Poluição atmosférica reduz em dois anos expectativa de vida em todo o mundo

São Paulo supera em quase 3 vezes recomendação da OMS para material particulado no ar

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Um relatório lançado hoje (28/07) mostra que a poluição do ar por material particulado reduz em dois anos a expectativa média de vida das pessoas em todo o mundo. O Air Quality Life Index (AQLI) destaca ainda que a poluição particulada era o maior risco para a saúde humana antes da COVID-19 — e deve voltar a ser se não houver políticas públicas voltadas a uma redução permanente após a pandemia.

“Embora a ameaça do coronavírus seja grave e mereça toda a atenção que está recebendo — talvez mais em alguns lugares –, enfrentar a gravidade da poluição do ar com um vigor semelhante permitiria que bilhões de pessoas em todo o mundo levassem vidas mais longas e saudáveis”, diz Michael Greenstone, professor de economia do Milton Friedman Distinguished Service e criador do AQLI junto com colegas do Energy Policy Institute da Universidade de Chicago (EPIC). “A realidade é que não há vacina que alivie a poluição do ar. A solução está numa política pública robusta”.

O documento afirma que se todos os países mantiverem a poluição particulada dentro dos limites recomendados pela Organização Mundial da Saúde, que é de 10 μg/m3, a expectativa de vida atual subiria de 72 anos para 74. Em média, os seres humanos estão expostos a uma concentração de 29 μg/m3 desse tipo de contaminação.

Trabalhando dentro do corpo humano sem ser percebida, a poluição particulada tem um impacto mais devastador na expectativa de vida do que doenças transmissíveis como tuberculose e HIV/AIDS, assassinos comportamentais como o fumo e até mesmo a guerra. O tabagismo leva a uma redução na expectativa média de vida global de cerca de 1,8 ano. O uso de álcool e drogas reduz a expectativa de vida em 11 meses. A falta de água potável e de saneamento subtraem 7 meses. Na média, HIV/AIDS reduz a vida em 4 meses, e a malária em 3 meses. Conflitos e terrorismo cortam 18 dias de vida.

Poluição em São Paulo

Mariana Veras, coordenadora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental do Hospital das Clínicas, teve acesso ao relatório e explica que os números referentes ao Brasil estão longe de refletir a realidade nos grandes centros urbanos do país, muitos deles sem monitoramento adequado de poluentes. “No estado de São Paulo, a questão do monitoramento é um pouco melhor, já que contamos com uma rede ampla da CETESB”, destaca a pesquisadora. “Dados dos últimos relatórios da qualidade do ar mostram que a média da concentração de PM2.5 está em torno de 28 ug/m³”. O dado citado por Veras é quase o triplo do recomendado pela OMS.

A pesquisadora explica que a poluição é uma ameaça mais grave a idosos e criança, e que moradores da periferia, que gastam mais tempo no trânsito, são mais impactados. “Os níveis atuais de poluição em São Paulo reduzem a expectativa de vida em cerca de um ano e meio, principalmente devido a câncer de pulmão e de vias aéreas superiores, infarto agudo do miocárdio e arritmias, bronquite crônica e asma”, afirma. Na capital paulista, Veras diz que a estimativa é que morre-se por poluição mais do que por acidentes de trânsito (1.556 no ano), 3 vezes e meia do que Câncer de mama (1.277), quase 6 vezes por AIDS (874) ou Câncer de Próstata (828).

A bióloga afirma que as políticas públicas brasileiras carecem de aplicação efetiva, e cita o PROCONVE e a Política Municipal da Mudança do Clima de São Paulo. “Nós fizemos um estudo na época do adiamento de uma das fases do PROCONVE. Os resultados mostraram que o adiamento por 3 anos da implementação em relação ao diesel provoca um excesso estimado de 13.984 mortes até 2040 e as despesas previstas com saúde aumentam em quase US ﹩ 11,5 bilhões no mesmo período”.

Reduções na China

75% de toda a redução mundial da poluição atmosférica foi feita na China. Desde que o país começou a chamada “guerra contra a poluição”, em 2013, o país reduziu a poluição em quase 40% em 5 anos, adicionando cerca de 2 anos à expectativa média de vida da população. Para se ter uma ideia da magnitude dessas medidas, foram necessárias várias décadas de redução da poluição — e até de recessões econômicas — para que os Estados Unidos e a Europa conseguissem o mesmo alívio que a China conquistou em 5 anos, sem interromper o crescimento de sua economia.

A redução da poluição atmosférica em alguns países foi anulada globalmente pelo agravamento das condições em outras regiões. A situação mais alarmante é a do Sul da Ásia, que registou um aumento de 44% na poluição, reduzindo a expectativa de vida em 5 anos em média em Bangladesh, Índia, Nepal e Paquistão. Cerca de um quarto da população mundial vive nestes quatro países, mas eles representam 60% dos anos de vida perdidos devido à poluição.

Bangladesh é o país mais poluído do mundo, mas uma região específica da Índia — Uttar Pradesh, com quase 250 milhões de habitantes — está expondo a população a um nível de contaminação que não é comparável a nenhum outro lugar do planeta e pode custar até 8 anos de vida de seus moradores.

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Sobre o Índice de Qualidade de Vida do Ar (AQLI)

O AQLI é um índice de poluição que traduz a poluição atmosférica particulada na métrica mais importante que existe: seu impacto na expectativa de vida. Esse parâmetro foi desenvolvido por Michael Greenstone, professor de Economia do Milton Friedman Distinguished Service e criador do AQLI junto com colegas do Energy Policy Institute da Universidade de Chicago (EPIC).

O AQLI é embasado em pesquisas que quantificam a relação causal entre a exposição humana de longo prazo à poluição do ar e a expectativa de vida. O índice então combina medições de partículas hiperlocalizadas e globais, produzindo uma percepção sem precedentes do verdadeiro custo da poluição por partículas em comunidades ao redor do mundo. O Índice também ilustra como as políticas de poluição do ar podem aumentar a expectativa de vida quando cumprem as diretrizes da Organização Mundial da Saúde para o que é considerado um nível seguro de exposição, padrões nacionais de qualidade do ar existentes ou níveis de qualidade do ar definidos pelo usuário. Estas informações podem ajudar a informar as comunidades locais e os formuladores de políticas sobre a importância das políticas de poluição do ar em termos concretos.

Para mais informações sobre o relatório: Vicki Ekstrom High, vekstrom@uchicago.edu

Para informações sobre poluição e expectativa de vida no Brasil: Mariana Matera Veras, bióloga e Coordenadora do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental +55 11 95272-6005

Para informações sobre emissões de material particulado no Brasil: Paulo Artaxo: +55 11 99115-8970 artaxo@if.usp.brartaxo@gmail.com

Brasileiro abre série de palestras do ano Humboldt em Berlim

Pesquisador Paulo Artaxo relaciona desmatamento amazônico a aumento da temperatura média da Terra na abertura de ciclo de conferências que Universidade Humboldt dedica aos 250 anos do nascimento do naturalista alemão.

