ter chances de construir um lugar ao sol junto ao restrito círculo de milionários e bilionários do país. O pano de fundo, nem sempre explicitado claramente por um patriota do caminhão, por exemplo, é que um Estado justo deveria garantir os meios para isso, em vez de manter os mesmos privilégios de sempre – leia-se aos mesmos sobrenomes de sempre bem como à alta burocracia estatal. É caracterizada, ainda, pela oposição à prática e aos valores da burguesia brasileira mais tradicional, que mantém a concentração financeira, os privilégios materiais e simbólicos em círculos restritos, com perfil aristocrático dotado de um capital cultural forjado e/ou legitimado no conhecimento acadêmico/científico, em lugar de promover a acumulação de riqueza para mais pessoas, ou seja, ampliar um pouco o círculo e também o perfil dos ricos no país – o adjetivo “ressentidos” utilizado pela esquerda encobre com um verniz de superioridade moral uma hierarquia social real. Não à toa, foi Rio das Pedras a primeira favela encurralada pela aliança paramilitar dessa fração burguesa ascendente, materializada na formação das milícias com a influência dos novos ricos, residentes da Barra da Tijuca, vizinha a Rio das Pedras e onde muitos de seus moradores vendem sua força de trabalho. Barra da Tijuca é um conhecido bairro do Rio de Janeiro onde passaram a residir o que se chama, popularmente inclusive, de novos emergentes ricos. Mesmo bairro onde mantém residência a família Bolsonaro.

Ao manter essa promessa no horizonte, o discurso de Bolsonaro ecoa e se ancora fortemente nessa fração e na sua franja, que paira em ocupações e empregos instáveis insuficientes para sua ascensão, crédulas em seu marketing de prosperidade, bens e conforto para mais pessoas – não necessariamente muitas pessoas e certamente meticulosamente selecionadas, a depender de seus vínculos e perfis sociais.4 Por isso é muito caro a Bolsonaro retomar o discurso militar da exploração do que ele classifica como “terras vazias”, como as terras indígenas e de populações tradicionais, onde se encontram preservados recursos energéticos e minerais que, se sobre-explorados (portanto destruídos), seriam capazes de criar mais “novos ricos”. Pelo menos virtualmente a propaganda funciona. Objetivamente é claro que isso não se efetiva, basta ver, por exemplo, o grau de exploração e depauperação em que vivem migrantes que rumam para o norte do país para trabalhar em garimpos.5

O processo de racha do PSDB (via Doria, mas não somente), porta voz da elite mais aristocrática paulistana ao mesmo tempo que procura contemplar os interesses da alta burguesia nacional, e que ditava os rumos estruturais do país sem maiores crises até então, e a ascensão política de um capitão da reserva do Exército, adulador público de um torturador, foram dois movimentos articulados, que pavimentaram os caminhos para o aprofundamento da violência de teor fascista altamente deflagrada em que nos encontramos hoje. No final das contas, o partido apoiou em bloco a candidatura de Bolsonaro, mesmo dentre tergiversações e silêncios de uma prestigiada intelectualidade/elite brasileira que compõe o partido, durante o transcorrer da campanha eleitoral. Do alto de seu preconceito de classe, o setor tradicional-aristocrático do partido tomou por segura a manipulação de Bolsonaro, considerando que moldariam suas ações conforme os interesses representados pelo partido, e as adestrariam conforme, pelo menos, alguns dos seus princípios burgueses mais caros. Acreditaram, sobretudo, que ele realizaria as reformas necessárias à continuidade e aprofundamento de privilégios, como as vendas das estatais remanescentes – inclusive da própria gestão da água, as reformas da previdência, trabalhista e com o desmonte de serviços de educação e saúde estatais – sem maiores riscos de inversão do poder no país. 

Não tardou, entretanto, para que os antagonismos entre esses dois setores – um voltado aos novos ricos (a burguesia véio da Havan), e outro voltado à elite tradicional – se aprofundassem e culminassem com o apoio irrestrito do partido e determinante ao retorno de Lula à presidência, único candidato capaz de vencer a eleição em número de votos frente à extorsão, cabresto e compra de votos com dinheiro público que já se avizinhava a níveis inéditos na história do país. Enquanto isso o PSDB tentava expurgar do partido quadros e discursos bolsonaristas. Porém, depois de todo esse processo e rachas e do que foi o próprio governo Bolsonaro, o PSDB já não representa em sua totalidade a burguesia, nem a paulistana nem a nacional, hoje composta por setores mistos em termos de taxas de lucro e ideológicos, que oscilam entre a fachada democrático-burguesa e o fascismo puro e simples. 

O grosso do que se chama de Jornadas de Junho e seus desdobramentos refere-se em grande medida a manifestações com pautas que se opunham radicalmente a esses setores e seus respectivos projetos de sociedade. E foi o evento histórico que colocou uma lupa sobre todos os problemas intensificados, mas não gerados, no governo Bolsonaro, retirando os problemas estruturais da sociedade brasileira dos escombros da invisibilidade, como é o caso tanto do racismo como do atual problema militar enfrentado pelo governo Lula 3. Pode-se atribuir muitas coisas às Jornadas de Junho de 2013 e seus desdobramentos, inclusive de ser um elemento que contribuiu para a instabilidade do governo Dilma que culminou em sua deposição. Contudo, além de estar longe de ser o único e determinante – Dilma foi deposta por não cumprir a contento o aprofundamento da agenda neoliberal que estava sendo imposta pela burguesia nacional naquele momento –, as mobilizações populares em torno de pautas de esquerda fazem parte da própria história do Partido dos Trabalhadores. Então manifestações populares e trabalhistas com reivindicações claramente de esquerda não deveriam ser uma surpresa desagradável para um partido que supostamente se identifica e surgiu desde os mesmos setores e pautas. 

