Demissão de professor no Rio de Janeiro abre discussão sobre perseguição política no governo Cláudio Castro

Últimos casos envolvem a exoneração do cartunista João Paulo Cabrera e a suspensão de três professoras

Demissão de professor no Rio de Janeiro abre discussão sobre perseguição política no governo Cláudio Castro

Sociólogo e chargista, Cabrera foi surpreendido com sua demissão da rede estadual – Reprodução/Instagram 

Por Clivia Mesquita para o “Brasil de Fato”

A partir da demissão do professor de sociologia João Paulo Cabrera da rede estadual do Rio de Janeiro, na última segunda-feira (11), entidades denunciam em manifesto “uma escalada da repressão do governo Cláudio Castro (PL) contra servidores que atuam na defesa dos seus direitos”. O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe-RJ) considera que há “perseguição política” na aplicação das penalidades.

Voz ativa na luta dos professores, contra o novo Ensino Médio e a precarização da educação pública, Cabrera também é cartunista, apoia o movimento estudantil e faz parte da coordenação colegiada do Fórum Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Ao repudiar a medida, a entidade afirma que o processo ocorreu de forma controversa e sem direito a ampla defesa. E ainda que “não tolerará perseguição, assédio, censura ou ataque à liberdade de ensino e opinião, práticas autoritárias que ofendem a educação democrática”.

Ao Brasil de Fato, Diogo de Andrade, coordenador geral do Sepe-RJ, afirma que a proximidade das eleições sob a gestão de Castro representa o endurecimento das ações de extrema direita contra os professores que trabalham pautas sociais em sala de aula. “Foi assim em 2022, em 2024 e está se repetindo agora no ano pré-eleitoral”, enfatiza.

“O projeto ‘Escola sem Partido’ nunca morreu. Apesar de o nome aparentar uma neutralidade, o objetivo é impor uma visão política de direita bolsonarista que nega fatos da história brasileira, como o golpe e a ditadura militar”, completa o dirigente sindical.

A Associação dos Estudantes Secundaristas do Rio de Janeiro (Aerj) convocou uma mobilização em defesa do professor para a próxima quinta-feira (14). “A falta de vergonha desta Secretaria [de Educação], ao demitir um professor como Cabrera justo no Dia do Estudante, é mais um símbolo do desprezo que o Governo do Rio de Janeiro tem pela nossa educação e pela nossa juventude”, afirma em nota.

Além da demissão de Cabrera, os últimos casos de penalidades envolvem a suspensão das professoras Stefanini Mendonça por 120 dias, e Andrea Cassa e Mônica Lemos, por 20 dias. Todos os profissionais têm em comum a militância e a participação em atividades de defesa da categoria, fato que para o Sepe-RJ reforça que há perseguição. 

Segundo o sindicato, as penalidades aplicadas sob a justificativa de “questões administrativas” são referentes ao tempo em que os quatro profissionais ocuparam cargos de gestão no Colégio Estadual André Maurois, situado no bairro do Lebon, zona sul do Rio.

Questionada pelo Brasil de Fato, a Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) informou que o professor João Paulo Cabrera “foi exonerado depois da conclusão do Processo Administrativo (PAD), iniciado em 2022, em razão de atos praticados na gestão dos recursos financeiros e equipamentos do Colégio Estadual André Maurois, onde ele atuou como diretor-geral”.

“Destacamos que o servidor em questão teve assegurado seu direito de ampla defesa e que a dosimetria (medição da penalidade) foi estabelecida pela Controladoria Geral do Estado, a fim de garantir decisões mais justas, coerentes e embasadas na legislação vigente e alinhada aos princípios de eficiência e legalidade que regem a administração pública brasileira”, diz a nota.

Manifesto denuncia perseguições

O Sepe-RJ sustenta que houve avanço de processos contra a atuação dos profissionais da educação nos últimos anos. Isso se traduz, segundo a entidade, no aumento das denúncias de Processos Administrativos (PAD) e sindicâncias abertas pela Secretaria de Educação.

“O amplo direito à defesa não é garantido diante de acusações criadas dentro de gabinetes e julgadas, no fim, por um corregedor que pertence aos quadros da Polícia Militar e carrega toda uma bagagem ideológica contra os direitos humanos. Cada dia a lista de profissionais de educação respondendo a inquéritos e processos administrativos cresce”, afirma Diogo Andrade, do Sepe-RJ.

