Artigo científico que propõe instrumento para análise de estudos pré-mineração é publicado

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A proteção do Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, sob constante ameaça da mineração da bauxita, foi o motivo inicial da pesquisa agora publicada em revista científica internacional

Após quase quatro décadas de labuta em pesquisas científicas, a publicação de um artigo ainda me deixa com a sensação de que a opção por trabalhar em uma universidade pública localizada no Norte Fluminense. Uma das razões por essa sensação é que a pesquisa que resultou nesta publicação teve até um momento em que fui processado em 2017 pela mineradora Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) por causa da divulgação de um conflito que ocorria no Distrito de Belisário que pertence ao município de Muriaé na Zona da Mata Mineira.

Outra razão que me deixa particularmente satisfeito com a publicação do artigo “Analytical framework using remote sensing and water geochemistry to assess changes in the landscape with high ecological and social valuepela revista científica Land Degradation and Development é que a mesma ocorre quase 6 anos depois da defesa da dissertação de mestrado do hoje doutorando do Programa de Pos-Graduaçãi em Ambiente e Sociedade da Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), Guilherme Pires de Campos Godoy Valvasori. É que esse tempo foi ocupado por análises e revisões que o tempo cada vez mais apertado para a formação de um Mestre, e o produto final ficou cientificamente mais denso, gerando uma contribuição aos debates sobre estudos pré-emissão de licenças ambientais para a mineração. Isto demonstra que a ciência tem seus ritmos próprios, o que nem sempre fica claro para os burocratas que controlam com mão de ferro o sistema nacional de pós-graduação.

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Com as análises que apresentamos no artigo, ficou demonstrado como o sensoriamento remoto e a análise hidroquímica podem ser utilizados para criar uma avaliação mais abrangente e um prognóstico das mudanças ambientais causadas pelas operações de mineração.  Nossos resultados mostram que as variações no uso e na cobertura da terra afetam o comportamento físico e químico dos rios, e que a sazonalidade desempenha um papel agravante nos seus níveis de partículas e elementos químicos.

O mais significativo é que a aplicação destas técnicas combinadas provou ser uma boa estratégia na avaliação das mudanças na cobertura da terra nas variações físicas e químicas encontradas em bacias hidrográficas menores, as quais são corriqueiramente ignoradas nos estudos de impacto ambientais realizados para obter licenças ambientais.

Com isso tudo, penso que essa é uma contribuição científica que vai além do acréscimo que cada um dos autores terá nos seus currículos pessoais, algo que não é, lamentavelmente, a regra, mas, sim, a exceção.

Crise hídrica no Uruguai: “Nível assustador de improvisação” do governo

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A água engarrafada é cara no Uruguai. Fonte: Camilo dos Santos @LaDiaria
Por Redação da Amerika21

Montevidéu . A crise hídrica no Uruguai continua inabalável. As reservas estão se esgotando e o governo estima que restarão de sete a 10 dias de água potável.

A capacidade normal da represa, que abastece Montevidéu e região metropolitana, é de 67 milhões de metros cúbicos. Em 1º de julho continha apenas 1,87% desse volume.

A concessionária estatal Obras Sanitárias do Estado (OSE) já mistura a água do Rio Santa Rica com a do Rio da Prata para manter o abastecimento de água potável. O aumento de cloreto e sódio na água misturada já ultrapassou os valores máximos permitidos.

Após um simples ajuste administrativo pelo Departamento de Saúde dos níveis máximos permitidos de sódio, cloretos e trialometanos, alguns já estão rotulando a crise como uma crise ambiental, hídrica e de saúde. O acesso à água potável, definido como “recurso vital”, está consagrado na constituição uruguaia como um direito fundamental.

A falta de água potável, em particular, vai ser contrariada com cisternas que abasteçam os distritos e com o aumento da oferta de água potável em garrafas. No caso deste último, vários modelos estão sendo discutidos sobre como os custos para os consumidores devem ser reduzidos.

Segundo os críticos, o presidente Luis Lacalle Pou declarou o estado de emergência nesta área tarde demais, o que permite procedimentos mais curtos para as medidas necessárias. Enquanto isso, a construção febril de um reservatório temporário que represará a água do rio San José e a direcionará para San Severino.

Luis Aubriot, membro do Instituto de Ecologia e Ciências Ambientais da Faculdade de Ciências da Universidade da República, disse ao jornal La Diaria: “As obras são decisões urgentes com um nível de improvisação que assusta dada a importância da água “A bacia do rio Santa Lúcia é de importância estratégica e falta um planejamento de longo prazo. Há um planejamento mais detalhado para outras áreas, como agricultura ou energia, mas a água não parece ser tão importante.”