Mas por que é assim? Por que o esforço reiterado para criminalizar ou jogar no lixo da história qualificando como fascista um dos eventos mais centrais do Brasil contemporâneo? Aí entramos no ponto ululantemente contraditório da questão: para a esquerda brasileira, mas não apenas brasileira, o único enquadramento viável de construção de poder popular localiza-se no Estado-nação, dele emana ou viabiliza-se.6 Não é possível legitimar acontecimentos que o opõem, com o risco de ver ao mesmo tempo estratégias políticas questionadas ou diluídas. Mesmo a retórica variando conforme a situação, na prática grande parte dos partidos de esquerda no Brasil, cujas leituras de realidade e estratégias são amplamente reverberadas e endossadas em redes sociais e canais de mídia, canaliza suas atuações para as eleições da democracia burguesa, as toma como o objetivo final e mais central de um ciclo que se inicia nas formações de organizações “da base” e suas lideranças e culmina principalmente no parlamento nacional, mas também na direção de um sindicato ou de uma central sindical. Faz parte da própria constituição da esquerda no país o foco sobre o poder estatal como um bote salva-vidas que irá livrar todos do “mal maior”, seja ele qual for.7 Não é nem a questão de validar ou não o sistema representativo liberal-burguês, mas uma questão de vetor e de prioridades. Não se cogita sequer o contrário, isto é, das formações e organizações populares serem o verdadeiro e mais importante objetivo final de qualquer atuação de esquerda, já que isso poderia gerar uma transformação da moralidade burguesa, sua desfascistizacão, e poderia construir maiorias graduais capazes de pressionar (Estado, governo ou o que valha) e promover mudanças cada vez mais significativas com vistas à promoção de igualdade social. Claro que essa tendência política que gravita em torno do poder estatal sempre entra em contradição dialética com as próprias forças e movimentos populares que dão legitimidade e força a esses partidos. Entretanto, mesmo esses últimos são, por vezes, enredados na narrativa de que o mais importante é eleger “representantes” na República liberal na qual nos encontramos atados há mais de um século. Vide a catarse coletiva em que se transformou a eleição de 2022. Nesse enquadramento, construir uma sociedade mais justa passa mais por construir e formar representantes, porta-vozes, do que realizar ações concretas e de pressão que visem a construção de uma sociedade mais justa. Não nos deixemos ludibriar com relativizações sobre o que é uma resistência política eficaz: no Brasil, votações em pautas socialmente significativas só venceram e vencem no parlamento e em assembleias legislativas mediante pressão popular intensa e quantitativa, a exemplo da própria Assembleia Constituinte de 1988 – independentemente se houverem ou se fazerem maioria “representantes” da classe trabalhadora ali ou não. E toda essa sobrevalorização da capacidade representativa parlamentar é contraditória em si porque, além de já ter sido demonstrada inoperante pela própria experiência brasileira, rasga a própria tradição teórica que esses setores dizem reivindicar. 

Os resultados de quatro anos de governo Bolsonaro estão aí para quem quiser ver, mas para mencionar apenas o quadro da gestão da violência em um Estado neoliberal, que é o principal dilema nesse início de 2023: houve um avanço territorial e de intensidade do poder paramilitar miliciano, o avanço da articulação nacional das polícias militares (umbilicalmente ligadas às milícias) e da PRF, o financiamento de tentativas de golpe ou de golpes propriamente ditos, antes, durante e depois da eleição pela burguesia média e pelos desesperados que querem ser parte dela: com a diferença que agora eles têm a convicção que conseguem destituir a alta burguesia (atualmente a financeira) do poder. Como acabaram de fazer na Fiesp.

O problema Polícia Militar, e de modo mais abrangente a atual ameaça militar contra o governo eleito, vêm atualmente colados às considerações reacionárias e conservadoras sobre Junho de 2013, justamente o período em que se começou a colocar em evidência a violência policial no Brasil por meio de suas palavras de ordem e estratégias de enfrentamento contra esse tipo de autoritarismo. O irônico é que, pela primeira vez, antes e após a posse, o governo atual do PT tanto convoca as mesmas forças das ruas que culpou como responsável pela sua deposição em 2016, quanto é obrigado a cogitar levar a sério uma de suas principais reivindicações: a reformulação estrutural do lugar dos militares no país. Já aparenta estar mais do que entendido que sem ambos será muito difícil para esse governo seguir incólume, e, muito pior do que isso, evitar o retorno do bolsonarismo (ou algum congênere) ao poder em sua face ainda mais destruidora, como uma autocracia gângster baseada na violência e extorsão milicianas, e em uma exploração do trabalho de fazer revisitar as descrições de Engels sobre a Inglaterra do século XVIII.

