Justiça Federal embarga obras de tirolesa no Pão de Açúcar

Ação do Ministério Público Federal apontou corte ilegal de rocha e dano ao patrimônio mundial
tirolesa

Rio de Janeiro (RJ), 10/04/2023 – Reprodução da simulação antes e depois do projeto de construção de uma tirolesa no Parque Bondinho Pão de Açúcar, que ligará o Morro Pão de Açúcar ao Morro da Urca. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A Justiça Federal do Rio de Janeiro concedeu liminar em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) para determinar que a empresa Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar se abstenha, imediatamente, de promover cortes ou perfurações em rocha ou executar qualquer intervenção nos morros do Pão de Açúcar, Urca e Babilônia que implique demolição ou construção de novos elementos ou ainda construção de edifício em terreno vazio, sob pena de multa.

A decisão acolheu o pedido de liminar feito pelo MPF, em ação que busca impedir a consumação de grave dano ambiental causado a um dos mais importantes bens do patrimônio cultural brasileiro e mundial. Segundo apurou o MPF, entre 15 de setembro de 2022 e 17 de janeiro de 2023, a empresa operadora do bondinho cortou 127,83 metros cúbicos de rochas dos morros do Pão de Açúcar e Urca, sem autorização e conhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com o objetivo comercial de instalar uma tirolesa entre ambos os morros. O MPF apurou, também, que, em vez de embargar administrativamente e autuar a empresa, o Iphan, em 6 de fevereiro de 2023, autorizou a continuidade das obras, tornando-se, com isso, corresponsável pelos danos causados ao patrimônio paisagístico e geológico.

Um dos mais conhecidos e visitados cartões-postais do Brasil, os morros da Urca e Pão de Açúcar são bens de propriedade da União tombados em nível federal e reconhecidos, desde 2012, como patrimônio mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), na categoria ‘Paisagens Cariocas: entre a Montanha e o Mar’.

Descaracterização do bem tombado

A proposta de instalação de uma tirolesa no local causou grande mobilização social contrária e a manifestação do comitê brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), órgão consultivo da Unesco para a implementação da Convenção do Patrimônio Mundial.

Segundo parecer do Icomos juntado na ação do MPF, “a aprovação desta intervenção compromete a autenticidade e integridade do bem em questão, e abre precedentes para outras descaracterizações em bens tombados naturais em seu entorno. Como agravante, não se trata de obra de adaptação de instalações de interesse público – necessárias à sua conservação, ou manutenção, mas sim de uma obra voluptuária, realizada como opção exclusivamente comercial (para além daquela já intensa, existente no local), e que para realizá-la impõe não só a mera utilização de um patrimônio público natural – bem da União, mas seu corte (mutilação), sendo a rocha um recurso natural não renovável”.

Ainda de acordo com a manifestação do Icomos, a implementação do projeto pode conduzir à inclusão do sítio na lista de patrimônio mundial em perigo, ou mesmo, à posterior penalidade de exclusão da paisagem do Rio de Janeiro da lista de patrimônio mundial.

Recuperação da área e indenização

Além do embargo imediato às obras, o MPF também pede, na ação proposta, que a empresa apresente plano de recuperação da área degradada pelas obras e proposta de Plano Diretor para toda a área objeto da concessão de uso, ficando vedada, desde logo, qualquer ampliação da área construída ou modificação dos usos reconhecidos quando do tombamento federal e da concessão do título de patrimônio mundial da Unesco.

O MPF também pede que, ao final, sejam a empresa e o Iphan condenados, solidariamente, a indenizar a coletividade pelos danos irreversíveis causados ao patrimônio geológico e paisagístico, em valor não inferior a R$ 50 milhões.

Para o procurador da República Sergio Gardenghi Suiama, responsável pela ação, é lamentável que o Iphan tenha convalidado um projeto comercial que implica a mutilação de um recurso milenar não-renovável, acréscimo de área construída e modificação dos usos reconhecidos pelo ato de tombamento, em prejuízo de uma das mais belas e conhecidas paisagens do país.

Ação Civil Pública nº 5062735-09.2023.4.02.5101

Decisão liminar

Consulta processual

Criação de fórum sobre reforma agrária é discutida em audiência pública no RJ

Evento promoveu debate sobre expectativas para rumos da nova gestão agrária junto a relatos de antigos problemas da comunidade sem-terra que ainda perduram
mulher reforma agrária

“Nós perdemos três companheiros. Primeiro foi o seu Adalberto, pelo problema de pressão e falta de socorro. Conseguimos um carro para levá-lo até o hospital e lá o médico disse que se tivéssemos chegado cinco minutos antes ele havia sobrevivido”. Assim começou o relato de Amarildo de Castro, assentado do Projeto de Desenvolvimento Sustentável Oswaldo de Oliveira (PDS). Ele veio acompanhado de mais cinco companheiros do assentamento. O grupo foi apenas um entre as 25 representações reunidas no auditório da sede do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro. Ali, na última quarta-feira (26), o MPF promoveu audiência pública para debater as políticas públicas de reforma agrária e segurança alimentar no Rio de Janeiro.

Além dos coletivos sociais, o evento contou com a presença de representantes de entidades públicas – como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro (Emater-RJ). Os órgãos representados na mesa condutora do evento (MPF, Incra, Emater e Alerj) acordaram, ao fim da audiência pública, para a realização de uma reunião na primeira semana de maio para organizar a ação do mutirão de documentação dos pequenos produtores.

Compondo a mesa, além do procurador regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro, Julio José Araujo Junior, que convocou a audiência, estiveram Gustavo Noronha, diretor de gestão estratégica, representando a presidência do Incra; Maria Lúcia de Pontes, superintendente do Incra do Rio de Janeiro; Sergio Siciliano, assessor da Emater-RJ; e Marina dos Santos (Marina do MST), deputada estadual e presidente da Comissão de Segurança Alimentar da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

A audiência foi conduzida pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão, que procedeu à abertura do evento, destacando-o como parte do Procedimento Administrativo 1.30.001.001620/2023-66, em curso na Procuradoria. “O objetivo desse procedimento é monitorar as políticas públicas tanto no âmbito nacional quanto nos efeitos para o estado do Rio de Janeiro, respeitando as atribuições de outras unidades, mas também discutindo de forma macro o impacto e desenvolvimento dessas políticas. Achamos ainda mais importante fazer essa audiência por conta do momento de mudanças pelo qual o Incra passa”, pontuou.

O procurador ainda saudou a presença do Programa Estadual de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PEPPDH) e de mais de 20 coletivos ligados à questão agrária. Estavam na audiência representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio de Janeiro (Fetag/RJ), Sindicato de Trabalhadores Rurais de Itaperuna, Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Assentamento Terra Prometida, Cooperativa Agroverde de Produtores Rurais, Ocupação Solano Trindade, Associação de Produtores Rurais e Agricultura Familiar, Assentados e Acampados do Norte Fluminense, Associação de Moradores do Aluguel Social (Amas Petrópolis), Acampamento Nelson Mandela, Assentamento Antonio de Farias – Campos, PA Celso Daniel, Coletivo Terra, Movimento Nacional Luta pela Moradia (MNLM), Núcleo de Educação e Cidadania da UFF, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar Sustentável, Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup) Luiza Mahin da UFRJ e Sindicato dos Trabalhadores da Embrapa Solos.

