Rio Morto: Elementos potencialmente tóxicos acumulados em bananas cultivadas em solo com rejeitos de minério do desastre de Mariana excedem valores-limite da FAO

Chumbo presente na fruta é o principal motivo; trabalho também avaliou os riscos do consumo de cacau e mandioca plantados em Linhares (ES), área impactada pelo rompimento da barragem de Fundão (MG), há dez anos

Grupo de pesquisa alerta que o consumo contínuo de alimentos cultivados em solos contaminados pode significar risco carcinogênico pela acumulação a longo prazo no organismo de elementos potencialmente tóxicos (montagem de imagens de Pixabay e Wikimedia Commons)

Karina Ninni | Agência FAPESP  

Cientistas das áreas de geoquímica de solos, engenharia ambiental e saúde ligados à Universidade de São Paulo (USP), à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e à Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) avaliaram os riscos de consumo de banana, mandioca e polpa de cacau plantados em solos impactados pelos rejeitos de mineração de ferro no estuário do rio Doce, em Linhares (ES). A região vem recebendo o material desde o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão (MG), em novembro de 2015.

Nos solos, as concentrações de cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo ocorrem associadas ao principal constituinte do rejeito – óxidos de ferro. A equipe também descobriu que há um possível risco à saúde associado ao consumo, por crianças de seis anos ou menos, das bananas plantadas em solos impactados pelos rejeitos. 

“Nosso grupo vem estudando os impactos do rompimento da barragem há anos. Obtivemos a primeira amostragem sete dias após o acidente e, imediatamente, compreendemos que existia um risco iminente de contaminação de plantas, solo, água e peixes. Mas persistia a pergunta: essa contaminação traz risco para a saúde humana?”, lembra Tiago Osório, agrônomo e professor no departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

Em artigo publicado na Environmental Geochemistry and Health, o grupo se dedica a responder a essa pergunta, revelando como as plantas acessam os elementos potencialmente tóxicos (EPTs) associados ao rejeito, acumulando-os em suas partes comestíveis, e de que maneira esse material chega à cadeia trófica. O artigo é parte do doutorado de Amanda Duim pela Esalq. Além de já ter rendido sete publicações em revistas internacionais, a tese de Duim ganhou dois prêmios em 2025: o Prêmio USP de Tese, na área de Sustentabilidade, e o Prêmio Capes de Tese. Ela recebeu apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado.

O suporte da FAPESP aos trabalhos do grupo estende-se a duas bolsas de pós-doutorado (20/12823-5 e 21/00221-3); dois auxílios à pesquisa (23/01493-2 e 22/12966-6); uma bolsa do programa de fixação de jovens doutores e uma bolsa de iniciação científica.

Concentração alta

Segundo Duim, primeira autora do artigo, o diferencial do trabalho é que a equipe correlacionou o risco à saúde humana com a transferência dos EPTs do solo para a planta. “O teor dos óxidos de ferro no solo, que são os principais constituintes do rejeito, está correlacionado ao teor deles na planta. Estudamos a passagem de constituintes do rejeito do solo para a água e da água para a planta, incluindo suas folhas e frutos.”

“Primeiro, é preciso saber quais elementos estão ali e em que quantidade, para entender a dinâmica bioquímica de sua liberação”, explica Osório.

Duim começou o doutorado em 2019 trabalhando com plantas de regiões alagadas para remediação de ambientes contaminados. “Avaliamos espécies cultivadas e nativas. No caso das últimas, queríamos saber como afetam a dissolução do óxido de ferro e, nesse processo, tentar entender se os EPTs associados a esse rejeito vão para dentro da planta, e de que maneira, já que diferentes espécies têm formas diversas de acumular EPTs”, detalha a pesquisadora. “A ideia era descobrir quais seriam as melhores nativas para remediação de ambientes contaminados e chegamos a mais de uma espécie que pode cumprir essa função, com resultados já publicados inclusive. No caso das espécies cultivadas, queríamos saber se os EPTs seriam transferidos para os frutos e partes comestíveis das plantas”, explica.

“Coletamos o solo e a planta, lavamos a planta, pesamos a biomassa fresca, secamos a planta, pesamos a biomassa seca e trituramos separadamente raízes, caule, folhas e frutos sem a casca. Só então analisamos todas as partes para saber o que havia em cada uma. Dissolvemos o ‘pó de planta’, transformando-o em solução com o uso de vários ácidos, e determinamos a concentração na solução. Convertemos o cálculo da concentração de material na solução e comparamos com o peso do material que foi diluído, conseguindo, assim, obter a concentração do EPT em miligramas por quilo de biomassa seca”, descreve Duim.

Na banana e na mandioca, todos os EPTs (exceto cromo) se acumularam mais nas partes subterrâneas, como raízes e tubérculos, do que nas partes aéreas. Já o cacau apresentou alto acúmulo de EPTs nas partes acima do solo (caules, folhas e frutos). Além disso, as concentrações de cobre e chumbo na polpa do fruto excederam os valores-limite estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Quando a equipe viu que havia nas plantas cultivadas uma concentração de EPTs acima do indicado, inclusive nas partes comestíveis, decidiu fazer uma análise de risco nos frutos e tubérculos.

Riscos à saúde

Os cientistas estimaram os riscos do consumo de frutos de banana, rizoma da mandioca e da polpa de cacau calculando o Quociente de Risco (QR), o Índice de Risco (IR) e o Índice de Risco Total (IRT) para crianças (menores de 6 anos) e adultos (maiores de 18 anos). O QR é a razão entre a ingestão média diária de uma substância química e sua dose de referência correspondente. Já o IRT é uma métrica fundamental para avaliar os potenciais riscos não cancerígenos à saúde ligados à exposição aos EPTs (para indicar baixa existência de risco, ele deve ser menor que 1).

“Esses elementos existem naturalmente no ambiente, estamos expostos a eles em uma concentração menor, mas no caso de um desastre como o de Mariana, quando se espera que a exposição aumente, é preciso redobrar a atenção”, conta Tamires Cherubin, doutora em ciências da saúde e também autora do trabalho. A metodologia geralmente utilizada é a de calcular o risco da biodisponibilidade desses elementos, tendo em vista que a exposição a determinadas concentrações pode causar danos importantes à saúde, como problemas renais, cardíacos, desconfortos gastrointestinais, danos pulmonares, quando a exposição é respiratória, e outros riscos mais agudos, como problemas na pele ou irritações na visão.

No cálculo da análise de risco entram fatores como o consumo das plantas cultivadas localmente pela população. Os pesquisadores inclusive estimaram quanto da alimentação das populações locais vinha de fora e quanto ingeriam dos alimentos ali cultivados, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros fatores são a duração da exposição (por quantos anos a pessoa consome o produto), o teor de consumo em relação à massa corporal do adulto e da criança e o tempo que leva para que o consumo resulte em algum efeito deletério.

“De acordo com as doses de referência de ingestão diária dos contaminantes chanceladas pela literatura, consideramos os limites de 0,05 mg/kg-1 para a presença de cádmio nas frutas e 0,1 mg/kg-1 nos tubérculos, 0,5 – 1,0 mg/kg-1 para a presença de cromo, 20,0 mg/kg-1 para cobre, 0,5 – 1,0 mg/kg-1 para níquel, 0,8 – 2,3 mg/kg-1 para chumbo e 50,0 mg/kg-1 para zinco”, detalha Cherubin.