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Uma análise e descrição dos antecedentes sociais e econômicos das Jornadas de Junho de 2013 são realizadas em: Ecos de Junho: Insurgências e crise política no Brasil (2013-2018) – Le Monde Diplomatique

2 Tanque militar preto com uma caveira desenhada em suas laterais, símbolo do Bope, utilizado para intimidar e coagir cotidianamente moradores de favela no Rio de Janeiro.

3 Por crise econômica refere-se aqui aos efeitos da crise econômica mundial nas taxas de lucro do empresariado nacional, que passam a demitir trabalhadores em massa, fechar indústrias e filiais, além do processo inflacionário que diminui o poder de compra da classe trabalhadora, aumentando consideravelmente o contingente de desempregados e depauperados.

4 O que é vendido como minimamente digno para pessoas que gostavam, até então, de se sentir “classe média alta” no Brasil é, para além do básico (moradia com localização privilegiada, educação e saúde privadas), ter uma Smart Tv com canais a cabo em cada cômodo, sustentar um carro para cada adulto na família e viajar ao exterior todo ano.

5 Esse discurso tampouco é novo: remonta a todo processo contínuo de formação histórica do Estado capitalista em todo o mundo, apregoando que existem fronteiras/terras a serem vigiadas, ocupadas e exploradas. No Brasil, o regime militar adotou esse discurso amplamente durante a implementação de projetos de desenvolvimento nacional, às expensas de diversos e amplos setores populacionais (ver Otávio Velho, 1976).

6 Reivindica-se de forma uníssona na esquerda a categoria “Estado democrático de direito”, apropriando-se, sem qualquer tipo de crítica, da tecnicidade ficcional da teoria jurídica clássica que justifica a atual democracia republicana liberal. 

7 Ver Revolução e subdesenvolvimento, 1969, de Ruy Mauro Marini.

Aline Moreira Magalhães é antropóloga e doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional, UFRJ.


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Este artigo foi originalmente publicado pelo jornal “Le Monde Diplomatique” [Aqui!].

Manifestações pró-Bolsonaro no 7 de setembro sofrem encolhimento, apesar de continuarem estridentes

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A captura do dia 7 de setembro pela campanha eleitoral do presidente Jair Bolsonaro ainda será estudada pelos historiadores e cientistas sociais do futuro.  É que hoje se completam os duzentos anos da independência política do Brasil, mas que são marcadas pela presença ostensiva de apoiadores de um governo claramente anti-nacional, apesar de todo o discurso em contrário. É que tendo entregue estatais estratégicas ao controle de governos estrangeiros (o da China inclusive), o governo Bolsonaro completou sua obra com uma escancarada abertura à influência de grupos estrangeiros que aagenda, ainda que informalmente, por exemplo, na exploração ilegal de ouro na Amazônia.

Do ponto de vista interna, o governo Bolsonaro implantou políticas que agravaram a fome e a miséria, e tornaram insustentáveis as vidas de milhões de brasileiros. Com seu nacionalismo castiço, Bolsonaro criou um país que não tem empregos, pois aliados como Luciano Havan aproveitam os incentivos para inundar o comércio brasileiro com bugigangas que ninguém mais consome. 

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As multidões (pequenas e barulhentas) que estão hoje nas ruas para apoiar a candidatura de Jair Bolsonaro atendem ao seu chamado por se enxergarem como parte dos milhões que sofrem os efeitos desse governo anti-nacional e anti-povo. Apenas podemos entender essa adesão se olharmos para a estrutura social herdada do período colonial escravocrata que ainda se mantém relativamente intacta. É apenas a negação de olhar para a história brasileira pode explicar que segmentos das classes médias baixas possam aderir a um governante que só tem agido para precarizar suas vidas.  É o poder da ideologia obscurecendo o entendimento da realidade, pura e simplesmente.

A boa notícia é que apesar de estridentes, as multidões bolsonaristas encolheram até no Rio de Janeiro

Imagens aéreas se espalham e internautas apontam que 7 de setembro  bolsonarista em Brasília fracassou: “flopou” - Brasil 247

Pessoas honestas que olham hoje para as pequenas multidões bolsonaristas ficam impressionadas com a quantidade de pessoas que ainda saem às ruas para apoiar Jair Bolsonaro.  O grau de impressão que é causada varia do estado onde a manifestação ocorre para aquela onde ela é mostrada.  Eu que moro em um estado fortemente controlado pela ideologia bolsonarista não me impressiono mais, pois já multidões muito maiores, por exemplo, no período anterior ao golpe parlamentar contra a presidente Dilma Rousseff em 2016.

Ao menos nas imagens que vi de Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro, o grau de estridência foi o costumeiro, mas as quantidades foram visivelmente menores.  Além disso, o uso de imagens fechadas para mostrar o apoio a Bolsonaro é uma demonstração a mais que está se tentando inflar a real afluência aos atos, pois quando as imagens são abertas, é possível ver que não é tanta gente assim (apesar de ainda serem muitas).

O resultado final disso é que nem estamos tendo o golpe de estado que é temido para o segundo sete de setembro seguido, nem houve uma mudança para cima dos presentes nos atos. O resultado disso é que a única esperança real de que os ideólogos da campanha presidencial de Jair Bolsonaro podem ter é que o uso extensivo das imagens fechadas sirva para aquecer uma campanha que nem o aporte milionário tardio em auxílio financeiro para os pobres está aumentando as intenções de voto. 

