Procuradores e o juiz da Lava Jato: os heróis da classe média podem não ser tão probos quanto querem parecer

Acabo de voltar de uma viagem de trabalho ao extremo sul catarinense e, por causa disso, não tive como atualizar este blog por alguns dias. Mas é claro que a roda política não esperou a minha volta para continuar a girar, e agora temos o tiroteio entre a maioria dos deputados federais e os procuradores do Ministério Público Federal que atuam no âmbito da chamada Operação Lava Jato por causa das alterações feitas no pacote de medidas supostamente voltadas para combater a corrupção no Brasil.

A primeira coisa dessa gritaria dos procuradores da Lava Jato que me espanta é o fato de que parecem ter achado que suas propostas seriam automaticamente sancionadas pelo congresso nacional. Ora, quem legisla são os deputados e senadores, cabendo aos membros do Ministério Público aplicar as leis. Na hora que eles poderem fazer as leis, me parece que estaremos entrando num terreno ainda mais pantanoso para a frágil democracia brasileira.

Mas movidos pelos reclamos de seus heróis tivemos a volta ontem dos paneleiros das classes médias e altas que fizeram ruído depois de meses de silêncio sepulcral. Nem é preciso lembrar que nesse meio tempo de silêncio obsequioso daquela multidão de pele alva e olhos claros tivemos o desmanche de programas sociais, o processo de privatização branca da PETROBRAS e o começo do desmanche do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. No meio disso tudo, a aprovação da PEC 241 pela Câmara de Deputados (depois rebatizada no Senado Federal como PEC 55) cuja aplicação deverá jogar o Brasil com índices de desenvolvimento dos países mais pobres da África e da Ásia. Enquanto isso tudo era aprovado, o silêncio das panelas foi total.

Então é preciso reconhecer que as chamadas e apelos de cunho moralista que partiram dos procuradores da Lava Jato possuem um forte eco em determinados segmentos da população brasileira, a ponto de fazê-los voltar a bater panelas. A curiosidade que eu tenho sobre esse fenômeno é se os paneleiros já olharam seus heróis de mais perto para ver se eles são mais probos do que os deputados federais e senadores que eles tanto possuem ojeriza. A minha resposta é não, ainda que isto ocorra por um misto de comodidade e cinismo. É que para esses setores conservadores há essa mescla de probidade seletiva. Basta ver o ódio ao programa Bolsa Família, enquanto se enriquecem com a especulação financeira que é uma forma de bolsa família dos endinheirados.

Contudo, duas situações envolvendo dois dos heróis dos paneleiros me fazem pensar que haveria algum desencanto caso eles decidissem aplicar os mesmos critérios de probidade aplicados a deputados e senadores em seus personagens ideais. Vejamos o caso do misto de pastor e procurador da república, Deltan Dallagnol, que foi flagrado adquirindo dois apartamentos construídos pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV)na cidade de Ponta Grossa (Aqui!).  Apesar de não haver nada de ilegal com o uso de dinheiro pessoal para a compra de imóveis está claro que as unidades do MCMV foram adquiridas por Dallagnol para lucrar com um programa que deveria garantir a casa própria para setores menos abastados da população. Não tão probo assim, certo?

Agora o segundo caso que é o do herói mor dos paneleiros, o dublê de juiz federal e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sérgio Moro, que solicitou e obteve autorização para se licenciar do Brasil para estudar nos Estados Unidos da América, supostamente após a conclusão da Operação Lava Jato, o que deverá ocorrer em 2018 ou 2019 (Aqui!).  Afora o pedido peculiarmente adiantado no tempo que Sérgio Moro fez à UFPR, as relações mal explicadas que ele possui com o FBI  e os processos que correm na justiça estadunidense deveriam suscitar perguntas sobre a pertinência dessa viagem de “estudos”. Entretanto, nada disso parece abalar até agora a adoração que os paneleiros destinam a Sérgio Moro. Eu fico imaginando apenas o que mais ainda vai aparecer sobre as relações entre Moro e o governo dos EUA, e isto importaria de algum modo aos seus fãs.