Para atender os casos classificados como perseguição política, o sindicato criou um grupo de trabalho em parceria com o Observatório Nacional de Violência Contra os Educadores da Universidade Federal Fluminense (ONVE/UFF), sendo o professor Cabrera um dos principais envolvidos. O relatório produzido pelo grupo, divulgado em julho, aponta que foram abertas 1.320 sindicâncias contra profissionais de educação da rede estadual do Rio de Janeiro, entre janeiro de 2020 e maio de 2024.

“Os profissionais alegam que vários erros que comprometem o devido processo foram cometidos, tais como: o impedimento de que a defesa se manifestasse após a finalização do relatório e da apresentação de provas, além da falta de diligências e da negação do amplo direito à dos mesmos à defesa”, diz um trecho do manifesto assinado por instituições e mandatos parlamentares. Leia completo neste link.

A reportagem também procurou a assessoria de imprensa do Governo do Estado para um posicionamento sobre as acusações de perseguição política. O texto será atualizado caso haja um retorno.

Governo Castro retira disciplinas chaves e as substitui por bizarrices na rede estadual

A imposição do NEM reduz drasticamente as chances de acesso dos  estudantes pobres às universidades públicas

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Uma das grandes expectativas que acompanharam a chegada de Luís Inácio Lula da Silva ao seu terceiro mandato na presidência da república era que ele anularia o horroso “Novo Ensino Médio” (NEM)imposto pelo governo de facto de Michel Temer. Mas até agora, Lula e o seu ministro da Educação, Camilo Santana (PT/CE), não mostraram a real disposição de anular a reforma do ensino médio que veio na esteira do golpe parlamentar de 2016.

Um dos maiores problemas do NEM é que ele criou uma separação concreta entre o que pode ser oferecido no ensino médio que é uma espécie de antessala da entrada nas universidades. Enquanto as escolas de ensino privada continuam ofertando disciplinas estruturantes como Física, Química, Biologia, Geografia, História e Filosofia, na rede pública elas desaparecem no terceiro ano e são substituídas por puras bizarrices sob a desculpa de oferecer mais espaço para a escolha dos estudantes. Aí aparecem coisas como  “Corpo e mente saudáveis”, “Projeto de vida”, “Tempo, Espaço e Movimento” e “Direito à Saúde” surgem para preencher tempos que poderiam e deveriam estar sendo usados com as disciplinas chaves que continuarão sendo oferecidas nas escolas privadas.

O que essa diferença faz é desprover que estudantes da rede pública concluam o ensino médio em pé de igualdade em termos de acesso a conteúdos que serão demandados nas provas do ENEM que definem atualmente se alguém acessará ou não as melhores universidades brasileiras. Na prática, ocorre a criação de um processo de profunda desigualdade em termos de formação que ameaça gravemente o direito dos pobres (imensa maioria dos que usam a rede de ensino pública) em acessar cursos de ensino superior.

Assim, o fato de que o NEM está sendo imposto a todo vapor pelo governo de Cláudio Castro na rs escolas da rede pública estadual deveria gerar alarde e preocupação entre estudantes, professores e gestores das universidades públicas. A mídia corporativa campista até abriu espaço para noticiar esse problema, oferecendo a oportunidade para as universidades públicas locais usarem o início do primeiro semestre letivo de 2024 para abordar as graves distorções que o NEM está gerando para os estudantes mais pobres.

O curioso, para não dizer outra coisa, é que na recepção aos calouros que está sendo promovida pela reitoria da Uenf ao longo da semana que se inicia, não há qualquer evento relacionado à necessária discussão sobre a imperiosa necessidade de se revogar urgentemente o NEM em nome do oferecimento de um ensino de qualidade aos pobres. Pelo contrário, quem vê a programação oficial da UENF vai ficar achando que o NEM nem existe, e que existem outras coisas mais importantes para “desenrolar” e se “orgulhar”.  O governo Castro agradece!

