O PT e sua singularidade

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 Não há Lula sem PT, mas haverá PT sem Lula?

Por Douglas Barreto da Mata

Não é desejável, mas é aceitável que nos tornemos mais ranzinzas com o avançar da idade.  Seja o desconforto com as inovações tecnológicas, que parecem alterar nossa percepção, nos dando a impressão de que falta ainda muito menos tempo que nos resta, seja com a descoberta de que tudo aquilo que acreditamos por décadas não era, exatamente, o que pensávamos (nunca é, ainda bem), ou enfim, porque tudo fica mais difícil mesmo.

Voltar ou começar a fazer exercícios físicos, abandonar velhos vícios (ou criar novos), cortar pêlos que insistem em nascer em locais horríveis, tudo é muito mais difícil pelo simples fato de que tudo acelera lá fora, enquanto ficamos mais e mais lentos.

No entanto, o tempo vivido (e vívido, parafraseando Back in Bahia de Gilberto Gil) traz uma vantagem (para alguns, não todos) de poder olhar esse período de uma perspectiva bem mais ampla, simplesmente porque você tem esse passado, que antes, era apenas uma expectativa (futuro). É o que ando fazendo com minhas crenças políticas.

Falo da militância orgânica por mais de 20 anos no Partido do s Trabalhadores, o PT, desde 1986 até meados de 2007/2008, quando passei a ser um simpatizante/militante, mais afastado, sem deixar de acreditar que aquela legenda seria a ferramenta de transformação social que o país precisava. Olhando hoje, após 38 anos, posso dizer que tenho tempo suficiente para acreditar que não é mais, e pior, pode nunca ter sido como eu acreditei.

Tenho escrito muita coisa ácida e deselegante sobre o PT nesses últimos tempos, e mais sobre Lula, cuja imagem abraçado comigo, capturada no jantar do Hotel Palace, na campanha presidencial de 1998, senão me engano, mantenho em minha sala de estar, em um porta retratos que minha filha mandou fazer para mim.

É um sentimento ambíguo, que mistura memórias afetivas com decepções, as quais me impedem de guardar o quadro, talvez para a sua exposição faça com que me recorde sempre que aquilo que eram esperanças nunca se concretizaram.

Vejam bem, decepção nem sempre é melancolia, e neste caso, é remédio amargo para os sentidos, que aguça a razão.  Em algum momento, o PT, eu corrijo, nós do PT deixamos de cuidar daquilo que deveria ser a coisa mais importante.

Explico.  O espectro político brasileiro, por suas injunções históricas, nunca contou com partidos políticos que materializassem a noção básica de um ajuntamento desta natureza.

Talvez o PTB de Getúlio Vargas, os partidos comunistas, os demais sempre foram agrupamentos de individualidades políticas, de personagens, onde a grande massa de filiados e militantes corressem atrás de lideranças carismáticas, com maior propensão à reunião em tempos eleitorais, e com pouca ou nenhuma densidade e penetração em movimentos sociais.

Para sermos justos, em todos os cantos do mundo, é mais ou menos assim, e o debate político mais robusto fica a cargo de poucos grupos e partidos.

O PT, nesse sentido, veio como uma novidade, apesar de contar com uma liderança de calibre, Lula.  Podemos dizer que durante anos, o PT reivindicava ser o único partido cuja sigla fazia sentido, que combinava com sua trajetória política, era um partido dos trabalhadores, isto é, para os trabalhadores e feito por trabalhadores.

Esse corte de classe parecia claro.  Ao contrário dos demais partidos, que levam sempre “democrático”, “social”, “progressista”, mas que nunca agiam como tais, o PT dizia guardar essa coerência como um diferencial.

Para nós, a compreensão da luta para a melhoria de vida dos trabalhadores percorria muitas vias, e também isso era a grandeza do partido, sua vida interna, pulsante, intensa, e às vezes, extremada, mas nunca omissa ou cúmplice do crime histórico praticado pelas elites, no processo que chamávamos de democracia interna.

Bem, era nisso que eu acreditava.  De certa forma, não quero crer que, em algum momento, que essa visão do PT ingênua não tenha correlação com alguma porção de verdade, mesmo pequena, que seja.

É essa a questão.  Era verdade, ou melhor, havia a  busca por essa verdade?

Dói dizer, de onde me encontro, que o PT, a meu ver, olhando para trás, nunca foi, ou em algum momento deixou de ser um instrumento de luta da classe trabalhadora contra as elites.

Observando mais de perto a sua principal liderança, Lula, podemos afirmar que, na verdade, Lula nunca pretendeu ser esse veículo da luta de classes.  Simplesmente porque Lula é, dito por ele mesmo, uma pessoa que acredita que há conciliação entre esses segmentos da sociedade, e que o Estado, através do governo representativo, pode dar conta de cimentar esse pacto através de ações políticas nessa direção, sempre equilibrando os lados em conflito. Ele, portanto, nunca negou essa condição de “amortecedor” destas disputas.

Talvez nossa ingenuidade, ou melhor dizendo, a minha, tenha sido acreditar que pudéssemos estar à sombra do líder popular, para em alguma forma de gradualismo reformista, fizéssemos a ruptura com o sistema que gera enormes desigualdades, o capitalismo.

Imaginamos (será?) que dava para “melhorar” as desumanas condições dos trabalhadores no capitalismo, enquanto lutamos para acabar com ele?  Ou sequer lutamos para isso?

Ou pior, quem sabe esperávamos que algum conforto econômico proporcionado por alguns anos de consumo (churrasco de picanha, e viagens de avião, como brada o presidente) fizessem os trabalhadores, por milagre, entenderem a sua posição na luta de classes, e tomando consciência dessa condição subordinada, dedicassem o apoio político irrestrito ao PT e seu governo, para atacar a causa de seus infortúnios, a desigualdade e o sistema que a gera?

Não.  O que aconteceu foi a simbiose de um partido com seu líder, que maior que a legenda, a engoliu, e sim, o matou.  Como um ser político antropófago, Lula deglutiu o partido e tomou para si a sua essência, como acreditavam os povos originários, que dedicados ao ritual, quando apenas comiam aqueles que admiravam e respeitavam.

Pode ter sido tudo isso.  Pode ter sido tudo isso, e algo mais. Aprendemos que é pouco provável que mudemos o passado, e o futuro que nos resta é tão escasso que nossa atenção acaba se diluindo em menos futuro, para termos mais presente.

Lula tem pouco tempo, e sabe disso também.  No fim, “olhando em perspectiva”, como disse lá em cima, não tinha como dar certo, porque já nasceu errado.  A sigla PT hoje não significa o que as letras dizem, e bem dizendo, não querem dizer mais nada. Lula não assusta mais ninguém, domesticado pelas elites nacionais, incensado como um bem arqueológico nas reuniões internacionais, como este porta-retratos que tenho na minha sala.