E com um detalhe: o relógio para o dia do primeiro turno continua avançando de forma inapelável.

Jair Bolsonaro está sob pressão

Investigações e protestos em massa contra o chefe de estado de direita no Brasil

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“Um bom Bolsonaro é um Bolsonaro preso”: A solidariedade com os protestos no Brasil também foi mostrada na metrópole catalã de Barcelona. Foto: imagens imago / ZUMA Wire
Por Peter Steiniger para o “Neues Deutschland”

“Fora com o Bolsonaro!” Em mais de uma centena de cidades em todo o Brasil, as pessoas protestaram no sábado contra a desastrosa política de saúde durante a pandemia corona em seu país . O impeachment do líder extremista de direita Jair Bolsonaro foi convocado em manifestações e comícios. O início de tal impeachment, solicitado pela oposição, é bloqueado pelo presidente da Câmara de Deputados e apoiador do Bolsonaro, Arthur Lira. De acordo com os organizadores, cerca de 800 mil pessoas participaram das manifestações. Os protestos foram, portanto, maiores do que nos dias anteriores de ação em 29 de maio e 19 de junho.

Os protestos foram alimentados pela abertura pelo Supremo Tribunal Federal de uma investigação sobre o Bolsonaro na sexta-feira em conexão com a corrupção na compra da vacina indiana Covaxin. Durante semanas, uma comissão investigativa do Senado trouxe novos detalhes à luz sobre como a proteção da população contra o coronavírus foi sabotada pelo governo de Bolsonaro. O vírus ameaça particularmente as camadas mais pobres da população em condições de vida precárias na periferia das grandes cidades e os povos indígenas do vasto país.

Em vários lugares fora do Brasil, incluindo cidades alemãs como Berlim, Colônia, Münster e Friburgo, ações de solidariedade com o movimento de protesto contra Bolsonaro aconteceram neste final de semana.

O presidente Jair Bolsonaro atacou os manifestantes nas redes sociais e as conectou com os manifestantes. Ao mesmo tempo, ele criticou a cobertura da mídia e reiterou sua afirmação de que a oposição queria chegar ao poder no próximo ano por meio da manipulação eleitoral. Nas pesquisas, o político de esquerda Lula Inácio Lula da Silva está claramente à frente de Bolsonaro.

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Este texto foi escrito inicialmente em alemão e publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

Mídia corporativa “salva” governo Bolsonaro ao não expor o fracasso político das manifestações de hoje

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Desde a manhã deste domingo venho acompanhando a cobertura que os principais veículos da mídia corporativa brasileira estão fazendo das manifestações que ocorreram em diversas partes do Brasil para expressar apoio ao governo Bolsonaro e sua pauta de retirada de direitos sociais e trabalhistas.

A cobertura prima por não mostrar com todas as palavras o que as parcas imagens veiculadas expressam, qual seja, o fracasso de uma tentativa (se essa era mesmo o objetivo) de mobilizar pelo menos aquela parcela que elegeu o presidente Jair Bolsonaro para presidir o Brasil entre 2019 e 2022.

A razão para que veículos que antes se esmeraram em dar coberturas avassaladoras e que multiplicaram o efeito político das manifestações pró-impeachment da presidente Dilma Rousseff é simples: a afluência aos atos organizados por setores que estão envolvidos diretamente com a sustentação do governo Bolsonaro foi ínfima, o que certamente reforçará a crise política em que um mandatário com menos de 5 meses no poder já está imerso.

Uma mostra de como a cobertura está sendo benevolente com o presidente Jair Bolsonaro foi o uso de um dado da Polícia Militar do Distrito Federal que o ato realizado em frente ao congresso nacional teria reunido 10.000 pessoas. Olhando as imagens aéreas e mesmo as mais próximas ao local do ato é fácil verificar que esse número estava inflado.  Não obstante, o número foi repetido diversas vezes pelo repórter da Globo News que cobria o evento de um ponto elevado, e que poderia ter informado da impossibilidade do número estar correto. Entretanto, isto não ocorreu e passou-se a impressão de que a PM do Distrito Federal havia feito a conta certa, quando evidentemente não fez, no melhor estilo do ministro da Educação Abraham Weintraub.

A principal razão para que o fracasso das manifestações em prol do governo Bolsonaro esteja sendo ocultado pela mídia corporativa é simples: os donos dos principais veículos de mídia estão apostando até suas últimas moedas na reforma da previdência e na manutenção do Brasil enquanto um país que se tornou o paraíso mundial do rentismo e da especulação financeira. É que diversos donos de veículos estão entre os principais beneficiados do saque ao dinheiro público que é feito por meio do rentismo.

Para mim o principal termômetro do que virá após este domingo são as novas manifestações que estão marcadas para os dias 30 de maio e 14 de junho, quando os setores que se opõe ao governo Bolsonaro prometem voltar às ruas para protestar contra os cortes feitos no orçamento da educação e da saúde e, principalmente, contra a reforma da previdência. Se os próximos atos da oposição forem maiores do que os de hoje, a batata do presidente Jair Bolsonaro que já está sendo assada em fogo abaixo periga ser passada para a fase das labaredas altas.