Nomeação no MEC mostra que o governo Lula pode significar continuidade e não ruptura com Jair Bolsonaro

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O ministro Camilo Santana, que ficou tão impressionado com o desmonte do governo Bolsonaro em sua pasta, decidiu renomear técnico que operou a implementação do NEM

Nos primeiros dias de 2023 marcou o início do terceiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva e junto vieram as expectativas de que os quadros técnicos que executaram as políticas do governo Bolsonaro seriam removidos, sendo substituídos com outros que trariam mudanças longamente antecipadas em áreas chaves como saúde e educação.

Passados pouco mais de três meses, aquelas expectativas estão rapidamente se dissipando em face da manutenção de quadro técnicos que definiram e executaram as políticas que deram materialidade aos discursos do presidente Jair Bolsnaro. Um exemplo disso foi a renomeação, via a Portaria No. 603 de 30 de março de 2023, de Fernando Wirthmann Ferreira para o cargo de coordenador-geral de Ensino Médio da Diretoria de Políticas de Educação Integral Básica da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e Cultura (MEC) (ver figura abaixo).

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Antes que alguém se pergunta como um técnico que serviu no governo Bolsonaro está sendo recolocado para executar as mesmas funções no governo Lula, eu indico que se olhe no CV Lattes de Fernando Withmann. É que lá está declarado que ele foi um dos responsáveis por “subsidiar a implementação da política nacional do ensino médio, contemplando o Novo Ensino Médio (NEM) e o Programa de Fomento ao Ensino Médio em Tempo Integral”. Em outras palavras, Fernando Wirthmann é um dos técnicos que levou à frente do NEM durante o governo Bolsonaro, e está retornando ao posto que ocupava para muito provavelmente continuar levando à frente esse monstrengo (vídeo abaixo mostra bem o que coordenador-geral de Ensino Médio pensa sobre o NEM).

Desta forma, a nomeação de um técnico que serviu ao governo de Jair Bolsonaro para servir no governo Lula mostra uma coisa óbvia: ao menos no que se refere ao NEM, o governo Lula será uma continuidade do governo Bolsonaro.  Curiosamente, em sua fala ao Grupo Lide/Ceará, o Ministro Camilo Santana afirmou que a revogação do NEM seria uma volta ao passado. Na verdade, como se vê nessa nomeação, manter o NEM é o manter o governo passado, no caso o de Jair Bolsonaro.

Desta forma, que não se tenha nenhuma ilusão de que o NEM será revogado apenas com conversas com Camilo Santana e sua equipe no MEC, Fernando Wirthmann incluso. Para que esse projeto de pasteurização da educação pública seja derrubado, o caminha será o da mobilização social.

Camilo Santana e a manutenção do “novo ensino” médio: quando o apoio ao novo revela o compromisso com a falta de futuro

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O ministro da Educação, Camilo Santana, falando sobre Educação para empresários em encontro promovido pela Lide Ceará

Em um evento promovido pelo chamado Grupo de Líderes Empresariais do Ceará (Lide Ceará), que se denominou curiosamente de “Um Novo Horizonte para a Educação no Brasil  e o Impacto na Economia e na Sociedade”, o ministro da Educação, Camilo Santana, afirmou que afirmou que “o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deve cancelar o Novo Ensino Médio (NEM) – a Lei nº 13.415/2017 foi aprovada no governo Michel Temer.” A razão que teria sido apontada por Santana é de que “simplesmente revogar e voltar ao passado eu não vejo que é o caminho. Precisamos construir, fazer mudanças adaptadas às realidades e vendo as condições reais dos Estados e implementá-las como foi realizada nos últimos anos“.

Dentre os muitos percalços e quebras de compromissos eleitorais já ocorridos no terceiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva, a decisão de não acabar com o NEM é talvez o mais didático e esclarecedor, na medida em que já existem estudos realizados por pesquisadores de notória experiência mostrando que a reforma do ensino promovida por Michel Temer terá efeitos devastadores sobre a possibilidade de que estudantes oriundos das escolas públicas tenham um mínimo de chance de acessar os cursos mais concorridos, especialmente nas universidades públicas.

A alegação de que voltar ao passado não seria o melhor caminho é sempre tentadora, mas apenas seria coerente se o presente fosse melhor que o passado, o que está longe de ser o caso do NEM. O triste é que o passado não era nada atraente, mas a reforma imposta pelo presidente de facto, Michel Temer, conseguiu piorar o que já era ruim

Além disso, o fato de que Camilo Santana escolheu um se manifestar logo em um evento promovido pelo Grupo Lide, onde fervilha a presença de agentes comprometidos com os segmentos com a educação privada é também revelador de para quem está se governando.  