Gustavo Noronha, diretor de gestão estratégica do Incra nacional, traçou o quadro da atual situação do órgão e dos desafios. Ele destacou a preocupação com o cenário de terra arrasada encontrado na instituição, mas pontuou também a retomada do diálogo com os movimentos sociais: “Poder voltar a receber o MST no Incra foi muito importante, mas ao mesmo tempo ainda há dificuldades. Este ano, temos menos de 1% do maior orçamento que o Incra já teve e menos de 10% do que foi deixado pelo governo do ex-presidente Michel Temer. Hoje, o orçamento é quase todo voltado para manter as portas abertas. Já apresentamos proposta de suplementação orçamentária de recursos ao Ministério da Fazenda e acredito que vamos conseguir”.

O representante do Incra ainda mencionou a proposta de fazer uma plenária com assentados, acampados e quilombolas para organizar ideias a serem apresentadas no Plano Plurianual (PPA), que esse ano contará com participação da sociedade, com etapas regionais em todos os estados. No Rio de Janeiro a plenária ocorrerá no dia 10 de julho. Noronha ainda destacou alternativas que estão sendo gestadas para trabalhar na promoção da reforma agrária, mesmo com as dificuldades orçamentárias iniciais.

“Uma das nossas principais estratégias que começamos nacionalmente, a pedido do ministro Paulo Teixeira, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil, é a arrecadação das terras de grandes devedores da União. Outro caminho, que ainda está em conversas preliminares, mas já tivemos reunião com a Secretaria de Inspeção do Trabalho, é o de buscar arrecadação de terras de lugares onde foi encontrado trabalho análogo à escravidão. Nesse caso, pela falta de regulamentação, seria necessário começar pelas terras onde há condenação. Outra parceria que já temos é com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. O objetivo é arrecadar terras que estavam sendo utilizadas para plantio de psicotrópicos e também para lavagem de dinheiro do narcotráfico. Por fim, a gente tem uma estratégia de arrecadação pela busca de terras públicas, em parceria com a Secretaria do Patrimônio da União. Falta levantamento, porque aqui no Rio ainda há muitas terras não mapeadas”, afirmou.

Noronha ainda mencionou a regularização de territórios quilombolas: “Já temos por volta de 39 áreas que podemos encaminhar para decreto. Entre estas, três são do Rio de Janeiro: os quilombos de São Benedito, Alto da Serra do Mar e Sacopã. O maior entrave, no momento, é que, para decretar o território, é necessário aguardar o orçamento para a indenização. Em relação ao Alto da Serra, já existe decisão judicial determinando a emissão do decreto e, nesse caso, a regularização deve sair até o meio do ano”.

Em seguida, Maria Lúcia de Pontes, superintendente do Incra no Rio de Janeiro, destacou os desafios e expectativas do começo de sua gestão: “Ontem (terça, 25) fez uma semana que tomei posse no Incra Rio de Janeiro. Agradeço muito a essa audiência pública, porque estou exatamente num momento de escuta. Estamos com um quadro bastante debilitado, pouco pessoal, estrutura pequena, então precisamos ouvir para planejar e fazer o trabalho funcionar. É triste ver um quadro sucateado num órgão que tem a função tão importante de fazer a reforma agrária, uma dívida histórica com os trabalhadores rurais. Não é apenas uma questão do Incra, mas estamos discutindo no Brasil a questão do orçamento e dos juros. Todas são discussões que vão atingir, ao fim, o trabalhador acampado aguardando o assentamento ser criado. Por isso, temos uma tarefa árdua mas não impossível”.

A importância da escuta também foi destacada por Sergio Siciliano, assessor da presidência da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Rio de Janeiro: “A Emater está em todo o estado, atuando diretamente com o produtor rural. E para nós a assistência técnica e extensão rural independem de onde veio a terra, mas de quem está disponível a ser apoiado. Estamos num processo de planejamento estratégico no estado, atuando nas câmaras técnicas e desenhando ações para os próximos oito anos conforme o desenvolvimento sustentável, segurança alimentar e produção de alimentos. Em nossa vinda aqui temos algumas questões a colocar e muito a ouvir”.

Para Marina do MST, deputada estadual e presidente da Comissão de Segurança Alimentar da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), a grande concentração urbana no município acaba por mascarar os problemas enfrentados pelos pequenos produtores rurais.

“Olhando para a realidade do estado é preciso destacar que todos os problemas relacionados à questão agrária tem uma grande invisibilidade aqui. Somos praticamente 96% da população considerada urbana, e isso faz com que as políticas públicas também invisibilizem os temas da reforma agrária. Mas aqui também há desmatamento, utilização de veneno e trabalho análogo à escravidão. É uma vergonha no século XXI, num estado tão rico em produção como o Rio, ter Campos dos Goytacazes como o 5º município no ranking nacional em trabalho análogo à escravidão”, pontuou.

Precariedade nos assentamentos

Após a manifestação dos integrantes da mesa, a audiência prosseguiu com a participação do público presente. A primeira fala foi de Andrea Matos, representante do Sindicato dos Trabalhadores da Embrapa Solos. Ela destacou que a audiência ocorre no mesmo dia em que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa ) completa 50 anos.

“Solicito ao MPF que faça a verificação da política difamatória que os movimentos sem-terra vêm sofrendo nas últimas semanas, visto a tramitação da Lei das Fake News no Congresso Nacional. Solicito também que se verifique a portaria 193 de 1992 que nos artigos 11º e 12º obriga a participação de toda a sociedade civil no Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária. O sistema reúne a Embrapa, todas as Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (Oepas), as universidades, mas precisa integrar também o povo que produz o que nós comemos diariamente”, pediu.

Coordenadora do Núcleo de Assessoria Jurídica Universitária Popular (Najup) Luiza Mahin, Mariana Trotta compartilhou algumas dificuldades enfrentadas pelos coletivos: “A ocupação Solano Trindade está há muitos anos em um imóvel do Incra e recentemente, em processo judicial, numa ação civil pública movida pelo MPF, foi informado de que houve, em 2015, revogação do termo de doação. Outro tema que chocou nesse último período de ataque à estrutura do Incra foi o relativo ao crédito habitacional desviado de vários assentados, como é o caso do PDS Oswaldo de Oliveira. Então, a gente precisa falar dessa lógica de emancipação dos assentamentos, com a titulação, mas sem infraestrutura e crédito. Esse caso do desvio gerou uma situação de precariedade das casas e um incêndio no território”.

Em seguida, o professor Waldeck Carneiro, representante do Núcleo de Educação e Cidadania da UFF e deputado estadual na legislatura anterior, destacou a importância do investimento: “É muito importante dar visibilidade a esse tema e recuperar o investimento na pesquisa agropecuária. Seria importante dialogar com BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica para garantir linhas de crédito ao pequeno produtor, além da recuperação da Emater, para garantir o assessoramento técnico para a pequena produção rural no Rio de Janeiro”, afirmou.

PDS Oswaldo de Oliveira 

A fala seguinte foi de Fernanda Vieira, professora na UFRJ, que enfatizou a presença do MPF na condução do debate: “Ter o MPF na defesa da reforma agrária é um marco extremamente importante”. Fernanda dedicou o restante do tempo concedido a ela para as falas dos integrantes do PDS Oswaldo de Oliveira. O assentamento fica no município de Macaé e, para ela, “o PDS é uma das áreas mais complexas que temos no Rio de Janeiro”.

A primeira do grupo a falar foi Marcela dos Santos: “A gente, do PDS, quer saber a posição do Incra sobre como vai ficar a questão dos recursos e créditos para casas que foram desviados e até hoje não tivemos resposta. Têm famílias em barracos de lona e madeirite que já estão caindo. Esse dinheiro veio, mas foi desviado para a empresa. Também queremos saber do crédito fomento mulher que ainda não chegou até nós”.