Embora os IRTs para a maioria dos elementos analisados tenham ficado abaixo do nível de risco (menor que 1), indicando que o consumo desses alimentos cultivados no estuário do rio Doce não apresentava ameaça significativa para os adultos, o resultado para a banana em crianças excedeu o limiar 1, sugerindo potenciais impactos à saúde. O principal fator de risco foi a maior concentração de chumbo presente no fruto, que também apresentou teor de cádmio superior ao preconizado pela FAO. Segundo os cientistas, a exposição prolongada ao chumbo, mesmo em baixas doses, está associada a danos irreversíveis no desenvolvimento neurológico, incluindo reduções no QI, déficits de atenção e distúrbios comportamentais.

O grupo alerta que, a longo prazo, o consumo contínuo de alimentos cultivados em solos contaminados pode, em alguns casos, significar riscos cumulativos. “Com o passar do tempo de exposição, considerando a expectativa de vida do Brasil, de mais ou menos 75 anos, pode surgir o risco carcinogênico, uma vez que existe a possibilidade de ocorrerem danos diretos e indiretos ao DNA”, diz Cherubin. Essas mutações têm o potencial de resultar em maior incidência de cânceres de diversos tipos como os que afetam o sistema nervoso central, o trato gastrointestinal e o sistema hematológico. “Tudo depende da capacidade do organismo humano de absorver e metabolizar esses elementos que estão disponíveis no ambiente”, afirma a pesquisadora.

O artigo From tailings to tables: risk assessment of potentially toxic elements in edible crops cultivated in mine tailing impacted soils pode ser lido em: https://doi.org/10.1007/s10653-025-02770-9.


Fonte: Agência Fapesp

Pesquisadores encontram elevada concentração de metais em alimentos cultivados no estuário do Rio Doce

Foto aérea da foz do Rio Doce

Sueli de Freitas   Edição: Thereza Marinho 

O estudo Dos rejeitos às mesas: avaliação de risco de elementos potencialmente tóxicos em culturas comestíveis cultivadas em solos impactados por rejeitos de mineração mostra a concentração elevada de elementos potencialmente tóxicos (PTEs) em solos agrícolas do estuário do Rio Doce, incluindo cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo. Esses PTEs foram encontrados em partes comestíveis de culturas locais como cacau, mandioca e banana. 

A pesquisa, publicada em outubro na revista Environmental Geochemistry and Health (Geoquímica Ambiental e Saúde), foi realizada no ano de 2021 por um grupo interdisciplinar composto por pesquisadores da Ufes, da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) e da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha), e recebeu financiamento das fundações de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Espírito Santo (Fapes) por meio do projeto Rede Solos e Bentos Rio Doce.

O grupo investigou os efeitos da crônica contaminação por rejeitos de mineração ricos em ferro no estuário – zona de transição entre o rio e o mar. Desde 2015, o Rio Doce sofre os impactos do rompimento da barragem de Fundão no município de Mariana (MG). O rompimento da barragem, sob a gestão da Samarco Mineração S/A, ocorreu em 5 de novembro daquele ano, ou seja, há exatos dez anos.

Segundo os pesquisadores, a quantidade de cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo encontrados em solos agrícolas do estuário do Rio Doce excede os valores de referência adotados pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Isso levanta a preocupação quanto à segurança alimentar a partir do consumo de produtos cultivados na região mais próxima à foz do Rio Doce”, afirma o professor Angelo Bernardino, do Departamento de Oceanografia e do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia Ambiental da Ufes, que participou da pesquisa. 

Avaliações de risco

O estudo utilizou avaliações que sugerem um possível risco não cancerígeno para crianças ao consumirem bananas. Para adultos, os índices calculados permaneceram abaixo de limiares de risco. O chumbo foi o principal responsável pelo risco alto observado para crianças.

Segundo a pesquisadora da USP Tamires Patrícia de Souza, doutora e enfermeira coautora do estudo, os resultados são um alerta claro para a necessidade de proteção à exposição infantil a esses elementos: “A exposição crônica ao chumbo está associada a danos ao desenvolvimento neurológico irreversíveis, como redução de QI (coeficiente de inteligência), déficits de atenção e alterações comportamentais. Crianças de zero a 6 anos de idade absorvem e retêm mais chumbo que adultos, tornando-as especialmente vulneráveis mesmo a baixas concentrações. Por isso, o estudo aponta a necessidade de medidas urgentes de monitoramento, estudos de bioacessibilidade e intervenções de saúde pública para reduzir a exposição contínua e proteger as populações mais sensíveis”.

O estudo também reconhece que seria necessário ampliar a amostragem de áreas ao longo do Rio Doce para melhor compreender o potencial risco para a população atingida pelo desastre. Porém, os resultados oferecem um sinal de alerta, pois dependendo da quantidade de alimentos ricos em metais consumidos, assim como de fontes adicionais de contaminação (solo, ar e água), existe a possibilidade de risco para crianças. “Esse estudo reforça dados anteriores publicados que sugerem a biodisponibilidade de muitos elementos potencialmente tóxicos na região estuarina e a natureza crônica dos impactos do desastre de Mariana sobre as comunidades afetadas”, afirma a pesquisadora Amanda Ferreira, da Esalq/USP, que liderou o estudo.

Ferreira ganhou o Prêmio USP de Tese 2025 na área de sustentabilidade ambiental e o Prêmio Capes de Tese 2025 na área de Ciências Agrárias com a pesquisa intitulada Iron biochemistry in mine tailing impacted soils: from risk assessment to enhanced bioremediation strategies (Bioquímica do ferro em solos impactados por rejeitos de mineração: da avaliação de riscos a estratégias aprimoradas de biorremediação), desenvolvida na Esalq/USP, sob orientação do professor Tiago Ferreira, em parceria com o professor Bernardino.

Foto: Angelo Bernardino/Ufes


Fonte: UFES

A herança maldita do Tsulama da Vale: estudo da Fiocruz detecta presença de metais pesados na urina de crianças em Brumadinho (MG)

Percentual de arsênio passou de 42% em 2021 para 57% em 2023

Exames feitos em crianças de até 6 anos moradoras de Brumadinho, na Grande BH, apontam aumento da taxa de detecção de metais na urina. Os menores foram avaliados pela Fiocruz Minas e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo analisa as condições de vida e saúde da população após o desastre causado pelo rompimento de uma barragem da Vale, que completa 6 anos neste sábado (25). A tragédia matou 272 pessoas.

Foi detectada a presença de pelo menos um de cinco metais (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês) em todas as amostras analisadas. O percentual total de crianças com níveis de arsênio acima do valor de referência passou de 42%, em 2021, para 57%, em 2023, sendo que, nas regiões próximas a áreas do desastre e de mineração ativa, o percentual de aumento entre um ano e outro é ainda mais significativo.

O estudo visa detectar as mudanças ocorridas nessas condições em médio e longo prazo e, dessa forma, os participantes são acompanhados anualmente, desde 2021. Um compilado dos dados coletados durante o primeiro ano de acompanhamento já havia sido realizado. Agora, as análises incluem dados do terceiro ano, 2023, permitindo estabelecer uma comparação.