Uma lembrança incômoda de derrota. Sorte que ainda restou algum afeto.  Mas de que serve afeto a esta altura das coisas?

Quem paga pelas apostas do Lula?

lula dança

Por Douglas Barreto da Mata

Apesar de todas as minhas críticas, algumas com tom até deselegante, reconheço, uma coisa não se pode subtrair da biografia de Lula:

Sua incrível capacidade de perceber o ambiente ao seu redor, e de tomar decisões para influir nesse ambiente.

A despeito dos chavões e lugares comuns acerca da sua origem, e o quão inédito seria um migrante de pau de arara possuir tais “dons”, como se inteligência e sabedoria para viver fossem qualidades exclusivas dos ricos e letrados (mito despedaçado na ótima obra de Suassuna, O Auto da Compadecida), o fato é que o “baiano” (como era pejorativamente apelidado nos tempos de ABC) é um cabra arretado, quando se trata de sobreviver e mudar a realidade.

Talvez por isso, justamente por isso, que eu seja tão ríspido com ele, porque se ele fosse um imbecil qualquer, eu diria: “está dentro do previsto”.

Se fosse um FHC estava tudo certo, não dava para esperar muito daquele sujeito mesmo.

Mesmo toda essa genialidade política de Lula não o salvou de si mesmo.

Explico:  Lula, como todo líder genial e carismático, é ameaçado constantemente pela sua própria figura, e Lula sendo Lula, com sua origem e sua carreira política, tende a ser massacrado pelas elites, e cobrado por sua base social.

O assédio das elites é auto explicativo, ainda que Lula tenha passado boa parte de seus anos e anos de vida pública tentando convencê-los de que é “confiável”.

Já o descontentamento da sua base social é diretamente ligado ao cumprimento ou a frustração das expectativas que ele mesmo, Lula, criou em torno de si.

Então, aqui um momento de pausa dramática:

Lula não é vítima, não é um coitado incompreendido que sofre por ser rejeitado pelos ricos, e acossado pelos mais à esquerda que ele, e/ou pelos pobres e classe média ingratos, como alguns querem acreditar.

Nem tampouco, é um refém da “governabilidade” ou de um tipo de fatalismo que o coloca como um boneco imóvel no cargo que ocupa.

Seu incômodo é resultante da conta política que ele fez, ao pretender ser o eterno conciliador, e com o seu sonho de ser um JK mais contundente, ou um Vargas menos autoritário. Não deu, não foi nem uma coisa, nem outra.

Por certo, não dá para colocar a culpa só nele, sim, há contingentes históricos poderosos, mas o fato que ele é a variável principal dessa equação, inclusive para alterar a realidade que o cerca.

Nesse quesito, Lula falhou ao se adequar a esta realidade, sem ao menos tentar propor um debate de desconstrução, de ineditismo institucional, e limitou-se a fazer o permitido, e mesmo assim, teve sua sucessora golpeada, com a mão de Obama que lhe deu tapas nas costas, e que cuja administração cevou e treinou os golpistas de togas e anéis de doutores que o prenderam.

Lula renunciou ao seu fazer histórico, que pode ser (mal) definido como a nossa capacidade de entender que há coisas que nos cercam, e nos empurram para uma direção, mas que há espaço para que assumamos certo controle para mudar estas coisas.

Ceder (sempre) à “governabilidade” é uma postura cretina, porque Lula sabe que a “governabilidade” é um saco sem fundo, que se alimenta do medo dos que não querem perdê-la, enquanto ela pede mais e mais concessões.  Lula é assim, um desperdício, um desperdício calculado, porém.

Agora, nesse triste episódio no Rio Grande do Sul (RS), que era mais previsível e certo que a morte e os impostos, Lula faz uma aposta.

Como não conseguiu definir no seu terceiro mandato qualquer agenda política viável, nem mesmo a defesa de seu mandato, quando bárbaros assistidos, carinhosamente, por militares vandalizaram Brasília, Lula “entregou” a pauta à uma “defesa da democracia” para o judiciário.

O judiciário que anos antes alimentou esse mesmo pessoal, quando se omitiu na cassação de Dilma, e o sequestrou na sede da Polícia Federal no Paraná

Os militares? Bem, os militares acolheram de volta dos vândalos, logo depois dos crimes, em flagrante associação ou bando (Artigo 288 do Código Penal), e mesmo assim, nada. A cena de blindados das forças armadas impedindo os policiais de efetuarem prisões dos acampados (em frente ao Comando Militar) é o retrato trágico do governo Lula, que desde ali seria marcado para sempre, como está.

Dúbio, fraco, acovardado, acossado.

No RS, Lula enxergou a sua possibilidade de recuperar terreno.  No Rio de Janeiro também.

Está em andamento uma estratégia que passa pela cassação do governador e dos seus aliados, e Lula imagina que o PT seria maior beneficiado, ao mesmo tempo que força Eduardo Paes a “convidar” um petista para a vice na chapa à prefeitura neste ano, pois desse modo, o PT herdaria a prefeitura em 2026, quando Paes renunciaria para concorrer ao governo do estado.

Como uma parte das grandes forças não sobreviverá no RJ para concorrer ao cargo de governador tampão nestas eleições extraordinárias, com a cassação do governador, vice e presidente da Alerj, o PT apresentaria um candidato em condições de se eleger, e tentar a reeleição em 2026, ou ceder a vaga para Paes, em uma acordo que garantiria a vice-governadoria para o PT (e espaço no governo), além de uma vaga na chapa de senador.

Pois bem, no Sul a jogada de Lula parece ser outra.  É emotiva, é a pieguice com a qual Lula imagina dominar a cena. Os vídeos de Lula beijando e abraçando as pessoas no abrigo, com o fotógrafo onipresente Stuckert ensaiando os desabrigados para o melhor “take” destruíram até essa coisa cafona, porém genuína de Lula, o seu trato com os mais pobres. Ficou feio.

Esta mesma pieguice cafona, que contaminou a todos, que parece ser um fetiche do Brasil caboclo pelos seus compatriotas de sangue europeu e olhos azuis, se materializou em uma “semi intervenção” federal, com a criação de um ministério da reconstrução. Como assim? O resto do país perguntará? Está tudo certo nas terras da Amazônia? No Cerrado? No Nordeste?

Será que essas regiões precisam se auto imolar para que tenham tamanha atenção? Ué, não é o “agro” a solução de tudo?

Por que um estado que se orgulha de sua incansável capacidade de gerar riquezas, dentro da narrativa da herança de organização rigorosa alemã e italiana, de uma ética de perfeição, frente a um país de mamelucos preguiçosos e corruptos, não conseguiu impedir o cataclisma, e pior, não conseguiu planejar como sair do lamaçal onde eles mesmos se meteram?