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Pesquisador Paulo Artaxo na abertura das palestras Kosmos promovida pela Universidade Humboldt em Berlim

A Amazônia é um dos componentes-chave do sistema terrestre e alterações na floresta podem influenciar o clima de todo o planeta. A informação foi apresentada pelo pesquisador brasileiro e professor da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Artaxo, no sábado (07/04), na abertura da série de palestras Kosmos-Lesungen, em Berlim, que marcam os 250 anos do nascimento do naturalista alemão Alexander von Humboldt.

A taxa atual de desmatamento da Amazônia está em 18%. “Se subir para 40%, a floresta tropical corre risco de colapsar e virar savana”, alertou o pesquisador.

A palestra, reservada a autoridades científicas e políticas da Alemanha e que contou com discurso do presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinemeier, lotou o auditório do Teatro Maxim Gorki, localizado logo ao lado do complexo de prédios da Universidade Humboldt.

Artaxo é referência internacional no estudo do meio ambiente amazônico e mudanças climáticas globais, além de membro da equipe do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), agraciada com o Prêmio Nobel da Paz de 2007.

Os dados trazidos por ele mostram que a estação seca na Amazônia está se prolongando, o que resulta em um período de queimadas mais longo. Isso também eleva a temperatura da água dos rios que cruzam a floresta e desembocam no oceano. Além disso, a floresta sempre foi parte importante do ciclo do carbono, o que já não ocorre. “Hoje a absorção de carbono pela floresta amazônica é igual a zero”, frisou.

Além de advertir sobre fatos e riscos, Artaxo também disse que a floresta pode fazer parte da solução. “Só há um processo que pode resolver o problema e remover o CO2 da atmosfera. Ele se chama fotossíntese”. O professor citou ainda outros pontos críticos do sistema climático da Terra, como o Sahel, na África, e a Grande Barreira de Corais, na Austrália. A importância brasileira, no entanto, foi destacada. “O Brasil tem a maior superfície de floresta tropical do mundo. É preciso mantê-la em pé”, afirmou.

O aumento da intensidade e a maior frequência de eventos climáticos extremos já acontecem desde os anos 1980. Para ilustrar os efeitos dessas alterações provocadas pela elevação da temperatura média do planeta, Artaxo citou o ciclone Idai, que matou mais 700 pessoas em Moçambique, no Zimbábue e no Malaui. no início de março.

Outra consequência do aquecimento global é a extinção de espécies. “A América do Sul é a parte da Terra que mais corre risco de perder biodiversidade, seguida pela Austrália e Nova Zelândia”, avisou. A produção de alimentos também será prejudicada e haverá mudanças no ciclo da água. “Já está acontecendo, mas não sabemos o quanto”.

Na palestra, foram apresentados mapas que simularam uma nova geografia, caso as emissões de CO2 não cessem. Cidades podem sumir devido à elevação do nível dos oceanos, um processo que também afeta a Europa, África e Estados Unidos. “Nós sabemos que estamos fazendo isso há mais de cem anos e está acontecendo em todos os lugares do planeta. Aquecimento global não é o futuro, é o presente”, sublinhou.

Segundo Artaxo, há duas fontes para o aquecimento global: A queima de combustíveis fósseis (91%) e o desmatamento (9%). A segunda já apresentou redução. Na década passada, o desmatamento era responsável por 18% do CO2 lançado à atmosfera, absorvido pelos oceanos e florestas. Para zerar as emissões, entretanto, ainda há um longo caminho a percorrer, disse o especialista.

De acordo com o último relatório do IPCC, é preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 5% ao ano começando em 2020, e zerar essas emissões até 2040. “Isso é possível, mas precisamos de um esforço global conjunto, envolvendo a ciência, os tomadores de decisão e o setor empresarial”, apontou o pesquisador, que completa: “É uma decisão política que tem que ser tomada agora e a ciência aponta os caminhos. Para a ciência, a solução é simples, mas talvez não o seja para a política”, apontou Artaxo.

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Paulo Artaxo gráfico com evolução do desmatamento da Amazônia

Ele mencionou o Acordo de Paris como um movimento para frear as emissões, mas alertou: “Mesmo que seja totalmente cumprido, ainda teremos um aumento entre 2,7°C e 3°C na temperatura media global até 2050”. Artaxo se mostrou cético ao falar sobre o compromisso brasileiro em reduzir 37% das emissões de CO2 até 2025 e 43% até 2030. O país também pretende até 2030 zerar o desflorestamento ilegal e compensar as emissões provenientes do desmatamento legal. “O Brasil até é capaz de cumprir, mas essas metas são bem difíceis”, opinou.

Ao encerrar a palestra, Artaxo apontou que, se ainda estivesse vivo, Alexander von Humboldt, geógrafo, naturalista e explorador alemão, certamente faria recomendações similares a dos atuais cientistas ambientais. “Se queremos evitar um aquecimento de 4°C ou 5°C no nosso planeta ainda neste século, não há outra forma a não ser usar os recursos naturais do nosso planeta de forma mais eficaz e inteligente”.

Após a palestra, Paulo Artaxo falou à DW Brasil sobre a situação da ciência brasileira. Apesar de ter relevância mundial, os cientistas brasileiros carecem de apoio e suporte financeiro dentro de seu próprio país. “A pesquisa não pode depender de orçamento de 1 ano, 2 anos ou 4 anos, pois tem papel fundamental no processo de evolução da economia e da sociedade”, afirmou. “Sem ciência, não há desenvolvimento. Assim, o Brasil será para sempre exportador de minério de ferro ou de soja”, completou.

O pesquisador criticou os recentes cortes de verba e congelamento de repasses para o setor. O orçamento do Ministério das Ciências e Tecnologia foi cortado em 32% de 2018 para 2019. No final de março, o presidente Jair Bolsonaro anunciou um congelamento adicional de repasses de 42%. “Isso basicamente estrangula todo o desenvolvimento cientifico e tecnológico do país. Faz muitos anos que é difícil para o CNPq implementar grandes projetos de pesquisa e isso está fazendo com que o Brasil perca terreno na ciência internacional”, informou o professor, que é pesquisador Emérito do CNPq.

Os cortes de orçamento atingem toda a cadeia de produção de conhecimento científica no Brasil. Desde o bolsista de iniciação científica que recebe 300 reais por mês até o estudante de pós-doutorado e também os projetos de pesquisa em andamento. “É importante frisar que não é só uma questão de recursos, é uma questão de modelo de desenvolvimento, do que se quer para o país daqui a 10, 15 ou 50 anos”, apontou.