Marcel Achkar, geógrafo e pesquisador do mesmo instituto, expressou uma opinião semelhante. Abordou o uso da terra e o modelo de desenvolvimento escolhido no Uruguai em relação à ocorrência de seca. Não há muitos na política dispostos a questionar o modelo de desenvolvimento.

Ambos os cientistas faziam parte de um grupo que redigiu um manifesto em novembro passado alertando que “o abastecimento de água potável está cada vez mais em risco no sul do país, principalmente nas áreas metropolitanas”. O manifesto já apresentava sugestões para melhorar a situação, mas até agora o governo as ignorou.


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Este texto escrito originalmente em alemão foi publicado pelo Amerika21 [Aqui!].

A crise climática está reduzindo a capacidade da Terra de sustentar a Humanidade, diz relatório do IPCC

Relatório da ONU encontra ecossistemas sob ameaça inédita e aponta que a restauração deles é urgente

guardian 0Desmatamento no estado do Pará no Brasil.  O desmatamento de grandes áreas, para usos como fazendas de gado e plantações de café, pode afetar o clima que afeta a saúde da Terra. Foto: Andre Penner / AP

Por Damian Carrington, editor ambiental do “The Guardian”

Desmatamento no estado do Pará no Brasil.  Desmatamento em larga escala para usos como fazendas de gado e plantações de café, pode afetar o clima que afeta a saúde da Terra. Foto: Andre Penner / AP

A crise climática está prejudicando a capacidade da Terra de sustentar a humanidade, com os riscos em cascata se tornando cada vez mais severos com o aumento das temperaturas globais, de acordo com um relatório da ONU compilado por alguns dos principais cientistas do mundo.

O aquecimento global está aumentando as secas, a erosão do solo e os incêndios florestais, ao mesmo tempo em que diminui o rendimento das plantações nos trópicos e derrete o permafrost próximo aos pólos, diz o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

O aquecimento adicional levará a condições climáticas sem precedentes em latitudes mais baixas, com potencial de crescimento na fome, migração e conflito e aumento de danos às grandes florestas do norte.

O relatório, aprovado pelos governos do mundo, deixa claro que a humanidade enfrenta uma escolha difícil entre um círculo vicioso ou virtuoso. A destruição contínua de florestas e as enormes emissões de gado e outras práticas agrícolas intensivas intensificarão a crise climática, fazendo com que os impactos sobre a terra sejam ainda piores.

guardian 1Fazenda de gado na Califórnia, EUA. A agricultura intensiva é um usuário pesado de água e uma grande causa de emissões de gases de efeito estufa. Foto: Lucy Nicholson / Reuters

No entanto, a ação agora para permitir que solos e florestas regenerem e armazenem carbono e reduzam o consumo de carne pelas pessoas e o desperdício de alimentos, pode ter um papel importante no combate à crise climática, diz o relatório.

Essas medidas também melhorariam a saúde humana, reduziriam a pobreza e combateriam as enormes perdas de vida selvagem em todo o mundo, diz o IPCC.

A queima de combustíveis fósseis deveria também terminar para evitar a “perda irreversível nos serviços ecossistêmicos terrestres exigidos para alimentos, saúde e assentamentos habitáveis”, diz o relatório.

“Esta é uma tempestade perfeita”, disse Dave Reay, professor da Universidade de Edimburgo, que foi um revisor especialista no relatório do IPCC. “Terra limitada, uma população humana em expansão e tudo embrulhado em uma manta sufocante de emergência climática. A Terra nunca se sentiu menor, seus ecossistemas naturais nunca estão sob ameaça direta. ”

Piers Forster, professor da Universidade de Leeds, disse: “Este importante relatório mostra que precisamos mudar substancialmente a forma como usamos nossas terras para limitar a mudança de temperatura abaixo de 1,5ºC. Em suma, precisamos de menos pastagens [para o gado] e mais árvores ”. O conselho de uso da terra foi contido em um relatório do IPCC em outubro.

O professor Jim Skea, do IPPC, disse que a Terra já estava em dificuldades e que a mudança climática estava aumentando seus fardos. Quase três quartos das terras livres de gelo foram agora diretamente afetadas pela atividade humana, diz o relatório.

O uso deficiente das terras também está por trás de quase um quarto das emissões de gases de efeito estufa do planeta – a destruição de florestas, enormes rebanhos de gado e o uso excessivo de fertilizantes químicos são fatores-chave.