Por que um dos estados mais “agro” do país não consegue se reerguer com as suas próprias pernas, sendo certo que os estragos foram muito mais violentos, justamente, por causa da devastação causada por essa atividade econômica?

Não seria justo debater que este setor ajude a pagar a conta com impostos de reparação?

Não seria papel do líder máximo do país ajudar, principalmente os mais pobres, e simultaneamente cobrar responsabilidades dos ricos que causaram a tragédia, ou ao menos, concorreram fortemente para que ela acontecesse?

Lula tenta suprir sua carência de afeto, alimento principal dos líderes carismáticos, com a exploração rasteira de um fenômeno que um governo chamado de esquerda, ou progressista, ou vá lá, responsável, deveria estudar, debater e propor saídas, sem repetir as velhas fórmulas popularescas de crianças no colo, algum dinheiro nas contas, e bilhões para empresas e contratos.

Até quando Lula vai seguir matando Lula?

Silêncio sepulcral nos Pampas, onde até o Minuano virou tornado.

Lula III, O Breve. O fim de uma era

Lula

Por Douglas Barreto da Mata

Desde os mais extremados opositores, até seus eleitores e correligionários petistas, há um certo consenso no ar, não sobre temas como Hamas versus Israel, ou o 08 de Janeiro. Sobre tais questões, o conflito se rejuvenesce a cada rodada de manipulação rasteira da GloboNews, ou a cada surto de boatos nas latrinas digitais.

Eu falo sobre um marasmo, uma sensação de total imobilismo, como se estivéssemos atolados em um tipo de areia movediça, ou como naqueles pesadelos, que tentamos nos mover ou correr do perigo, e nos afundamos cada vez mais ou não saímos do lugar.

O governo Lula atual manteve-se imóvel, sem qualquer traço da inventividade (ainda que restrita) demonstrada em outras oportunidades, entre 2003 e 2011. Não é honesto dizer que a causa dessa imobilidade é que a economia foi destruída por seu antecessor…isso não é desculpa, pois em 2002, Lula assumiu o país em meio a uma cataclisma econômico, com reservas cambiais de menos de US$ 40 bi, com uma dívida externa considerável, juros nas alturas, inflação escalando, e câmbio em movimento desfavorável…

É verdade que Jair Bolsonaro também deixou a situação ruim? É. Só que Fernando Henrique Cardoso deixou igual ou pior.

Em 2002 Lula ainda enfrentava a desconfiança dramática, chantageada pelo mercado, que o obrigou a adotar a receita do mercado (a famigerada Carta aos Brasileiros), ipsi litteris, e só em 2004 ou 2005 começou a ter uma folga, muito pela puxada da economia chinesa e o preço das mercadorias primárias.

Em 2023 não aconteceu, apesar da polarização brutal e o desmonte do Estado, não muito diferentes de 2003, Lula chegou já dizendo ao que vinha, e com a vantagem de ter vencido alguém desprezado (apesar de ter sido com ele que a Faria Lima foi, assim como a mídia, e o Judiciário), e que naquele momento simbolizava morte.

Em 08 de Janeiro, Lula ganhou outra chance de se reinventar e dobrar seu capital político.Escolheu partilhar esse capital, justamente, com aqueles que ajudaram a provocar o processo histórico que desembocou no quebra-quebra: O STF, a mídia, o centro político, etc…

Afinal, o que diabos está acontecendo com Lula? Primeiro, o óbvio, a idade.  Lula não tem mais tempo, e só resta a ele consolidar seu personagem histórico. Nesta biografia há muito simbolismo, mas é só isso, e símbolos não enchem a barriga da História (nem do povo).

Olhando os números, Lula não alterou, significativamente, a curva de desigualdade, nem entre 2003 e 2011, nem agora. Tanto é verdade que bastou a ascensão de um governo hostil às políticas assistencialistas, junto com a recessão mundial, e a faixa de pobreza voltou a níveis ainda piores que estavam em 200

Lula não (re) industrializou o país, não alterou nossa condição de exportador de “pau brasil”. Os grandes feitos até aqui? O calabouço fiscal e a reforma tribu(o)tária.

Aperto de um lado, como manda o mercado, e nos impostos, o mesmo: pagam os pobres, e ricos não pagam ou sonegam sem punição.

Na segurança pública, o PT e o governo Lula são vergonhosos, espremidos entre a culpa de defenderem direitos humanos e a incapacidade de elaborar e executar políticas de segurança eficazes, até porque, isso requer a quebra de paradigmas e discussões colossais, as quais o PT e o governo não detêm expertise, e pior, coragem de encaminhar…

Lula não modernizou as Forças Armadas, ao mesmo tempo que deixou intactas as estruturas de poder e politização das forças, fato duramente constatado em 08 de janeiro.

Qualquer criança um pouco mais dotada sabe que um presidente precisa de generais de sua confiança, ou seja, Lula assumiu e governou 09 anos até aqui, e nunca mandou um general golpista para reserva, ao mesmo tempo que nunca promoveu a general nenhum oficial de sua confiança.

Isso é básico.

Ao contrário, temos comedores de picanha e pintores de meio fio que, ainda assim, colocam medo na vida civil.

Nem vou citar as trapalhadas da ABIN e do GSI, pois essas agências são de fazer corar o Inspetor Clouseau, Johnny English e o Agente 86, juntos e misturados.

Lula, o PT e o governo não mudaram as relações com as casas parlamentares, e hoje têm menos força nas casas que já tiveram.

Hesitaram entre um jogo que não sabem fazer bem, pois dizem não gostar (mentira!!!), e a necessidade de inaugurar novas formas de relação.

Lula não tem tempo, e nem terá um legado além da sua própria figura carismática.

A maior novidade hoje do governo, sem sexismo, é Janja, que nem é governo (e nem é tão nova assim), e nem é desejável como interlocutora, pelo simples fato de que ela é, como mandam os protocolos, a mulher do presidente. Ninguém, exceto os oportunistas, negociam ou conversam temas institucionais e políticos com alguém que dorme com quem detém o poder.

O outro problema do governo Lula também é baseado em um corte geracional, mas poderia ser resolvido, se Lula não estivesse preocupado em tornar Lula maior do que ele é.

Em 2002 em diante, Lula sofreu uma oposição ferrenha, da mídia, judiciário, empresários, etc. Jogaram até a pia da cozinha nele e no PT. No entanto, uma diferença crucial: havia um antagonismo estruturado e institucionalizado, o PSDB e aliados. O jogo era cruel, mas era jogado dentro de regras e caneladas que respeitavam as tradições e cacoetes da política.

Hoje não.

E o PT e Lula parecem ainda atordoados e incapazes de entenderem que dizer que “vamos lutar pela democracia”, ou que somos os “mocinhos” não emociona mais ninguém.