Para mim o que fica claro é que nos déssemos ao trabalho de olhar outros heróis dos paneleiros com lupas mais apuradas é provável que encontraríamos outros pequenos desvios da imagem de completa e integral probidade que eles gostam de passar. E o que temos no Brasil no momento é apenas um momento em que o passe livre que partes do judiciário se auto-concederam está gestando uma crise institucional sem precedentes na nossa história recente, enquanto os paneleiros seletivamente cutucam suas panelas reluzentes. E, sim, enquanto isso a depressão econômica avança inclemente e milhões de brasileiros estão sendo recolocados rapidamente abaixo da linha de miséria. Nada que impressione ou importe aos paneleiros. Afinal, eles continuam lucrando bastante com as estratosféricas taxas de juros que o Brasil paga.

Violência em Brasília mostra os limites do golpe e escancara a fraqueza de Michel Temer

Uma manifestação realizada por movimentos sociais e sindicatos foi reprimida duramente pela Polícia Militar do Distrito Federal na tarde desta 3a. feira (29/11), numa repressão que lembra os piores momentos da Ditadura Militar de 1964. 

Essa repressão toda em meio à discussões dentro do Senado Federal que conta com uma clara maioria para congelar investimentos públicos pelas próximas duas décadas, contraditoriamente, representa e explicita a falência do governo “de facto” de Michel Temer.  É que para começo de conversa, governo que tem o controle político da situação não precisa reprimir ninguém e, tampouco, com a ferocidade com que a perseguição aos quase 12.000 manifestantes se deu hoje em frente do congresso nacional.

É que essa repressão toda, com um congresso completamente controlado e submisso aos interesses dos grandes bancos e instituições financeiras que comandam a economia mundial, representa um reconhecimento tácito de que Michel Temer e seu governo “de facto” perderam o controle da situação e lançam mão da repressão policial para conter, momentaneamente as manifestações contrárias aos planos de desmanche do Estado brasileiro e de retirada de direitos sociais e trabalhistas.

A questão agora é de verificar como os protestos  vão evoluir em diferentes partes do território brasileiro.  O fato é que depois do imbróglio envolvendo Geddel Vieira Lima e a prisão de Sérgio Cabral, o PMDB se tornou a bola da vez em termos de atrair a ira popular. A aprovação da PEC da Maldade somente servirá para que os protestos ganhem momento e se espalhem. A ver!

O golpe das estatais não dependentes no aumento da dívida pública. O RJ tem a sua!

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No dia 15 de Outubro de 2016 postei um material relativo  à Companhia Fluminense de Securitização (CFSEC), uma estatal não dependente, que foi  criada pelo (des) governador Luiz Fernando Pezão,  por meio do Decreto 45.408 de 15 de Outubro de 2015,  com uma série de atribuições bastante específicas  (Aqui!).

Aquela postagem tinha como base uma apresentação de Powerpoint da da auditora fiscal Maria Lúcia Fatorelli, da ONG Auditoria Cidadã da Dívida (Aqui!), que é uma das principais experts no processo de aumento da dívida pública no Brasil.

Agora acabo de receber uma matéria onde Maria Lúcia Fatorelli explica o papel pernicioso das chamadas estatais não-dependentes no crescimento da dívida pública, e de como a chamada PEC 241 deixa brechas para que essa empresas continuem operando livremente. O resultado final disso será o crescimento da dívida pública, enquanto os gastos sociais ficarão congelados por 20 anos.

Decisão do STF contra greves no setor público aumenta chance de conflitos sociais no Brasil

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A melhor síntese que eu já encontrei sobre a combinação de fatos recentes que incluem desde a aprovação da PEC 241 (também chamada de PEC da Morte) até a decisão do Supremo Tribunal Federal (Aqui!)de impor o corte de salários de servidores públicos que ousarem entrar em greve em defesa de seus direitos está na imagem abaixo.