Dos metais, o arsênio é o que aparece mais frequentemente acima dos limites de referência, detectado, entre os adultos, em cerca de 20% das amostras e, entre os adolescentes, em aproximadamente 9% das amostras. No entanto, nesse público, dependendo da região de moradia, o percentual de amostras com arsênio acima do limite chega a 20,4%.

Conforme a pesquisa, chama atenção o fato de todos os metais apresentaram elevado percentual de detecção, nos dois anos, com reduções mais relevantes dos valores para manganês e menos expressivas para arsênio e chumbo, quando se compara 2021 e 2023. Esse quadro demonstra uma manutenção da exposição a esses metais no município, de forma disseminada em todas as regiões investigadas, ainda que com níveis mais baixos no último ano investigado.

“Os resultados encontrados demonstram uma exposição aos metais, e não uma intoxicação, que só pode ser assim considerada após avaliação clínica e realização de outros exames para definir o diagnóstico. Dessa forma, recomenda-se uma avaliação médica para todos os participantes da pesquisa que apresentaram níveis acima dos limites biológicos recomendados, de forma que os resultados sejam analisados no contexto geral da sua saúde”, informou a Fiocruz.

Além disso, é necessária uma rede de atenção que permita realização de exames de dosagem desses metais não apenas na população identificada pelo projeto, mas para atender outras demandas do município. Segundo a Fiocruz, a organização dessa rede de serviços é importante, considerando que a exposição aos metais investigados permanece entre 2021 e 2023, de forma disseminada em todo município.

Um dos aspectos avaliados na pesquisa é o perfil de exposição. A dosagem de cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês foi verificada por meio de exames de sangue e/ou urina. Na população acima de 12 anos, os resultados mostraram que há exposição a esses metais nos dois anos analisados, mas, em 2023, o percentual de amostras detectadas com metais acima dos valores de referência diminuiu.

Chumbo e mercúrio apresentaram taxa de detecção em 100% das amostras em 2023, mas apenas 6,8% delas apontaram dosagem de chumbo acima dos valores de referência.

Condições de saúde da população

O estudo também analisa as condições de saúde da população, baseando-se em diagnósticos médicos anteriores e na percepção dos próprios participantes. Quando perguntados como avaliavam sua saúde, a maioria dos adultos e adolescentes, tanto em 2021 quanto em 2023, avaliou como boa ou muito boa, com variações entre as regiões de moradia. No entanto, o percentual da população adulta que avaliou a saúde como ruim ou muito ruim se manteve elevado nas regiões atingidas pela lama ou com atividade de mineração.

Entre os adolescentes, quando perguntados se já tinham recebido diagnósticos de doenças crônicas, as respostas mais frequentes, em 2021, foram asma ou bronquite asmática, mencionadas por 12,7% dos entrevistados. Em 2023, o percentual subiu para 14%. Chama a atenção dos pesquisadores o aumento na prevalência de algumas condições, como colesterol alto, que passou de 4,7%, em 2021, para 10,1%, em 2023; e um grupo de doenças que inclui enfisema, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica, que foi de 2,7%, em 2021, para 10,7%, em 2023.

Quanto às doenças crônicas, em 2021, ao serem questionados se algum médico já havia diagnosticado essas condições, os adultos mencionaram principalmente hipertensão (27,9%), colesterol alto (20,9%) e problemas crônicos de coluna (19,7%). Em 2023, essas doenças continuam sendo as mais prevalentes, mas com aumento na frequência em que ocorrem: hipertensão foi citada por 30% dos adultos, colesterol alto por 28,5% e problemas crônicos de coluna por 22,8%. Deve-se destacar também um aumento no diagnóstico médico do diabetes entre adultos, que passou de 8,7% para 10,7%, entre os dois anos avaliados.

A pesquisa investigou ainda a presença de sintomas e outros sinais nos 30 dias anteriores à entrevista. Em 2021, os adultos relataram principalmente irritação nasal (31,8%), dormências ou cãibras (25,2%) e tosse seca (23,5%). Em 2023, houve aumento na frequência dessas condições para 40,3%, 34,4% e 21,5%, respectivamente. Esses sintomas também foram os mais citados entre os adolescentes tanto em 2021 quanto em 2023, mas com poucas alterações entre um ano e outro.

“A pior percepção da saúde é um indicador de extrema importância para avaliação da condição geral da saúde em uma população, refletindo impacto negativo nessa condição entre os moradores das áreas atingidas pela lama e pela atividade de mineração. Sobre as condições crônicas, é importante ressaltar a elevada carga de doenças respiratórias e do relato de sinais e sintomas, o que demonstra a necessidade de maior atenção dos serviços de saúde sobre esse aspecto, que pode estar relacionado às condições do ambiente, como disseminação de poeira pela natureza da atividade produtiva”, disse o pesquisador da Fiocruz Minas Sérgio Peixoto, coordenador-geral da pesquisa.

Depressão, ansiedade e insônia

A avaliação da saúde mental incluiu perguntas sobre o diagnóstico médico de algumas condições. Os resultados mostraram poucas alterações de um ano para outro. Entre os adolescentes, quando perguntados sobre o diagnóstico para depressão, o percentual foi de 9,9%, em 2021, e 10,6%, em 2023. Entre os adultos, 21,3% relataram diagnóstico médico de depressão, em 2021, e 22,3%, em 2023, valores superiores aos 10,2% relatados por adultos brasileiros avaliados na Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019. Já o diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 32,8% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade, em 2021, e por 32,7%, em 2023.

A dificuldade para dormir em três ou mais noites por semana nos últimos 30 dias foi relatada por 26,7% da população adulta de Brumadinho em 2021; no ano de 2023, houve aumento, que chegou a 35,1%. Entre os adolescentes, tal dificuldade foi reportada por 18,3% em 2021, e 17,4% em 2023.

“Os números mostram a necessidade de avaliar as ações voltadas à saúde mental no município, dada a manutenção de elevada carga de transtornos mentais na população nos dois anos avaliados. Faz-se necessário priorizar estratégias intersetoriais, considerando a complexidade do problema e as especificidades de cada território”, explica Sérgio Peixoto.

Procura por serviços de saúde aumenta em Brumdinho

O estudo também mostrou que aumentou a procura por serviços de saúde no município. Sobre a realização de consultas médicas, em 2023, 44,1% dos adolescentes relataram ter realizado três ou mais consultas; em 2021, eram apenas 21,7%. Entre os adultos, 53,7% tiveram três ou mais consultas, em 2023, e 38,6%, em 2021.

De acordo com os resultados, o Sistema Único de Saúde (SUS) é a principal referência dos entrevistados. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde foram apontados, em 2021, como os mais procurados por 56,8% dos adultos e por 59,6% dos adolescentes. Em 2023, o percentual passou para 64% entre os adultos e para 66% entre os adolescentes.

Dos adultos, 34,9% declararam ter plano privado de saúde, em 2021, e 39,8%, em 2023. Entre os adolescentes que afirmaram ter plano, foram 27,8%, em 2021, e 33,9%, em 2023.

“A elevada utilização dos serviços de saúde e a menção ao serviço público como sendo a principal referência para atendimento demonstram a grande demanda para o SUS no município, mas também o grande potencial desse sistema para a realização de intervenções efetivas que visem minimizar os impactos na saúde da população”, destaca Peixoto.