Ao final do primeiro ano de mandato, Lula, PT e aliados estão completamente imobilizados pela pauta da extrema-direita, ora na defensiva, ora atacando a esmo, sem condições de escolherem alvos com eficiência.

Não sabem em que estão atirando, e imploram que Bolsonaro fique no posto de vilão antagonista, e nesse processo empoderam ainda mais o protaganismo judiciário, uma das entidades mais nefastas no país que sobreviveu ao boboca do Sérgio Moro, e dá as cartas como um Lex Luthor, com o alforje cheio de kriptonita.

Há uma aprovação inercial de Lula, que mantém as hostes do governo e do PT em aparente segurança. Porém, esse local não permite ao PT e ao governo se movimentarem para propor nenhuma agenda, nada, esó agem de forma reativa.

No campo econômico nada além de enfiar os rabos entre as pernas a qualquer rosnado do mercado. No Congresso, a situação é igualmente lastimável. Alguns se perguntam se já não estamos no parlamentarismo.

Com a crise capitalista, que parece não apontar uma saída, as representações políticas mudaram as suas naturezas e conformações, onde não se trata mais de interlocução de lado a lado, mas que cada lado grite mais alto que o outro.

Enquanto isso, Lula e o PT seguem querendo convencer  a galinha (nós) que é possível fazer um acordo com o tigre, porque ele jurou que é vegetariano.

Por isso, primeiro eu dou risada, mas depois sinto pena do pessoal do PT de Campos e do estado do Rio de Janeiro. Reivindicam um mito (Lula) cujo único resultado prático que trouxe para a legenda em sua facção fluminense foi a indigência, o nanismo político, muito em parte por causa dos militantes do RJ, é verdade, quando aceitaram, sem questionar, que SP fosse o epicentro, ou pior, o buraco negro do PT nacional.

Mesmo assim, não dá para isentar de culpa o mito Lula, que tocou esse processo de paulistização do PT nacional, em seu benefício, com mãos de Josef Stálin.

O PT de Campos, agradecido, pede migalhas, e quem sabe um ou dois vereadores serão eleitos?  Quem sabe, será a heroína do PT de Campos a xerifa do V Distrito de São João da Barra, que ajudou a tirar terra dos pobres e deu aos ricos, como legítima Robin Hood às avessas?

Como dizem os Racionais MC’s “você é do tamanho de seus sonhos”.

De Guilheme Boulos para Marcelo Freixo: eu sou você amanhã

boulos freixo

Guilherme Boulos, aparentemente picado pela mosca azul, ensaia a mesma trajetória pouco gloriosa de Marcelo Freixo
O ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e agora deputado federal pelo PSOL (SP), Guilherme Boulos, parece não ter entendido o destino inglório que acometeu agora petista Marcelo Freixo, e está seguindo a mesma trilha política que o ex-psolista trilhou para alcançar o surpreendente cargo de presidente da Embratur.
É que depois de pressionar e conseguir que o PSOL não tivesse um candidato a presidente da república, Guilherme Boulos vem se movimentando, à revelia do partido a que diz pertencer, para adotar uma série de passos esquisitos, o que incluiu até um momento de beija mão com o agora reeleito presidente da Câmara de Deputados, Arthur Lira quando o partido tinha candidatura própria para presidir a Câmara de Deputados (no caso o deputado Chico Alencar (PSOL/RJ)).
Para ser franco, eu nunca me enganei muito com o Guilherme Boulos, apesar de não negar sua capacidade de fazer política, pois sempre tive a impressão que ele se filiou ao partido errado, já que todos os seus trejeitos e molejos apontam mais para o Partido dos Trabalhadores (PT). Aliás, a entonação e timbre de voz do Boulos me faz lembrar o Lula das greves metalúrgicos do final dos anos de 1970 ( sei lá, apenas um detalhe).boulos lula

Por isso, quando Boulos se filiou ao PSOL pensei que ele o tinha feito aparentemente mais por questões de falta de espaço dentro do PT do que por convicção de modelo de partido. Mas ao fazer isso, Guilherme Boulos deu uma cara petista ao PSOL, o que nunca vi como algo que duraria muito. O problema é que ao fazer uma espécie de entrismo sui generis dentro do PSOL, Boulos vem agindo com eficiência para tornar o partido o satélite que a direita sempre disse que era em relação ao PT. E considero isso um grave equívoco, na medida em que o PSOL é um dos poucos partidos capazes de ocupar os espaços de rua (ainda que precariamente) que o PT resolveu abandonar para conseguir ocupar a presidência da república e governos estaduais.
Assim, apesar de algumas lideranças psolistas estarem tendo o trabalho de cobrar uma postura mais adequada ao que partido diz ser e não o que Boulos quer que seja, vejo isso como uma grande perda de tempo, como, aliás, foram esforços para reter Marcelo Freixo no partido. A questão é que quando determinados quadros políticos acham que são maiores que o partido que os abriga, o divórcio passa a ser uma questão de tempo. Além disso, dada a conjuntura histórica particularmente difícil, a energia que está se gastando para cobrar uma postura mais adequada de Boulos poderia ou deveria estar sendo gasta com a organização da classe trabalhadora e da juventude.
E se Boulos quiser seguir o caminho de Freixo, pode pedir até umas dicas de trajetos lá na Embratur que sabemos é subalterna da deputada Daniela do Waguinho, ministra do Turismo do governo Lula. Simples assim.

A curiosa trajetória de Marcão Gomes: do berço no PT aos braços de Jair Bolsonaro em 2022

As eleições de 2022 estão sendo apresentadas como um confronto entre projetos bem disitntos que colocam em cada um dos polos o ex-presidente Lula e o atual ocupante da cadeira presidencial, o capitão reformado Jair Bolsonaro.  Em princípio essas posições são apresentadas como irreconciliáveis e de difícil assimilação pelos dois lados em embate.

No entanto, quem vem a Campos dos Goytacazes e circula pelas ruas vai encontrar um exemplo que coloca toda essa tese em questão. Falo aqui da candidatura do ex-vereador e suplente de deputado federal, o advogado e servidor público Marcão Gomes. 

É que tendo aparecido na política partidária como vereador do PT, Marcão Gomes sabe-se lá o porquê bandeou-se para a Rede durante o fatídico governo de Rafael Diniz para depois, também sem muita explicação, passar para o PL que recentemente também deu abrigo ao presidente Jair Bolsonaro. 

E é aí que a porca de Marcão Gomes torceu o rabo.  Contrariamente até a muitos candidatos do próprio PL, o idealizador da Lei Municipal 002/2018 que instituiu um programa municipal de entrega de sacolões está com um material de campanha em que procura utilizar a figura de Jair Bolsonaro para angariar votos suficientes para repetir a votação de 40.000 votos de 2018 e voltar para o conforto dos corredores do congresso nacional em 2023 (ver imagem abaixo).