Por outro lado, o avanço das educação privada nos últimos anos, especialmente nos chamados cursos EAD, já se constitui em um outro desastre para o Brasil, na medida em que a formação pasteurizada de profissionais de todas as áreas está gerando uma geração de profissionais com baixo nível de formação. Além da consequência natural de que esses profissionais não irão adentrar o mercado de trabalho corretamente capacitados a auxiliar os esforços em torno de um projeto nacional de desenvolvimento, há ainda o fato de que eles estão contribuindo para uma piora na qualidade de serviços públicos essenciais como saúde e educação.

Por isso, algo que já me parecia esperado, a necessidade de fortalecer a mobilização social para pressionar Camilo Santana a revogar imediatamente o NEM. Essa é uma tarefa fundamental para todos que possuem um real compromisso com o fortalecimento do ensino público de qualidade.

UFRJ pede revogação do Novo Ensino Médio

Segundo colegiado máximo da Universidade, o Novo Ensino Médio “representa mais um passo no desmonte do ensino básico”

sala-vaziaReformulação pressupõe uma autonomia que pode não existir na prática | Foto: Ana Marina Coutinho (SGCOM/UFRJ)

Por Assessoria de Imprensa da Reitoria

O Conselho Universitário (Consuni), órgão máximo da UFRJ, emitiu moção na última quinta-feira, 9/3, em que pede a revogação do Novo Ensino Médio (NEM).

Segundo o posicionamento do colegiado, que tem representação de estudantes, técnicos-administrativos e docentes, o NEM “representa mais um passo no desmonte do ensino básico”. Em agosto de 2021, o Complexo de Formação de Professores da UFRJ já havia se posicionado sobre o tema.

De acordo com a moção do Consuni, “a reforma precariza o trabalho do profissional da educação” e “abre margem para que profissionais com “notório saber” ministrem aulas, mesmo sem formação pedagógica”.

Leia na íntegra:

Em 2016, foi apresentada pelo Governo Federal uma medida provisória que propunha novas diretrizes para o Ensino Médio no Brasil. Num período marcado pela resistência dos estudantes contra essa medida, em 2017, ela foi aprovada no Congresso como a Lei n° 13.415/2017.

Todo o debate ao redor dela, foi atropelado com a MP, que representa a educação de acordo com o interesse dos tubarões da educação. 

Com o NEM, existe uma flexibilização do conteúdo ministrado nas escolas, tirando a obrigatoriedade de certas disciplinas (como artes, educação física e ciências sociais), mantendo apenas português e matemática como disciplinas obrigatórias. Além disso, altera a carga horária para 60% de conteúdos comuns da BNCC, e 40% de conteúdo optativo. 

Entretanto, a oferta de matérias optativas estará intrinsecamente ligada a condição social em que a escola e seus estudantes estão inseridos. Isso significa que, matérias de fim formativo, que serão complementares ao ensino, tecnologias, e mais valorizadas, serão aplicadas em escolas
específicas, enquanto que na maioria das escolas públicas do país, o ensino já está sendo voltado à entrada num mercado de trabalho precarizado.

Além disso, a reforma precariza o trabalho do profissional da educação, que, além de ter a carga horária reduzida muitas vezes (principalmente das áreas voltadas ao desenvolvimento de um pensamento crítico), a reforma abre margem para que profissionais com “notório saber” ministrem aulas, mesmo sem formação pedagógica. 

Com diversos cortes na educação, a precarização do ensino básico é evidente. Durante a pandemia, a enorme evasão de estudantes secundaristas resultou no Enem mais desigual da história. O NEM representa mais um passo no desmonte do ensino básico. 

Portanto, o Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em sessão de 09 de março de 2023, se posiciona pela revogação do Novo Ensino Médio e convoca todos para as mobilizações puxadas por entidades estudantis no dia 15 de março, e convida para o
ato no Rio de Janeiro, na Candelária!


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Este texto foi inicialmente publicado no site oficial da UFRJ [Aqui!].