“A função do governo é pensar essa estratégia e implementar medidas de longo prazo, visando para que caminho o país quer ir. E isso não está sendo feito”, finalizou.

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Esta reportagem foi originalmente produzida e publicada pela Deutsche Welle [Aqui!]

Em editorial na “Science”, cientista brasileiro alerta sobre riscos colocados sobre a Amazônia

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Paulo Artaxo, professor da Universidade de São Paulo e uma das mais importantes lideranças no estudo das mudanças climáticas do Brasil.

Em uma ação rara por parte de uma das principais revistas científicas do mundo, a prestigiosa “Science” abriu espaço editorial para que o professor da Universidade de São Paulo (USP)e importante liderança científica na área das mudanças climáticas, Paulo Artaxo, produzisse um grave alerta sobre os riscos que estão sendo colocados sobre a Amazônia brasileira em função dos primeiros atos e planos anunciados por parte do governo de Jair Bolsonaro.

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Artaxo aponta ainda suas preocupações para o desmanche produzido no Ministério do Meio Ambiente e das ferramentas de controle que existiam para acompanhar o avanço do desmatamento e da degradação de ecossistemas amazônicos e do Cerrado.

Outro aspecto ressaltado foi o desmanche dos setores que tratavam da questão das mudanças climáticas no interior dos ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, bem como da pretensão anunciada de retirar o Brasil do Acordo Climático de Paris.  Artaxo lembra que parte significativa das reduções de emissões dos gases que causam o chamado efeito estufa depende do término do desmatamento ilegal e do reflorestamento de milhões de hectares.  Artaxo também que estas metas estão agora em conflito com o desejo do agronegócio de expandir a pastagem e agricultura intensiva na floresta amazônica e no Cerrado.

A repercussão desse editorial deverá ser imediata, principalmente naqueles países que, ao contrário dos EUA, se mantém alinhados com as metas de redução das emissões de gases estufa, e que são fortes parceiros comerciais do Brasil, a começar pela China. Tal repercussão é garantida não apenas pelo peso científico da Science, mas também pelo reconhecimento que Paulo Artaxo possui em função de sua consistente produção científica nas questões relacionadas ao clima.

Entretanto, a minha impressão é que esse alerta só será levado a sério quando começar o boicote proposto pelo “The Washington Post” para commodities originadas em áreas recentemente desmatadas na Amazônia.

Quem desejar ler o editorial escrito por Paulo Artaxo para a Science, basta clicar [Aqui!]

Pesquisadores usam torre na Amazônia para investigar relação da floresta com o clima global

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Maria Fernanda Ziegler, em Uatumã  |  Agência FAPESP 

Para fazer ciência na Amazônia, além de enfrentar longos desafios logísticos, também é preciso subir degraus. Muitos deles. Quase 1,5 mil e, se possível, de uma só vez. O esforço vale a pena, pois tem levado a descobertas sobre o impacto tanto das mudanças climáticas na Amazônia quanto da floresta no clima de todo o planeta.

A escadaria em questão está na Torre Alta da Amazônia (ATTO, na sigla em inglês), com 325 metros de altura – ou quase o mesmo que três edifícios Copan empilhados. A torre fica a 150 km de Manaus (AM), na Estação Científica do Uatumã. É lá que cientistas instalam equipamentos capazes de captar informações sobre os fluxos de troca entre a floresta e a atmosfera.

São análises de concentrações de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, do balanço de radiação e de fluxos de ozônio e aerossóis – partículas líquidas ou sólidas em suspensão no ar –, entre outros indicadores importantes para que se forme um panorama da importância da floresta amazônica.

Antônio Huxley do Nascimento sobe até o topo da torre diariamente quando está na Estação Científica, cerca de 10 dias por mês. Ele é técnico em instrumentação do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) e monitora a operação de alguns dos mais de 100 equipamentos instalados na torre ATTO. Para subir, ele usa equipamento de segurança que inclui cinturão, mosquetões e cordão presos à cintura e ao corrimão da escadaria.

Nascimento verifica dados e o funcionamento dos equipamentos. “São equipamentos que coletam dados complexos o tempo inteiro, não pode haver interrupção. Eles geram uma quantidade enorme de dados e as informações são acessadas pelos pesquisadores em seus laboratórios no Brasil e na Alemanha. Mas é preciso ver constantemente se está tudo funcionando bem na torre”, disse à Agência FAPESP.

Em funcionamento desde 2015, a construção da torre custou € 8,4 milhões, financiados metade pelo governo alemão e pelo Instituto Max Planck e a outra metade pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) do Brasil, com recursos da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep). Agências de fomento estaduais, como a FAPESP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e a Fundação da Universidade Federal do Paraná (Funpar), financiam projetos de pesquisa na torre.

Na reserva existem ainda outras duas torres mais baixinhas, com 80 metros cada, usadas para o estudo de gases e aerossóis. Nelas é possível ter uma perspectiva mais próxima do dossel e não sobre a floresta, como ocorre com a torre ATTO.

A copa das árvores chega geralmente até 40 metros de altura, ou um oitavo da torre ATTO. Nessa etapa da subida da torre, é possível sentir a variação da umidade da floresta. Bem mais acima, a uns 170 metros de altura, um vento forte toma a torre. No entanto, ela não balança, pois está fixada também por longos e fortes cabos de aço. No topo, vê-se a imensidão da floresta, geralmente acompanhada por um enorme silêncio. De resto, só alguns pássaros conseguem parar no alto da torre, ou deixar lembranças por lá.

A Amazônia desempenha um papel importante nos ciclos biogeoquímicos globais de gases de efeito estufa. “A floresta amazônica é de extrema importância, principalmente por ser um bioma único no mundo, em região tropical. É a maior extensão de floresta tropical e o único lugar onde a própria floresta tem mecanismos de controle de seu clima interno, impactando muito de nosso planeta”, disse Paulo Artaxo, professor titular no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IFUSP) e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

Essas características da floresta amazônica permitem que ela tenha mecanismos de regulação climática sobre a região.

“A floresta controla o balanço de energia, o fluxo de calor latente e sensível, o vapor d’água e os núcleos de condensação de nuvem que vão intensificar o seu ciclo hidrológico. E isso só é possível se houver uma extensão muito grande de floresta contígua. Quando ela é fragmentada, deixa de ter essa propriedade”, disse o também membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais.

Artaxo coordena a pesquisa “O ciclo de vida dos aerossóis e nuvens na Amazônia“. Apoiada pela FAPESP, a pesquisa vai calcular o transporte de aerossóis a partir de medidas obtidas na torre ATTO, em Chacaltaya – a 5.250 metros de altitude nos Andes bolivianos – e em barcos e aviões.