Em seguida, a palavra foi dada a Mauro, dirigente regional do MST na região dos Lagos: “É muito importante para o povo sem-terra ter uma audiência igual a esta para expor os problemas. Nós somos, no estado, o primeiro PDS, projeto de desenvolvimento sustentável, criado há nove anos, mas a gente continua vivendo em estado de calamidade; continuamos sendo ‘os acampados’. A falta de crédito e investimento dentro do assentamento causa conflito. Aparecem os oportunistas, criam milícias e começam a lotear o assentamento. Pedimos que olhem com mais carinho para o PDS. Temos a questão ambiental, discutida no país inteiro, e nós viemos com um projeto de desenvolvimento sustentável, mas não temos apoio dos órgãos competentes”.

Na sequência, a participante Elza também expôs a sua indignação: “O que houve no PDS foi covardia. Tenho certeza que as pessoas que fizeram isso têm onde morar. Fica muito difícil que os da população rural façam com que os outros 90% da área urbana tenham uma alimentação saudável, se não temos apoio nenhum no trabalho. É isso que a gente busca no poder público, nas autoridades, nos governos. Pedimos que olhem mais para essa classe social tão sofrida. É difícil para muitas pessoas falar, pois a maioria delas sequer tem o direito à educação. A gente fala de moradia, fala de vários direitos, mas estamos aqui mesmo para reivindicar todos os direitos que temos”.

Edna, que está no território desde a ocupação, em setembro de 2010, também trouxe o seu relato: “A gente está sofrendo muito porque estamos sem energia elétrica e as estradas são muito precárias. Já perdemos vários companheiros por conta de estradas e pontes. Eu mesma já passei mal lá dentro, chamei ambulância e ela não pôde entrar para me socorrer. Outra coisa foi a enganação do crédito de moradia. O servidor fez a gente assinar um papel, fomos lesados e estamos morando em barracos”.

Ela ainda apontou a diferença de tratamento do governo entre os grandes e pequenos produtores: “O poder público em Macaé costuma ser a favor das pessoas donas de grandes latifúndios e não reconhece o trabalho do agricultor. Quando chega o período de chuva, temos dificuldade para escoar a mercadoria e ir para as feiras. Fazemos feira e produzimos produtos sem veneno para nossa família e para o público e acabamos enfrentando todas essas adversidades”.

O relato de Amarildo de Castro demonstra todo o descaso mencionado, às vezes, traz perdas irreparáveis: “Nós perdemos três companheiros. Primeiro foi o sr. Adalberto, com problema de pressão e pela falta de socorro. Conseguimos um carro para levá-lo até o hospital e lá o médico disse que se tivéssemos chegado cinco minutos antes ele teria sobrevivido. O segundo foi o Roberto. Ele passou mal levando carro de aipim. Passou mal, foi tirado lá de dentro da carroça de burros, na ponte. Não tinha condições do carro entrar lá. No início do ano foi o nosso companheiro conhecido como Beto. Também não tinha como o carro entrar porque choveu muito e para tirar o corpo levou 12 horas. É triste a gente ver a situação. Somos julgados como desertores, invasores, destruidores, mas as pessoas que conhecem a nossa luta, sabem que nós ocupamos para sobreviver, plantar, criar. Os pequenos produtores rurais levam a mercadoria para grandes Ceasas do Rio e São Paulo e muitas vezes somos enxergados como baderneiros”.

A primeira rodada de participação do público presente foi encerrada com a fala de Luana Carvalho, coordenadora do MST-RJ: “Semana passada pegamos a nossa pauta e vimos como ela está amarelada. Há muitos e muitos anos as nossas reivindicações são as mesmas. No PDS Oswaldo de Oliveira foi criado o assentamento em 2014 e no Irmã Dorothy em 2015. Estas áreas estão quase completando dez anos e ainda não houve nenhuma política pública. Essas famílias vivem em situação de acampamento, em barraco de lona, não têm estradas, crédito e documentação. Os nossos assentados hoje não conseguem acessar as políticas porque não têm CCU ou DAF, documentos básicos. É imprescindível fazer um mutirão de documentação para resolver esse passivo de tantos anos. Por último, deixo a proposta de criar um espaço colegiado participativo para que a sociedade civil e os entes públicos possam sentar e acompanhar a implementação das ações”.

Pronunciamentos da mesa

Em seguida, o procurador Julio Araujo conduziu a discussão de volta aos participantes da mesa, para novas considerações à luz dos depoimentos ouvidos.

Para Gustavo Noronha, a atuação do Incra no último período foi organizada por uma ideia distorcida de titulação, em que qualquer medida administrativa era tratada como “título”, sem considerar que este é consequência de um processo mais amplo. “O título da terra não pode ser uma desculpa para se livrar de outras responsabilidades. A titulação é a conclusão do projeto de um conjunto de políticas públicas. O que vai organizar a ação do Incra daqui para a frente é a reforma agrária. A política orientadora é assentar famílias”.

O representante do Incra nacional também se comprometeu a verificar o andamento da questão dos créditos-habitação desviados. Ele solicitou que o inquérito possa ser compartilhado para apuração interna, até para viabilizar a restituição do crédito das pessoas lesadas. “É algo viável que precisa apenas da instrução do processo”.

Maria Lúcia de Pontes identificou divergência na questão da ocupação Solano Trindade: “No processo administrativo ao qual tive acesso, a doação não foi cancelada. Na verdade, existiam questionamentos dos cartórios em relação à área. Então, é uma divergência que vamos precisar olhar. Em relação aos créditos existem vários encaminhamentos. Um deles é o judicial, outro é a questão interna do Incra em ver o contrato feito com essa empresa, inclusive para o cancelar. O problema com essa empresa não é só no Rio de Janeiro. Já tivemos conhecimento de que também estavam cometendo esse crime em outros estados, até mesmo antes de ocorrer aqui”.

Claudia Videira, chefe da Divisão de Desenvolvimento e Consolidação do Incra no RJ, trouxe mais detalhes sobre a concessão dos créditos: “Em relação ao PDS Oswaldo de Oliveira, foram concedidos 12 créditos de apoio inicial. Os créditos de Fomento e Fomento Mulher não haviam sido liberados porque ainda estávamos sem técnicos para os projetos. Estamos lutando para que esses créditos venham ainda este ano ou ano que vem. Outra ideia (…) é que façamos muitos acordos de cooperação com as prefeituras para que elas possam elaborar, porque estão na ponta. Com isso, a gente aumenta a capilaridade do Incra”.

A importância da Emater foi enfatizada por Almir Dias, presidente da Agricultura Familiar de Cachoeiras de Macacu: “Cachoeiras é o segundo maior município em assentamentos da reforma agrária. Sempre digo a todos da Emater: ‘a hora que acabar a Emater, acaba também a agricultura familiar no estado do Rio’, para você ver a importância dela para nós. Houve governos no passado que fizeram de tudo para acabar com esse órgão”.

Depoimentos

Após as falas dos integrantes da mesa, foi aberta mais uma rodada de participação do público presente ao debate. A agricultura familiar de Cachoeiras de Macacu estava representada por Rosilene Brites, que destacou outras reivindicações: “A gente pede mais uma vez aos superintendentes do Incra a concessão dos títulos porque existem assentados desde 1945 que não os possuem. Também gostaria de falar em relação à nota eletrônica. Às vezes não há nem energia no interior, por isso, alguns agricultores não têm Internet e isso dificulta”.