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Como servidor público desde 1998 já fui forçado por diferentes (des) governos do Rio de Janeiro a fazer por todo tipo de motivo. Desde a defesa ao direito de existência jurídica da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), passando pela demanda do pagamento do 13o. salário, e outras vezes pela luta em defesa da correção das perdas inflacionárias. Em nenhum dos casos que passei pela experiência de uma greve, a decisão de realizá-la se deu antes de um esforço descomunal para evitá-la a sua deflagração.

Agora, convenhamos, qual é o outro instrumento legal que resta agora aos servidores públicos para fazer que (des) governos como os bem representados pelo comandado por Luiz Fernando Pezão e Francisco Dornelles se dignem a, pelo menos, sentar na mesa de negociações? Eu respondo rápido: a partir dessa decisão do STF, nenhum!

Mas pensemos todos da forma mais racional possível. Quem é que em sã consciência espera que espremidos pela inflação e pelos ataques aos seus direitos básicos, os servidores abdiquem de fazer greve, mesmo que seus salários sejam cortados?

Como conheço de perto a situação aflitiva em que se encontram muitos servidores estaduais no Rio de Janeiro, eu digo sem medo de errar que o corte de salários que foi hoje autorizado pelo STF além de não conseguir impedir a realização de greves, vai aumentar a chance de que ocorram conflitos graves entre grevistas e as forças de segurança que inevitavelmente serão utilizadas para conter pela violência o que a decisão do STF não conseguirá, qual seja, a realização de greves no serviço público.

Em outras palavras, tanto o congresso nacional como o STF parecem apostar, conscientemente ou não, no acovardamento dos servidores públicos e, por que não, da população como um todo em face dessa violenta regressão que está se operando a base do forcéps nos direitos que foram duramente conquistados ao longo do tempo.

O problema aqui é quem colhe ventos sempre acaba colhendo tempestades.  Resta saber se que quem hoje inocula as sementes das tempestades vai ter abrigo quando elas chegarem.

Cortes de bolsas e financiamentos no CNPq mostram que o inverno da PEC 241 já começou

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Recebi de fontes bem informadas a informação de que pesquisadores que estão em Brasília para participar do ciclo de avaliações para concessões de bolsas e auxílios pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estão sendo informados de que há uma determinação de que sejam cortadas até 30% das bolsas de pesquisa, inclusive das vigentes. 

E, mais, que os cortes estão começando nas bolsas de pesquisa mas deverão atingir todas as modalidades de concessão de auxílio financeiro pelo CNPq!

Em outras palavras, o inverno (ou seria inferno?) que se seguirá à implementação do congelamento de recursos que será causado pela PEC 241 será ainda mais devastador do que se imaginava inicialmente. É que o valor do orçamento do CNPq será congelado em valores já abaixo dos que vinham sendo praticados, dado o que corte que está sendo ordenado a partir do tal Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações,  comandado pelo senhor Gilberto Kassab que de ciência mesmo sabe muito pouco.

Um fato adicional que foi mencionado na informação que recebi é de que o novo presidente do CNPq, engenheiro eletricista Mário Neto Borges (Aqui!), ainda não tomou posse e quando o fizer vai encontrar um cenário de retração de investimentos. 

Enquanto isso, a imensa maioria da comunidade científica brasileira dorme seu sono olímpico. Meu conselho: melhor que acordem logo antes que o inverno atômico da PEC 241 se abata de vez sobre todos nós!

Palestra na UERJ quebra mitos sobre as raízes da crise no Brasil

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A auditora fiscal Maria Lúcia Fatorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, que contribuiu com a auditoria das dívidas públicas da Grécia e do Equador proferiu nesta sexta-feira (14/10) uma palestra no Programa de Pós-Graduação em Relacões Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre o processo de montagem da dívida pública brasileira e os riscos que são trazidos pela PEC 241 (também conhecida como PEC da Morte).