O pesquisador também coordenou o href=”https://bv.fapesp.br/pt/376/”>Green Ocean Amazon Experiment (GOAmazon), campanha científica que buscou entender como os ciclos de vida dos aerossóis e das nuvens são influenciados pelo transporte de poluentes de Manaus para regiões de floresta tropical. O GOAmazon foi realizado de 2013 a 2018 e teve apoio da FAPESP, do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE) e da Fapeam.

A análise de dados coletados na torre ATTO e em outros locais da Amazônia permitiu ao projeto GoAmazon fazer descobertas importantes sobre a dinâmica da floresta amazônica e sua relação com as mudanças climáticas. A partir de dados obtidos na torre, pesquisadores descobriram que o processo de aquecimento global pode ser ainda mais intenso do que o previsto originalmente caso não se consiga frear o desmatamento.

O grupo de pesquisadores reproduziu matematicamente as condições atmosféricas atuais do planeta, incluindo concentrações de aerossóis, compostos orgânicos voláteis (VOCs, na sigla em inglês) antropogênicos e biogênicos, ozônio, CO2, metano e também os demais fatores que influenciam na temperatura global. De acordo com o estudo, essa maior intensidade de aquecimento está relacionada principalmente às mudanças nas emissões de BVOCs (compostos orgânicos voláteis biogênicos) pelas florestas tropicais.

Outro estudo, publicado na Nature Communications, reforçou a importância da Amazônia na regulação química da atmosfera. Pesquisadores do GoAmazon descobriram que a floresta amazônica emite três vezes mais isopreno do que o estimado anteriormente. A substância é um dos principais precursores do gás ozônio.

Aerossóis e ozônio

Um terceiro trabalho, publicado na revista Science, mostrou que na floresta tropical as partículas ultrafinas de poluição emitidas pelas cidades – e que costumam ser desprezadas para o impacto da poluição urbana – afetam substancialmente a formação das nuvens de tempestade na Amazônia.

Os resultados obtidos ajudam na compreensão de como a poluição urbana afeta os processos relacionados à formação de tempestades na Amazônia.

“É um quebra-cabeça e nós tentamos justamente identificar novas peças para contar a história completa”, disse Luciana Varanda, professora da Unifesp e integrante do GoAmazon.

Varanda faz estudos também na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, e na reserva do Cuieras, que fica a 60 km de Manaus (AM). “Estamos comparando observações no ATTO e nesses outros dois pontos e os resultados são semelhantes. Isso indica que essa floresta, apesar de ser mais próxima de Manaus, na maior parte do tempo tem condições originais da floresta preservada”, disse.

Os cientistas do GoAmazon utilizam equipamentos de última geração instalados nas torres.

“Eles funcionam automaticamente, coletam o ar e analisam com alta precisão a concentração de dióxido e monóxido de carbono – indicadores de ação do homem. Também medimos o ozônio, que é um poluente importante na troposfera. E ainda temos equipamentos que analisam detalhadamente as propriedades físico-químicas dos aerossóis. São análises em tempo real de composição química e de propriedades ópticas que indicam a interação dos aerossóis com a radiação solar e a fotossíntese da floresta”, disse Varanda.

Artaxo explica que as torres foram construídas em locais onde recebem quantidade mínima de poluição urbana.

“A poluição de Manaus atinge a torre ATTO muito esporadicamente, coisa de alguns dias por ano. Na maior parte do tempo, a torre recebe uma das massas de ar mais limpas que temos no planeta, que é transportada por 2 mil quilômetros desde o Atlântico Tropical, ao longo de uma região que não tem nenhuma grande área urbana. Isso é o que faz a torre ser muito especial do ponto de vista de monitoramento atmosférico de gases do efeito estufa, partículas de aerossóis, nuvens, radiação etc.”, disse à Agência FAPESP.

Para Artaxo, medições desse tipo na Amazônia são de extrema importância, tanto que só existem outras duas torres no mundo com características semelhantes à torre ATTO.

“Existe a torre Zotto, que fica na Sibéria, com 302 metros de altura, e uma torre alta que fica em Wisconsin, a WLEF, nos grandes lagos na América do Norte. Elas medem o balanço de carbono e propriedades atmosféricas. A torre ATTO é a única localizada em regiões tropicais, que são regiões estratégicas do ponto de vista de balanço de carbono e hidrologia global”, disse.

“O ATTO é um grande grupo integrado de pesquisadores e o mais importante é que estamos fazendo tudo no mesmo lugar. Há um intercâmbio grande entre os pesquisadores, não só de conhecimento, mas de dados, análises e também de metodologia de pesquisa”, disse Susan Trumbore, pesquisadora do Instituto Max Planck e coordenadora do lado alemão do projeto.

O objetivo é que cada projeto de pesquisa tenha um equilíbrio entre brasileiros e alemães. “Futuramente, pretendemos abrir a pesquisa para cientistas de outras nacionalidades”, disse Trumbore.

Na reserva são feitas pesquisas em fisiologia da vegetação, meteorologia, hidrologia, vegetação, gases do efeito estufa, entre muitas outras áreas.

“É essencial a colaboração entre os pesquisadores. Por exemplo, digamos que estudamos aerossóis e notamos que um gás específico está com concentração alterada. A primeira providência é contatar os colegas que estão medindo essa partícula. Depois, analisamos dados de satélites, de vento e de grande escala da vegetação. É importante estar conectado com diferentes áreas, pois a floresta é um sistema dinâmico complexo”, disse Stefan Wolff, pesquisador do Instituto Max Planck de Química.

Um exemplo de colaboração entre pesquisadores está no experimento supervisionado por Fernanda da Luz, que acabou de defender mestrado no Inpa. Ela integra a equipe de um estudo sobre a influência da diversidade vegetal e do solo na composição molecular da matéria orgânica dissolvida no solo. O experimento faz parte do projeto de doutorado de um pesquisador do Instituto Max Planck de Biogeoquímica.

De 15 em 15 dias, Luz coleta amostras de água para análise do carbono orgânico. As análises das amostras são realizadas no laboratório de hidrologia do Inpa.

Amazônia como um todo

Trumbore explica que para entender a complexidade da interação da floresta com a atmosfera é necessário também fazer pesquisas de solo e da vegetação. “Particularmente, a minha pesquisa não usa a torre. Ela envolve fazer buracos no solo em vez de subir na plataforma”, disse.

Para ela, o mais positivo do projeto como um todo é tentar entender processos complexos. “Ao mesmo tempo que medimos os fluxos atmosféricos, precisamos entender o porquê. Por isso estudamos solo, árvores, folhas, a relação simbiótica de liquens e muitos outros aspectos. Eu fico com a parte dos porquês. A reserva científica também serve de apoio para pesquisas de vegetação”, disse.