Número de crianças com risco de atraso no desenvolvimento de habilidades apresenta queda

Além da analisar a exposição das crianças a metais, foram avaliados também os efeitos em relação ao desenvolvimento neuromotor, cognitivo e emocional, por meio da aplicação do Teste de Denver II. Os resultados mostraram que, de um ano a outro, caiu o número de crianças com risco de atraso no desenvolvimento de habilidades esperadas para sua faixa etária. Em 2021, eram 42,5% na faixa de risco, sendo, em 2023, 28,3% do total de avaliados.

O estudo avaliou ainda o crescimento pôndero-estatural das crianças, que considera a estatura, o peso e o índice de massa corporal. Entre 2021 e 2023, a maioria das crianças apresentou Índice de Massa Corporal (IMC) normal. Em relação aos quadros de obesidade (IMC > 30) e sobrepeso (IMC > 25), houve melhora nos índices. Em 2021, cerca de 11% das crianças eram consideradas obesas; em 2023, o percentual caiu para 4,6%. Com sobrepeso, eram 12,5%, em 2021, e 4,6%, em 2023.

Para os pesquisadores, essa melhora na avaliação das crianças pode ser justificada pelo retorno das atividades escolares e da vida social, após o isolamento social provocado pela pandemia de covid-19. A equipe recomenda o acompanhamento das que apresentaram alterações nos indicadores antropométricos e na aquisição de habilidades associadas com o desenvolvimento neuropsicomotor, social e cognitivo. Os pesquisadores sugerem ainda a articulação entre as equipes de saúde e educação municipais, já que a atividade escolar tem grande potencial de estímulo sobre o desenvolvimento infantil.

Como é feita a pesquisa

Intitulado Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, o estudo é desenvolvido em duas frentes de trabalho: uma com foco na população com idade acima de 12 anos, chamada Saúde Brumadinho, e outra voltada para as crianças de até 6 anos de idade, que recebeu o nome de Projeto Bruminha. Em 2021, a amostra foi composta por 3.297 participantes, sendo 217 crianças, 275 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, e 2.805 adultos com mais de 18 anos. Em 2023, foram 2.825 participantes: 130 crianças, 175 adolescentes e 2.520 adultos.

Ao compor a amostra, os pesquisadores buscaram cobrir toda a extensão territorial do município. No projeto Saúde Brumadinho, a amostra foi segmentada em três regiões geográficas, incluindo as áreas diretamente expostas ao rompimento da barragem de rejeitos; a região de moradores em área com atividade de mineração, mas não atingida pela lama; e a parcela considerada como não exposta diretamente ao rompimento da barragem ou à atividade mineradora, constituída aleatoriamente pelo restante do município.

Para o Projeto Bruminha, a amostra do estudo incluiu todas as crianças com até 6 anos, residentes em quatro localidades selecionadas: Córrego do Feijão, Parque da Cachoeira, Tejuco e Aranha, sendo as duas primeiras localizadas na rota da lama de rejeitos, a terceira em região de mineração ativa e a última distante dessas três áreas.

A pesquisa se baseia em diversas fontes de dados, incluindo exames de sangue e ou de urina, feitos por todos os participantes para verificar a dosagem de metais no organismo, além de entrevistas que analisam diversos aspectos relacionados à saúde e avaliação física e antropométrica.

* Com informações da Agência Brasil


Fonte: Hoje em Dia

Metais pesados são encontrados em chocolates de marcas famosas

As análises, publicadas em uma revista dos EUA sobre direitos do consumidor, mostraram que um terço das marcas apresentava níveis alarmantes de chumbo e cádmio

chocolatePhoto Illustration: Chris Griggs/Consumer Reports, Getty Image 

Um teste divulgado pela revista americana Consumer Reports (CR) traz alertas importantes sobre alguns dos chocolate mais tradicionais no mercado. A publicação apresenta uma análise em 48 chocolates de marcas diferentes separados em sete categorias — cacau em pó, pedaços de chocolate, barras de chocolate ao leite, misturas para brownies, bolo de chocolate, chocolate quente e barras de chocolate amargo —, e mostra que foram identificados níveis considerados preocupantes de chumbo e cádmio, metais considerados pesados e tóxicos, no cacau.

Os metais estão relacionados com o desenvolvimento de enfermidades graves, como problemas pulmonares, cognitivos, câncer e até morte precoce. 

Entre as marcas estão a Hershey’s, Nestlé, Ghirardelli e Lindt. Em 16 produtos analisados foi possível verificar e encontrar quantidades elevadas de chumbo ou cádmio acima do nível que a Califórnia considera seguro, que são para chumbo de 0,5 microgramas por dia e para cádmio de 4,1 microgramas por dia.

“Dezesseis dos 48 produtos tinham quantidades acima dos níveis de preocupação da CR (Consumer Reports) para pelo menos um dos metais pesados – em alguns casos, mais que o dobro do nosso limite”, diz James E. Rogers, PhD, diretor e chefe interino de testes de segurança de produtos na Consumer Reports (CR).

Para a testagem dos produtos, os especialistas mediram os metais — chumbo, cádmio, mercúrio e arsênico — em três amostras de cada alimento e calcularam a média dos resultados. Nenhum dos produtos apresentou algum tipo de risco ao arsênico ou ao mercúrio.

De acordo com os especialistas da Consumer Reports, esse foi o padrão usado, pois “não há limites federais para a quantidade de chumbo e cádmio que a maioria dos alimentos pode conter“ e por acreditarem que “os níveis-padrão da Califórnia são os mais protetores disponíveis”.

De acordo com os resultados, entre as barras de chocolate testadas, a Perugina apresentou a maior quantidade de chumbo (539% acima do limite). Já a Evolved — encontrada em mercados americanos — apresentou o maior teor de cádmio (236% acima do que é permitido) e a barra de chocolate ao leite da Lindt (11% de chumbo e 13% de cádmio, acima do padrão).

A pesquisa também constatou que os chocolates amargos possuem níveis mais altos de metais pesados do que os chocolates ao leite. “Todos os produtos que testamos tinham quantidades detectáveis de chumbo e cádmio”, relata James E. Rogers.

Declarações

Hershey

Nestlé

“Aplicamos padrões rigorosos para garantir que os nossos produtos são de alta qualidade e cumprem todos os requisitos regulamentares aplicáveis, incluindo limites para cádmio e chumbo”, informou a Nestlé para a Consumer Reports.


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Este texto foi originalmente publicado pelo jornal “Correio Braziliense” [Aqui!].

Estudo mostra que o Rio Doce segue despejando metais pesados no oceano por causa do desastre de Mariana (MG)

metales-Rio-Doce-996x567Um dos trechos do Rio Doce afetados pelos rejeitos da barragem. Crédito da imagem: Felipe Werneck, Ibama, sob licença Creative Commons (CC BY-SA 2.0)

[RIO DE JANEIRO] As regiões costeiras ao norte e as áreas ao sul da desembocadura do Rio Doce no estado de Minas Gerais, ao sul do Brasil, devem seguir sendo monitoradas permanentemente para avaliar suas condições ambientais e biológicas por causa do desastre ambiental ocorrido no dia 5 de novembro de 2015 pelo colapso da represa de rejeitos do Fundão.

A ruptura liberou 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, que deslocou centenas de famílias e afetou 41 cidades e rios, incluindo o rio Doce. A represa pertence à mineradora Samarco, controlada pelas mineradoras Vale e BHP Billiton.