É como disse um amigo meu que possui alta astúcia para analisar a política brasileira. O Brasil é o único país em que a história se repete como farsa. É que para esse amigo, o governo Bolsonaro está cada vez mais parecido com os dias finais de outro governo que prometeu acabar com a corrupção no Brasil, o de Fernando Collor. A diferença é que no presente caso o derretimento está se dando numa velocidade infinitamente maior.

 

Reitoria da UNIRIO emite também nota de repúdio sobre prisões e violência policial no Rio de Janeiro

protestos

Nota de repúdio a ações contrárias à liberdade de expressão

A Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) se junta a outras instituições de ensino superior de nosso estado, como a UFRJ e a Uerj, para evidenciar o repúdio a toda e qualquer ação contrária à liberdade de expressão e de manifestação.

Entre os princípios que regem nossa Universidade, conforme o artigo 3º de seu estatuto, estão a democracia e a participação. Além disso, a UNIRIO tem entre seus objetivos a formação de “cidadãos com consciência humanista, crítica e reflexiva, comprometidos com a sociedade e sua transformação”.

Dessa forma, cabe ressaltar nossa preocupação com a ação realizada no último sábado (12 de julho), que resultou na busca e prisão preventiva de cidadãos – configurando criminalização antecipada, sob justificativa de evitar ações que possam vir a ser praticadas. É importante também manifestar posição contrária à violência policial registrada em atos públicos recentes e que atingiu até mesmo profissionais da imprensa.

Tais medidas não correspondem ao que se defende em nossa Instituição e atentam contra os preceitos democráticos vigentes no país.

Luiz Pedro San Gil Jutuca
Reitor da UNIRIO
FONTE: http://www.unirio.br/news/nota-de-repudio-a-acoes-contrarias-a-liberdade-de-expressao

Desafios

ESCRITO POR PAULO PASSARINHO* 

O Brasil encontra-se em um momento extremamente delicado. Após vinte anos da experiência da abertura liberal, estamos vivendo um quadro que combina incerteza econômica, descrença com a institucionalidade vigente e crescente tensão social, por conta da incapacidade da sociedade de encontrar respostas para gravíssimos e diversos problemas sociais que, sem soluções, apenas se agravam.

As manifestações que surpreenderam o país no ano passado não foram raios em céu azul. Refletiram o descontentamento reprimido e iludido por uma era de imposturas, em que o controle da inflação, a redução da miséria, a recuperação do poder de compra dos salários mais baixos – puxada pelos reajustes reais do salário-mínimo – e a expansão do emprego de baixa qualificação foram apresentados como indicadores insofismáveis de uma nova era, de desenvolvimento e combate às desigualdades.

Rigorosamente, essas mudanças, que de fato ocorreram e beneficiaram os “de baixo”, infelizmente tiveram o efeito de legitimar o modelo econômico introduzido no país com a eleição de Collor, com a sua pregação pela abertura econômica e a redução do papel do Estado, e consolidado com as reformas patrocinadas especialmente por FHC.

Lula, com muita habilidade e faro político, construiu um pacto social em torno justamente desse modelo. Garantiu ganhos aos mais pobres e manteve o arcabouço jurídico, político e econômico que interessa aos bancos, multinacionais e agronegócio – setores dominantes e estratégicos de um modelo que aprofunda a dependência produtiva, tecnológica e científica do país e, consequentemente, o nosso subdesenvolvimento.

Uma das consequências mais graves desse processo foi a transformação que o lulismo provocou no bloco de forças – de esquerda – que desde a segunda metade dos anos 1970 havia iniciado um percurso que acabou por levá-lo ao governo federal. A metamorfose política e ideológica do PT, do PCdoB e do PSB – combinada com a crise do trabalhismo brizolista – deixou um vazio à esquerda no cenário político.

O momento atual reflete em boa medida este vazio. As contestações aos partidos e sindicatos, observadas nas jornadas de junho do ano passado, são um exemplo desse fenômeno. A verdadeira rebelião de muitas bases de trabalhadores, conforme temos visto com frequência, atropelando direções sindicais pouco combativas, mostram, igualmente, a insatisfação dos que querem lutar por uma nova ordem e acabam por não encontrar canais de representação à altura da disposição de luta presente.

Contudo, há no Brasil uma esquerda partidária que não se rendeu, procura manter os seus vínculos com os movimentos sociais e, em especial, com os trabalhadores em luta. Entretanto, carece hoje de maior representatividade. O lulismo continua absolutamente hegemônico no movimento sindical e apenas o PSOL, dentre os partidos realmente de esquerda, dispõe de representação parlamentar no Senado e na Câmara Federal, ainda que extremamente minoritária.

Além disso, essa esquerda partidária, é forçoso reconhecer, em boa medida guarda uma grande dificuldade em compreender e dialogar com os movimentos sociais que vêm tomando as ruas do país, embalando uma juventude com pautas de reivindicações as mais variadas, formas de luta e manifestação inovadoras, muita disposição e energia, mas em sua maioria desvinculada e até mesmo refratária à política partidária.

Mas, talvez, a maior dificuldade que essa esquerda legítima apresenta – e que reforça a sua incapacidade em aproveitar o atual momento para se fortalecer – seja a sua incapacidade em formular um programa adequado às condições que a realidade brasileira apresenta, com suas imensas contradições e as exigências que cotidianamente reforçam a luta popular. Bandeiras como a defesa de um “governo dos trabalhadores”, do “poder popular” ou de um genérico “socialismo” são por demais abstratas, propagandísticas e distantes do atual nível de consciência, organização e estágio em que se encontram as lutas concretas dos trabalhadores.