O metano, gás importante para o efeito estufa, é emitido pelo solo e em áreas inundadas. “No nível global a bacia amazônica é uma fonte global de metano. Queremos saber como isso vai se alterar com as mudanças climáticas e o aquecimento global”, disse Trumbore.

Artaxo destaca que a torre ATTO tem que funcionar a médio e longo prazo para fazer diagnósticos precisos do que está ocorrendo com o ecossistema amazônico.

“Ele está perdendo carbono para a atmosfera? Está absorvendo? A chuva está diminuindo ou aumentando? São questões fundamentais tanto para responder questões relacionadas ao Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, quanto questões para que possamos fazer um diagnóstico preciso e o mais cedo possível do estado atual do funcionamento do ecossistema amazônico”, disse. 

FONTE:  Agência Fapesp

 

Estudo mostra importância das florestas na formação de chuvas na Amazônia

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Gotas de água nas névoas matinais da floresta amazônica se condensam em torno de partículas de aerossol. Por sua vez, os aerossóis se condensam em torno de minúsculas partículas de sal que são emitidas por fungos e plantas durante a noite. Crédito de imagem: Fabrice Marr / Creative Commons.

Um estudo publicado na semana passada pela Nature Communications mostra que durante a estação chuvosa na bacia amazônica,  poros fúngicos emitidos pela biosfera da floresta contribuem com pelo menos 30% das partículas de sal de sódio [1]. Essa descoberta contraria as suposições correntes de que os aerossóis contendo sódio são originários a partir de fontes marinhas, e reforçam o papel das florestas na formação de nuvens e contribuição para os ciclos de sal e o ecossistema terrestre na bacia amazônica.

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Em sua página na rede social Facebook, um dos autores do artigo, o professor e pesquisador do Departamento de Física da Universidade de São Paulo, Paulo Artaxo, informa que os “esporos de fungos com sódio aumentam a capacidade de partículas atuarem como núcleos de Condensação de Nuvens, afetando fortemente o ciclo hidrológico sobre a Amazônia, pois o sódio é altamente solúvel“. Artaxo acrescenta ainda que o “modelamento deste efeito mostra que 69% da massa de sódio vem deste novo processo associado a esporos de fungos na Amazônia Floresta”, e “que floresta clima atuam em conjunto“.

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Fontes e processamento atmosférico de partículas de esporos de fungos na floresta amazônica. Partículas de esporos fúngicos contendo sódio e livres de sódio são emitidas da floresta amazônica. Esporos fúngicos contendo sódio exibem maior crescimento higroscópico em comparação com esporos fúngicos livres de sódio. Quando eles são expostos a condições de alta umidade, ou através do processamento de nuvens, as partículas de esporos fúngicos se rompem e liberam fragmentos de tamanho submicrômetro-a-micrômetro. Uma fração substancial dos fragmentos contém Na, Cl e K, e parece morfologicamente semelhante à partículas secas de sal marinho. Estes fragmentos higroscópicos de sal podem participar na formação de nuvens. Fonte: Nature Communications

Os resultados deste estudo deverão criar novos embaraços para o cenário de desmatamento descontrolado que está sendo desenhado pelo futuro governo federal a ser liderado por Jair Bolsonaro e seu ministro de relações exteriores que vê as mudanças climáticas como uma trama comunista, na medida em que as chuvas originadas na Amazônia são importantes não apenas para o Brasil mas todo o planeta.


[1] https://www.nature.com/articles/s41467-018-07066-4?fbclid=IwAR3oFl2PQKDFcwYMCMq9Cp3qg7D44UiBeQMz5dFKHlBH2SRDcsxBSL7tWz4

O sombrio futuro da Amazônia

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A abordagem ambiental do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, pode ser resumida em uma palavra: exploração. Isso será devastador não apenas para o Brasil – onde dezenas de milhões de cidadãos dependem da Amazônia para alimentação, transporte e meios de subsistência – mas também para o resto do mundo.  

*Por Paulo Artaxo [1]

SÃO PAULO – No mês passado, um Brasil profundamente dividido votou para eleger seu próximo presidente. Diante de uma escolha entre Fernando Haddad, do esquerdista Partido dos Trabalhadores, e o extremista de direita Jair Bolsonaro, os brasileiros escolheram o extremista – um resultado que terá consequências de longo alcance para o meio ambiente, entre outras coisas. 

Com o sólido apoio dos 5% de brasileiros e proprietários de terras rurais mais ricos, Bolsonaro garantiu um apoio popular mais amplo, jogando com os preconceitos e medos das pessoas. Na sua campanha, ele dirigiu-se aos grupos vulneráveis e prometeu reduzir ou eliminar as proteções para minorias, mulheres e pobres. Enquanto isso, ele pretende aliviar as leis de armas restritivas do Brasil, alegando que ao permitir que os cidadãos andem armados, o crime diminuirá.

Quanto ao ambiente, os planos de Bolsonaro podem ser resumidos numa palavra: exploração. Para começar, ele quer reduzir ou eliminar as proteções ambientais na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. E pretende reduzir substancialmente a proteção das terras indígenas que pertencem aos descendentes dos habitantes originais da Amazônia. Irá diminuir as restrições ambientais sobre o uso de pesticidas e sobre o licenciamento para o desenvolvimento de infraestruturas.

“Onde há terra indígena”, disse Bolsonaro em tempos, “há riqueza debaixo dela”Com isso em mente, ele declarou que não serão demarcadas mais reservas indígenas e que as reservas existentes serão abertas para extração.

A agenda de Bolsonaro acelerará dramaticamente a degradação ambiental. A Imazon, uma ONG brasileira, denunciou 444 km2 (171 milhas quadradas) de descampado no passado mês de setembro, um aumento de 84% comparado com setembro de 2017. Os 12 meses totalizam 4859 km2, o maior nível desde julho de 2008. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil, INPE, também anuncia um crescimento na desflorestação –cercade 50% por ano em setembro.

No cenário atual, muitos dos agricultores ou madeireiros que exploram a Amazônia fazem-no ilegalmente, arriscando multas ou sanções. A expetativa de que o novo governo não irá impor leis que proíbam tais atividades, já está, provavelmente, a encorajá-los a intensificar as suas atividades. A partir do momento em que essas leis forem enfraquecidas ou abolidas, pode-se esperar que a desflorestação acelere consideravelmente. A aparente inclinação do governo para impulsionar atividades como a extração de ouro na Amazônia só piorará as coisas.

Há poucas razões para acreditar que Bolsonaro não conseguirá cumprir a sua agenda ambiental destrutiva. Afinal de contas, representantes de extrema-direita, aliados a poderosos lobbies empresariais, dominam o novo congresso do Brasil.

