Bairro de Laranjeira, cidade do Rio de Janeiro, dia 29 de outubro de 2019, às 23:16 min.
Por Heitor Silva*
Ontem assistimos mais um round na disputa entre o Presidente da República e a Rede Globo, as aparências remetem para mágoas de Bolsonaro com o não empenho desta emissora no primeiro turno de sua eleição e a má vontade da rede com seu governo. Do lado da Globo as mágoas seriam as ameaças reafirmadas de não renovação da concessão do canal de TV em abril de 2022. No entanto, este mesmo Presidente foi capaz de aprovar todas as reformas que o grande capital esperava e que a Globo por interesses como grande empregadora e por ser o braço ideológico, por excelência, do grande capital tanto impulsionava, ou seja, apesar das insatisfações mútuas serem questões reais elas são contrabalançadas pelas vitórias conseguidas com o Bolsonaro, portanto precisamos ir mais a fundo para entender o que está em jogo que provoque este entrechoque.
Para entender o que está em disputa precisamos como ponto de partida compreender qual é a coalizão que chegou a Presidência; trata-se de um aglomerado de políticos do baixo clero, ou seja, políticos sem maiores expressões a nível nacional, o exemplo maior é o próprio Presidente que foi deputado por 27 anos, eleito sempre pelo fato de ser o representante dos militares nas lutas por salários. Na última legislatura de que participou se notabilizou pelos enfrentamentos com o ex- deputado Jean Wyllis e com a deputada Maria do Rosário assumindo protagonismo nacional por defender com virulência uma pauta conservadora já representada pelos evangélicos, mas sem o impulso retórico e a beligerância apresentada por Bolsonaro. Sem maiores apoios construiu um partido de inexpressivos, basta ver que a figura de proa do partido no maior estado do país, São Paulo, era um ex-ator de filmes pornográficos, o Sr. Alexandre Frota. Esta coalizão por não ter apoio dos setores tradicionais pode aparecer para a população como contra estes grupos que lhe negavam apoio, entre eles a Globo.
Outro setor importante nesta trajetória foram os evangélicos que apesar da crescente importância eleitoral e até empresarial ainda são setor marginal nos grandes negócios do país e que encontraram em Bolsonaro alguém com capacidade de comunicação muito maior e mais aguerrida do que seu principal quadro político, o Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, garantiram votos concentrados nas grandes cidades e a capilaridade no interior que um partido recém-criado, o PSL, não tinha.
Também foi importante a contribuição dada por celebridades da internet, o melhor exemplo foi o Sr. Olavo de Carvalho elas trouxeram um conteúdo ideológico para sustentar a candidatura e foram avalistas da aproximação com a extrema direita americana representada por Steve Bannon que contribuiu com aparato midiático nas redes para contrabalançar o pouco tempo na propaganda eleitoral e o isolamento imposto pela Globo.
O grande capital tinha como candidato Geraldo Alckmin que não conseguiu se tornar uma alternativa nas eleições, quando este quadro se configura Bolsonaro estava consolidado no segundo turno e diante de um discurso de aprovar as reformas, mesmo diante do discurso do candidato petista Haddad da necessidade de reformas, o capital preferiu aquele que garantia realizá-las de forma acelerada.
Instalado na Presidência começa a luta pelos “espólios de guerra” que têm várias frentes. A luta é encarniçada porque os grupos em torno do Presidente estavam de fora, ou seja, não se trata de rearrumar uma mesa posta no banquete, trata-se de conseguir lugar na mesa para os arrivistas. Os eventos que assistimos são desdobramentos desta luta.
Temos em primeiro plano a luta pelas verbas publicitárias, de um lado a TV dos evangélicos, do outro a Rede Globo. Para termos uma noção do montante o investimento em publicidade no Brasil chegou a R$ 16,54 bilhões em 2018, segundo o Cenp (Conselho Executivo das Normas-padrão), entidade que reúne os principais anunciantes, veículos de comunicação e agências de propaganda do país. Claro que a publicidade governamental é apenas uma fatia deste total, mas nada desprezível. O butim em disputa são as publicidades do governos mais as verbas publicitárias das estatais, entre elas: Caixa Econômica Federal, 7o maior anunciante do país com gastos em 2018 de mais de 1 bilhão e meio de reais[1] , sendo que deste total, matérias de jornais apontam, 370 milhões de reais como destinados as redes de TV; Banco do Brasil com gastos em 2018 de mais de 1 bilhão de reais; a Petrobras tem em execução dois contratos de publicidades entre 2018 e 2020, o valor total é de 550 milhões de reais[2].