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Eu fico pessoalmente em dúvida sobre qual seria a explicação que Marcão Gomes daria para tamanha amplitude de opções ideológicas. Entretanto, mais importante seria refletir sobre como o PT de Campos dos Goytacazes conseguiu encher a bola de um militante que agora se revela um bolsonarista de carteirinha. Isso mais do que pesar sobre Marcão Gomes, pesa sobre a organização partidária do PT, na medida em que as posições ora apresentadas não devem diferir muito daquelas em que ele apresentado como o futuro do partido na cidade.

Ah sim, tive a curiosidade de checar a performance de Marcão Gomes enquanto ocupou o mandato de deputado federal entre 18/12/2019 e 08/10/2020.  Marcão teve 0 proposições transformadas em norma jurídica (o fato de que ele apresentou apenas 2 proposições apresentadas pode ser parte da explicação) e e 0 relatórias transformadas em norma jurídica. Convenhamos que é muito pouco para quem esteve em Brasília por quase 1 ano.

Violência política: Policial bolsonarista assassina a tiros tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu (PR)

Marcelo Arruda foi morto enquanto comemorava 50 anos numa festa com a temática de Lula e PT

marcelo-arruda-assassinado

Por Esmael Morais

A intolerância política causou uma tragédia na madrugada deste domingo, 10 de julho, em Foz do Iguaçu, Oeste do Paraná.

Armado e aos gritos, o agente penitenciário federal, Jorge José da Rocha Guaranho, invadiu a festa de aniversário do guarda municipal Marcelo Arruda, e o matou com três tiros.

Arruda comemorava seus 50 anos, com pouco mais de 40 pessoas, em uma festa de aniversário temática do PT e do Lula na sede da Aresfi (atrás da antiga Cobal) em Foz do Iguaçu.

Segundo relatos, tudo corria bem até que Guaranho invadiu a festa gritando “Bolsonaro” e “mito” e proferindo xingamentos, quando sacou uma arma de fogo afirmando que mataria a todos na festa.

A mulher do algoz com um filho no carro gritava e pedia para (ele) sair do evento.

Depois de uma rápida discussão, Guaranho saiu do evento e prometeu voltar para “uma chacina”.

Quem estava na festa não deu muita atenção ao episódio, mas Marcelo Arruda com quase 30 anos de atuação na Guarda Municipal afirmou aos amigos: “vai que esse maluco volta, por via das dúvidas vou pegar minha arma no carro”.

Não deu outra, o maluco bolsonarista voltou e executou o guarda municipal com três tiros.

Mesmo ferido, Arruda conseguiu balear o agente penitenciário evitando a chacina anunciada pouco antes na festa.

Intolerância política

O episódio mostra o clima de intolerância política que vem uma escalada crescente no país desde 2018, quando um professor foi morto em Salvador (BA) após ter declarado que votou no PT nas eleições presidenciais.

Marcelo Arruda era tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, foi candidato a vice-prefeito nas eleições de 2020 e diretor do sindicato municipal de servidores. Deixa a mulher e quatro filhos (uma filha de seis anos e um bebê de um ano).
Ferido, seu algo foi internado em hospital da cidade.

– Uma situação de intolerância e falta de respeito. Eu e o Marcelo Arruda sempre pensamos de forma diferente e isso nos fez aprofundar nossa amizade com horas de conversa e debate sobre o entender o pensamento alheio, lamentável esta situação – reagiu o publicitário Thiago Kodama nas redes sociais.

– Quando digo que as pessoas estão doentes e que a falta de respeito e diálogo é uma tragédia, alguns acham que é exagero. As pessoas estão se atacando por causa da política e agora sabemos que elas também jogam bombas e matam. Hoje eu perdi um dos meus melhores amigos – disse o petista André Alliana.

A direção nacional do PT divulgou uma nota condenando a violência política, que, segundo Gleisi Hoffmann, trata-se de um assassinato perpertrado por bolsonarista embalado por um discurso de ódio e perigosamente armado pela política oficial do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL).

Abaixo, leia a íntegra da nota do PT:

Violência bolsonarista: Líder do PT em Foz do Iguaçu é assassinado

Mais um querido companheiro se foi nessa madrugada, vítima da intolerância, do ódio e da violência política. Em plena celebração de seu aniversário, em que comemorava seus 50 anos com familiares, amigos e companheiros, em Foz do Iguaçu, PR, nosso Marcelo Arruda foi assassinado por um bolsonarista que, pouco antes, havia interrompido a festa e ameaçado de armas na mão a todos os presentes, familiares, amigos, companheiros ali reunidos, na sede da Associação Esportiva Saúde Física Itaipu.

Marcelo era guarda municipal e um grande militante do PT, tendo sido nosso candidato a vice-prefeito em Foz do Iguaçu nas eleições de 2020. As últimas imagens de sua vida, gravadas no momento em que cantavam o parabéns, registram sua alegria de viver, seu entusiasmo com a militância, seu compromisso de vida com o PT e o presidente Lula.

Antes de ser assassinado com três tiros pelo policial penal fascista que o abordou no estacionamento, Marcelo tentou ainda se defender com a arma funcional que tinha em seu carro e reagiu. O assassino de Marcelo também veio a falecer. Marcelo, no seu ato derradeiro e heróico, salvou inúmeras vidas, pois o fascista também ameaçava e poderia ter assassinado a todos na festa, inclusive a sua família.

Desde o começo do ano, quando lançou uma Campanha Nacional contra a Violência Política, o PT vem alertando a sociedade brasileira e as autoridades dos vários Poderes da República para a escalada de perseguição a parlamentares, filiados e filiadas, militantes de movimentos sociais e de outros partidos de esquerda e o crescimento da violência política no país.

Embalados por um discurso de ódio e perigosamente armados pela política oficial do atual Presidente da República, que estimula cotidianamente o enfrentamento, o conflito, o ataque a adversários, quaisquer pessoas ensandecidas por esse projeto de morte e destruição vêm se transformando em agressores ou assassinos.

Marcelo estava na flor da idade, tinha uma vida pela frente com sua família, esposa e quatro filhos, a quem prestamos nossa total solidariedade e apoio, e sonhava com um Brasil justo e democrático, fraterno e solidário, que queria construir com o povo brasileiro a partir da derrota do fascismo e da eleição de Lula Presidente.

Basta de violência! Basta de destruição! É tempo de reconstrução e transformação do Brasil e das relações entre brasileiros e brasileiras! Vamos chorar e enterrar mais um companheiro que tombou vítima da violência política, basta!

Cobramos das autoridades de segurança pública medidas efetivas de prevenção e combate à violência política, e alertamos ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal para que coíbam firmemente toda e qualquer situação que alimente um clima de disputa violenta fora dos marcos da democracia e da civilidade. Iniciativas nesse sentido foram devidamente apontadas pelo PT em várias oportunidades, junto ao Congresso Nacional, o Ministério Público e o Poder Judiciário.