O (novo) ensino médio é eugenista

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Por Marta Bellini para o Correio da Cidadania

O caso de fraude nas Lojas Americanas reabre nossas preocupações com a educação pública no Brasil. Por que?

Porque Lemann, um dos empresários envolvido na má gestão dessas lojas e, provavelmente, da Ambev, foi o principal envolvido no projeto de privatização do ensino médio com a Base Nacional Comum Curricular, a BNCC.

A conta é simples. O ensino médio sofreu uma mudança curricular. Uma parte dos conhecimentos universais saiu, tais como filosofia, história, cultura e entrou a educação financeira, ideologia do empreendedorismo de si mesmo.

O estudante perde as disciplinas que o formam para exercer sua cidadania e “ganha” disciplinas sem lastro social e da cultura humana. São disciplinas de coach que prometem a riqueza se você “pensar” como o patrão. O Paraná fez isso com as disciplinas Educação Financeira. Os assessores de ensino do governador copiaram o livro Sem ética e sem moral. Os apreciadores de reformas de extrema direita como essa que veio dos EUA, da década de 1980, era Reagan, propagam que o estudante pode ser o patrão dele mesmo, empregado dele mesmo, tendo a produção e a venda por ele mesmo.

Isso é possível? Não. Se fosse possível Lemann não seria apenas patrão e não ameaçaria quarenta mil empregados em poucas horas por um erro seu.

A reforma da BNCC veio da cópia da reforma de 1983, quando empresários inventaram a crise da educação e puseram os professores e professoras como inimigos da educação. O Instituto Lemann e seus aliados e empresas brasileiras como o Itaú, Natura e outras usaram o relatório “Uma nação em risco”, redigido pela Comissão Nacional de Excelência em Educação, conforme Bastos, em 2017.

Está nesse relatório a redução do currículo às disciplinas sem os conhecimentos universais; tentaram privatizar a educação. Como? Vendendo-as pelas escolas privadas.
Sobre as disciplinas que faltarão aos alunos, as escolas privadas receberão um voucher dado aos pais para pagarem os patrões.

Essa reforma BNCC, aprovada em 2020, foi privatizar por dentro o ensino do Ministério da Educação. Os donos de escolas obterão lucro do dinheiro público. O MEC é um dos ministérios com os maiores recursos financeiros.

A reforma do ensino médio matou todas as lutas dos educadores. Do Manifesto dos Pioneiros, em 1930, e sua exigência de um ensino de ciências real na escolarização das crianças e jovens, à 2020, com a votação do Banco Nacional Comum Curricular, o Brasil passou por décadas de luta para ter as ciências e outros campos disciplinares no mesmo patamar que outros países.

Ao longo das décadas de 1930, 1970 e da década de 1990 com a Lei de Diretrizes e Bases e com os Parâmetros Curriculares Nacionais, a BNCC, tão esperada pelos educadores brasileiros, nada mais é do que um documento elaborado e votado por empresários da educação em aliança com o capital financeiro para aniquilar todas as conquistas de um ensino na formação de jovens do país.

São mais de 60 anos de história e de batalhas para organizar um currículo pensado conhecendo a inteligência da criança e do jovem, suas culturas dos aprendizes, seus interesses, significações e representações, estudando as diferentes realidades circundantes, a ambiental, a sociológica, a filosófica, a das cidades e suas populações, a do país, entre outras vivenciadas por docentes e alunos.

Ainda há, no ensino médio, a possibilidade de a carga horária ficar entre 800 a 1000 horas quando o estabelecido, por lei, é de 1800 horas. Qual ou quais disciplinas ficarão fora do currículo? Os estudantes devem escolher cinco disciplinas ou áreas. Mas as escolas terão essas opções? Teremos todas as opções em escolas distantes de grandes centros? Lembremos também, o direito dos jovens de ter domínios de conhecimento não apenas para a profissão como prescreve a BNCC, mas para outros campos da vida.

Os empresários brasileiros impuseram duas estratégias nesse negócio na educação: o eliminacionismo educacional, em segmentos da população que serão moralmente condenados, por serem irrelevantes para o capital, de acordo com Bastos. A isso chamo de eugenia. A exclusão dos conhecimentos, a exclusão social e a morte existencial em um país diminuem, propositalmente, as chances da parte empobrecida da população brasileira.