Leonardo Lopes, representando a Associação dos Engenheiros Agrônomos, destacou o uso inadequado de verbas: “Como funcionário de carreira do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj), posso falar da importância dos assentamentos rurais, principalmente na região metropolitana. Não apenas na produção de alimentos, mas no serviço ambiental. Mas infelizmente o Iterj, nos últimos anos, tem focado mais nas áreas urbanas, em obras eleitoreiras, e sobram menos recursos para as áreas rurais”.

Terra Prometida

O assentamento Terra Prometida, na Baixada Fluminense, fica entre os municípios de Duque de Caxias e Nova Iguaçu. Os assentados apontaram as dificuldades enfrentadas.

O participante Cosme Henrique destacou que um trator foi destinado à prefeitura pelo Incra para atender o assentamento Terra Prometida, e o governo local se comprometeu a fornecer o operador, diesel e manutenção da máquina. No entanto, o maquinário só foi uma vez ao assentamento e nunca mais voltou. “São impunidades que se refletem na comunidade. Estamos assentados desde 2006 e não temos estrada, energia elétrica ou casa. Mas a gente produz orgânicos e no ano da pandemia distribuímos 200 mil quilos de alimentos nas favelas para conter a insegurança alimentar”.

Beatriz Carvalho se apresenta como “filha da luta pela reforma agrária”, pois com três anos de idade estava na ocupação da fazenda Campo Alegre, na Baixada Fluminense, local onde a mãe ainda reside. “Se a gente olhar em cada território de reforma agrária de uma ponta do Rio a outra vão se repetir questões como a demora, a lentidão em aplicar a reforma. Porque a reforma agrária não é só partilhar a terra, são as condições estruturantes. Nova Iguaçu e Duque de Caxias não possuem agricultura familiar e nem reforma agrária no processo de metas e planos. Só pensam no turismo ecológico, que não é de base comunitária e não agrega esses moradores. Estou num assentamento desde 2006 e não sei se daqui a um tempo a minha filha vai querer viver no território como está”, relata.

Juliana Gomes Moreira questionou os resultados de uma ação civil pública que tramitou há alguns anos: “Houve uma ação movida pela comunidade, e tocada aguerridamente pelo dr Júlio (procurador Regional dos Direitos do Cidadão), que esteve conosco no assentamento e no bairro vizinho. Há quase dois anos fomos informados de que a ação foi desmembrada em orientações para o Iterj e Incra que geraram multas destinadas a um fundo. Mas até hoje não sabemos o que aconteceu com essa ação”.

Outros relatos

O Conselho de Segurança Alimentar (Consea) em Volta Redonda estava representado pelo presidente William de Carvalho: “Estamos no limite. Temos a agricultura familiar, temos terra obsoleta e a necessidade de minimizar a fome. Temos leis municipais que garantem o uso do espaço público para agricultura familiar, mas há o descumprimento com a anuência da prefeitura”.

A Associação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), também estava presente, representada por Tatiana: “Falar de agricultura é falar de quilombo, porque é um povo que planta e sabe plantar, mas hoje tem dificuldade de escoar a sua produção. Por isso, pedimos ajuda para continuar a nossa agricultura”, destacou.

Edson Correa, diretor estadual da União Sindical dos Trabalhadores do Mar, do Campo e da Cidade, alertou para as dificuldades às quais são submetidos os assentados: “Os agricultores de Santa Cruz estão abandonados na Colônia dos Japoneses. Em governos anteriores uma área de 10 mil m² foi cedida sem consulta prévia a um empreendimento. Foi construído no canal do Rio São Francisco um dique, que rompeu nas últimas chuvas. O povo da colônia existe há décadas e é o maior produtor de aipim da região, mas hoje está com suas lavouras tomadas pela enchente. No ano passado, houve audiência pública durante a qual o Incra doou para a prefeitura as terras da antiga Fazenda Imperial, mas até hoje os moradores, agricultores e pescadores de Santa Cruz que vivem no entorno ainda não obtiveram o título de propriedade”.

A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Rio de Janeiro (CDHAJ-OAB/RJ) esteve representada por Gláucia Nascimento, secretária-geral, que lembrou a trajetória de lutas de quem vive da terra: “Meu pai saiu da Paraíba para fugir da fome depois que viu o seu irmão morrer de fome, veio dormir nas ruas do Rio de Janeiro. Até hoje ele quer voltar para a terra. Eu vejo a dor de vocês, uma dor de voltar para a terra com dignidade, podendo viver dela. É necessária uma política pública extensiva e eficaz contra o trabalho escravo, pela reforma agrária e contra a insegurança alimentar”.

Adriana Pereira é presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Itaperuna e prestou solidariedade aos companheiros: “Queremos nos solidarizar com o PDS Oswaldo de Oliveira, que leva esse nome porque ele morreu na luta. Como disse Margarida Alves ‘Eu prefiro morrer na luta a morrer de fome. Mas que não morramos de fome e também não morramos na luta’. Eu resido no pré-assentamento de Nova Esperança do Aré e preciso dizer da gratidão que temos pela parceria com a Emater, que em Itaperuna funciona e somos muito bem recebidos”.

José Ribamar Coelho é presidente do PA Celso Daniel e afirmou que este momento devia se repetir muitas vezes: “A gente estava sentindo muita falta de se reunir e ter um espaço para discutir os nossos interesses. Os assentamentos consolidados sem estrutura e condição de produzir levam a desistência de alguns companheiros. Por conta disso, a gente solicita investimento de créditos para desenvolver essas áreas. Um dos recursos para isso é o Pronap, mas o Banco do Brasil em Macaé, Carapebus e Conceição de Macabu não libera o recurso”.

Teodomiro de Almeida, que representa as Associações dos Pré-Assentamentos, alerta para o planejamento de uma reforma agrária eficiente: “A desaceleração do programa nacional de reforma agrária existe desde 2011. Poucas vistorias foram feitas com uma burocratização tão intensa. Além disso, nós não temos um programa de assistência técnica e estamos enxugando gelo ao falar de aplicação de crédito sem essa assistência. Trago também uma questão urgente: o antigo superintendente autorizou uma linha de transmissão de energia elétrica que está comendo lotes das famílias. A Procuradoria já contestou, mas eles ignoraram”.

Teodomiro mencionou ainda o editorial publicado pelo jornal Folha de S.Paulo no fim de abril. Ele afirmou que o texto levanta muitas afirmações contra os sem-terra que acabam sendo incorporadas pela sociedade e não podem ficar sem resposta.

O diretor social da Amas Petrópolis, Nélio Lopes, falou sobre a carência de moradias populares no município: “Quando falamos em Petrópolis lembramos da obra de Guy Debord, A Sociedade do Espetáculo, porque só quando chove todos lembram de Petrópolis e levam doações, mas temos, ainda hoje, moradores no aluguel social. Eu queria também que vocês anotassem o endereço Rua Floriano Peixoto, 280. Um prédio onde a Alerj doou R$ 3,5 milhões para que fosse construído abrigo ou moradia para as pessoas, mas hoje estão transformando em um local para cesta básica e banco de alimentos”.

Clarice Manhã, representante da Cooperativa Agroverde de Produtores Rurais, concluiu essa etapa da audiência: “Na nossa cooperativa atuam mais de 600 famílias e em nome delas dou as boas-vindas à nova superintendente do Incra. Reforço o pedido já feito aqui, de que essa audiência tenha um desdobramento num grupo de trabalho, especialmente para encurtar distâncias”, pontuou.