Marcelo, não esqueceremos de você, em sua memória continuaremos na luta contra a violência, a injustiça e a intolerância. Presente, hoje e sempre!

Gleisi Hoffmann, Presidenta Nacional do PT
Abdael Ambruster, Coordenador Nacional do Setorial de Segurança Pública do PT

Nota de Pesar – Prefeitura Municipal de Foz do Iguaçu

A Prefeitura de Foz do Iguaçu expressa o mais profundo pesar pelo falecimento do guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda, de 50 anos, na madrugada deste domingo (10). 

Marcelo era da primeira turma da Guarda Municipal e estava na corporação há 28 anos. Ele também era diretor da executiva do Sindicato dos Servidores Municipais de Foz do Iguaçu (Sismufi). O guarda municipal deixa esposa e quatro filhos. 

“Agradecemos ao Marcelo Arruda por toda a sua dedicação e comprometimento com o Município, o qual nestes 28 anos de funcionalismo público defendeu bravamente, tanto atuando na segurança como na defesa dos servidores municipais”, expressou o prefeito Chico Brasileiro. 

“Desejamos à família, aos amigos e colegas de Marcelo força neste momento de dor”, complementou o prefeito. 

Com informações Portal da Cidade e redes sociais.


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Este foi originalmente publicado no blog do jornalista Esmael Morais [Aqui!].

Votação acachapante pelo congelamento dos salários de servidores públicos expõe unidade neoliberal no Senado Federal

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Mais uma vez os servidores públicos são crucificados para manter os lucros dos bancos, inclusive com os votos da esquerda.

Em meio a uma pandemia que está cada vez aumentando o número de mortos no Brasil, o Senado Federal encontrou tempo para congelar os salários dos servidores públicos das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) pelo menos até o final de 2021 em troca de meros R$ 120 bilhões que não servirão em nada para aliviar a crise financeira de estados e municípios.

Para quem acha que minha qualificação de meros R$ 120 bilhões é equivocada, lembro que o governo Bolsonaro já liberou R$ 1,2 trilhão para os bancos não sentirem os efeitos da pandemia, e se prepara para adquirir trilhões em moedas podres por meio da aprovação da chamada PEC 10/2020.

O detalhe é que os R$ 120 bilhões que estão sendo liberados sairão totalmente dos salários que serão confiscados dos servidores públicos, criando ainda uma situação favorável ao recrudescimento da recessão que, ninguém se surpreenda se isso acontecer, poderá ser acompanhada de um forte processo inflacionário. Com isso, os servidores públicos se verão impedidos de manter o seu já depauperado poder de compra, o que, por sua vez, acelerará a asfixia de comércio e serviços.

A aprovação é ainda mais precarizante do serviço público é que, além do congelamento de salários, os senadores também estabeleceram como contrapartida ao auxílio para estados e municípios a proibição no avanço de carreiras de servidores antigos, a vedação de contratação de novos servidores e a impossibilidade de despesas obrigatórias acima da inflação

Mas um detalhe da votação ocorrida em uma noite de sábado pós-feriado explica muito como o governo Bolsonaro e o banqueiro e ministro da Fazenda, Paulo Guedes, podem seguir atacando os direitos dos trabalhadores em geral. É que apenas um solitário senador,  Randolfe Rodrigues (Rede/AP) votou contra essa decisão absurda.  Já toda a bancada dos partidos ditos de esquerda, sob a liderança decisiva do Partido dos Trabalhadores, votou a favor. É verdade, o placar a favor do congelamento de salários foi de estrondosos 79 a 1, em um total possível de 81 senadores. O outro voto não computado a favor da tunga salarial dos servidores foi a abstenção do senador Weverton (PDT/MA) que presidia a reunião.

Como o valor liberado não estará nem próximo de resolver as limitações de caixa impostas pela pandemia, é bem provável que, além de terem seus salários congelados, a maioria dos servidores públicos brasileiros ficará sem ter seus salários pagos nos próximos meses, e de mão amarradas por essa votação acachapante. Há que se dizer que os senadores ditos de esquerda sabem que isso vai acontecer, e nem se deram ao trabalho de sequer fingir que se opunham ao processo de desmanche do serviço público no Brasil. E, pior, o congelamento de salários ocorrerá em um momento que o Brasil mais precisará de todos os seus servidores públicos, e não apenas os da saúde e os das forças policiais e militares.

A razão para que o PT e outros partidos ditos de esquerda (e.g., PDT, PSB, Rede, Cidadania) tenham embarcado nessa medida é que, apesar de todos os discursos em contrário, há uma concordância com as políticas ultraneoliberais que estão sendo impostas pelo governo Bolsonaro. E essa concordância é que tem impedido que os trabalhadores brasileiros sejam colocados em movimento para defender seus empregos e direitos trabalhistas. É preciso dizer que essa inclinação ultraneoliberal da esquerda institucional não vem de hoje, mas a aprovação em massa do congelamento dos salários dos servidores públicos tem o dom de tornar essa postura mais transparente.  Pelo menos por esse detalhe, vejo como positivo o alinhamento do PT com o governo Bolsonaro, pois a partir daqui não será preciso mais fazer debates sobre o caráter de esquerda do partido ainda comandado com punhos de ferro pelo ex-presidente Lula.

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Aos servidores públicos e aos trabalhadores em geral restará a necessidade de criar canais de auto-organização que lhes permite desbloquear os caminhos que impedem a necessária resistência aos ataques inclementes desfechados pelo governo Bolsonaro. Se conseguirem realizar este desbloqueio, o Brasil viverá um período de forte recrudescimento dos conflitos trabalhistas no período pós-pandemia.  A ver!

 

O Olavo do mercado

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Por Luís Felipe Miguel*

Nas eleições do ano passado, diante da inviabilidade eleitoral de seus candidatos, os grupos dominantes do Brasil se viram frente a uma encruzilhada. Podiam reabrir um caminho de negociações com o PT, que lançara um candidato presidencial mais do que palatável, Fernando Haddad, e assinalava com clareza sua disposição para pactuar um lulismo 2.0, adequado às condições adversas do pós-golpe de 2016. Esse caminho implicava restabelecer algum grau de vigência da Carta de 1988 e alguma moderação no frenesi pela destrutiva de direitos e de políticas de proteção social. A outra opção era apoiar um candidato destemperado e despreparado, notabilizado por seu discurso histriônico de apologia à violência e com notórias ligações suspeitas com grupos criminosos. A burguesia, as elites políticas tradicionais, a imprensa e as classes médias não titubearam e escolheram a segunda opção.