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Um dos muitos aspectos relevantes abordados por Maria Lúcia Fatorelli se referiu à criação de mecanismos ilegais de aumento da dívida pública a partir das chamadas “empresas estatais não dependentes” que não passam de canais de transferência de recursos estatais para a especulação financeira, sendo assim mecanismos de geração de dívida pública. 

Quem desejar acessar o conteúdo da palestra proferida por Maria Lúcia Fatorelli na UERJ, basta clicar Aqui!

Entrevista no Programa “Faixa Livre” sobre a situação estadual e a PEC 241

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Ontem tive a oportunidade de participar do programa “Faixa Livre” que é veiculado diariamente pela Rádio Livre 1440 pela Associação de Engenheiros da Petrobras (Aqui!). Nessa entrevista realizada pelo economista Paulo Passarinho pudemos trocar impressões sobre a propalada crise financeira do Rio de Janeiro e suas reais causas. Também conversamos sobre a questão da PEC 241, seus efeitos totalmente danosos para a população e os problemas que existem no processo de organização da resistência política à sua implementação.

Quem tiver interesse de ouvir a entrevista, basta clicar  (Aqui!).

Aproveito para convidar a todos os leitores deste blog para que apoiem a sobrevivência do “Faixa Livre” que se encontra neste momento ameaçado de descontinuidade por questões orçamentárias. Quem desejar contribuir para que este importante instrumento de democratização da informação possa sobreviver, as informações para contribuições financeiras são as seguintes:

Banco do Brasil:
Ag: 2865-7 (Primeiro De Março)
Cc: 42.426-9
Razão Social: AEPET – Associação dos Engenheiros da PETROBRAS
CNPJ: 34.131.870/0001-11

Junta financeira comanda o Brasil e impõe ditames a toque de caixa

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Vladimir Safatle*

Semana passada, o dito “governo” resolveu apresentar à população seu plano de emergência econômica diante da propalada crise. Conhecido como PEC 241, o plano visa congelar os investimentos estatais nos próximos 20 anos, permitindo que eles sejam, no máximo, reajustados pela inflação do período.

Isso significa, entre outras coisas, que o nível do investimento em educação e saúde continuará no nível em que está, sendo que o nível atual já é resultado de forte retração que afeta de forma brutal hospitais públicos, universidades e escolas federais. Todos têm acompanhado a situação calamitosa dos nossos hospitais, os limites do SUS, os professores em greve por melhores condições de trabalho. Ela se perpetuará.

Para apresentar o novo horizonte de espoliação e brutalidade social, o dito “governo” colocou em marcha seu aparato de propaganda. Ao anunciar as medidas, foi convocado um representante de quem verdadeiramente comanda o país, a saber, um banqueiro, o senhor Meirelles.

bancos

Entrará para a história o fato de que uma das mais impressionantes medidas econômicas das últimas décadas, uma que simplesmente retira do Congresso a possibilidade de realmente discutir o orçamento, que restringe o poder de representantes eleitos em aumentar investimentos do Estado, que os transforma em peças decorativas de uma pantomima de democracia, foi anunciada não pelo pretenso presidente da República, mas por um banqueiro.

Este dado não é anódino. Ele simplesmente demonstra que Michel Temer não existe. Não é por acaso que ele não aparece na televisão e some em dia de eleição, indo votar no raiar do sol. Quem realmente comanda o Brasil atualmente é uma junta financeira que impõe seus ditames a toque de caixa usando, como álibi, a ideia de uma “crise” a destruir o Brasil devido ao descontrole dos gastos públicos.

O script é literalmente o mesmo aplicado em todos os países europeus com resultados catastróficos. No entanto, há de se reconhecer que ele tem o seu quinhão de verdade.

De fato, há um descalabro nos gastos públicos, mas certamente ele não vem dos investimentos parcos em educação, saúde, assistência social, cultura etc. Por exemplo, segundo dados da OCDE, o Brasil gasta 3.000 dólares por aluno do ensino básico, enquanto os outros países da OCDE –a maioria europeus e da América do Norte, entre outros– gastam, em média, 8.200 dólares.