Agora um novo estudo que será publicado na edição de março do  Marine Science Bulletin que mapeou as rotas dos metais quatro anos depois (novembro de 2019) de ter ocorrido o delito ambiental,  mostra que o rio continua sendo uma fonte de dispersão de metais  para o Oceano Atlântico.

Os resultados corroboram com o outro de 2019 que havia sinalizado a tendência de dispersão para o norte.

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Este texto escrito originalmente em espanhol foi publicado pela SciDev.Nert [Aqui!].

Sem muito alarde, Ministério da Agricultura publica resultado de Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em alimentos

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Um dos graves problemas que enfrentamos em escala mundial é a contaminação de alimentos por todo tipo de substância química, a começar por agrotóxicos.  Por isso, um fato que deveria ter ganho manchetes, mas aparentemente passou despercebido, foi a publicação no dia 17 de Novembro de 2021 dos resultados do “Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes em alimentos”, por meio da Portaria SDA Nº 448.

Inicialmente é preciso que se diga que o Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC) em alimentos analisa a presença de metais pesados, micotoxinas, MDT (Morfolina, Dietanolamina e Trietanolamina), Salmonella, e resíduos de agrotóxicos em uma ampla gama de alimentos consumidos diariamente pelos brasileiros, sejam produzidos no Brasil ou no exterior.

Dentre as culturas analisados pelo PNCRC estão: abacaxi, alface, alho, amêndoa (Prunus dulcis), amêndoa de cacau, amendoim, arroz, avelã (Corylus avellana), banana, batata-inglesa, beterraba, café, castanha de caju, castanha do brasil, cebola, cenoura, cevada malteada, citros, farinha de trigo, feijão, goiaba, kiwi, maçã, mamão, manga, melão, milho, morango, pera, pimenta do reino, pimentão, soja, tomate, trigo, uva.

Uma análise preliminar dos resultados publicados por meio da Portaria SDA Nº 448 fica evidente que estamos diante de um grave problema de contaminação alimentar, na medida em que foram detectados contaminantes em praticamente todos os produtos analisados, e com uma combinação de contaminantes em diferentes produtos. Em outras palavras, não estamos comendo alimentos contaminados com “isto ou aquilo”, mas com “tudo aquilo”.  O problema é que os efeitos combinados (os chamados efeitos sinérgicos) podem não aparecer imediatamente em função das baixas concentrações, mas isto não significa que não haja um efeito cumulativo, como no caso dos metais pesados e dos agrotóxicos.

Alguns casos específicos da contaminação por metais pesados acima do estipulado pela legislação (ou em não conformidade com ela) é, por exemplo, o do alho, tanto o nacional, como o importado da China e da Espanha, cujas amostras analisadas apresentaram contaminação por chumbo.  Outro caso notável foi o do arroz, em que 74 das 75 amostras analisadas estavam contaminadas por arsênio, cujos efeitos tóxicos para a saúde humana são bem estabelecidos na literatura científica.

Outro exemplo de “não conformidade” com a legislação foram as micotoxinas que foram detectadas em um grande número de amostras analisadas. As micotoxinas são substâncias produzidas pelos fungos e que provocam efeitos tóxicos. A presença dessas substâncias nos alimentos consumidos por seres humanos tem sido associada a uma série de doenças, e vem ganhando mais atenção recentemente por ter um caráter muitas vezes subliminar. 

Mas se observarmos os resultados para os resíduos de agrotóxicos, a situação parece ser ainda mais dramática, pois a presença de substâncias altamente tóxicas além de limite permitida está disseminada em toda a gama de produtos analisados. Um detalhe a mais é que os resultados do PNCRC detectaram algo que já é sabido, mas nem sempre facilmente documentavel que é o uso de agrotóxicos que não são permitidos para determinadas culturas. Um exemplo disso é o famigerado Fipronil que foi encontrado no tomate. Mas além do Fipronil muitos outros agrotóxicos foram aplicados em culturas para as quais não possuem aprovação, demonstrando que essa prática está disseminada, representado não apenas uma violação da lei, mas também grave risco à saúde humana, já que temos substâncias que são potencialmente causadoras de doenças graves, como é o caso do inseticida Acefato que está banido na União Europeia por causar, entre outras coisas, a perda da fertilidade masculina, e por causar a morte de aves e espécies marinhas, como anfíbios e peixes. 

O fato é que os resultados globais do PNCRC deveriam estar sendo amplamente publicizados, de modo a permitir que haja a devida reação por parte de organizações que representam os interesses dos consumidores, bem como para orientar a ação de grupos de pesquisa e de organizações não-governamentais. Afinal, o quadro que emerge dos resultados publicados em relativa surdina pelo governo Bolsonaro não é nada bom.

Pesquisa realizada na UERJ comprova que resíduos da Samarco afetaram Abrolhos

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Abrolhos possui a maior formação de recifes de coral do Atlântico Sul. (Reprodução)
Por Diretoria de Comunicação da UERJ

Um estudo conduzido pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) comprovou que os corais do Parque Nacional dos Abrolhos, na Bahia, sofreram impactos significativos decorrentes da contaminação por rejeitos da Samarco. Após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG) em 2015, os resíduos do beneficiamento de minério se espalharam rapidamente pelo Rio Doce e, em seguida, começam a atingir a região costeira.

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Amostra de coral analisada mostrou presença de metais pesados.

De acordo o ICMBIO,  o parque abriga mais de 1/3 de toda a biodiversidade marinha global conhecida, Abrolhos é considerado o recife mais importante do Atlântico Sul. Os corais são animais cnidários que vivem em colônias e segregam exoesqueletos calcários. Em um relatório de quase 50 páginas, os pesquisadores apresentaram análises detalhadas sobre a presença de metais nestas estruturas, demonstrando notória incorporação de zinco e cobre, entre outros elementos.

A pesquisa envolveu seis laboratórios da UERJ e também contou com a colaboração da UFF e da PUC-Rio. O coordenador do trabalho, Heitor Evangelista, do Laboratório de Radioecologia e Mudanças Globais (LARAMG), criou uma página no facebook, a Abrolhos Sky Watch, para observar a dispersão da lama do Rio Doce até o mar. “Eu e meus alunos checávamos diariamente as imagens de satélite e colocávamos na internet para o público ir acompanhando o desenrolar do problema”.

O monitoramento acendeu o alerta de que os rejeitos poderiam chegar ao parque marinho, localizado a cerca de 250 km da foz. “A gente já desenvolvia um trabalho em Abrolhos com corais. Então entrei em contato com o ICMBIO (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), em Brasília, e programei uma coleta de duas colônias no arquipélago. Através de técnicas químicas, constatamos que, no meio do crescimento dos corais, houve um pico enorme de metais pesados, que coincide exatamente com a cronologia da chegada da pluma de sedimentos da Samarco”, explicou o professor.

Evangelista afirma que o dano é irreparável, devido à extensão atingida. “Nosso papel é saber em que medida aquela área foi impactada. E a partir daí deflagrar mecanismos de monitoramento para descobrir qual vai ser a resposta biológica diante desse fato. Não há como remediar, mas nós precisamos aprender com esse processo”. O professor acrescenta que a preservação já vinha sendo ameaçada pela temperatura mais alta da água dos oceanos. “Agora, precisamos monitorar levando em conta este novo fator, para antever o que pode acontecer”.