Criação de um fórum permanente

Ao fim da audiência, foi deliberada a criação de um fórum permanente para discutir a reforma agrária no estado do Rio de Janeiro, com a participação das instituições presentes e dos movimentos sociais. “Creio que podemos avançar nesse diálogo constante e contribuir para a implementação das políticas públicas, empurrando a agenda da reforma agrária e garantindo a concretização dos direitos fundamentais”, afirmou o procurador.

Outro encaminhamento da audiência foi a realização de um mutirão de documentação nos assentamentos da reforma agrária, com o fim de assegurar o acesso a políticas de créditos para os assentados.

A audiência completa está disponível no Canal MPF no YouTube.

MPF realiza audiência para debater políticas públicas para reforma agrária e segurança alimentar no Rio de Janeiro

Evento ocorrerá no dia 26 de abril, às 10h, no auditório da sede da Procuradoria da República no Rio de Janeiro

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O Ministério Público Federal (MPF) realizará, no dia 26 de abril, audiência pública para debater, entre autoridades públicas, entidades particulares, movimentos sociais e demais cidadãos, as políticas públicas para a reforma agrária e segurança alimentar no estado. O evento será presencial, no auditório da sede da Procuradoria da República no Rio de Janeiro. 

Coordenada pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão Júlio José Araújo Junior, a audiência abordará, de forma ampla e sistêmica, a condução das políticas públicas relacionadas à reforma agrária, sob a perspectiva de seu planejamento e organização em âmbito regional.

A convocação para a audiência é resultado de um procedimento administrativo em curso na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), para acompanhar a condução de políticas públicas para a reforma agrária e segurança alimentar no estado do Rio de Janeiro. A PRDC tem recebido demandas sobre estruturação de assentamentos, pleitos de reforma agrária, segurança alimentar e conflitos relacionados às políticas conduzidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Serão convidados para participar da audiência, entre outros, o ministro do Desenvolvimento Agrário, o presidente e o superintendente do Incra, o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e representantes da Comissão de Segurança Alimentar da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Edital de convocação 

Serviço

O quê: audiência pública sobre políticas públicas para reforma agrária e segurança alimentar
Quando: 26 de abril de 2023, às 10 horas
Onde: auditório da sede da Procuradoria da República no Rio de Janeiro (Av. Nilo Peçanha, 31, Centro)

MPF pede urgência na análise de recurso sobre a instalação de termelétricas na Baía de Sepetiba (RJ)

Há quase um ano o MPF atua para impedir instalação de quatro usinas no mar
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O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela imediata continuidade de duas ações civis públicas que tratam da instalação de quatro usinas termelétricas flutuantes e 36 torres de transmissão de energia, na Costa Verde, região litorânea do sul fluminense.

O projeto da empresa Karpowership abrange a instalação das termelétricas a gás sobre balsas que flutuarão sobre a Baía de Sepetiba (RJ) Juntas, as usinas possuem a capacidade instalada de 560 megawatts de energia. Já as torres de transmissão de energia elétrica percorrerão cerca de 14 km de extensão, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, sendo que parte das torres serão fincadas no espelho d’água da baía. Confira infográfico no fim do texto.

Em nova manifestação encaminhada em fevereiro à Justiça Federal, o MPF pediu a remessa dos autos para o Tribunal Regional Federal da 2ª região (TRF2), para que os recursos sejam analisados o quanto antes.

O MPF contesta as sentenças que extinguiram prematuramente as duas ações civis públicas. As sentenças do juiz de primeira instância adotaram como fundamentação uma suposta ilegitimidade do MPF, alegando de falta de interesse federal. Os recursos do MPF, no entanto, lembram que o megaempreendimento, objeto das duas ações propostas, localiza-se e impacta diretamente o mar territorial, bem da União. Além disso, o MPF observa que, para além de impactar um bem da União, cuja gestão compete aos órgãos federais, os interesses em questão transcendem os limites locais e dizem respeito aos interesses coletivos presentes na proteção do patrimônio socioambiental.

Mérito

Os recursos reiteram os pedidos formulados nas duas ações civis públicas ajuizadas em 2022. Entre eles está o pedido para que o Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea) seja impedido de conceder quaisquer licenças que permitam a instalação e a operação das torres de linha de transmissão e das usinas sem o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) completo e adequado.

O MPF argumenta que o licenciamento precisa necessariamente “abarcar os impactos cumulativos e sinérgicos do empreendimento, o que deve exigir um estudo multidisciplinar a respeito dos efeitos negativos das linhas de transmissão, da instalação e funcionamento das quatro termelétricas, em conjunto com as atividades poluentes já desenvolvidas na região, e o que o conjunto desses impactos acarreta sobre a biota”. Nessa linha, o MPF pede a anulação das licenças ambientais que ,a toque de caixa, autorizaram a instalação e operação de 36 torres de linha de transmissão de energia e das quatro usinas termelétricas flutuantes na baía.

De acordo com o procurador da República Jaime Mitropoulos, a licença emitida pelo Inea abriu mão do EIA/Rima, necessários para a realização desse tipo de atividade altamente poluente. Os estudos técnicos multidisciplinares aprofundados deveriam detalhar a intensidade e dimensão do impacto do empreendimento e apontar possíveis alternativas ou possíveis medidas mitigadoras e compensatórias adequadas, caso fosse atestada a viabilidade do megaempreendimento.

“No entanto, o órgão ambiental, agindo por delegação do Ibama, não observou o dever de exigir estudos mais detalhados e abrangentes possíveis, descurando, assim, de seu dever de máxima proteção aos meio ambiente”, ressalta Jaime Mitropoulos. O procurador da República ainda aponta a falta de transparência do órgão ambiental, que emitiu as licenças ambientais sem as indispensáveis audiências públicas para debater os impactos do empreendimento com os moradores da região afetada.

Quanto à Karpowership, o pedido é para que a empresa não realize qualquer atividade sem os licenciamentos ambientais. Além disso, o MPF pede que a empresa e o órgão ambiental paguem indenização pelos danos que porventura venham a ser apurados.

Cronologia da atuação do MPF no caso:

Março de 2022 – Ainda durante a apuração dos fatos, o MPF recomendou ao Inea que anulasse a licença para instalação de 36 torres de transmissão de energia na Baía de Sepetíba (RJ) e que nenhuma outra fosse emitida antes do EIA/RIMA;

Março de 2022  Não acatada a recomendação, o MPF ajuíza ação civil pública 5020957-93.2022.4.02.5101  na qual questiona a falta de EIA/RIMA e o indevido fracionamento do licenciamento, fatiado para permitir a instalação e operação das 36 torres temporárias de linha de transmissão de energia. O MPF pediu urgência e alegou que os quase 14 km de extensão das linhas de transmissão fazem parte do megaempreendimento das 4 termelétricas e que, por si só, já causariam significativo impacto ambiental, visto que resultariam em supressão de trecho da Mata Atlântica e áreas de preservação permanente, como, por exemplo, manguezais.

Maio de 2022 Considerando que a empresa empreendedora já havia contestado a primeira ação e que, neste ínterim, o Inea concedeu licença para instalação e operação das quatro termelétricas, o MPF propõe uma segunda ACP – 5041112-20.2022.4.02.5101. Desta vez, o órgão ministerial pediu a nulidade do licenciamento das termelétricas e a suspensão de qualquer atividade de que visasse a instalação dos equipamentos no local dos fatos. O parquet federal volta a alegar que o licenciamento do megaempreendimento não poderia ter sido fracionado e tampouco deveria ter dispensado o necessário, completo e aprofundando EIA/RIMA.