A situação piorará nos próximos 20 anos, já que os gastos continuarão no mesmo padrão enquanto a população aumentará e envelhecerá, exigindo mais gastos em saúde.

Na verdade, os gastos absurdos do governo não são com você, nem com os mais pobres, mas com o próprio sistema financeiro, que se apropria do dinheiro público por meio de juros e amortização da dívida pública, e lucra de forma exorbitante devido à taxa de juros brasileira. Uma dívida nunca auditada, resultante em larga medida da estatização de dívidas de entes privados.

Por incrível que pareça (mas que deveria ser realmente sublinhado), o plano econômico do governo não prevê limitação do dinheiro gasto com a dívida pública. Ou seja, fechar escolas e sucatear hospitais é sinal de “responsabilidade”, “austeridade”, prova que recuperamos a “confiança”; limitar os lucros dos bancos com títulos do Estado é impensável, irresponsável, aventureiro. Isso demonstra claramente que o objetivo da PEC não é o equilíbrio fiscal, mas a garantia do rendimento da classe rentista que comanda o país.

Como se trata de ser o mais primário possível, o dito “governo” e sua junta financeira comparam a economia nacional a uma casa onde temos que cortar gastos quando somos “irresponsáveis”. Mas já que a metáfora primária está a circular, que tal começar por se perguntar que gastos estão realmente destruindo o “equilíbrio” da casa? Por que a casa não pede mais dinheiro para aquele pessoal ocioso que mora nos quartos maiores e nunca contribui com nada?

Ou seja, já que estamos em crise, que tal exigir que donos de jatos, helicópteros e iates paguem IPVA, que igrejas paguem IPTU, que grandes fortunas paguem imposto, que bancos com lucros exorbitantes tenham limitações de ganho, que aqueles que mais movimentam contas bancárias paguem CPMF?

É claro que nada disso será feito, pois o Brasil não tem mais governo, não tem mais presidente e tem um democracia de fachada. O que o Brasil tem atualmente é um regime de exceção econômica comandado por uma junta financeira.

*Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de filosofia da USP (Universidade de São Paulo). 

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2016/10/1822671-junta-financeira-comanda-o-brasil-e-impoe-ditames-a-toque-de-caixa.shtml

A PEC 241 e a inevitável fuga de cérebros

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A opinião do professor da Universidade de São Paulo Paulo Artaxo de que a ciência do Brasil irá sofrer um atras de 20 anos por conta da aprovação da PEC 241 (Aqui!) não colocou um desdobramento adicional que me parece inevitável: a inevitável fuga de cérebros que deverá esvaziar universidades e institutos de pesquisa de alguns dos nossos mais promissores quadros.

Essa previsão é uma das mais fáceis de acertar. É que a aprovação da PEC 241 somada à outras medidas punitivas contra quem trabalha em instituições públicas (que não por caso hospedam a maioria dos cientistas brasileiros) irá tornar a saída pelos aeroportos a coisa mais atraente para quem continuar fazendo ciência com algum nível de qualidade.

Essa fuga de cérebros já ocorre historicamente, mas certamente será agravada com a adoção de medidas que vão restringir drasticamente o investimento em ciência e tecnologia (C&T) e piorar a condição salarial e previdenciária dos pesquisadores. 

Para os membros do governo “de facto” essa fuga de cérebros será apenas a confirmação de que investir em C&T é desnecessário já que o país que eles querem, o negócio mesmo é consumir tecnologia pronta. Entretanto, para o resto do Brasil, a fuga de cérebros será catastrófica, visto que tudo o que foi investido nas últimas décadas em recursos humanos vai acabar sendo absorvido por instituições localizadas nos países centrais, principalmente nos EUA para onde muitos já estão se dirigindo neste momento. 