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As emissões relativas a fertilizantes aumentaram nove vezes desde o início dos anos 60. O aumento das temperaturas está causando desertos a se espalhar, particularmente na Ásia e na África, e as Américas e o Mediterrâneo estão em risco, diz o relatório.

Uma das conclusões mais contundentes do relatório do IPCC é que o solo, do qual a humanidade é inteiramente dependente, está sendo perdido mais de 100 vezes mais rápido do que está sendo formado em áreas aradas; e perdeu 10 a 20 vezes mais rápido, mesmo em campos que não são cultivados.

O relatório recomenda uma ação forte de governos e empresas, incluindo acabar com o desmatamento e permitir que novas florestas cresçam, reformando subsídios agrícolas, apoiando pequenos agricultores e criando culturas mais resistentes. Muitas dessas soluções, no entanto, levariam décadas para ter um impacto, diz o IPCC.

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Mudas sendo plantadas na Mongólia Interior este ano para controlar a desertificação à medida que as temperaturas sobem. Foto: Xinhua / Barcroft imagens

Os consumidores das nações ricas poderiam agir imediatamente reduzindo seu consumo de carne e laticínios produzidos intensivamente – produtos que têm um enorme impacto ambiental.

“Há muito mais que podemos fazer nesse espaço que não estamos fazendo, em parte porque é difícil”, disse Pete Smith, professor da Universidade de Aberdeen e autor sênior do IPCC. “Você não gostaria de dizer às pessoas o que comer, que iria cair mal. Mas você poderia incentivar.

O relatório do IPCC sugere “fatorar custos ambientais em alimentos”. Estudos anteriores sugeriram impostos sobre carnes ou frutas e legumes subsidiados. A produção de carne amarra a maioria das terras agrícolas e o consumo de cortes poderia liberar milhões de quilômetros quadrados para plantações florestais ou de bioenergia, segundo o relatório, assim como poderia reduzir o desperdício de alimentos.

Caterina Brandmayr, do think tank da Green Alliance, disse: “A mensagem chave do IPCC é urgência: precisamos agir agora para plantar novas florestas, restaurar nossos ecossistemas e, sim, comer menos carne”.

David Viner, professor da Universidade de East Anglia e autor sênior do IPCC, disse: “A terra é um recurso vital e nós temos que cuidar disso se quisermos ter um futuro sustentável”.

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Este artigo foi publicado originalmente em inglês pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].

Projeto MapBiomas mapeia três décadas de mudanças na ocupação territorial do Brasil

Iniciativa que reúne 34 instituições lança coleção inédita de mapas anuais para o período 1985-2017

Por Observatório do Clima

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Mapas mostram tipos de ocupação de terra no Brasil em 1985 e 2017 (MapBiomas).

O projeto MapBiomas lança nesta sexta-feira (17) um conjunto de dados de mapeamento que permite investigar a ocupação territorial de qualquer parte do Brasil, ano a ano, desde 1985. A ferramenta, que possibilita descobrir o que ocorreu no país desde então com uma resolução de 30 metros, é pública, inédita, gratuita e de acesso livre.

“Essa é a mais longa série de dados sobre cobertura e uso da terra já levantada para o Brasil, algo jamais feito em qualquer outro país”, diz Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, coordenador do projeto, que envolve parceiros de 34 instituições diferentes. “O que estamos colocando à disposição de todos é a possibilidade de fazer uma viagem no tempo e enxergar a história do Brasil nas últimas três décadas, mostrando o que aconteceu em pixels de 30 x 30 metros.”

Os dados estão disponíveis no site www.mapbiomas.org. As ferramentas de navegação do site permitem explorar o mapa do Brasil e criar visualizações temporais de dados para estados, municípios, unidades de conservação, terras indígenas e outros recortes territoriais.

“Agora, pela primeira vez, permitimos o cruzamento de dados com o Cadastro Ambiental Rural, possibilitando visualizar mudanças de uso da terra em propriedades rurais”, afirma Azevedo. “Também é possível ver dados por bacia hidrográfica e enxergar a infraestrutura de energia e transportes para entender como ela impacta o uso do solo.”