Setembro de 2022  Após diversas reiterações sobre a urgência e necessidade da concessão da tutela jurisdicional de urgência, a Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro extingue o processo sem analisar o mérito, alegando, entre outras coisas, ilegitimidade do MPF, falta de competência da Justiça Federal e uma suposta litispendência. Em relação a esse último ponto, o MPF esclarece, nos recursos de apelação interpostos, que existe uma antiga decisão proferida pela Justiça do Estadual, obrigando o Estado do Rio de Janeiro a se abster de licenciar atividades de significativo impacto ambiental sem o necessário EIA/RIMA. No caso das quatro termelétricas, além da magnitude do empreendimento, da alta capacidade de produção de energia suja, da direta influência no mar territorial, na Mata Atlântica e em áreas de preservação permanente, tanto o empreendedor quanto o Estado do Rio de Janeiro alegam que não há significativo impacto ambiental, argumento adotado para dispensar o EIA/RIMA no caso concreto.

Novembro de 2022  MPF envia nova manifestação à Justiça Federal, requerendo que os recursos sejam encaminhados ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região, logo assim que decorridos os prazos para contrarrazões dos apelados.

Fevereiro de 2023 Uma vez decorridos os prazos, MPF cobra o envio dos autos para o TRF2 para análise dos recursos, salientando que há requerimentos de tutela recursal de urgência, através dos quais busca-se efetividade da prestação jurisdicional.

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MPF denuncia Roberto Jefferson por tentativa de homicídios contra 4 policiais federais

Ele também é acusado de outros três crimes: resistência qualificada, posse de arma de fogo e munições de uso restrito e permitido, além de posse e adulteração de granadas
 
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O Ministério Público Federal (MPF) denunciou, nesta quarta-feira (7), Roberto Jefferson por quatro crimes: quatro tentativas de homicídio, resistência qualificada, posse de arma de fogo e munição de uso restrito e permitido, além de posse e adulteração de granadas. No último 23 de outubro, quatro policiais federais foram recebidos a tiros e explosivos ao cumprir mandado de prisão no endereço do ex-parlamentar, na Região Serrana do Rio de Janeiro.
 
Ao perceber a presença policial no portão de sua casa, pelas câmeras de circuito interno de segurança, Jefferson grava um vídeo dizendo que não vai se entregar. Nesse momento, ele se posiciona na varanda da casa. De lá, o ex-parlamentar lança contra os policiais uma granada adulterada com pedaços de pregos cortados envoltos por fita adesiva. Ao retirar o pino do artefato, ele anunciou, de forma debochada, que a lançaria e gritou: “vocês estão juntinhos aí vão machucar”.
 
Imediatamente após o lançamento da granada, Jefferson puxou uma carabina18 calibre 5.56x45mm que estava escondida (abaixo da visão do muro), e começou a atirar em direção aos policiais, efetuando os 30 disparos iniciais (esvaziando o primeiro carregador).
 
Mesmo com os gritos de “policial ferido”, Roberto Jefferson não cessou o ataque, lançando outras duas granadas na direção dos policiais. Após, ele iniciou nova sessão de tiros de carabina, efetuando aproximadamente outros 30 disparos na direção dos policiais.
 
Após o disparo de aproximadamente 60 tiros de carabina e o lançamento de três granadas (adulteradas) contra os quatro Policiais Federais, Roberto Jefferson gravou novo vídeo, divulgado na internet, exibindo a viatura policial alvejada por vários disparos, além de uma grande poça de sangue próxima ao veículo.
 
Tipificação

Os quatro crimes cometidos por Roberto Jefferson, no dispositivo da lei, são:
– artigo 121, §2.º, III, IV, VII e VIII, c/c o artigo 14, II, na forma do artigo 69, caput, (04 vezes) todos do Código Penal.
– artigo 329, §1.º, do Código Penal.
– artigo 16, caput, c/c o artigo 12, ambos da Lei n.º 10.826/2003, na forma do artigo 70, caput, 1.ª parte, do Código Penal.
– artigo 16, §1.º, III e VI, da Lei n.º 10.826/2003.
 
Processo 5002390-75.2022.4.02.5113

MPF solicita autos de infração à PRF e pede ações preventivas

PRDC busca evitar que novos bloqueios de rodovias federais ocorram no Estado
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O Ministério Público Federal (MPF) expediu ofício ao superintendente regional da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Alexandre Carlos de Souza e Silva, solicitando cópia dos 61 autos de infração decretados até 31 de outubro, e de futuros autos que possam vir a ser expedidos, referentes às manifestações antidemocráticas que bloquearam estradas federais no estado do Rio de Janeiro após 30 de outubro, dia do segundo turno das eleições de 2022. O ofício foi expedido com a finalidade de apurar os fatos e as circunstâncias desses atos e acompanhar as medidas adotadas pelo poder público para prevenir a reincidência dessa violação de direitos fundamentais.

O ofício foi encaminhado por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), que também pede informações sobre eventuais ações e cronograma adotados para prevenir novos bloqueios das rodovias federais pelo menos até o próximo dia 15 de novembro. Por conta da gravidade e urgência dos fatos, foi dado o prazo de 72 horas para que o superintendente regional da PRF encaminhe a resposta.

Manifestações antidemocráticas

No dia 30 de outubro, começaram a surgir pelo Brasil manifestações nas quais os protestantes alegam fraude eleitoral e pedem intervenção militar. Além das manifestações, houve bloqueio de estradas e rodovias em todo o país.

No Rio de Janeiro, o MPF atuou de forma integrada e bem-sucedida na cessação dos bloqueios. O objetivo agora é garantir uma atuação preventiva contra novos bloqueios.

MPF: Justiça condena Record e Band a reduzir tempo televisivo para igrejas

Limite legal de 25% do tempo para comercialização do espaço estava sendo descumprido pelas emissoras

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Em ações civis públicas movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal condenou a Rádio e Televisão Bandeirantes no Rio de Janeiro e a Rádio e Televisão Record S/A a reduzirem o período total comercializado de sua grade para 25% do tempo diário, inclusive os espaços comercializados a entidades religiosas ou sem fins lucrativos. Já a União foi condenada a fiscalizar o cumprimento do limite legal pelas emissoras. As empresas deverão, portanto, “ajustar sua programação”, reduzindo, consequentemente, o período total comercializado equivalente a seis horas da sua programação. (processos nº 5098336-18.2019.4.02.5101 e nº 5098337-03.2019.4.02.5101)

“Dada a importância social do setor de radiofusão, a ultrapassagem do limite de publicidade comercial configura desvio de finalidade das concessões e permissões de radiodifusão e o enriquecimento ilícito dos que comercializam os horários acima dos limites legais”, detalhou uma das sentenças.

“Ainda que os programas religiosos comercializados pela emissora de TV não se refiram a publicidade de marca, produto, ou ideia, há verdadeira comercialização de grade mediante contratos de caráter sinalagmático e de inegável intuito lucrativo, já que recebe a mesma contraprestação financeira pela cessão do tempo de sua programação”, concluiu.

Ações civis públicas – Em dezembro de 2019, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro ajuizou as ações civis públicas contra as emissoras TV Record e Band Rio, apontando o descumprimento da Lei Geral de Radiodifusão, no que se refere ao limite máximo de 25% para comercialização do tempo de programação.

De acordo com o MPF, em inquérito civil instaurado em 2016, as emissoras descumprem o limite legal ao comercializar, além do tempo destinado à publicidade de produtos e serviços, até 9 horas e 30 minutos diários para divulgação de prosélitos religiosos.