O relatório foi encaminhado ao ICMBIO, órgão do Ministério do Meio Ambiente, e vai integrar os autos da multa ambiental aplicada à Samarco. “Até agora não havia nada provando um sinal claro da pluma da mineradora em Abrolhos. Esse trabalho é conclusivo nesse sentido”, finalizou o pesquisador


FONTE: Diretoria de Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro [Aqui!]

Estudo revela que TsuLama pode ser “bomba relógio de metais pesados” no Rio Doce

Lama da Samarco pode ser “bomba-relógio” de metais pesados no Rio Doce

Rejeitos provenientes do desastre em Mariana (MG) continuam chegando ao estuário do Rio Doce

 

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Resíduos do reservatório da Samarco em Minas Gerais continuam chegando ao estuário do Rio Doce e o material está associado a metais pesados que correm o risco de serem liberados no ambiente – Foto: Divulgação / Esalq

Uma “bomba-relógio” com metais pesados continua ameaçando o estuário do Rio Doce, mesmo após dois anos e meio do vazamento de 50 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos de mineração do reservatório da Samarco, localizado no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (Minas Gerais). Essa conclusão é resultado de um estudo desenvolvido em parceria por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), da Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

“A ideia era de que a maior parte daquele material liberado após o acidente ficasse nas proximidades da barragem e do município de Mariana. No entanto, a lama chegou a Regência, uma vila localizada no litoral do Espírito Santo, região importante ecologicamente, com intensa atividade de pesca e turismo, onde o Rio Doce deságua”, lembra Tiago Osório Ferreira, professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq.

Segundo o estudo, o rejeito continua chegando ao estuário e o material está associado a metais pesados, que correm o risco de serem liberados no ambiente. “Em função das condições locais de solo, esses metais podem, a médio ou longo prazo, ser biodisponibilizados”, complementa o docente.

Parte desse estudo foi publicada pelo pesquisador Hermano Queiroz, doutorando do programa de pós-graduação em Solos e Nutrição de Plantas, da Esalq. Queiroz identifica alguns dos metais encontrados. “Identificamos cobre, manganês, zinco, cromo, cobalto, níquel, chumbo, todos eles associados ao rejeito”, ressalta.

Novo desastre

A disponibilização de metais pesados em um sistema estuarino pode resultar em novo desastre. “Alguns desses metais são tóxicos e podem se acumular em plantas e peixes, acarretando efeitos potencialmente nocivos sobre a fauna e a flora associadas a esse ecossistema”, destaca o professor Ferreira.

Águas do Rio Doce em Galileia (Minas Gerais), com a lama da barragem da Samarco que se rompeu no município de Mariana em 5 de novembro de 2015 – Foto: Eli Kazuyuki Hayasaka via Wikimedia Commons/CC BY-SA 2.0

Os pesquisadores alertam ser perigoso considerar apenas os patamares atuais de contaminação. “Olhando para os níveis de contaminação de hoje, apenas o níquel e o cromo, entre os metais analisados, estão em níveis superiores ao permitido pela legislação brasileira. No entanto, essa visão estática não acompanha a dinâmica da movimentação do material que segue em direção ao estuário periodicamente; por exemplo, cada vez que chove, mais rejeito é depositado”, constata Queiroz.

Além disso, considerar os índices totais de contaminação mascara o fato do rejeito rico em ferro ser uma fração instável, podendo ser solubilizado e facilitar a liberação dos metais pesados. “Os oxihidróxidos de ferro, nas condições de solo estuarino, são suscetíveis a dissolução, o que poderá aumentar a biodisponibilidade e o risco de contaminação por metais”, observa o pesquisador.

O estudo faz parte do projeto Rede de Solos e Bentos na Foz do Rio Doce (Rede SoBEs RIO DOCE), financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), e pode ser lido, na íntegra, em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969718315547. Sob solicitação, os resultados foram apresentados ao governo do Estado do Espírito Santo.

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Com informações da Assessoria de Comunicação da Esalq,  Mais informações: e-mails hermanomelo@usp.br, com Hermano Queiroz; e toferreira@usp.br, com o professor Tiago Osório Ferreira

FONTE: https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-ambientais/lama-da-samarco-pode-ser-bomba-relogio-de-metais-pesados-no-rio-doce/

Norsk Hydro causou poluição por metais pesados nas águas dos rios e igarapés de Barcarena

barcarena hydro

A reportagem abaixo assinada pela jornalista  Pryscila Soares para o Diário do Pará mostra as primeiras evidências sobre a contaminação das águas dos rios e igarapés que recebem despejos da Norsk Hydro no município de Barcarena no Pará. 

De forma não surpreendente as análises feitas pelo Instituto Evandro Chagas (IEC) mostram um forte elevação da concentração de alumínio nas águas, mas também do chumbo. Ambos são metais pesados, que são metais individuais e compostos metálicos, que podem impactar a fortemente saúde humana, de forma direta e indireta.

O mais absurdo na contaminação causada pelas operações da Norsk Hydro é que a própria empresa reconhece em seu site oficial que o alumínio causa danos à saúde humana [1], mas, mesmo assim, continuou operando um duto clandestino que despejou sabe-se lá quanto de rejeitos contaminados nos rios e igarapés de Barcarena. Em suma, um belo exemplo do “para inglês ver”. Ou  mehor, do “para norueguês ver”. 

 

Há 35 vezes mais alumínio na água de Barcarena que o permitido

Há 35 vezes mais alumínio na água de Barcarena que o permitido (Foto: Divulgação)

Vazamento na barragem teria contaminado rios e igarapés da região. (Foto: Divulgação)

Após a análise de amostras de água coletadas na comunidade Vila Nova, no município de Barcarena, o Instituto Evandro Chagas (IEC) constatou que, naquela área, o nível de alumínio chegou a uma quantidade 35 vezes maior do que a considerada normal, permitida pela legislação ambiental. A quantidade aceitável é de 0,1 mg/l. A água na localidade, próxima da barragem da empresa Hydro Alunorte, apresenta 3,6 mg/l. 

A equipe do instituto continua coletando amostras de água no Rio Murucupi e de outras áreas , de onde surgiram novas denúncias de contaminação por rejeitos químicos da Hydro Alunorte, além de coletar os resíduos dentro da própria empresa. A equipe coordenada pelo doutor em Química e pesquisador em Saúde Pública da Seção de Meio Ambiente do IEC, Marcelo de Oliveira Lima, esteve na última quarta-feira (28) no município, auxiliando os trabalhos realizados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e também da perícia ambiental do Estado. 

Mais uma nota técnica deve ser emitida pelo instituto na próxima semana, com novos resultados sobre os impactos da contaminação por rejeitos químicos, oriundos do processamento de bauxita pela empresa Hydro. Segundo Lima, a origem do chumbo é uma das questões que estão sendo analisadas nas novas amostragens. Ele diz que, mesmo em pequenas quantidades, o chumbo pode causar danos à saúde humana. “ Existem suspeitas e os testes vão tentar mostrar qual seria a origem. Mas só poderemos afirmar realmente quando tivermos os primeiros resultados”, pontua o pesquisador.