O projeto permitiu constatar com alta precisão diversas mudanças no período 1985-2017:

  • O Brasil teve perda líquida de 71 milhões de hectares de vegetação nativa, o equivalente a SP, PR, RJ e ES somados (a perda líquida é a perda total com a recuperação subtraída)
  • A área de agricultura quase triplicou neste período (cresceu 2,9 vezes), e a área de pecuária cresceu 43%
  • A Mata Atlântica, bioma com 56% da área urbana do país, teve perda líquida de 5 milhões de hectares de floresta; nos últimos 10 anos a regeneração superou o desmate
  • O bioma que viu a maior proporção de sua área de vegetação nativa sumir foi o Cerrado, com 18% de perda líquida
  • A Amazônia perdeu a maior área (líquida) de floresta no período: 36 milhões de hectares
  • Outros biomas tiveram também perda líquida: Pampa (-15%), Caatinga (-8%) e Pantanal (-7%)

O MapBiomas nasceu em 2015, a partir de um seminário que reuniu pesquisadores convidados pelo Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) para discutir um problema. Como o país só tinha dados confiáveis para monitorar emissões por desmatamento e outras mudanças de uso da terra na Amazônia, os parceiros da iniciativa concordaram em unir esforços para conseguir abarcar os outros cinco biomas do país: Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal e Pampa.

O projeto já lançou ferramentas para explorar duas coleções de dados desde então. A segunda, publicada em 2017, já permitia investigar a mudança de uso da terra no país de 2000 a 2016. Com a terceira coleção, lançada agora, o MapBiomas dobra a extensão do período que pode ser investigado, cobrindo todos os anos de 1985 a 2017.

“Isso só foi possível porque nós conseguimos reunir instituições com cientistas estudando cada um dos biomas brasileiros a especialistas em sensoriamento remoto, em uso da terra, em sistemas de informações geográficas e em ciência da computação”, diz Carlos Souza Jr., do Imazon, coordenador técnico-científico do MapBiomas. “A parceria com o Google Earth Engine, uma plataforma de processamento em larga escala de dados geo espaciais, permite ao MapBiomas tratar um volume monstruoso de dados.”

Máquina do tempo
As imagens usadas pelo projeto são séries históricas produzidas pelos satélites Landsat, dos EUA. Para cada área de 30m por 30m do Brasil, o projeto atribui uma classificação de uso da terra (floresta, campo, pastagem, plantação, água, cidade etc.). Para cobrir o país inteiro, é preciso analisar mais de 9 bilhões de pixels, montados a partir de milhares de imagens de satélite para a série histórica.

“Só foi possível atingir nosso objetivo usando um alto grau de automação do processo, usando o conhecimento de nossos especialistas nos biomas para alimentar um sistema de aprendizado de máquina”, diz Tasso Azevedo. “E hoje, apesar de o projeto ter sido criado para a estimativa de emissões de gases-estufa, ele pode ser usado para inúmeras outras aplicações.”

Por exemplo, municípios utilizam essas informações para montar seus Planos de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica e a expansão da infraestrutura urbana; estados podem aplicar os dados para o zoneamento ecológico-econômico; gestores de unidades de conservação (UCs) podem usar os dados como base para desenhar novas UCs e seus planos de manejo. A Fiocruz estuda a relação das mudanças de uso do solo com a dispersão de doenças como febre amarela e malária usando o MapBiomas.

FONTE: http://www.observatoriodoclima.eco.br/projeto-mapbiomas-mapeia-tres-decadas-de-mudancas-na-ocupacao-territorial-brasil/

Marketing acadêmico: artigo publicado na COSUST analisa cenários do uso da terra na América Latina

Uma das principais obrigações de todo pesquisador é participar de esforços que efetivamente contribuam para o avanço do conhecimento em suas respectivas áreas, o que não raramente envolve esforços coletivos, pois a ciência não é baseada apenas no eventual brilhantismo dos indivíduos.  Mais importante ainda é fazer isto em momentos em que o contexto histórico conspira contra a produção de conhecimento autônomo e crítico, como no momento em que vivemos, onde a ciência está sob forte ataque em muitos países, inclusive naqueles chamados de “democráticos”.

Por isso, estou particularmente satisfeito em ter contribuído para a produção do artigo intitulado “Land system science in Latin America: challenges and perspectives” que acaba de ser publicado pela revista “Current Opinion in Environmental Sustainability” (COSUST), o qual foi o resultado deu um trabalho coletivo que reuniu 20 pesquisadores distribuídos por 6 países, sob a liderança dos colegas Sébastien Boillat (Instituto de Geografia da Universidade de Berna, Suiça) e Fabiano Scarpa (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, INPE)

O artigo se trata de um esforço de revisão do estado da arte dos estudos sobre mudanças no uso da terra na América Latina, mas aponta alguns dos principais eixos de pesquisa que deverão tomar atenção da comunidade científica que se ocupa deste tipo de estudo nos próximos anos e décadas.

Como o artigo bem aponta, vivemos um contexto histórico em que a realidade existe no plano local está intrinsecamente conectada a processos econômicos e sociais que se passam em nível global.

Os interessados em baixar este artigo para posterior leitura podem clicar (Aqui!)