Para tornar ainda mais fácil a destruição do ambiente, Bolsonaro comprometeu-se a fundir os ministérios do ambiente e da agricultura, embora já tenha recuado nessa questão. Ele agora está à procura de um ministro do ambiente que seja aliado dos ruralistas, ou grandes latifundiários, e nomeou um ministro da agricultura que quer levantar as restrições impostas no uso de produtos químicos perigosos na agricultura.

Bolsonaro também prometeu, durante a campanha eleitoral, retirar o Brasil do Acordo climático de Paris de 2015. Embora se tenha afastado dessa promessa, ele acaba de nomear um diplomata anticiência, que nega as alterações climáticas, como ministro dos Negócios Estrangeiros. Isso apresentará algumas dificuldades na candidatura do Brasil para acolher a Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP25), no próximo ano.

Além de aumentar a vulnerabilidade dos recursos naturais do Brasil à exploração comercial, os cortes inevitáveis no orçamento ambiental sob a liderança de Bolsonaro prejudicam a capacidade do país de responder a desastres como os incêndios florestais. O Brasil já conta com um aumento desse tipo de incêndios –e com a destruição relacionada com os incêndios –devido à expansão da agricultura, a uma fiscalização e a uma vigilância mais frágeis e ao desmantelamento das corporações de bombeiros. Os planos de Bolsonaro irão agravar o problema.

E esse não é o único problema que a agenda de Bolsonaro irá agravar. A desigualdade sócio-econômica aumentará. À medida que o governo dá mais poder sobre a floresta tropical aos grandes empresários, os cidadãos comuns – incluindo pequenos agricultores e moradores urbanos pobres – estão destinados a sofrer.

Mas os ecossistemas do Brasil são importantes para mais do que apenas aquele país – é o guardião da maior floresta tropical do planeta, um repositório de serviços ecológicos para o mundo inteiro, onde a maior parte da biodiversidade da Terra está concentrada. A Amazônia abriga mais espécies de plantas e animais do que qualquer outro ecossistema terrestre do planeta, e as suas chuvas e os seus rios alimentam grande parte da América do Sul. Além disso, as suas centenas de milhares de milhões de árvores armazenam grandes quantidades de carbono.

Nos últimos 100 anos, o Brasil reduziu a Mata Atlântica em mais de 90%, e desbastou 50% do Cerrado e quase 20% da Amazônia. Numa altura em que o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas está a alertar para o facto de que precisamos de fazer progressos urgentes na redução das emissões de gases de efeito estufa, os planos de Bolsonaro alcançarão exatamente o oposto. Infelizmente para o Brasil, e para o resto do mundo, não há razão para acreditar que ele não possa ou não queira implementá-los.


*Paulo Artaxo é professor de Física Ambiental e chefe do Departamento de Física Aplicada da Universidade de São Paulo. Ele é um especialista nos efeitos climáticos dos aerossóis, particularmente na Amazônia.

Este artigo foi originalmente publicado pelo Projeto Syndicate [1 ]

O novo velho projeto de Brasil é temeroso

TemerAtoCruz

Por Paulo Artaxo*

As prioridades do nosso país mudaram. O congelamento e a redução dos orçamentos associados a políticas sociais, em áreas estratégicas, como saúde e educação, não deixam dúvidas de que estamos andando para trás. Se, entre 2003 e meados de 2013, tínhamos investimentos crescentes de apoio à pesquisa, novas universidades sendo construídas, aumento significativo do acesso à educação em todos os níveis, a ciência brasileira brilhando internacionalmente e milhares de doutores sendo formados no Brasil e no exterior, hoje, o cenário que se avizinha é sombrio.

O valor do orçamento que deve constar na Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) para 2019 ainda não foi definido, mas o Ministério do Planejamento já sinalizou o forte corte de 11% para o Ministério da Educação (MEC), o que, por sua vez, representa cortes adicionais de R$ 580 milhões no orçamento da CAPES. Nessa hipótese, 93 mil bolsistas de doutorado no Brasil e exterior teriam as suas pesquisas interrompidas a partir de agosto do próximo ano. Apesar de o MEC ter assegurado a manutenção dos recursos para as bolsas –  após o alerta do Conselho da CAPES, diga-se – tudo pode mudar até o dia 14 de agosto, data da temerosa sanção da LDO para 2019.

Importante salientar que cerca de 80% da pesquisa no Brasil estão relacionados a programas de Pós-Graduação. Se o suporte a estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado diminuir ou cessar, grande parte da ciência do país pode entrar em colapso. Os valores das bolsas estão congelados desde 2013 e são extremamente baixos. Nas agências nacionais, o valor da bolsa de mestrado é de R$ 1.500,00 e da de doutorado, R$ 2.200,00, e com a obrigação de dedicação exclusiva. Estudantes trabalham pela vocação e pelo desejo de crescer profissionalmente, vivendo no limite com remuneração insuficiente.

Não podemos esquecer que também estão ameaçados importantes programas de formação de docentes, como o Pibid (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência) e o Parfor (Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica). Ações que têm possibilitado capacitação de professores nas mais diversas regiões do país e que são estratégicas para a educação brasileira como um todo. Há cerca de dois anos observamos que todo o nosso sistema de educação e C&T está em decadência, como vêm continuamente alertando a SBPC, a ABC e demais sociedades científicas.

O mais triste a constatar é que não se trata de falta de recursos. O Brasil investe apenas 1% de seu orçamento em ciência e tecnologia, um valor muito abaixo de nações com desenvolvimento similar ao brasileiro. E a “crise” não é só da CAPES. Agências de fomento como CNPq, FAPS estaduais (com poucas exceções), FNDCT estão com orçamentos corroídos. O CNPq não paga integralmente projetos de pesquisas aprovados e contratados. A FINEP também tem uma longa lista de projetos contratados para os quais não são liberados recursos.

Cerca de 80% da pesquisa no Brasil estão relacionados a programas de Pós-Graduação. Se o suporte a estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado diminuir ou cessar, grande parte da ciência do país pode entrar em colapso

Na mesma trilha do governo federal, os Estados retrocedem. Várias FAPs, como a FAPEAM, que representou um divisor de águas na área de C&T no Amazonas, e a FAPERJ, ou interromperam programas, ou deixaram de pagar projetos aprovados. O país perde muito com essa desorganização do sistema nacional de ciência e tecnologia. E está claro que a “crise” não está afetando igualmente todos os setores do Brasil – vide os auxílios moradias a parlamentares e juízes, vejam os programas de subsídios à indústria, dentre outras benesses – mas a C&T e o ensino superior estão sendo dizimados lenta e progressivamente.