Na maior parte das vezes, aprisionadas a uma visão doutrinária e academicista, as direções desses partidos resistem em apresentar propostas objetivas de reformas da atual institucionalidade, em especial, no campo da economia. Possivelmente, em função do temor de um posicionamento desse tipo vir a ser confundido com o vulgar revisionismo – tão caro e desastroso na história da esquerda –, esses partidos se mostram tão pouco ousados em avançar objetivamente na defesa, por exemplo, de um novo modelo macroeconômico, que dê respaldo a um conjunto de outras reformas estruturais que os brasileiros em luta vêm exigindo.

A próxima disputa presidencial abre, potencialmente, uma enorme possibilidade de se apresentarem propostas sistêmicas, para se enfrentar a atual crise brasileira, que se manifesta da esfera econômica até o âmbito da representação política dos cidadãos, passando pelo conjunto das políticas sociais e de responsabilidade do Estado.

Por que, portanto, não se avançar com propostas que, a partir de uma mudança substantiva da política econômica da abertura financeira, dos juros altos e do câmbio valorizado – que nos amarra e nos atrasa desde os anos 1990 –, abra de fato uma nova conjuntura no país?

A partir de uma nova política macroeconômica, abrir-se-ia a oportunidade de enfrentarmos as graves deformações que temos observado do atual modelo de desenvolvimento – calcado nos interesses das grandes corporações financeiras – e que têm nos condenado ao subdesenvolvimento.

Nosso atual subdesenvolvimento se traduz, por exemplo, na desnacionalização e regressão tecnológica do nosso parque industrial e na dependência a um modelo de política agrícola voltado às exportações e sustentado por um padrão tecnológico atrasado, baseado em pesada carga de fertilizantes químicos e agrotóxicos. Modelo que – além de inviabilizar uma reforma agrária popular, baseada na agroecologia – envenena nossas terras, rios e a saúde de milhões de brasileiros.

A necessária mudança da política econômica terá de nos permitir enfrentar – com recursos orçamentários – uma urgente revolução no padrão de prestação de serviços sociais pelo Estado, com políticas universais e de alta qualidade, conforme reivindicam milhões que se manifestam a favor de um “padrão FIFA” para as políticas de saúde, de educação ou de mobilidade urbana.

Mas, acima de tudo, a própria campanha eleitoral desse ano, mais do que nunca, nos permitirá denunciar o domínio econômico do processo eleitoral e a defesa de um novo modelo de financiamento das eleições e de eleição dos chamados representantes do povo, para os poderes Legislativo e Executivo. As propostas elaboradas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, e já incorporadas por um conjunto significativo de entidades da sociedade civil e movimentos sociais, nos permitiriam avançar para um novo modelo de eleições, onde a vontade popular, e não a força do dinheiro, fosse o seu vetor determinante.

Por tudo isso, me parece essencial que esses partidos realmente da esquerda, uma esquerda que não se rendeu ao lulismo, procurassem um caminho de unidade tática. Não se trata de pretender que cada uma dessas organizações políticas abandone os seus respectivos programas e suas formas próprias de organização. Apenas constato que estamos diante de dramáticos desafios.

Considerando o paupérrimo quadro partidário a que estamos reduzidos, apenas essas esquerdas, com sensibilidade e sintonia às aspirações populares que surgem nas ruas e locais de trabalho os mais variados, poderão evitar o acelerado processo de crise de legitimidade política que vivemos.

*PAULO PASSARINHO é economista

FONTE: http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9636:submanchete230514&catid=72:imagens-rolantes

O manual de repressão do governo Dilma, por Aldo Fornazieri

Exigência Neoimperial

Por Aldo Fornazieri

Como é publicamente sabido, sou ligado ao PT desde os primeiros anos de existência do partido. Esta declaração seria desnecessária se os argumentos do debate público fossem julgados pelo seu conteúdo e não pelo sectarismo adesista que não quer reconhecer o debate democrático e a legitimidade das opiniões dos outros. O fato de alguém militar ou simpatizar com um partido não o isenta do juízo crítico acerca dos rumos partidários ou de governos integrados por membros desse partido. O bem e o interesse de um povo e de um país estão acima dos bens e dos interesses dos partidos.

O fato é que o governo Dilma vem errando em muitas frentes. E quanto menos tem a oferecer para garantir os direitos dos cidadãos, mais parece flertar com o conservadorismo. A aproximação da copa do mundo, que vem se revelando cada vez mais uma escolha errada para o Brasil e uma falta de noção de prioridades para o povo, parece aumentar o risco desse flerte.

O governo parece ter sido tomado por uma fúria legiferante visando regulamentar e criar travas às manifestações populares. Mas não é só ao Congresso que o governo dirige seus esforços legislativos. Em dezembro passado, o Ministério da Defesa publicou a Portaria  N° 3.461/MD, que trata da “Garantia da Lei e da Ordem”. A Portaria se remete ao Artigo 142 da Constituição de 1988, que prevê o uso das Forças Armadas na garantia da “Lei e da Ordem” internas, o que vale dizer, em funções de segurança pública. Convêm lembrar que, na Constituinte, os parlamentares do PT e outros parlamentares progressistas lutaram contra a possibilidade de uso das Forças Armadas para fins de segurança interna, pois ela era de clara inspiração no regime militar.