Ele explica que as imagens de helicóptero mostraram que houve transbordamento nas duas bacias que recebem os rejeitos químicos da empresa, a DRS1 e DRS2, no último dia 17 de fevereiro, quando surgiram as primeiras denúncias de transbordamentos, que afetaram as localidades ao redor do Rio Murucupi. 

Porém, o estudioso afirma que serão investigadas novas denúncias. “Compreendemos que o problema é maior do que apontamos no momento de crise. A gente descobriu que pela tubulação clandestina passam quatro tubulações. Efluentes não tratados da DRS1 e DRS2 passam ali”, disse o pesquisador.

DESPOLUIÇÃO 

De acordo com o pesquisador, existe a possibilidade de descontaminar o solo e os igarapés afetados pelos rejeitos químicos do processamento da bauxita. Mas, segundo ele, é um processo demorado que requer execuções de diversas ações da empresa, juntamente com a comunidade local e poder público. Uma das ações é afastamento da população do uso da água local.

Ele afirma que, convivendo com tudo isso, a população da cidade precisa de um acompanhamento toxicológico de longo prazo e acompanhamento médico frequente. “Se o funcionário que está lá dentro está em risco, a população toda ao redor também está”, complementa.

Fiscalização localizou encanamento para despejo ilegal. (Foto: divulgação)

OUTRA PERÍCIA

O Centro de Perícias Científicas Renato Chaves também informou que uma equipe de peritos criminais do setor de Engenharia Legal do Centro de Perícias Científicas Renato Chaves se deslocou até a empresa Hydro para realização da perícia de constatação de transbordo da bacia. Durante a perícia, eles analisaram todo o sistema e depósito de resíduos da empresa e a parte florestal, englobando as perícias de danos ambiental e civil que é a estrutura do depósito. No dia 03 de março, a equipe retornará junto com o Instituto Evandro Chagas. Durante estas visitas à empresa, os peritos estão coletando evidências e solicitando documentos específicos para os responsáveis, que serão analisados e anexados aos laudos. No momento, não há previsão para a conclusão do laudo.

Marcelo Lima diz que outras perícias estão sendo feitas para determinar níveis de contaminação. (Foto: divulgação)

SITE DA MINERADORA DIZ QUE EXCESSO DE ALUMÍNIO NO ORGANISMO “TEM EFEITOS TÓXICOS”

O problema da contaminação por alumínio é tão sério que a própria Hydro Alunorte, no seu site, informa que há riscos para a saúde. Na publicação, disponível no link: https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/sobre-o-aluminio/aluminio-e-saude/, a empresa informa que a maior parte do alumínio que ingerimos por alimentos, bebidas e medicamentos passa pelo sistema digestivo sem ser absorvido. “Ao parecer, não há claras evidências de uma correlação entre a quantidade de alumínio ingerida e a quantidade absorvida em pessoas ‘normais’”, diz. “No entanto, essas evidências não levam em consideração casos em que os limites tenham sido ultrapassados. Na verdade, há estudos que parecem indicar que ingestão e absorção de alumínio em alto grau têm efeitos tóxicos.”

O texto diz ainda que, ao ser absorvido, o alumínio é levado pelo sangue até os rins, onde é rapidamente eliminado. “Pacientes com insuficiência renal, porém, não conseguem eliminar o alumínio, que pode se acumular e causar efeitos tóxicos. Por isso, é importante que as pessoas que sofrem de insuficiência renal usem somente água livre de alumínio, ao fazer diálise”. A matéria mostra que a presença de altos níveis de alumínio no organismo demonstra causar efeitos neurotóxicos, afetar os ossos e, possivelmente, desregular o sistema reprodutor. “Quando o alumínio consumido excede a capacidade do organismo de eliminá-lo, o alumínio fica depositado em nosso corpo e pode causar problemas”, reitera.

(Pryscila Soares/Diário do Pará)

FONTE: http://m.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-490673-ha-35-vezes-mais-aluminio-na-agua-de-barcarena-que-o-permitido.html


[1] https://www.hydro.com/pt-BR/a-hydro-no-brasil/sobre-o-aluminio/aluminio-e-saude/

Metais pesados, hormônios e agrotóxicos estão na água que chega às torneiras

Análises apontam contaminação em amostras de fontes de abastecimento de SP, RJ, SC e CE, inclusive de água que passou por estação de tratamento. E as concentrações vão muito além do limite permitido.
Água contaminada com metais pesados

O controle da qualidade da água para abastecimento público segue uma regulamentação falha, que exclui de sua lista de produtos tóxicos os contaminantes perigosos que vão para o copo da população

Por Cida de Oliveira 

 São Paulo – Medicamentos, hormônios sintéticos, metais pesados como chumbo, cádmio, alumínio e urânio e compostos orgânicos nocivos à saúde e ao meio ambiente, entre eles o agrotóxico glifosato, estão na água aparentemente pura e cristalina que chega às torneiras da população. Provenientes do esgotos doméstico e industrial, além de atividades agropecuárias, despejados em mananciais destinados ao consumo humano, atravessam estações de tratamento que adotam processos inócuos e obsoletos, que seguem protocolos defasados e parâmetros científicos superados.

A advertência é da engenheira química e professora titular do campus Curitibanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Sonia Corina Hess. Autora de pareceres técnicos para órgãos públicos, como defensorias e promotorias, a especialista é organizadora de um livro em fase de edição na Editora Expressão Popular, que reúne ensaios sobre poluição e doenças no Brasil. No capítulo de sua autoria, Sonia reúne dados de suas pesquisas, além de outros cientistas nacionais e estrangeiros que apontam para a necessidade de o poder público priorizar políticas relativas ao acesso à água e, principalmente, o tratamento de esgotos.

“No Brasil, coletamos apenas 57% dos esgotos gerados, e tratamos apenas 45% do total. É por isso que a cada verão as praias ficam impróprias para banho, inclusive em Santa Catarina. Quanto mais gente, mais esgoto… Nas regiões de pecuária intensiva, o problema é pior ainda. As águas recebem grandes quantidades de dejetos, resíduos de agrotóxicos e de medicamentos utilizados nas granjas. Também por isto nossos rios estão totalmente poluídos”, explica a professora. 

É destes rios, conforme lembra, que sai a maior parte da água que vai para abastecimento público. “Ou seja, jogamos esgotos sem tratamento nas mesmas águas que captamos para beber depois. As águas que passam pelas estações de tratamento para o abastecimento, em geral, ficam livres de microorganismos patogênicos, mas ainda contêm resíduos de substâncias químicas potencialmente perigosas. Também é triste verificar que nem todo esgoto coletado é tratado. As próprias empresas de saneamento fazem a coleta, para dar fim aos esgotos a céu aberto, e os lançam no ambiente, sem tratamento”, destaca. “Em São Paulo, estado mais rico da federação, dados oficiais mostram coleta de 87% e tratamento de 62%. Ou seja, 25% do esgoto que é coletado não é tratado”.

Conforme o Diagnóstico dos Serviços de Água e Esgotos do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, relativo a 2016, apenas 57% do esgoto é coletado no Brasil. E desse total, 74,87% recebe tratamento, conforme a tabela.

tratamento de esgoto no Brasil

Amostras contaminadas

Entre os estudos que constatam a presença de contaminantes tóxicos, que causam doenças graves, em mananciais que abastecem a população de grandes cidades Sonia Hess destaca o realizado na bacia do rio Atibaia, que abastece a população de Campinas (SP).