Especificamente, o MPF apurou que a emissora TV Record comercializa 28,19% do tempo, destinando 20,83% semanais para programas de responsabilidade da Igreja Universal do Reino de Deus e a Band Rio disponibiliza 25,98%, em média, para fins comerciais, burlando, também, o limite legal. Na Band, o tempo destinado a programas religiosos contratados é de 20,38%.

As ações do MPF estão baseadas no tempo de programação religiosa produzida por terceiros constante da grade das emissoras, bem como no tempo de publicidade comercial informado pelas próprias concessionárias de radiodifusão.

Clique aqui e confira a inicial (Record e Band) e a sentença (Record e Band).

MPF move ação para anular licença de instalação de 36 torres de transmissão de energia na Baía de Sepetiba (RJ)

O licenciamento ambiental não poderia ser fracionado, tendo em vista que as torres fazem parte do empreendimento que prevê a instalação e operação de 4 termelétricas, também na Baía de Sepetiba
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O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, na última sexta (25), contra o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a empresa Karpowership Brasil Energia Ltda para evitar danos e impactos ambientais a serem provocados pelo empreendimento de instalação de 4 termelétricas e 36 linhas de transmissão de energia na Baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro. O principal pedido é para que a Justiça declare nula a Licença Ambiental Integrada (LAI) nº IN000312, expedida pelo Inea no processo de licenciamento ambiental SEI- 070002/000499/2022, que liberou parte do projeto para a construção das torres de transmissão, fatiando o empreendimento, mesmo sem Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) e realização de audiência pública. O Processo n° 5020957-93.2022.4.02.5101 tramita junto à 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro e o pedido liminar ainda está sendo apreciado pela Justiça Federal.
 
A ação do MPF se dá após o Inea se negar a acatar recomendação expedida no último dia 15, em que o Ministério Público Federal apontou vícios para o licenciamento, uma vez que o empreendimento tem potencial de impactos significativos sobre o bioma, não sendo precedida pelo necessário estudo ambiental (EIA/Rima), “que inclusive deveria considerar os impactos cumulativos e sinérgicos com a instalação de quatro termelétricas flutuantes, também na Baía de Sepetiba, a cargo da mesma empresa autorizada a instalar as torres de linha de transmissão”, detalha a ação. Outro ponto que o Inea ignora é o fato de que empreendimento principal visa à produção de energia por termelétricas, o que constitui um modelo energético baseado em combustíveis fósseis, por sua própria natureza gerador de poluição por gases de efeito estufa, que constitui um dos principais fatores de contribuição para as mudanças climáticas.
 
“O órgão ambiental tem ciência de que os dois projetos possuem potencial de impactos cumulativos e sinérgicos, a merecer uma avaliação conjunta e contextualizada. Nessa linha, não se pode fatiar, fracionar ou desmembrar projetos que no seu todo implicarão impactos cumulativos e sinérgicos sobe o ecossistema. Dessa forma, a Licença Ambiental Integrada (LAI) nº IN000312 foi expedida sem que tenha havido o prévio e indispensável estudo de impactos ambientais mais detalhados e aprofundados, os quais necessariamente devem considerar, repita-se, o potencial dos impactos cumulativos e sinérgicos de instalação das 4 termelétricas e das 36 torres temporárias de linha de transmissão de energia”, alerta o procurador da República Jaime Mitropoulos, autor da ação.
 
Em resposta à recomendação, o Inea confirmou que as 36 torres de transmissão, com tensão de 138kV, estendem-se de Itaguaí até a Baía de Sepetiba e que os projetos – as torres e as usinas – estão atrelados, vez que as linhas de transmissão interligam, em circuito simples, a Subestação (SE) Zona Oeste de propriedade de Furnas Centrais Elétricas S/A, inicialmente a quatro Usinas Termoelétricas Flutuantes Geradoras de Energia, sendo um único e grande empreendimento, previsto em acordo de cooperação assinado entre o Ibama e o Inea, assinado em 22 de fevereiro deste ano.
 
“Cabe dizer que a instalação das torres implica, da forma como foi licenciada, a supressão de vegetação secundária da mata atlântica, em todos os níveis de regeneração, sem o cumprimento de leis de proteção do Bioma Mata Atlântica, a Lei de Proteção da Zona Costeira e as resoluções 1/86 e 237 do Conama. Além disso, não foi feita audiência pública que garanta a efetiva participação popular na tomada de decisão sobre a instalação e operação das linhas de transmissão, não tendo sido feito estudo e avaliação criteriosa sobre alternativas técnicas e locacionais quanto à instalação e também em relação ao tipo de compensação ambiental, que deve sempre prestigiar a compensação ambiental “in situ” e “in natura”, avalia o procurador.
 
Apesar de os projetos impactarem diretamente a Baía de Sepetiba e, portanto, o mar territorial e a Zona Costeira, além do Bioma Mata Atlântica, incluindo áreas de preservação permanente, o licenciamento, que originariamente competia ao Ibama, foi delegado ao Inea, conforme possibilita a Lei Complementar nº 140/2011. O Acordo de Cooperação entre Ibama e Inea foi firmado no dia 22 de fevereiro de 2022. Duas semanas depois, a Licença Ambiental Integrada (LAI) nº IN000312 já havia sido emitida, o que também revela como o licenciamento está sendo conduzido a toque de caixa, caracterizando, com isso, o grave e iminente risco de danos ambientais irreparáveis ou de difícil reparação, o que por si só já justifica a concessão da tutela jurisdicional de urgência, acrescenta o procurador.
 
Outros pedidos
 Além de declarar nula a LAI IN00031, o MPF requer à Justiça a condenação do Inea na obrigação de não conceder quaisquer licenças que permitam a instalação e operação 36 torres temporárias de linha de transmissão de energia, sem o necessário, prévio, detalhado e aprofundado Estudo de Impacto Ambiental (conforme previsto no artigo 15 da Lei 11.428/2006 c/c art.5º, § 2º da Lei 7.661/88), com respectivos relatórios e avaliações, os quais devem abarcar os impactos cumulativos e sinérgicos dos dois empreendimentos ou projetos previstos no Acordo de Cooperação Técnica n.º 5/2022.
 
O EIA/Rima deve abranger, além de outros pontos, todos os aspectos exigidos nas resoluções do Conama de 01/1986 e 237/1997, de modo a permitir uma abordagem ampla, profunda, holística, completa, interdisciplinar e sistêmica dos dois empreendimentos em conjunto. Nesse sentido, deverá abranger os meios físico, biológico e ecossistemas naturais, e o socioeconômico. Deve também compreender e identificar previsão da magnitude e interpretação da importância dos prováveis impactos relevantes, discriminando impactos positivos e negativos, diretos e indiretos, imediatos e de médio e longo prazos, temporários e permanentes, seu grau de reversibilidade, suas propriedades cumulativas e sinérgicas, a distribuição dos ônus e benefícios sociais; a criteriosa avaliação de impactos deve obrigatoriamente apontar riscos, alternativas, melhores soluções, de modo a vislumbrar uma visão integrada e ampla sobre os aspectos geográficos, hidrográficos, hidrológicos, biológicos, sócio-econômicos, levando-se em conta, inclusive, os benefícios e riscos para as comunidades circunstantes. Além disso, deve abarcar minudente especificação das medidas mitigadoras dos impactos negativos, entre elas os equipamentos de controle e sistemas de tratamento de despejos, avaliando a eficiência de cada uma delas; programa de acompanhamento e monitoramento, indicando os fatores e parâmetros a serem considerados, além de indispensáveis planos de contingenciamento para o caso de acidentes.