A segunda estratégia é o cercamento financeirizado, primeiramente imposto pelas corporações mundiais e aceito pelos governos pelos países coagidos pelo Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional. Nesse percurso, o Instituto Lemann, mediante sua influência no governo e no Conselho Federal de Educação, infligiu a redução das escolas públicas e o não concurso de docentes desde 2016 com o teto de gastos de 20 anos no Brasil.

O mesmo empresário das Americanas que fez um rombo de “apenas” R$40 bilhões tem as mãos na BNCC. Quanto dinheiro e recursos materiais vazarão do MEC para a educação privada no Brasil? Como estaremos daqui a dez anos? Como as Lojas Americanas? Milhares de estudantes sem formação no ensino médio porque correm para serem empreendedores e a escola não importa mais?

Última pergunta, mas não a menos importante: Por que o atual Ministro da Educação não corta esse eugenismo que permanece em seu ministério?

Referências

BASTOS, Remo Moreira Brito. NO PROFIT LEFT BEHIND: os efeitos da economia política global sobre a Educação Básica Pública. 326 f. Tese (Doutorado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2017. Naturais. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciências Brasília: MEC, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro04.pdf .

BELLINI, Marta. O desmanche da educação pública nos governos Temer e Bolsonaro: o caso da Base Nacional Comum Curricular e Ensino de Ciências. Revista Koan. Disponível em: http://www.crc.uem.br/departamento-de-pedagogia-dpd/koan-revista-de-educacao-e-complexidade/edicao-n-8-dez-2020-1 

Blog CARA, Daniel. O ímpeto do governo Temer em inviabilizar o direito à educação. do Daniel Cara, 19/03/2018. Disponível em: https://danielcara.blogosfera.uol.com.br/2018/03/19/o-impeto-do-governotemer-em-inviabilizar-o-direito-a-educacao/?mobile  . Acesso em: 06 dez. 2020.

GRABOWSKI, Gabriel. Quais são os interesses das Fundações e Institutos empresariais com a BNCC e o novo ensino médio. Blog do Gabriel Grabowski, 02/03/2019. Disponível https://www.extraclasse.org.br/opiniao/colunistas/2019/09/quais-sao-osinteresses-das-fundacoes-e-institutos-empresariais-com-a-bncc-e-o-novoensino-medio.


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Este foi inicialmente publicado pelo Correio da Cidadania [Aqui!].

O escândalo das Lojas Americanas oferece oportunidades e armadilhas para o governo Lula

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O escândalo das Lojas Americanas acerta em cheio o currículo de Jorge Paulo Lemann e poderá ter impactos na sua vasta rede de influências

O desenrolar do escândalo com ares de furacão envolvendo as fraudes e cometidas na gestão financeira das Lojas Americanas está deixando milhões de de pequenos e médios investidores brasileiros com insônia. É que o derretimento das ações das Americanas atinge em cheio o funcionamento de fundos financeiros, incluindo aqueles de suposto baixo risco.  Mas como em toda crise há oportunidades, a aflição de quem foi pego na gestão duvidosa que o trio de bilionários formado por Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles parece ter comandado em uma de suas principais empresas, há para o governo Lula a chance de se desvencilhar da influência capilarizada que a Fundação Lemann tem na vida política, econômica e educacional brasileira.

A influência da Fundação Lemann nas reformas privatizantes da educação brasileira

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O agora ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participando de evento organizado pelo “Todos pela Educação”

Como já ficou claro em postagens recentes neste mesmo blog, a Fundação Lemann (na prática um braço avançado dos interesses corporativos de Jorge Paulo Lemann e seus sócios preferenciais) está por todo lado, inclusive na criação da famigerada Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que piorou o que já está muito ruim na educação brasileira. Para quem não acompanha as ações da Fundação Lemann, por meio do grupo conhecido como “Movimento Todos pela Educação, determinaram a aprovação do chamado Novo Ensino Médio que tem como uma das suas principais consequência a imposição de uma formação educacional que precariza o educação dos brasileiros pobres sob a falácia de “deixar os estudantes escolherem seus caminhos formativos”. 