Uma curiosidade nessa potencial fuga de cérebros é o papel que poderá ser cumprido pela China. É que seguindo o caso do futebol profissional onde clubes chineses recrutaram várias estrelas da seleção brasileira com seus salários milionários, o mesmo poderá ocorrer com as universidades e centros de pesquisa que estão neste momento adotando uma política agressiva de recrutamento de pesquisadores estrangeiros.  Se isso se confirmar, o que teremos é uma trágica realidade: enquanto o Brasil vai continuar tentando exportar commodities agrícolas e minerais para os chineses, eles vão tentar nos vender tecnologia desenvolvida por cientistas brasileiros que eles recrutaram. Como já visitei um centro de pesquisa sobre a zona costeira na cidade de Yantai (Aqui!), posso assegurar que quem for para lá, não vai querer voltar.

Um elemento curioso nessa fuga de cérebros é que os primeiros a buscarem soluções individuais que a crise política e a escassez financeira está causando na ciência brasileira são os que estiveram nas ruas vestindo a camisa da CBF pedindo o impeachment de Dilma Rousseff. E tenho absoluta certeza que esses trânsfugas ainda vão dizer que saíram do Brasil para poderem continuar fazendo o que mais gostam e em instituições onde tenham condições de trabalhar apenas se preocupando com o bom funcionamento de seus laboratórios. 

Mas se os cenários mais tenebrosos se confirmarem no tocante ao abandono do financiamento estatal das nossas universidades e centros de pesquisa que ninguém se surpreenda se a fuga for em massa. Afinal de contas, cientistas ou não, as pessoas possuem contas para pagar e famílias para criar.

PEC condena país a “atraso intelectual de 20 anos”, diz cientista da USP

Por Gabriel Francisco Ribeiro,  do UOL, em São Paulo

Divulgação/Arquivo Pessoal

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Renomado cientista brasileiro, Paulo Artaxo vê futuro negro para a área com a PEC 241

A aprovação em primeiro turno na Câmara da PEC 241 (Proposta de Emenda à Constituição), que visa limitar gastos públicos em áreas como saúde e educação, gera preocupação também em renomados cientistas brasileiros. Para a classe, o projeto afetará a produção intelectual nacional.

Um dos críticos é Paulo Artaxo, físico da Universidade de São Paulo (USP) e membro do painel climático da ONU que foi um dos três brasileiros presentes em lista da Reuters de 2015 dos cientistas mais influentes do mundo. Artaxo, que tem como campo de estudo a Amazônia e mudanças climáticas na região, diz que enxerga um futuro “bastante negro” para a ciência no Brasil em caso de aprovação da emenda.

Quando você não investe nas universidades em 20 anos está condenando o país a um atraso intelectual muito grande em relação ao resto do mundo. Todo brasileiro deve ficar muito preocupado com esta questão”

Paulo Artaxo, físico da USP e um dos cientistas mais influentes do mundo

A preocupação de Artaxo vai além. O pesquisador nacional lembra que a diminuição dos recursos é só um dos aspectos que envolve a PEC. O pior, para ele, é a filosofia do governo Temer para a área.

“É toda uma filosofia do atual governo de não valorizar a educação desde os níveis mais fundamentais, de não valorizar o desenvolvimento científico e tecnológico. Isto é uma questão estratégica e fundamental para o país que o atual governo não só não quer apoiar nos próximos anos como também está alterando a Constituição para um atraso nos próximos 20 anos. É muito sério para as gerações futuras”, opina Artaxo.

Para o cientista, o Brasil conseguiu uma posição de liderança no cenário mundial em várias áreas da ciência graças aos investimentos feitos na última década, apesar de ter sofrido corte de verba nos últimos anos com a crise. Mas, para Artaxo, nada se compara com o que a PEC pode provocar – o físico está na Suécia em um novo projeto e diz que a emenda é criticada até por lá.

FONTE: http://noticias.uol.com.br/ciencia/ultimas-noticias/redacao/2016/10/12/pec-condena-pais-a-atraso-intelectual-de-20-anos-diz-cientista-da-usp.htm