MPF rebate município de Campos (RJ) em processo sobre gestão local do SUS

Prefeitura recorre contra decisão do TRF2 de determinar regularização de serviços

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O Ministério Público Federal (MPF) rebateu um recurso do município de Campos dos Goytacazes (RJ) contra a sentença que o obriga a gerir melhor recursos federais para pôr fim às “inúmeras irregularidades em diversas unidades de saúde” do Sistema Único de Saúde (SUS). O réu alega, entre outras questões, que a ordem judicial afrontaria ao princípio da separação dos poderes. Em outubro, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) tinha julgado um processo do MPF contra o Município por irregularidades listadas por auditores do Denasus em relatórios sobre 2010 e 2015-2017, como as faltas de material e mão de obra em unidades de saúde.

O MPF na 2ª Região (RJ/ES) expediu manifestação contra um recurso no qual o município pede ao Supremo Tribunal Federal (STF) que reveja a decisão do TRF2. Na ordem contestada nesse recurso extraordinário, a 7ª Turma do Tribunal rejeitou alegações municipais como a de que o sistema local de saúde não se encontrava na situação apontada em 2015, ano inicial do processo. Se o recurso não prosperar, o MPF avalia que a sentença contra o Município poderá ser executada, ainda que de forma provisória.

“Há um lastro fático robusto e continuado de irregularidades na gestão dos recursos federais destinados à saúde”, afirmou o MPF ao defender que o recurso extraordinário não seja remetido ao STF. “Elas devem ser prioritárias, sobretudo se já empenhado valor de grande monta a determinado ente municipal. Assim, não se trata de afronta ao princípio da separação dos poderes, mas apenas de buscar a correção de inúmeras irregularidades constatadas em inspeções do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, bem como em, ao menos, uma dezena de inspeções do MPF em unidades hospitalares, pré-hospitalares e unidades básicas de saúde no Município de Campos dos Goytacazes.”

Em sua manifestação, o MPF relatou ainda inspeções do Conselho Regional de Medicina (Cremerj)   em 2019 que confirmaram a persistência de inúmeras irregularidades citadas na ação de quatro anos antes. As inspeções em agosto daquele ano no Hospital Ferreira Machado e no Hospital Geral de Guarus se deviam à greve dos médicos e não seriam para o MPF produzir provas para o processo, como registrou o TRF2 na decisão contestada pelo Município.

Furadeira de construção na ortopedia

Os autos do processo incluem relatórios do Denasus e o mais recente, do Cremerj. Nele, médicos constataram irregularidades que, somadas, formam uma “situação caótica (…) onde há risco de morte por desassistência por falta de materiais, insumos, medicamentos e equipamentos”. No Hospital Ferreira Machado, viu-se o uso de furadeira de construção civil pela ortopedia, falta de autoclave (local para esterilização) funcionando na sala de atendimento ao politraumatizado, falta de medicamentos e insumos, superlotação de pacientes internados em macas nos corredores (com higiene sendo feita no corredor, em afronta à dignidade humana), respiradores sem bateria e falta de próteses vasculares.

No Hospital Geral de Guarus, o Cremerj viu condições de higiene precária, superlotação de pacientes internados em macas nos corredores, falta de antibióticos e outros medicamentos, uma farmácia da emergência sem aclimatação, respiradores sem bateria, falta de saída de oxigênio nos leitos, tomografia computadorizada sem funcionamento e CTI com deficiências em equipamentos.

Processo nº 0074441-49.2015.4.02.5103/RJ

MPF pede afastamento da presidente do Iphan após fala de Bolsonaro sobre o órgão não “dar dor de cabeça”

Pedido se dá em ação popular para anular nomeação de Larissa Rodrigues Peixoto Dutra por falta de qualificação técnica para o cargo

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O Ministério Público Federal (MPF) requereu, no âmbito da ação popular 5028551-32.2020.4.02.5101, o imediato afastamento, em caráter liminar, da atual presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, até o julgamento de mérito. O pedido se dá pelo surgimento de nova confissão do chefe do Poder Executivo, com prova vídeo documental, demonstrado o vício de finalidade na prática do ato administrativo.

Na última quarta-feira, 17, em evento realizado na Federação das Indústrias do Estado de São (Fiesp), o presidente Jair Bolsonaro confessou que a indicação para o Iphan tinha como finalidade “não dar dor de cabeça” para o governo. Segue a transcrição da fala do presidente que foi gravada e transmitida pelos meios de comunicação:

Também, há pouco tempo, tomei conhecimento que, uma obra, uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja e apareceu um pedaço de azulejo durante as escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta: ‘que trem é esse?’, porque eu não sou tão inteligente como meus ministros. ‘O que é Iphan?’, com PH. Explicaram para mim, tomei conhecimento, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá. O Iphan não dá mais dor de cabeça pra gente [risos].”

Com o surgimento dessa nova prova video-documental, para o MPF, não há oposição de dúvida razoável sobre o desvio de finalidade na nomeação e posse da atual presidente do Iphan.

“No caso em julgamento, sequer buscaram os agentes do ato ocultar a verdadeira motivação na nomeação e posse da ré Larissa Rodrigues Peixoto Dutra, qual seja, a de ‘não dar mais dor de cabeça’ para o Presidente da República e seu círculo de ‘pessoas conhecidas’”, analisa o MPF.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional é uma das mais antigas instituições federais brasileiras, e tem por função precípua “promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional” (Lei Federal no 378/1937).

Ação popular

Em junho do ano passado, a Justiça concedeu liminar para suspender a nomeação de presidente do Iphan, após o MPF se posicionar, em ação popular, pela nulidade do ato administrativo por desvio de finalidade e falta de capacitação técnica. Além disso, o MPF apurou que o marido de Larissa, Gerson Dutra, teria integrado a equipe de segurança particular do Presidente da República durante a campanha eleitoral, o que indicaria possível desvio de finalidade na nomeação de pessoa não qualificada para a função pública. 

Larissa não atende os requisitos estabelecidos nos Decretos Federais 9.238/2017 e 9.727/2019, que exigem dos nomeados “perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo”, e também experiência profissional mínima de cinco anos em atividades correlatas e título de mestre ou doutor na área de atuação.

Larissa Rodrigues Peixoto Dutra é graduada em Turismo e Hotelaria pelo Centro Universitário do Triângulo, e cursa atualmente pós-graduação lato sensu em MBA executivo em gestão estratégica de marketing, planejamento e inteligência competitiva, na Faculdade Unileya. Para o MPF, ela não possui formação acadêmica compatível com o exercício da função, uma vez que não obteve graduação em história, arqueologia, museologia, antropologia, artes ou outra área relacionada ao tombamento, conservação, enriquecimento e conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional.

No entanto, contra a decisão liminar, os réus interpuseram os agravos de instrumento 5006698-41.2020.4.02.0000 e 5006708-85.2020.4.02.0000, os quais foram deferidos pela 8ª Turma Especializada do TRF2, em acórdão datado de 20 de outubro de 2021.

Confira o pedido do MPF em: http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/docs/pr-rj/acao-popular-presidente-o-iphan-pedido-de-liminar/view 

Saiba mais em: http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/mpf-pede-afastamento-da-presidente-do-iphan-apos-fala-de-bolsonaro-sobre-o-orgao-nao-201cdar-dor-de-cabeca201d/view