Mais tarde, na medida em que a Guerra Fria caminhava para seus estertores com o fim da União Soviética, os Estados Unidos, a partir da concepção imperial dos neoconservadores que se articularam nos governos de Bush pai e de Bush filho, pressionaram os países periféricos para que direcionassem as Forças Armadas para as funções de segurança interna. As próprias Forças Armadas dos EUA passariam a desempenhar funções técnicas de polícia, garantindo a Paz e a Lei e a Ordem no mundo, numa clara visão imperial de dissolução das idéias de fronteiras e de interesses nacionais. As Forças Armadas dos países periféricos deixariam de ter a conotação de forças armadas nacionais destinadas à defesa do Estado e do território nacional frente a ameaças externas para se engajarem na vontade imperial de garantir a Lei e a Ordem interna ou em outras partes do mundo onde a Pax americana, elevada ao estatuto dePax mundial, fosse ameaçada. Decorreram daí os conceitos de “guerra preventiva” e de “guerra ao terror”, que autorizam as forças de segurança dos EUA a intervirem em qualquer lugar do mundo para garantir a Lei e a Ordem.

Em que pese o fracasso dos esforços conservadores na afirmação de uma ordem neoimperial, as tentativas de destinação das Forças Armadas em países periféricos para funções de garantia da Lei e da Ordem internas não foram afastadas. Agora a portaria do Ministério da Defesa confirma essas funções. Esta Portaria, nos seus pressupostos e nos seus objetivos, se inspira claramente na Lei de Segurança Nacional do regime militar.

A Portaria do Ministério da Defesa

Como se sabe, a Lei de Segurança Nacional do regime militar voltava-se para a segurança interna e articulava-se em torno da necessidade de combater o “inimigo interno”. O parágrafo primeiro do Artigo 3° diz o seguinte: “A segurança interna, integrada na segurança nacional, diz respeito às ameaças ou pressões antagônicas, de qualquer origem, forma ou natureza, que se manifestem ou produzam efeito no âmbito interno do país”. A Portaria substitui o conceito de “inimigo interno” pelo de “forças oponentes”. Define: “Forças Oponentes (F Opn) são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Na sequência define-se o que se entende por ameaça: “Ameaça são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a ordem pública ou a incolumidade de pessoas e do patrimônio praticados por F Opn previamente identificadas ou pela população em geral”.

É preciso perceber que a definição de “ameaça” assume todo o viés dos regimes autoritários: não apenas organizações e grupos representam ameaças, mas a própria população em geral. Aqui a oposição é clara: trata-se de proteger o Estado contra a sociedade. A sociedade (força oponente), representa uma ameaça potencial à ordem pública – prerrogativa exclusiva do Estado. Nas “Considerações Iniciais” da Portaria se diz que as Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) são operações de “não guerra”, mas se reconhece que podem, “em circunstâncias especiais, envolver o uso da força de forma limitada, podendo ocorrer tanto no ambiente urbano quanto rural”. Isto equivale dizer que poderão ser feitas operações de guerra limitada.

Mais adiante, a Portaria afirma que deverá ser usada a dissuasão para evitar confrontos entre as Operações de Garantia da Lei e da Ordem e as Forças Oponentes. Mas acrescenta que se a dissuasão não funcionar e as condições o permitirem “a tropa deverá fazer uso progressivo da força”. A Portaria prevê ainda o emprego de operações de inteligência e contrainteligência, emprego da comunicação social e de operações psicológicas.

A portaria afirma que em Operações de Garantia da Lei e da Ordem não existe a caracterização de “inimigo” na forma clássica das operações militares. E neste ponto existe uma definição mais clara do que sejam as Forças Oponentes:

“a) movimentos ou organizações;

b) organizações criminosas, quadrilhas de traficantes de drogas, contrabandistas de armas e munições, grupos armados etc;

c) pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações ou em OSP, provocando ou instigando ações radicais e violentas; e

d) indivíduos ou grupo que se utilizam de métodos violentos para a imposição da vontade própria em função da ausência das forças de segurança pública policial”.

O que fica claro é que qualquer movimento social ou até mesmo partidário poderá ser enquadrado como Força Oponente. Chama a atenção também o que a Portaria entende o que sejam ameaças:

“a) ações contra realização de pleitos eleitorais afetando a votação e a apuração de uma votação;

b) ações de organizações criminosas contra pessoas ou patrimônio incluindo os navios de bandeira brasileira e plataformas de petróleo e gás na plataforma continental brasileiras;

c) bloqueio de vias públicas de circulação;

d) depredação do patrimônio público e privado;

e) distúrbios urbanos;

f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas;

g) paralisação de atividades produtivas;

h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País;

i) sabotagem nos locais de grandes eventos; e

j) saques de estabelecimentos comerciais”.