Para termos uma ideia de como está sendo travada esta disputa, o site Poder360 nos informa que o Banco do Brasil estaria com campanha publicitária pronta, focada no mercado de varejo e de crédito, com veiculação prevista de R$ 20 milhões. Mas que teria sido barrada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), pelo fato de o valor alocado pela mídia para a Rede Globo ser maior que para Record e SBT[3].
No entanto a Rede Globo não teria condições de enfrentar um presidente da República que tivesse apoio maciço dos grandes anunciantes, que ameaçariam retaliar reduzindo verbas, se ela o faz de forma tão aberta antes fez as contas de quanto pode perder no setor público, que nem mesmo somando todas as verbas é seu principal anunciante e ter a certeza de que não será retaliada pelo grandes anunciantes privados. Para compreender o apoio, na surdina, que o grande capital dá a Globo nesta guerra é necessário compreender as “trapalhadas” cometidas pelos novatos no poder. Claramente o estilo do Presidente o isola do grande capital, quando põe a ideologia acima dos negócios como foi no caso da abertura da embaixada em Jerusalém, para agradar os evangélicos, criando um atrito com os árabes, que são, de longe, os maiores compradores do conglomerado BRF que junta a Sadia e a Perdigão. Também se enquadra neste caso os atritos criados com os chineses que estavam em vias de investir em infraestruturas importantes para o agronegócio, na mesma direção foram as declarações sobre as queimadas da Amazônia abrindo um flanco para retaliações aos nossos produtos agrícolas e animais nos países centrais.
Diante desta falta de habilidade, já com as reformas aprovadas e para afasta-lo mais ainda dos oligarcas e dos banqueiros há a sede com que os arrivistas se lançam e, neste caso, as notórias relações com os milicianos também novos-ricos sedentos de dinheiro e poder abrem a possibilidade de sua utilização como “guarda pretoriana” do Presidente. Com este quadro de referências procuramos ouvir interlocutores do mercado financeiros e todos disseram uníssonos – o mercado não se abalou diante da denúncias da Globo, aliás todos esperam e torcem pela saída dele e entronização do Vice-Presidente Mourão.
Estamos vendo uma luta que no Rio de Janeiro poderia ser traduzida como Leblon versus Barra da Tijuca e em S. Paulo como Jardins versus Itaim Bibi ou Moema.
Enquanto isso a América Latina arde e os atores em cena já se posicionam, o filho do Presidente ameaça com uso brutal de tropas para reprimir manifestações, o Prefeito Pastor da cidade do Rio de Janeiro contradizendo toda a sua trajetória resolve uma pendência sobre pedágio em uma importante via da cidade, a Linha Amarela, pela força destruindo a praça do pedágio, mostrando que se houver radicalização ele já está se posicionando para “mudar tudo e assim permanecer como era antes”. É plausível supor que dada a luta entre eles as manifestações tenham as “bençãos” da Globo, relembrando seu comportamento no impeachment do Presidente Collor. Para verem como ela está apostando nisso ontem logo após o Jornal Nacional com as denúncias contra o Presidente foi projetado em prédio no bairro da Laranjeiras a imagem abaixo, vejam equipamento de laser, caro e dos quais há poucos na cidade, já estava de plantão em um dos bairros onde o PSOL teve a maior votação na cidade esperando as reações diante de denúncias de relação do Bolsonaro com o assassinato da Vereadora Marielle Franco do PSOL carioca.
Não podemos, nós a esquerda, sermos marionetes neste jogo e nem acreditar em alianças tática com a Rede Globo, precisamos mostrar que isso é uma luta nos intestinos do capitalismo periférico e que nossa alternativa não pode ser outra que não seja a mudança completa de tudo que aí está, ou seja a Revolução Brasileira.
- Fonte: Kantar IBOPE Media – Monitor Evolution – ME1812TOTALPTVHS – Período: de Jan/ 2018 a Dez/2018. Valores Publicitários Brutos (GAV- Gross Adverseting Value), desconsiderados descontos e negiciações.
- Fonte: Transparência Petrobras. Disponível em: http://transparencia.petrobras.com.br/despesas/publicidade
- Fonte: https://www.poder360.com.br/economia/semana-do-brasil-comeca-nesta-6a-com-adesao-de-mais-de-6-mil- empresas/
*Heitor Silva é professor e economista