Com Bolsonaro na presidência batendo o recorde mundial de vexames por minuto, muitos desses setores estão preferindo guardar distância de seu eleito. Da goiabeira ao golden shower, passando por Queiroz e pelos laranjais, são muitos os motivos para evitar associação com o novo governo, que agora apanha até em editoriais do Estadão. Mesmo o ex-juiz Sérgio Moro, o herói da cruzada para salvar o Brasil do petismo, desmoralizou-se rapidamente. Sobra apenas um pilar do bolsonarismo no poder, o tsar da economia, Paulo Guedes, avalista do apoio do capital ao ex-capitão, até então visto com desconfiança, como um estatista autoritário – o problema, claro, residia no “estatista”, não no “autoritário”.

A cobertura da imprensa é significativa. Guedes é tratado como alguém que sabe o que faz e um dos problemas centrais de Bolsonaro seria não priorizar, na presidência, a defesa das “reformas” prometidas por seu ministro. Mas a competência e a sensatez de Paulo Guedes podem entrar na conta das fake news.

“Paulo Guedes é o arauto de uma forma de fundamentalismo de mercado que bem pode ser descrita como uma espécie de terraplanismo econômico.”

 

Não se trata só da ignorância absoluta sobre a gestão do ministério, ilustrada pelo episódio da célebre conversa com o então presidente do Senado, Eunício Oliveira, em que Guedes desdenhou a aprovação do orçamento da União dizendo “o orçamento eu faço depois”, ou pela exoneração sumária de todos os funcionários com cargo de confiança que haviam trabalhado nos governos petistas, paralisando as atividades por longo período – não era possível nomear outros para seus lugares, porque até os funcionários que sabiam como fazer as nomeações tinham sido afastados… Nem é apenas a incapacidade de discutir e negociar, com grupos sociais ou com o parlamento, adotando sempre um tom de ameaça.

Mais do que isso, Paulo Guedes é o arauto de uma forma de fundamentalismo de mercado que bem pode ser descrita como uma espécie de terraplanismo econômico. Todas as evidências mostram que a brutal desregulamentação que ele advoga não leva ao crescimento, mas somente à concentração da riqueza e à pauperização da população. A privatização ensandecida de Guedes e de seu assessor Salim Mattar não equilibrará as contas públicas e privará o Estado brasileiro de receitas e de instrumentos de ação. Sua fúria contra o funcionalismo público, que o leva a aventar o fechamento de instituições como o IBGE, só pode ser classificada de irracional: não é possível imaginar um Estado moderno, mesmo mínimo, que se prive dos instrumentos básicos de aferição da situação da sociedade que ele quer comandar.

Guedes gosta de reciclar o velho dito de que a esquerda tem coração e a direita tem cérebro, mas parece que a ele faltam ambos. Ele é imune ao raciocínio lógico, ao aprendizado com a experiência histórica e à realidade factual. A reforma da Previdência, prioridade máxima dele e do capital hoje, serve de exemplo. O modelo pinochetista, que ele deseja implantar no Brasil, é um perfeito caso de fracasso – exceto para os especuladores que roubaram a poupança da classe trabalhadora. Mesmo com ajustes que foram feitos para minorar a situação (com intervenção, vejam só, do Estado!), os aposentados recebem em média menos da metade do que lhes havia sido prometido. Mais de 90% deles ganham cerca de metade do salário mínimo. Os jornais noticiam uma onda de suicídios de idosos, o que talvez seja mesmo a solução ideal para Guedes.

“Guedes gosta de reciclar o velho dito de que a esquerda tem coração e a direita tem cérebro, mas parece que a ele faltam ambos.”

A insensibilidade das nossas elites para com a situação da classe trabalhadora é notável e se manifesta com especial virulência no debate sobre a previdência. Guedes não tem o monopólio dela. Rodrigo Maia, por exemplo, interveio para dizer que “todo mundo consegue trabalhar até os 80 anos” (como a expectativa de vida está em 75 anos, percebe-se que muitos vão ter que procurar emprego na condição de almas penadas). Mas essa cegueira de classe, ainda que comum, é indesculpável naqueles que deveriam governar a totalidade dos brasileiros. Para Maia, como para Guedes, aposentadoria é o que se dá à mão de obra tornada inservível e o aposentado não conta como um ser humano que ainda tem uma vida a viver. Para o trabalhador e a trabalhadora, ao contrário, a aposentadoria é a ansiada alforria. O momento em que eles podem alcançar um pouco da liberdade existencial de que os burgueses desfrutam. Para isso, é preciso que tenham duas coisas: alguma tranquilidade material e suficiente saúde.

Essa perspectiva é silenciada sistematicamente no debate brasileiro sobre a reforma da Previdência. Um debate limitado, enviesado, com dogmas que, justamente por serem tão frágeis, não podem sofrer questionamentos. Esses dogmas incluem o enquadramento da questão exclusivamente sob o ângulo contábil e a “bomba relógio” do “indiscutível” desequilíbrio estrutural. Outro dogma é a ideia de que trabalhador existe para trabalhar, isto é, para gerar mais-valor, enquanto tiver um sopro de energia no corpo.

Guedes é, hoje, o repetidor-mor desse discurso dogmático. Seu papel é enunciar certezas e impedir o debate sobre elas. A mídia gosta de diferenciar os olavetes e fanáticos religiosos, que formariam a “ala psiquiátrica” do governo, de seu homem no Ministério da Economia. Mas Paulo Guedes não é tão diferente do guru de Richmond, em seu apego a teorias sem fundamento e em sua arrogância e truculência na discussão pública. Faltam o charuto, o licor de laranja e o tapete com a pele do pobre urso bebê, mas, a seu modo, ele é o Olavo do mercado.

*Luis Felipe Miguel é professor de Ciência Política da UNB, e autor de Democracia e resistência: desafios para uma política emancipatória (Boitempo, 2018) e, em conjunto com Flávia Biroli, Feminismo e política: uma introdução (Boitempo, 2014), entre outros. Ambos colaboram com o Blog da Boitempo mensalmente às sextas.


Este artigo foi originalmente publicado pelo blog da Boitempo [Aqui!]

Ambientalistas se mobilizam contra nomeação de ex-secretário mentor do “licenciamento ambiental flex” na Bahia

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Ex-secretário estadual de Meio Ambiente da Bahia, Eugênio Spengler, que está tendo sua recondução para dirigir a pasta sendo repudiada por ambientalistas baianos.
Quem pensa que os esforços em curso para a fragilização dos processos de licenciamento ambiental estão restritos ao governo federal, que pense de novo. A verdade é que também governos ditos de oposição estão nomeando personagens que não contribuem para a proteção ambiental de nossos ecossistemas naturais e das populações que deles dependem para sua sobrevivência econômica e reprodução social.
Um exemplo disso vem da Bahia que continua sendo governada por Rui Costa do Partido dos Trabalhadores (PT). A carta abaixo assinada por diversos coletivos e organizações não-governamentais repudia a possível nomeação de Eugênio Spengler, que ocupou o cargo secretário de 2010 a 2017, para chefiar novamente a Secretaria Estadual do Meio Ambiente da Bahia.