O destaque aqui vai para as letras c, d, e, f, gj. Em tese, a Portaria entende que é possível empregar as Forças Armadas em protestos, quebra-quebras, conflitos urbanos, invasões e ocupações mesmo em aeras privadas e greves. Basta que haja um entendimento de que as forças policiais não são capazes de enfrentar esses conflitos e, a partir disto, por decisão da presidência da República, ou mediante uma requisição até mesmo demandada por um governador, para que ocorra uma militarização de conflitos sociais inerentes a qualquer processo democrático. A Portaria merece uma análise mais aprofundada que foge ao âmbito deste artigo. Mas o que fica claro é que ela resvala para uma perigosa possibilidade militarização dos conflitos sociais. Conflitos e movimentos sociais que precisam ganhar as ruas para conquistar direitos, dada a impermeabilidade e a carência de legitimidade das instituições e dos partidos. Se isto ocorrer, a democracia brasileira assumirá um forte contorno repressivo.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política.

FONTE: http://jornalggn.com.br/noticia/o-manual-de-repressao-do-governo-dilma-por-aldo-fornazieri#.UwsokyMckts.facebook

Black Bode expiatório

Os fatos dos últimos dias em 10 passos, por Samuel Braun. Via coletivo vinhetando

1 – Fabio se entrega voluntariamente à polícia, acompanhado de um advogado particular.
1.A – Nenhum manifestante (ou PM) se entregou até hoje, em nenhuma manifestação.
1.B – Fabio não estava foragido, nem procurado, ele resolveu se apresentar ‘voluntariamente’.

2 – Seu advogado é o mesmo que fez a defesa de ex-vereador miliciano preso em penitenciaria federal.
2.A – O miliciano preso é irmão de outro miliciano preso, Jerominho, do mesmo partido (PMDB) do governador e do prefeito, alvos dos protestos.
2.B – Quando defendia o miliciano, responsável pela morte de diversas pessoas em chacinas, este advogado não entregou seu cliente em nenhuma delegacia.

3 – Advogado denuncia, através de seu assistente, o deputado Freixo como ligado aos atos criminosos em apuração.
3.A – Após fazer questão de comunicar esta versão ao delegado e registrá-la, voltou atrás. Não antes de toda míidia dar ampla divulgação.
3.B – Freixo concorreu contra Eduardo Paes e se constituiu como único candidato forte de oposição ao atual governo.

4 – Fabio alega que apenas entregou o artefato, que outra pessoa o detonou, mas não sabe quem foi.
4.A – Fabio repentinamente conhece alguem, que conhece alguém que sabe nome, apelido e CPF deste que teria acendido o artefato.
4.B – O tal denunciante não é revelado, e o advogado é que assume a responsabilidade pela denúncia.

5 – O advogado Jonas denuncia à polícia quem teria sido o detonador do artefato. A estratégia da defesa de Fabio é responsabilizar Caio, negro de cabelo curto e duro.
5.A – As imagens apontam um rapaz claro, cabelos lisos e volumosos.
5.B – Polícia vai a caça de Caio na casa de sua família. Jonas, o advogado denunciante vai junto.

6 – Partem num avião um delegado do Rio, o advogado denunciante e a imprensa para prenderem Caio na Bahia, após sua família ser pressionada a entregá-lo.
6.A – Caio é preso pelo delegado e pelo advogado denunciante. Um trunfo para a defesa de Fabio.
6.B – Inexplicavelmente, o advogado de Fabio, denunciante e auxiliar na captura, vira defensor TAMBÉM de Caio.

7 – Jonas, que não entregou Natalino, mas entregou Fabio, acusou e prendeu Caio agora defende Caio contra Fabio e Fabio contra Caio.
7.A – a polícia aceita que um advogado da parte ré participe de uma operação policial.
7.B – Autoridade policial aceita, sem estranhamento, que advogado de um réu que denunciou outro e auxiliou na prisão deste siga como defensor deste.

8 – Jonas, o advogado que faz prisões, e a Globo, que teve permissão pra cobrir com exclusividade a operação (porque, porque?) dizem que Caio afirmou que “políticos aliciam para manifestações”.
8.A – Caio não assinou nenhuma declaração nesse sentido. Um vídeo mostra que ele disse claramente que pessoas são convocadas (não aliciadas) e que é papel da polícia investigar quem convoca (portanto, não acusou ninguém, muito menos políticos).

9- Senadores do PT, PRB e PP (aliança dos governos municipal e estadual, foco dos protestos) apresenta projeto que tipifica manifestação e greve como terrorismo. Outro senador do mesmo partido sobe na tribuna exigindo urgência na aprovação.
9.A – Secretário de Segurança do Rio apresenta projeto para Congresso (!!!) para tipificar tambem crime de desordem e incitação a desordem pública.
9.B – Imprensa, liderada pela Globo, exige maior repressão policial e jurídica ao que chama de atentado à liberdade de imprensa.

10 – Instituições democráticas, partidos de esquerda, militantes e personalidades ligada aos governos apoiam a cruzada acima.
10.A – Em se aprovando os projetos, todas as atividades dos sindicatos, entidades estudantis e movimentos sociais serão considerados terrorismo e desordem pública.
10.B – Santiago foi a 10ª pessoa morta em decorrência das manifestações, a primeira por conta de manifestantes. Das outras 9, nem o nome se sabe direito.

FONTE:http://rebaixada.org/os-fatos-dos-ltimos-dias-em-10-passos-por-samuel-braun-via-coletivo-vinhetando/