Aliás, a influência da Fundação Lemann na área da educação ficou evidente no chamado grupo de transição da Educação do governo Lula, e ainda na própria formação da nova direção da Ministério da Educação e Cultura (MEC). Essa presença de dirigentes ligados à Fundação Lemann está, inclusive, criando tensões fortes dentro do MEC, as quais deverão ter ainda desdobramentos nos próximos meses.

A Fundação Lemann e os investimentos para gerar uma geração de políticos comprometidos com as reformas neoliberais

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A “bancada Lemann” como ponta de lança das reformas neoliberais que atacam os direitos dos trabalhadores

Entretanto, a influência da Fundação Lemann também vem atuando de forma ativa no financiamento de movimentos suprapartidários supostamente dedicados à “renovação da política”, tais como o RenovaBR, o Livres e o Movimento Acredito. A partir da injeção de muito dinheiro, a Fundação Lemann tem apostado na formação de seus próprios líderes.  Obviamente, uma vez eleitos ou empossados em cargos-chave, as jovens lideranças associadas à Lemann se envolvem na defesa incondicional da agenda neoliberal e de medidas benéficas às grandes corporações, independentemente da orientação de suas legendas. 

Entre os exemplos mais notáveis da “bancada Lemann” estão  Tabata Amaral, Felipe Rigoni e Tiago Mitraud, Renan Ferreirinha e Daniel José. Todos estudaram em universidades como Harvard, Oxford e Yale, com subvenção da Fundação Lemann. Além disso, todos votaram em favor dos interesses do mercado nos projetos votados entre 2018 e 2022, e alguns se reelegeram para a nova legislatura.  

Um caso notável é o de Tiago Mitraud (Novo/MG) que não concorreu a nenhum cargo eletivo em 2022, mas deixou um projeto de lei , o PL 3.081/22, que propõe acabar com a regulamentação de dezenas de profissões, podendo contribuir para o avanço da precarização do trabalho em escala inédita, comprometendo ainda a fiscalização técnica dos profissionais, deixando a população à mercê de profissionais malformados ou até mesmo sem formação técnica. 

As oportunidades e armadilhas para o governo Lula com a crise das Lojas Americanas e o consequente enfraquecimento da influência da Fundação Lemann

Em face de um ator todo poderoso como é Jorge Paulo Lemann, que até recentemente gozava da fama agora questionável de ser um empresário exitoso e sem manchas em seu currículo, o governo Lula agora tem a oportunidade de se desvencilhar de seus representantes e das pressões que os mesmos realizam em diversas áreas do funcionamento e gestão do Estado brasileiro. Um primeiro gesto para realizar esse desvencilhamento será negar qualquer aporte de bancos estatais nas Lojas Americanas. Apesar de ser um passo óbvio para quem diz defender a saúde fiscal, provavelmente as pressões em sentido contrário estão ocorrendo no exato momento em que escrevo este texto. Por isso mesmo, negar o socorro a quem, aparentemente, fraudou o fisco seria um passo claro no sentido de diminuir o poder de Lemann.

Por outro lado, na área da Educação o enfraquecimento da Fundação Lemann gera a oportunidade de se retirar seus tentáculos da educação pública, impedindo que se avance um processo formativo que nega aos jovens pobres as mesmas oportunidades que seguem sendo oferecidas aos que podem pagar para frequentar escolas de elite. 

Obviamente a crise das Lojas Americanas também coloca em xeque as atividades da chamada “bancada Lemann” que terá de se defrontar com as grossas evidências de que seu patrono e suas ideias de mercado desregulado não são tão inquestionáveis como eram até a semana passada.  Enfraquecer a bancada Lemann e seu discurso de ataque aos direitos dos trabalhadores será tão benéfico quanto diminuir a influência dos parlamentares bolsonaristas. Até porque na hora “H”, a bancada Lemann sempre votou nas propostas ultraneoliberais do governo Bolsonaro, ainda que ostentando a face angelical de Tábata Amaral.

Já no campo das armadilhas, o governo Lula cairá em uma bem grande se não lançar mão da oportunidade que o escândalo das Lojas Americanas oferece para continuar cortejando e se relacionando com os representantes da Fundação Lemann dentro do MEC e do congresso nacional. É que neste momento de crise, não se livrar desta influência dará sobrevida política a quem não se deve dar. E a história recente do Brasil já mostrou como isso pode ser danoso para os interesses nacionais, principalmente da classe trabalhadora.