Na sociedade global do conhecimento, desenvolvimento científico é estratégico. Vejamos o exemplo da EMBRAPA, EMBRAER, PETROBRAS e muitas pequenas companhias start-ups encubadas nas Universidades, e seu papel no desenvolvimento econômico do país. Queremos o futuro do Brasil somente como exportador de produtos primários como minério, soja, carne e outros? E quanto aos necessários engenheiros, economistas, arquitetos? De onde virão, no futuro? O Brasil vai importá-los do Paraguai, Bolívia ou outros países? Como será a formação desses profissionais?

É fundamental que tenhamos uma estratégia de futuro para o país com suporte da população como um todo. No complexo mundo de hoje, uma nação à deriva, como estamos, perde espaço e competitividade. Será muito custoso retomar o espaço que tínhamos conquistado até três, quatro anos atrás, quando a percepção internacional do Brasil era totalmente positiva. Hoje, o quadro em relação ao país é desolador dentro e fora de suas fronteiras. E, repito, não dá para dizer que a culpa é “da crise econômica”, mas sim do novo modelo de “desenvolvimento” sendo implantado pelo atual governo.

A razão para esse cenário tenebroso é a retomada de um velho projeto de Brasil. Um projeto no qual claramente ciência e educação não têm prioridade. E nosso futuro como nação soberana está comprometido justamente na era da informação e do conhecimento. Como diz Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), parece até que é uma guerra, que um país nos invadiu e quer nos destruir, mas são setores da nossa sociedade, são brasileiros que estão fazendo isso. Temeroso.

Há uma maneira de redirecionar o Brasil: nas urnas. Temos eleições este ano, talvez a oportunidade de tentar sair do precipício em que estamos. Eleger um congresso que seja efetivamente representativo da sociedade brasileira. Eleger um poder executivo que tenha um novo projeto para o Brasil com amplo apoio da população. Não será uma retomada fácil, pois descemos muito a ladeira. Recuperar o orgulho nacional é um desafio que irá requerer uma clara visão de futuro para o Brasil. Vamos lutar por esta nova direção, na qual ciência, tecnologia e ensino superior sejam instrumentos de transformação e para a construção de uma sociedade mais justa, com menos desigualdades sociais.

Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física (IF) da Universidade de São Paulo (USP) e é m dos pesquisadores mais citados no Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC).

FONTE: https://jornal.usp.br/artigos/o-novo-velho-projeto-de-brasil-e-temeroso/

Leandro Narloch e sua insensibilidade climática

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Por Cláudio Angelo*

Leandro Narloch mandou mal.

O guru do pensamento politicamente incorreto virou best-seller desmontando “mitos” sobre história, política e comportamento. É bonitinho. Às vezes acerta ou, no mínimo, provoca as pessoas a questionar verdades estabelecidas pouco apoiadas em evidências. Só que às vezes ele mesmo se afasta das evidências para forçar um argumento ou dez. E aí dá ruim. Sua última coluna no site da Folha é um exemplo: uma diatribe antiambientalista que escorrega em fatos e produz – para sermos politicamente corretos – um samba do afrodescendente com problemas psiquiátricos.

Narloch tenta argumentar que ambientalistas são obcecados com o Apocalipse, mas que esse Apocalipse nunca chega, mas que mesmo assim eles continuam insistindo no Apocalipse porque isso vende livro e dá dinheiro para ONGs.

Nada de novo aqui. Frequentemente o ambientalismo é criticado por fazer previsões catastrofistas que não se realizam, mas frequentemente elas não se realizam precisamente por mudanças de comportamento induzidas pelos ambientalistas. Doh. É evidente que ambientalistas exageram e cometem equívocos de vez em quando: trata-se, afinal, de um empreendimento humano. Destacá-los por isso, porém, é preconceito. E visões pré-concebidas costumam estar erradas; Narloch deveria saber disso melhor do que ninguém.

Um exemplo: o colunista critica Rachel Carson, a fundadora do ambientalismo moderno, por ter “apostado” em seu livro Silent Spring (1962) que o DDT e os pesticidas provocariam “extinção de pelicanos na costa Oeste americana”. Na real, não há nenhuma menção a pelicanos no livro de Carson, que tampouco faz qualquer “aposta” – apenas colige dados científicos da época. Mas o banimento do DDT, que ocorreu cinco anos depois de sua publicação, possivelmente permitiu o retorno de pelicanos que estavam quase extintos na Louisiana, na costa Leste.

Especificamente, Narloch cita três fins do mundo que não chegaram: o armageddon das abelhas, que teria sido revertido; a seca no Sudeste, que teria acabado mesmo sem ninguém reflorestar a Amazônia; e o aquecimento global, que não seria tão grave assim.

Sobre este último, diz o nosso politicamente incorreto guru:

“E um novo estudo, publicado em janeiro pela “Nature”, revisou para baixo a sensibilidade climática (a variação do clima de acordo com a variação da emissão de carbono e outros fatores). Segundo os pesquisadores da Universidade de Exeter e do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido, se a concentração de CO2 na atmosfera dobrar, o planeta vai esquentar no máximo 2,8°C, e não 4,5°C, como o IPCC previa.”

Há um erro conceitual crasso nessa conclusão. Demanda uma explicação longa, mas não vá embora.

O estudo citado tem como primeiro autor Peter Cox, hoje na Universidade de Exeter. Cox ficou famoso no começo do século por formular a hipótese de que a Amazônia sofreria mortandade em massa num cenário de aquecimento global descontrolado. Não é exatamente um cético do clima.

Como Narloch aponta, o artigo de Cox trata de um valor chamado “sensibilidade climática em equilíbrio”. É uma estimativa de quanto o planeta aqueceria caso o nível de COna atmosfera duplicasse instantaneamente. É um componente fundamental dos modelos computacionais de clima.

A sensibilidade climática foi estimada pela primeira vez em 1896 pelo sueco Svante Arrhenius (aquele mesmo, dos ácidos e das bases). Ele previu um aumento de 5oC a 6oC com o CO2 duplicado na atmosfera. Em 1975, o primeiro modelo de clima em computador chegou a um número bem menor: 2,4oC.

Por uma série de problemas que têm a ver com, por exemplo, a representação de nuvens e aerossóis, os modelos têm dificuldade em “resolver” esse parâmetro, e os números têm patinado há 40 anos entre 2oC e 5oC, mais ou menos. Cada um dos cerca de 20 modelos globais usados hoje em dia pelo IPCC, o painel do clima da ONU, tem uma estimativa diferente de sensibilidade climática. Alguns “enxergam” a Terra mais resiliente ao aumento dos gases-estufa; outros, mais sensível. Na soma de todos os resultados, o IPCC considerou, em seu relatório mais recente, o AR5, que a sensibilidade climática em equilíbrio varia entre 1,5oC e 4,5oC, com uma melhor estimativa de 3,2oC.