Segundo o documento, durante a gestão anterior de Eugênio Spengler à frente da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, a “Bahia estabeleceu um triste pioneirismo
na instituição de modalidades declaratórias de licenciamento e de dispensa de
licenciamento (atividades agrossilvopastoris) que têm sido amplamente
questionadas por cientistas das mais diversas áreas, ambientalistas e o
Ministério Público (Estadual e Federal).” O documento afirma ainda que “esses retrocessos ambientais foram exportados como inovação para outros estados, e também no âmbito federal,descaracterizando a imagem de vanguarda que a gestão ambiental baiana tinha anteriormente.
O documento aponta ainda que “o modelo de gestão ambiental do ex-secretário é ultrapassado e conservador, e amplia adesigualdade social na Bahia, sendo inclusive, totalmente incompatível como modelo proposto pelo candidato do PT à presidência da República nas últimas eleições”.
Vamos ver agora o que responde não apenas o governador Rui Costa, mas, principalmente, a direção do PT que tem feito muitas e justas críticas à presença do advogado Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente. É que esta acusação de que há uma simbiose entre as propostas de Eugênio Spangler e Ricardo Salles para o estabelecimento de um modelo de “licenciamento ambiental flex” não podem ficar sem respostas sob pena de grave desmoralização política.
Quem desejar o documento dos ambientalistas bahianos em sua íntegra, basta clicar [Aqui!]

Lula publica artigo no New York Times denunciando golpe de direita no Brasil

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Lula: Eu quero democracia, não impunidade

Há um golpe de direita em andamento no Brasil, mas a justiça prevalecerá

Por Luiz Inácio Lula da Silva

O ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva escreveu este artigo de opinião da prisão.

CURITIBA, Brasil – Dezesseis anos atrás, o Brasil estava em crise; um futuro incerto. Nosso sonho de sermos um dos países mais prósperos e democráticos do mundo parecia ameaçado. A ideia de que um dia nossos cidadãos poderiam desfrutar dos padrões de vida confortáveis de nossos colegas na Europa ou em outras democracias ocidentais parecia estar desaparecendo. Menos de duas décadas após o fim da ditadura, algumas feridas daquele período ainda estavam abertas.

O Partido dos Trabalhadores ofereceu esperança, uma alternativa que poderia mudar essa tendência. Foi por esta razão, creio, acima de tudo, que triunfamos nas urnas em 2002. Eu me tornei o primeiro líder trabalhista a ser eleito presidente do Brasil. Inicialmente, os mercados foram abalados por esse desenvolvimento, mas o crescimento econômico que se seguiu os deixou à vontade.

Nos anos que se seguiram, os governos do PT conseguiram reduzir a pobreza em mais da metade em apenas oito anos. Nos meus dois governos, o salário mínimo aumentou 50%. Nosso programa Bolsa Família, que auxiliou famílias pobres ao mesmo tempo em que garantiu que as crianças recebessem educação de qualidade, ganhou renome internacional. Nós provamos que combater a pobreza era uma boa política econômica.

Mas este progresso foi interrompido. Não através das urnas, embora o Brasil tenha tido àquele momento eleições livres e justas, mas com a interrupção de um mandato da presidente Dilma Rousseff, que sofreu impeachment e foi destituída do cargo por uma ação que até mesmo seus oponentes admitiram não ser um gesto passível de punição. Eu também fui mandado para a prisão, depois de um julgamento duvidoso sobre acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.

Meu encarceramento foi a última fase de um golpe em câmera lenta destinado a marginalizar permanentemente as forças progressistas no Brasil. Pretende-se impedir que o Partido dos Trabalhadores seja novamente eleito para a presidência.

Com todas as pesquisas mostrando que eu venceria facilmente as eleições de outubro, a extrema direita brasileira está tentando me tirar da disputa. Minha condenação e prisão são baseadas somente no testemunho de alguém cuja própria sentença foi reduzida em troca do que ele disse contra mim. Em outras palavras, era do seu interesse pessoal dizer às autoridades o que elas queriam ouvir.

As forças de direita que tomaram o poder no Brasil não perderam tempo na implementação de sua agenda. A administração profundamente impopular do presidente Michel Temer aprovou uma emenda constitucional que estabeleceu um limite de 20 anos para os gastos públicos e promulgou várias mudanças nas leis trabalhistas que facilitarão a terceirização e enfraquecerão os direitos de negociação dos trabalhadores e até mesmo seu direito a uma jornada de trabalho de oito horas. O governo Temer também tentou fazer cortes nas aposentadorias.

Os conservadores do Brasil estão tentando reverter o progresso dos governos do Partido dos Trabalhadores e estão determinados a nos impedir de voltar ao cargo em um futuro próximo.

Seu aliado nesse esforço é o juiz Sérgio Moro e sua equipe de promotores, que recorreram a gravações e vazamentos de conversas telefônicas particulares que tive com minha família e com meu advogado, incluindo uma conversa ilegal. Eles criaram um roteiro fantasioso de mídia ao me prenderem, pois me acusaram de ser o “mentor” de um vasto esquema de corrupção. Esses detalhes aterradores raramente são relatados na grande mídia.

Moro foi protegido pela mídia de direita do Brasil. Ele se tornou intocável. Mas a verdadeira questão não é o Sr. Moro; são aqueles que o elevaram a esse status intocável: elites de direita, neoliberais, que sempre se opuseram à nossa luta por maior justiça e igualdade social no Brasil.

Não acredito que a maioria dos brasileiros tenha aprovado essa agenda elitista. É por isso que, embora estando na prisão, eu estou concorrendo à presidência, até porque as pesquisas mostram que, se as eleições fossem realizadas hoje, eu venceria. Milhões de brasileiros entendem que minha prisão não tem nada a ver com corrupção, e eles entendem que eu estou onde estou apenas por razões políticas.

Eu não me preocupo comigo mesmo. Já estive preso antes, sob a ditadura militar do Brasil, por nada mais do que defender os direitos dos trabalhadores. Essa ditadura caiu. As pessoas que estão abusando de seu poder hoje também cairão.

Eu não peço para estar acima da lei, mas um julgamento deve ser justo e imparcial. Essas forças direitistas me condenaram, me prenderam, ignoraram a esmagadora evidência de minha inocência e me negaram o habeas corpus apenas para tentar me impedir de concorrer à presidência.

Eu peço respeito pela democracia. Se eles querem me derrotar de verdade, que o façam nas eleições. Segundo a Constituição brasileira, o poder vem do povo, que elege seus representantes. Então que se deixe o povo brasileiro decidir. Eu tenho fé que a justiça prevalecerá, mas o tempo está correndo contra a democracia.

Versão deste foi originalmente publicado no dia de hoje (14/08) pelo “The New York Times” [Aqui!]