Ali os pesquisadores identificaram a presença de agentes químicos nas 26 amostras colhidas. São medicamentos como acetaminofeno, ácido acetil salicílico, diclofenaco, os hormônios sintéticos 17α-etinilestradiol, levonorgestrel, 17β-estradiol e progesterona, além de substâncias usadas na indústria plástica, como o bisfenol A e o dibutilftalato, e cafeína, indicador da contaminação de águas por esgotos.

O artigo original pode ser acessado por aqui. “É importante observar que as concentrações de bisfenol A e o dibutilftalato  são superiores ao mínimo necessário para causar efeitos nocivos em seres humanos em animais”, diz Sonia.

Esses hormônios artificiais encontrados pelos pesquisadores, que os químicos chamam de interferentes endócrinos, imitam a ação de hormônios femininos naturais e confundem os organismos, causando distúrbios em animais e seres humanos. Em mulheres, aumenta as chances de endometriose, câncer de mama e de útero. Em homens, crescimento das mamas, redução da libido, impotência e queda na contagem de espermatozoides.

Quanto ao bisfenol A, usado na indústria plástica, há associação comprovada de aumento de células de diversos tipos de câncer, como de mama, próstata e pâncreas, além de alterações endocrinológicas. E o dibutilftalato, da classe dos ftalatos, usados na produção de PVC, entre outros materiais, guarda correlação com alterações endocrinológicas que, entre outras coisas, causam resistência à ação da insulina e obesidade em humanos. Clique aqui para saber mais.

Em 2015, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André encomendou à especialista um parecer sobre a qualidade da água tratada que abastece o município. No relatório, ela aponta a presença dos metais pesados cádmio, chumbo, urânio e alumínio, o agrotóxico glifosato e seus derivados, e compostos orgânicos chamados trihalometanos. Ou seja, todos esses agentes tóxicos passaram pelos processos de tratamento.

O relatório, que pode ser lido na íntegra (clique aqui para acessar), lista as substâncias encontradas na água proveniente de três estações de tratamento, suas concentrações geralmente acima dos limites estabelecidos pelo Ministério da Saúde, e as doenças comprovadamente desencadeadas por esses agentes tóxicos.

Para se ter uma ideia, uma amostra de água tratada em uma das estações, a ETA Rio Grande, coletada em março de 2014, auge da crise hídrica no estado de São Paulo devido à falta de investimentos do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) no setor, ultrapassou a concentração máxima de chumbo permitida pela Portaria 2.914/2011. A norma, do Ministério da Saúde, regulamenta o controle e a vigilância da qualidade da água para consumo humano, estabelece o valor máximo permitido (VMP) para 64 substâncias químicas inorgânicas e orgânicas, produtos secundários da desinfecção e para 27 agrotóxicos.

“Foi detectada a presença desse metal pesado em concentrações que alcançaram 80% e 140% do valor máximo permitido, respectivamente”, destaca Sonia. 

O chumbo está associado à elevação da pressão arterial, comprometimento da função cardíaca, dores abdominais, alterações endocrinológicas e no sistema reprodutor, anemia, hipotireoidismo, transtornos mentais e doenças renais, entre outras.

Regulamentação falha

A especialista da UFSC chama atenção ainda para falhas na regulamentação do controle da qualidade da água para consumo humano no Brasil. A Portaria 2.914 do Ministério da Saúde, segundo ela, é falha porque exclui de sua lista de produtos tóxicos muitos dos poluentes detectados na bacia do rio Atibaia. “Dentre os ftalatos, apenas o di(2-etilhexil) ftalato está incluso. É evidente a necessidade de revisão, para que sejam incluídos os limites máximos permitidos em águas de abastecimento público, de diversos poluentes extremamente danosos à saúde humana, que ainda não constam na lista das substâncias com monitoramento obrigatório em água potável”, aponta.

A portaria exclui também o alumínio, cujos sais são usados como coagulantes no processo de purificação nas estações de tratamento, que permanecem na água. Ao ser ingerido, se acumulam nos ossos, rins e cérebro. “Há evidências que a substância cause problemas renais, anemia e alterações neuro-comportamentais em humanos após a exposição a doses excessivas. Estudos têm cada vez mais associado a crescente incidência de mal de Alzheimer e de Parkinson ao consumo de água de abastecimento. Para os técnicos que elaboraram a portaria, não havia evidências suficientes que justificassem alteração”, afirma.

Outra classe de agentes tóxicos muito provavelmente presentes na água distribuída à população é a dos trihalometanos (THMs), que podem resultar da reação química entre o cloro usado para evitar a proliferação de microorganismos e a matéria orgânica presente como poluente, caso dos agrotóxicos, por exemplo. Entre os THMs formados estão o clorofórmio, o diclorobromometano, o dibromoclorometano e o bromofórmio, substâncias que foram detectadas em amostras de dois diferentes mananciais de abastecimento de Florianópolis (SC), em Fortaleza (CE) e na rede de distribuição de água potável da Baixada de Jacarepaguá (RJ) em quantidades acima dos limites estabelecidos.

Isso merece atenção porque, já em 1974, estudos realizados nos Estados Unidos associaram a presença desses agentes na água de abastecimento e o desencadeamento de câncer na população.

Sonia defende também a revisão dos limites para nitratos e nitritos, cuja ingestão pode causar sérios danos à saúde humana. Portaria do Ministério a Saúde estabelece limite de 10 mg/L de águas de abastecimento. Porém, essa concentração é suficiente para desencadear doenças graves, como a metemoglobinemia, conhecida como síndrome do bebê azul. Como nitratos e nitritos nas águas provêm da contaminação por esgotos, o único jeito é melhorar os índices de tratamento de esgotos no país”. 

Pesquisas mostram que os nitritos e nitratos, usados como conservantes e antibactericidas, podem se transformar em nitrosaminas, substâncias causadoras de câncer de estômago, entre outros.

“Dá para entender, aos poucos, por que o câncer mata mais de 200 mil pessoas ao ano no Brasil, não é? É uma doença proveniente da poluição, e a água é bem relevante nisto, já que constitui-se no nosso principal alimento. Alternativas para eliminar poluentes tóxicos das águas de abastecimento existem, como a aplicação de ozônio, a ultrafiltração, a nanofiltração e a osmose reversa. Como é possível atualizar os limites para a presença desses poluentes que já foram ultrapassados e não há outros mananciais disponíveis para o abastecimento público?”, questiona Sonia Hess.

Na mira da privatização, água estará em debate

Brasília sediará dois grandes eventos para discutir a ampla e complexa temática da água. De 17 a 22 de março, movimentos sociais de diversos países farão o Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA 2018. O evento é um contraponto ao 8º Fórum Mundial da Água, que vai de 18 a 23 de março. Entidades governamentais, científicas e empresarias vão se reunir em evento que tem a Sabesp e o governo de São Paulo entre os patrocinadores. Na pauta, a consolidação de acordos para avanço da privatização do setor. O encontro é tão estratégico que o governo Temer quer uma força tarefa EBC na cobertura. O Senado terá uma subcomissão temporária para tratar do Fórum. O grupo funcionará no âmbito da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).

FONTE: http://www.redebrasilatual.com.br/saude/2018/03/esgoto-hormonios-metais-pesados-e-agrotoxicos-estao-em-amostras-de-agua-que-chega-as-torneiras