Cox e seus colegas – e, de resto, todos os modeleiros de clima do mundo – vêm tentando reduzir essa incerteza. Seu trabalho de janeiro aponta um caminho diferente para fazer a estimativa, e dá como resultado uma faixa de 2,2oC a 3,4oC, com uma melhor estimativa de 2,8oC. Descarta as pontas extremas da faixa de possibilidades do AR5. No entanto, sua melhor estimativa é muito parecida com os 2,9oC publicados pelo IPCC em seu quarto relatório, de 2007, para uma concentração de CO2 na atmosfera de 550 partes por milhão (o dobro da máxima pré-industrial).

“Isso não quer dizer nunca que o planeta vai esquentar menos ou que está esquentando menos agora. As medidas mostram que os modelos estão acertando razoavelmente as previsões dos últimos cem anos”, diz Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, membro do IPCC. Se você quiser saber quão bem os modelos vêm prevendo as temperaturas, assista a este vídeo sensacional do Skeptical Science.

O problema é que Narloch confunde sensibilidade climática com projeção de aquecimento. E, como diz Zeca Pagodinho, é igual, mas é diferente.

A projeção de aumento de temperatura depende de quanto CO2 lançarmos na atmosfera nas próximas décadas – pode ser menos ou mais do que o dobro do que havia antes da era industrial. O IPCC traça quatro cenários de aumento de temperatura em seu último relatório: no melhor, o chamado RCP 2.6, o aumento médio no fim do século em relação à média observada entre 1986 e 2005 será de 1oC; no pior, o chamado RCP 8.5, o aumento médio é de 3,7oC em relação à mesma média. Elevações maiores que 6oC são consideradas muito improváveis, mas não foram descartadas.

Portanto, não, o IPCC não “previu” um aquecimento global de 4,5oC que foi repentinamente desmentido por um único paper.

Eu também acho uma merda o IPCC ser tão confuso em relatórios que são chamados de “Sumários para Formuladores de Políticas Públicas” (e que portanto deveriam ser compreensíveis para qualquer cidadão com segundo grau completo). E eu também já confundi sensibilidade climática com projeção de aquecimento dezenas de vezes, e de maneiras vergonhosas. Mas a vida é dura mesmo: se Leandro Narloch quiser fazer disso um cavalo de batalha contra o ambientalismo, vai precisar estudar mais.

*Claudio Angelo é autor de A Espiral da Morte – como a humanidade alterou a máquina do clima (Companhia das Letras, 2016), vencedor do Prêmio Jabuti 2017 na categoria Ciências da Natureza, Meio Ambiente e Matemática.

FONTE: http://scienceblogs.com.br/curupira/2018/04/insensibilidade-climatica/

Evento discute os rumos da ciência no Brasil pós corte

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“É o fim? Um debate sobre os rumos da ciência no Brasil. E inspirações de Berlim” é o tema do debate que acontece no dia 1º de fevereiro, às 18h30, no espaço de eventos da livraria Fnac Paulista. Depois do ano tumultuado no Brasil – ainda sem uma perspectiva de alívio –, convidados de peso discutem por que é importante para o país investir em ciência.

Para [a membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) ] Helena Nader , que esteve por 10 anos à frente da SBPC (Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência) e participa do debate, esse investimento não é despesa. Pesquisadora da Unifesp, ela fala em impactos negativos da redução de recursos para pesquisa, que abalam a prosperidade econômica e social do Brasil.

Não falta só dinheiro. Falta estratégia. Essa é a crítica feita por Paulo Artaxo , pesquisador da USP, Universidade de São Paulo [ e Acadêmico da ABC]. Um dos cientistas brasileiros de maior prestigio internacional, Artaxo vê a diminuição da importância do Brasil no cenário mundial como uma das sequelas da perda de recursos.

Para que tenha defensores, a ciência não pode ficar restrita aos laboratórios. Esse é o trabalho que Herton Escobar, jornalista do Estadão e colaborador da Science, leva muito a sério, e que ele dará mais detalhes no debate. O jornalista é um dos organizadores da USP Talks, iniciativa que aproxima o público da universidade.

De Berlim, capital da Alemanha, um dos países que mais investem em pesquisas científicas, Nina Mikolaschek, da Humboldt-Universität zu Berlin, trará exemplos de como o investimento é considerado uma das prioridades. Berlim, que carregou por décadas o slogan “É pobre, mas é sexy”, tenta cumprir à risca um planejamento para se tornar a “cidade cérebro”, novo slogan a ser emplacado.

O evento será mediado pela jornalista Nádia Pontes, que organizou o debate como parte das atividades do Berlin Science Communication Award, concedido pela Humboldt-Universität zu Berlin e financiado pela Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG), com apoio do Ministério de Educação e Pesquisa da Alemanha (BMBF).

Serviço:
“É o fim? Um debate sobre os rumos da ciência no Brasil. E inspirações de Berlim”
Data: 01/02
Horário: Às 18h30
Local: Fnac Paulista (Av. Paulista, 901 – Bela Vista, São Paulo). 
Entrada livre

FONTE: http://www.abc.org.br/centenario/?Evento-discute-os-rumos-da-ciencia-no-Brasil-pos-corte

Aquecimento global por causa do desmatamento será mais alto do que o estimado previamente

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O professor do Departamento de Física da Universidade São Paulo (USP), Paulo Artaxo, informou em sua página na rede social Facebook sobre a publicação de um artigo na revista Nature Communications onde fica apontado que o desmatamento de florestas vai provocar um aquecimento do clima global muito mais intenso do que o estimado originalmente. Isto ocorrerá devido às alterações nas emissões de compostos orgânicos voláteis biogênicos (BVOC) e as co-emissões de dióxido de carbono com gases reativos e gases de efeito estufa de meia-vida curta.  O artigo aponta que que as emissões de florestas que resfriam o clima (BVOCs) serão reduzidas, implicando que o desflorestamento pode levar a temperaturas mais altas do que o considerado em estudos anteriores. 

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Levando em conta todos estes fatores (CO2, VOCs, CH4, albedo, etc), os autores do artigo observaram que as emissões das florestas que esfriam o clima têm um papel enorme na regulação da temperatura do planeta. “Derrubando as florestas, acabamos com este efeito esfriador, e aumentamos o aquecimento global” afirmam os autores do trabalho. O efeito global é de um aquecimento adicional de 0.8 C, em um cenário de desmatamento total. Isso é um valor muito alto, comparável ao atual aquecimento médio global (cerca de 1.2 C) ocorrido com todas as emissões antropogênicas desde 1850.

O artigo na revista Nature Communications: “Impact on short-lived climate forcers increases projected warming due to deforestation” pode ser baixado livremente  [Aqui!].